1. INTRODUÇÃO

Pretendo, no presente trabalho, abordar o tema sobre a morte do filósofo Sócrates na Grécia Antiga. Nesse sentido, cabe a mim retratar o que este fato representou para a pólis grega naquela época, bem como dialogar com o que representa até hoje à nossa sociedade, uma vez que o pensamento grego influenciou todo o modo de pensar ocidental até à Idade Moderna. Para isso, terei em mente o texto escrito por Alceu Amoroso Lima, localizado na Introdução da "Apologia de Sócrates", de Platão, no qual o autor visa à explicação dos fatos que levaram Sócrates a morrer e aceitar a sua morte diante de todos. Tomarei também como base um primoroso capítulo do livro "Mito e pensamento entre os gregos", de Jean-Pierre Vernant, no qual o autor descreve o momento histórico pelo qual a filosofia nascera, o que ela significava para os gregos, retratando seu paralelismo com o mundo concreto da pólis da qual fazia parte. Pretendo também levar em consideração o Mito da caverna, escrito por Platão, que refere-se, de fato, à pretensão dos filósofos de conhecer a real verdade, em chegar ao nível de conhecimento tão grande para se atingir o mundo inteligível, o que retrata grandes questões aos motivos que levaram Sócrates à morte.
Vale lembrar, sobretudo, que se trata de um trabalho acadêmico, fazendo com que seja alvo de discussões e debates, não esgotando qualquer outro conteúdo.


















2. A MORTE DE SÓCRATES

Abordar a filosofia é abordar o mundo grego, é abordar discussões e debates. Ela nasce, na Grécia, como uma evolução de um pensamento mítico, que se restringia a um determinado número pequeno de pessoas, que se reuniam para debater temas, problemas, questões que se referiam à realidade da época. Nesse sentido, o pensamento predominante da Grécia Antiga sai da forma de Mitologia - a qual era usada para explicar eventos físicos e naturais, e também até para justificar a situação social, econômica e religiosa dos cidadãos -, para uma forma de pensar racional, que procura pensar os fenômenos seguindo determinada lógica, sempre em busca de um saber que explicasse o todo, em busca da Verdade, e visando a atingir toda a pólis grega. Nas palavras de Jean-Pierre Vernant:
[?] Assim, os dois traços que caracterizam o novo pensamento grego são, por um lado, a rejeição, na explicação dos fenômenos, sobrenatural e do maravilhoso; por outro, a ruptura com a lógica da ambivalência, a procura, no discurso, de uma coerência interna, por uma definição rigorosa dos conceitos, uma nítida delimitação dos planos do real, uma estrita observância do princípio da identidade[?] (VERNANT, J. P. 1973. p.300).

A filosofia surge realmente como uma ciência, disposta a ser a luz de explicação para o mundo, para o ser, para a natureza, para a vida. Desse modo, o fator fundamental que é colocada para a filosofia, e que se enquadra à realidade da pólis grega, é o discurso. Na Grécia Antiga, como sabemos, o mundo da praça estava sempre refletido na vida dos cidadãos e nas questões que lhes diziam respeito, não só a política. Lá era onde se argumentava, falava-se, debatia-se, dando oportunidades a quem era cidadão de direito para expor seu pensamento, sua perspectiva, etc. Mas é importante ressaltar que se tratava de pólis onde cerca de 10 mil pessoas eram vista como cidadão, por isso a viabilidade do debate em praça pública. Dito isso, o problema que havia era que se dava mais importância à argumentação do que da veracidade do que era falado. Assim, o bom orador saía da discussão com o detentor da verdade da questão tratada. Como cita Vernant:
[?] Ao trazer o 'mistério' para a praça pública, em plena ágora, converte-o em um objeto de debate público e contraditório, no qual a argumentação dialética acaba por superar a iluminação sobrenatural [?] (VERNANT, J. P. 1973. p.302).

