Karla Alessandra Salim Magluf Marques2

Adriano Antunes Damasceno3

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO;2 PROCESSO HISTÓRICO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO; 2.1 Aspecto histórico; 2.1.1 Aspecto histórico brasileiro; 2.1.2 O Estado democrático de direito;3 A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS E AS GARANTIAS PROCESSUAIS; 3.1 Princípio do contraditório e ampla defesa; 3.2 Coisa julgada; 3.3 Imparcialidade do juiz; 4 CONTEÚDO DO DEVER DE MOTIVAÇÃO; 5 CONCLUSÃO; REFERÊNCIA

RESUMO

O presente trabalho propõe o estudo acerca da motivação das decisões judiciais, enfatizando o princípio do devido processo legal, a sua relação com a criatividade judicial, bem como a sua relação com os direitos e garantias fundamentais. É importante ressaltar que a motivação das decisões além de se tratar de um dever imposto ao magistrado, é um instrumento interligado ao devido processo legal, no qual, as partes e os interessados têm a garantia constitucional de uma tutela jurisdicional efetiva. O tema abordado é de extrema relevância, tendo em vista, estender a possibilidade de as partes ou interessados, através do Estado Democrático de Direito, participarem do controle jurisdicional, garantindo assim, para efeito de segurança das relações jurídicas e controle da atividade jurisdicional, a possibilidade de impugnar as decisões que não estejam devidamente fundamentadas.

Palavras-Chaves: Motivação. Decisão judicial. Princípios. Processo civil.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata do princípio da motivação das decisões judiciais qaue consiste em um ato de escolha que está relacionado de modo direto com outras garantias constitucionais, como o princípio do contraditório e da ampla defesa. O juiz deverá mostrar às partes e aos demais interessados como se convenceu, o porquê de ter tomado determinada decisão.

O dever da motivação das decisões judiciais passou por um processo histórico que inicialmente ocupou posição secundária no Direito brasileiro. O processo romano foi dividido em fases, o germânico não precisava de motivação da decisão, no direito Frances a fundamentação das decisões foi originada na Revolução francesa. No Brasil a motivação das decisões é resultado do Brasil colônia de Portugal.

Há uma relação entre Motivação das decisões judiciais e o Estado Democrático de Direito em que concretiza direitos fundamentais dos indivíduos. Esse princípio é inerente a esse Estado Democrático de Direito que defende a ideia de não arbitrariedade e subjetivismo. Defende que a decisão do juiz deve ser imparcial.

A fundamentação das decisões judiciais são consideradas garantias fundamentais que concretiza o contraditório e ampla defesa, funciona como limite da coisa julgada, atribui que a decisão não deve ser parcial. Além disso, o trabalho aborda o conteúdo do dever de motivação das decisões judiciais que deve ser dotada de coerência, clareza, completude e concretude.

 

2 PROCESSO HISTÓRICO DO DEVER DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

2.1 Aspecto histórico

O dever de motivação das decisões judiciais ocupou um espaço secundário e pouco abordado pelo Direito no decorrer da história. Por muito tempo as decisões judiciais foram consideradas como um ato de poder dos juízes e que por isso, não precisava justificar o porquê de determinada decisão. (LUCCA, 2016)

O processo romano foi dividido em fases. A primeira que era denominada de ações de leis, aos magistrados era dado a função de declarar a lei, eles não tinham poder para julgar. Era formado por um sistema bipartido entre magistrado e tribunal. A segunda fase era marcada pela figura do pretor, encarregado de estabelecer a controvérsia e o juiz(iudex), constituído por um cidadão romano que poderia ser escolhido pelas partes ou pelo próprio pretor, a qual, desempenhava a função de resolver a controvérsia e dizer quem seria condenado ou absolvido, declarando o seu parecer na sentença. Nas duas fases citadas não havia motivação, apenas declaração de condenação ou absolvição. Já na fase denominada formular, a sentença embora sem fundamentação passou de declaratória para condenatória, ao magistrado era imposto um comportamento, depois de formada a sua convicção ele prolatava a sentença de forma oral e sem motivação. (SILVA, 2010)