Nesses termos, Vernant indica que, muitas vezes, a verdade era deixada de lado, atentando-se apenas ao fato da argumentação, da retórica, como faziam os sofistas, que tinham simplesmente a função de convencimento de determinada pessoa. Assim, podemos entender a famosa frase de Sócrates "Sei que nada Sei", através do oráculo de Délfus, representando justamente a crítica de que, para se chegar à verdade, é preciso se elevar a um estado de espírito tão alto que, se se deixar levar pelos sentidos, sua busca se torna cada vez mais árdua.
Assim, Sócrates, como os demais filósofos, buscava sempre a verdade. Mas verdade em todos os sentidos do termo, que abrangesse um ideal maior. Porém, como descreve Platão no Mito da Caverna, localizado no livro "A República", em um diálogo de Sócrates e Gláuco, os seres humanos não conhecem a real verdade, uma vez que estão aprisionados por correntes em uma caverna, olhando para a parede, e vendo apenas sombras, em oposição a uma abertura atrás deles, onde há uma fogueira, ou seja, o verdadeiro objeto do qual eles só viam sombras. Desse modo, é dever de um deles se libertar das correntes, olhar o verdadeiro objeto, e espalhar a real verdade para todos os outros, uma vez que a verdade deve ser dita e compartilhada com os demais. Entretanto, poucos poderiam sair dessa situação de prisão e encontrar a verdade, no caso que Sócrates coloca, apenas os filósofos. Assim, o Mito da Caverna revela o caminho árduo que o filósofo (e todos os seres humanos) deveriam percorrer para se chegar à verdade e que, mesmo a encontrando, seria muito difícil espalhá-la para os demais, uma vez que, uma pessoa, quando se encontra em determinado estado de espírito, é demasiado difícil resgatá-la da escuridão e mostrar-lhe a luz posto que uma verdade para ser quebrada é quase impossível. Nas belas palavras de Platão, podemos perceber como deveria ser a difusão da verdade, no caso da caverna:
[?] Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as imagens dos homens e dos outros objetos, refletidas na água, e, por último, para os próprios objetos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da lua, mais facilmente do que se fosse o sol e o seu brilho de dia [?] (Platão. ed. 1985. livro VII, in A República)