No processo germânico, julgamento era feito oralmente, por uma assembléia formada pelo povo que desempenhava função de legislador e julgador. A sentença tinha como característica a elaboração de uma norma jurídica aplicada a determinado caso, e essa sentença era declarada pelo presidente. O conteúdo da sentença era composto pelo dispositivo e ela não precisava ser motivada.(LUCCA, 2016)

No direito francês, a motivação das decisões surge pela primeira vez na lei de Organização Judiciária, no artigo 15. A motivação das decisões judiciais teve sua origem nas questões políticas da Revolução Francesa. A desconfiança do povo francês nos juízes, contribuiu para o desenvolvimento da motivação das decisões como forma de controle da atividade arbitrária que poderia ser exercida pelos mesmos. Além disso, com base no iluminismo , o juízes deveriam demonstrar na sentença, a opinião do povo em que a sua decisão estava relacionada.(LIRA,2005). Mais tarde, foram impostas aos juízes, que as decisões deveriam ser estruturadas em dispositivos, relatório e motivação. O dever de motivação foi instituído constitucionalmente na França (LUCCA, 2016)

2.1.1 Aspecto histórico brasileiro

 No direito brasileiro, a motivação das decisões judiciais é resultado do Brasil colônia de Portugal. O regulamento 737 de 1885, apareceu como a primeira vez em que o legislador editou normas referente á motivação das decisões. A motivação se encontrava na segunda parte da sentença, logo após o relatório e seguida do dispositivo, no código de processo cível de 1839. A motivação das decisões se tornou garantia constitucional que é disposta á sociedade como uma forma de controle da arbitrariedade do juiz. (LIRA, 2005)

A primeira vez em que a motivação das decisões judiciais apareceu no ordenamento jurídico brasileiro foi em decorrência do direito português. Após a independência do Brasil, a motivação das decisões foi atribuída aos juízes, como uma forma de assegurar a possibilidade de recurso pelas partes. As sentenças proferidas sem motivação não acarretava a anulação do processo, não havia qualquer obrigatoriedade em motivar as decisões dos magistrados. A partir da promulgação da Constituição brasileira de 1824, Dom Pedro I objetivando atribuir garantias processuais aos seus súditos determinou que os juízes nas suas sentenças, exponha o fundamento da mesma, o porquê deles terem decidido daquela forma. Em 1850 a motivação das decisões judiciais foi prevista no Regulamento 737, artigo 232 em que previa a sentença com todos os seus elementos essenciais, dispositivo, relatório e motivação alem disso, gerava uma maior proximidade do magistrado com os seus jurisdicionados. (PEREIRA,2009 )

A partir da fase republicana brasileira, passou a vigorar a dualidade processual em que a competência para legislar sobre matéria processual ficava a cargo dos Estados e da União. Os estados membros que possuíam competência para legislar sobre matéria de processo civil, inseriram em seus códigos o dever da motivação das decisões judiciais. (NERY, 1999)

Os códigos estaduais citados anteriormente possibilitaram o fortalecimento das classes dominantes que consistia em uma restrição dos direitos fundamentais e consolidação do poder dos coronéis e dos magistrados arbitrários. O princípio da motivação das decisões judiciais, estava presente nesses códigos como uma forma de consolidar uma estrutura de poder e não estava disponível para a utilização dos jurisdicionados. Foi a partir do Estado Novo que o poder foi centralizado nas mãos de Getúlio Vargas e a oligarquia de proprietários rurais foi perdendo espaço. Nesse momento a dualidade processual foi posta de lado e foi consolidado a unidade legislativa processual, atribuída á União. (PEREIRA,2010)

O código Civil de 1939, estabeleceu como elementos essenciais da sentença o relatório, motivação e decisão e que o posicionamento final dos juízes deveria ser claro e objetivo. Alem disso, á motivação das decisões foi incorporada a coisa julgada uma vez que, os fundamentos e fatores presentes na sentença iriam se tornar imutáveis diante da coisa julgada (PEREIRA,2010)

2.1.2 O Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito possui o seu conceito em relação a uma perspectiva política e histórica, é atrelado a uma concepção que se sobrepõe ao Estado de Direito já que, o Estado Democrático de Direito tem como objetivo a concretização de princípios democráticos como uma forma de efetivar direitos que são considerados como fundamentais para cada indivíduo. Já o Estado de Direito defende a concepção de adequação entre Estado e ordem pública. Um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a soberania popular, ele permite a participação dos cidadãos nos assuntos relacionados ao andamento das questões do seu país. (FUIN,2009)

Através da analise do processo histórico da motivação das decisões judiciais, que a mesma foi destinada a realizar a função de maior racionalidade e transparência atribuída á atividade do Estado. Esse dever de motivação é derivado da relação com o Estado Democrático de Direito o qual, defende a ideia de não arbitrariedade judiciária e subjetivismo. Essa relação se da pelo fato do Estado Democrático de direito não deixar de se justificar de forma material e formal, quando interfere de alguma forma no patrimônio dos indivíduos já que não agir dessa forma implicaria em uma arbitrariedade que é claramente refutada por ele. (LUCCA, 2016)

O dever da motivação das decisões judiciais deve ser observado a imparcialidade e justiça do juiz destinada a todos os indivíduos. Essa imparcialidade e justiça do juiz deve ser destinado não só ás partes para que entrem com recursos, como também aos terceiros para que se possa identificar se a decisão está de acordo com a justiça, legalidade, possibilitando o pedido de anulação da decisão caso a mesma não esteja de acordo com o Estado democrático de direito.(FUIN, 2009)

Esse dever de motivação é inerente ao Estado Democrático de Direito uma vez que, ele exclui a concepção de que as decisões proferidas pelo magistrado não precisa de fundamento por ser uma manifestação de poder, ele coloca os magistrados no mesmo âmbito dos jurisdicionados. Todas as decisões que são proferidas sem motivação, são consideradas como arbitrarias já que se torna subjetiva, impossibilitando o controle da atividade dos juízes. A motivação deve expor os fatos que comprovam que a decisão do juiz foi correta e justa. (LUCCA, 2016)

Além disso, a motivação das decisões judiciais possibilita a identificação de injustiças presentes no Estado Democrático de Direito, proibindo sentenças que se revelem parciais que estejam em desacordo com os direitos fundamentais de cada individuo. (FUIN,2009)

 

3 A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS E AS GARANTIAS PROCESSUAIS

A fundamentação das decisões judiciais é considerada como garantia fundamental e por conta disso, o Estado e órgão devem motivar as suas decisões, deixando de lado a parcialidade, ideologias, fazendo com que as partes do processo possam exercer a sua função que é a de controle constitucional (JORGE, 2012)

3.1 Princípio do contraditório e ampla defesa

O contraditório e ampla defesa são princípios ligados a participação das partes no processo. O contraditório consiste na imposição das partes serem ouvidas no processo em relação a tudo que for relevante para a decisão do juiz, é vedado qualquer pronunciamento do mesmo que vá de encontro com os interesses das partes. Autor e réu devem ser chamados a se manifestarem no processo. O contraditório efetiva a participação a ampla defesa vai realizar a função de concretiza a participação, dando as partes oportunidade de contribuírem com o convencimento judicial. Entretanto, o juiz não é obrigado a se manifestar em relação a todos os fatos alegados pelas partes no processo, ele é livre para escolher os fundamentos que serão utilizados por ele na decisão. Ele deve fundamentar o porquê de ter decidido a favor do réu ou do autor. (LUCCA, 2016)

A motivação das decisões acaba sendo mais importante para a parte que perdeu do que a parte que ganhou uma vez que, o que perdeu pode recorrer da  decisão , ele pode não aceitar a decisão proferida pelo juiz e pedir explicações na fundamentação judicial. O indeferimento de produção de provas deve ser devidamente motivada . (LUCCA,2016)

3.2 Coisa Julgada

O dever de motivação das decisões delimita a coisa julgada material que atribui imutabilidade ao comando decisório contido no dispositivo. A motivação não é contemplada pela coisa julgada, ela pode ser discutida em outro processo. Tudo que é analisado pelo juiz pode ser analisado novamente em outro processo referentes ás mesmas partes ou outras. A fundamentação das decisões é importante para determinar qual o limite da coisa julgada e em algumas situações ela determina se a norma jurídica presente no dispositivo vai ser imutável ou não pela coisa julgada material (DIDIER, 2012)