Podemos ver, portanto, que a verdade deveria ser encontrada de alguma forma e transmitida a todas as outras pessoas, para se libertarem do jugo da escuridão, da mentira, da menta incompleta do ser humano. E é nesse sentido que Sócrates irá atuar. Partindo-se de uma situação estável de ignorância ("Sei que nada sei"), e admitindo sua atual incapacidade e incompleto espírito de sabedoria, Sócrates vai procurar, através da maiêutica (que consistia no ato de busca pela verdade através de questionamentos de Sócrates aos seus discípulos que levariam o 'entrevistado' a admitir seu próprio erro nas suas concepções), admitir o fato de que o ser humano encontra-se em um estado de mentalidade inferior à sua capacidade, e que é dever dele buscar esse conhecimento, pois só assim iria atingir atos e comportamentos virtuosos, que trariam o Bem, o Belo e o Justo.
Porém, nessa caminhada, Sócrates fez vários inimigos com suas indagações, questionamentos e discordâncias. Os piores deles foram líderes religiosos e o Estado. Nesse sentido, os questionamentos de Sócrates eram tão fortes e influentes que chegavam a incomodar os poderosos da época clássica da Grécia, uma vez que punham em pauta e em questão verdades até então inquestionáveis, que poderia influenciar de forma negativa os cidadãos. Nas palavras de Alceu Amoroso Lima, ele descreve os crimes pelos quais Sócrates era acusado:
[?] Sócrates era acusado de recusar o culto devido aos deuses do Estado, introduzindo entidades demoníacas, com isso pervertendo a mocidade e levando-a a cometer os mesmos crimes (de ateísmo contra os deuses oficiais), pois só assim ficaria o crime sob a jurisdição do Rei, a quem competia a defesa da religião do Estado [?] (Lima. 1992. p. 7. in Apologia de Sócrates).
A verdade é que Sócrates, ao questionar determinados assuntos vigentes na época, influenciava diversas cabeças, como a dos jovens e de seus discípulos, fazendo com que estes começassem a questionar toda uma ordem que vigia, provocando discussões e debates em torno disso. Um exemplo claro disso é Sócrates acreditar que o poder deveria ser destinado apenas àqueles com a real capacidade de governar, um governo de direito, pelo mérito, ou seja, dos filósofos, uma vez que só eles poderiam conduzir a pólis de forma justa e virtuosa, pois a verdade absoluta só se poria em questão por suas mãos. Nesse sentido, Sócrates trazia um debate que é posto até nos dias de hoje, a respeito da forma de como os governantes são eleitos através do nosso regime democrático, isto é, pela maioria. Porém, em grande parte das vezes, nem sempre o que a maioria escolhe é o ideal para um sistema político, como no caso do Brasil, em que representantes são eleitos pela sua fama, pelos seus jargões, pela sua graça.
Nesse terreno, o fato é que Sócrates condenava o politeísmo oficial, a religião de Estado, que obrigava a um conformismo especulativo incompatível com a dignidade humana e com a liberdade de consciência. Ou seja, Sócrates dizia que, nas palavras de Lima, "o fanatismo, democrático ou ditatorial, é que é o inimigo da dignidade humana e da liberdade de consciência". Sendo assim, Sócrates foi preso e condenado por crimes contra divindades religiosas e entidades do Estado, sendo julgado e tendo como pena a morte. Esperou 1 mês até ser executado em uma prisão. Não estava triste com sua morte, pois, para ele, a alma era imortal e, com a separação dela do corpo, iria encontrar a real verdade.
Nesse sentido, a morte de Sócrates é interpretada de várias maneiras e traz diversos significados. Para Alceu Amoroso Lima:
[?] Na realidade, Sócrates não morria por um regime político, mas por um princípio mais alto do que todos os regimes ? o da dignidade humana. O que ele não tolerava era a opressão do pensamento, fosse da Multidão, fosse do Estado, fosse em nome dos Deuses, fosse em nome da onipotência da Razão, da Violência ou do Número [?] (Lima. 1992. p. 12. in Apologia de Sócrates).

Desse modo, podemos ver que Sócrates era um homem à frente de seu tempo, das perspectivas de senso comum, das leis, das regras, da sua realidade. Sua morte, comparada à de Cristo, representa a liberdade e não a autoridade. Foi um protesto contra todas as tiranias.








3. Conclusão

Vimos, no decorrer do trabalho, que a filosofia nasce verdadeiramente como uma ciência, em busca de explicações para o que a natureza proporcionava ao homem, bem como explicações para sua existência, explicações para o que ele próprio era. Ela evolui de uma forma de mitologia grega para uma ciência em busca da verdade. É posta em prática ao que dizia respeito na época: a praça. E, desse modo, segue seus próprios moldes, no que diz respeito aos debates e discussões em torno das diversas questões que envolviam a pólis grega. Se, antes de Sócrates, havia o interesse pela explicação da natureza exterior ao homem, com ele as questão se colocam em todos os âmbitos de discussões, como religião e política. Sócrates, nesse ponto, guiado pelo oráculo de Délfus, se colocava em uma situação de aprendizado, em busca da verdade absoluta que deveria existir, e considerava a real verdade como que o belo, o justo e o bom. Nesse sentido, Sócrates coloca em pauta todo um modo de viver e questioná-lo, fazendo com que poderosos entrasse em conflito com ele próprio. Assim, sua morte representou uma luta contra todas as imposições que são encaradas de forma natural, e colocou o debate e a questão do saber universal como fundamentais para a vida humana.