3.3 Imparcialidade dos juízes

A motivação das decisões judiciais efetiva a imparcialidade do juiz uma vez que, impede desvios que apresenta uma certa dificuldade de justificar uma decisão que é injustificável e serve como indicação de que a sentença proferida não foi baseada na imparcialidade. O fato de fundamentar uma decisão atribui dificuldades para que o juiz se posicione de forma parcial (LUCCA,2016)

4 CONTEÚDO DO DEVER DE MOTIVAÇÃO

A decisão motivada deve ser dotada de coerência do juiz, ele deve justificar que tomou determinada decisão devido a certos fundamentos e que teria tomado decisão diversa se outros elementos tivessem sido expostos. Esse fato contribui para o controle das partes e da sociedade em relação ao sistema jurisdicional. (SILVA, 2010). O fato da decisão ser coerente significa dizer que ela deve ser lógica e coesa, ela deve indicar quais são os fatos que possuem uma maior importância para o pedido que foram comprovados, indicar a norma jurídica utilizada no caso concreto em questão e se o pedido da parte encontra apoio no ordenamento jurídico.(LUCCA, 2016)

Além disso, a motivação deve ser dotada de clareza. Ela deve ser feita de forma que seja compreendida explicando o porquê de determinada decisão foi tomada. Para que seja clara, a decisão deve ser objetiva uma vez que é comum juízes descreverem em suas decisões fatos irrelevantes ao processo como citações doutrinárias. A decisão dotada de clareza é aquela que trata somente de pontos relevantes ao processo, sem explicações de conceitos doutrinários, desnecessários ao processo. A decisão deve ser fundamentada de forma tecnicamente precisa e o desconhecimento da lei pela população não significa dizer que decisão é imprecisa.(LUCCA,2016)

Outro requisito referente ao dever de motivação das decisões é a completude, a qual, as decisões devem ser completas e bem fundamentadas, e fica sujeita a nulidade se assim não ocorrer. (LIRA, 2005). A motivação é completa quando apresentam fundamento jurídico que justifica o dispositivo, e afasta todo o fundamento jurídico da parte contrária que foi não foi favorecida no processo. A completude também se refere aos motivos pelos quais não foram aceitas as alegações feitas pela parte desfavorável, o juiz deve analisa todas as questões que envolvem o processo.(LUCCA, 2016)

A concretude, outro requisito da motivação das decisões, diz que a forma como as alegações são enfrentadas deve ser concreto e que todo o fundamento da decisão seja encontrado em documentos decorrentes dos autos processuais, ou seja, ele estabelece de que forma a decisão deve ser motivada por isso ela não pode ser vaga.(LUCCA, 2016)

REFEÊNCIAS

DIDIER,Fredie.Sobre a fundamentação da decisão judicial. Disponível em:< http://www.frediedidier.com.br/wp-content/uploads/2012/02/sobre-a-fundamentacao-da-decisao-judicial.pdf> Acesso em 11 nov.2016

DINAMARCO. Cândido Rangel. O dever de Motivar. In: Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

FUIN, Tatiane Abreu. A motivação no Estado Democrático de Direito: Funções sociais, políticas e processuais. Disponívelem: < http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/135> Acesso em 11 nov. 2016

JORGE, Nelson. O princípio da motivação das decisões judiciais. Disponível em:< file:///C:/Users/USU%C3%81RIO/Downloads/735-1808-1-PB%20(2).pdf> Acesso em 11 nov.2016

LIRA, Gerson. A motivação na valoração dos fatos e na aplicação do direito. 2005. 191f. Dissertação (Mestrado em Direito)- Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul. 2005.

LUCCA, Rodrigo Ramina. O dever da motivação das decisões judiciais.Salvador:Juspodivm,2016.

NERY, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999.

PEREIRA, Hugo Filardi. Motivação das decisões judiciais e o Estado Constitucional. 2010. 198f. Dissertação(Mestrado em Direito)-  Faculdade de direito, Universidade Católica, São Paulo. 2010.

SILVA. Ana de Lourdes. Estudo das motivações das decisões judiciais no século da jurisdição: uma reavaliação do momento jurisprudencial do direito. 2010. 315f. Tese(Doutorado em Direito)- Faculdade de Direito, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo. 2010.