Em que consiste a moralidade? Como as crianças desenvolvem seu senso moral? Estas questões têm preocupado os pensadores mundo afora. E, obviamente, várias respostas são apresentadas. Mas não é nossa intenção discutir isso aqui. O que se pretende, aqui, é apenas tentar afirmar que a moralidade se desenvolve a partir dos anseios da individualidade de cada um.

Para isso iniciamos com uma pergunta: O homem é ou não dotado de moralidade? E a resposta que se tem apresentado é a de que a moralidade dos indivíduos se desenvolve dentro dos grupos sociais. Assim sendo os padrões morais não são algo pronto, pelo contrário altera-se do início ao fim da vida do indivíduo.

Outra afirmação que se faz necessária: grupos sociais diferentes possuem padrões morais distintos. E mais: a moralidade modifica-se ao longo dos tempos. Assim sendo padrões morais que valem para um grupo humano nem sempre valem para outro; padrões que são aceitáveis numa época nem sempre valem em outra.

Por que as pessoas precisam da moral? Por que vivem em sociedade. O padrão moral é um dos elementos que permitem pessoas diferentes com gostos e vontades antagônicos conviverem num mesmo grupo, aceitando-se e respeitando-se.

Mas isso leva a outra indagação: O que leva as pessoas a viverem em sociedade? Não são necessárias muitas pesquisas nem muita filosofia para responder. A vida social é uma forma de o ser humano: sentir-se mais seguro, suprir suas necessidades, ampliar suas possibilidades de desenvolvimento e, principalmente, superar seus medos. Isso e muito mais poderia se dizer a respeito da vida social. Ou da sociabilidade com a qual o ser humano é caracterizado. Tanto que se diz que o homem é um ser social.

Mas tem mais uma dimensão. O ser humano vive em sociedade porque tem medo da solidão, tem medo de não sobreviver, tem medo de tudo o que não é seu e por vezes tem medo de si mesmo. Por outro lado é bom lembrar, também, que a vida em coletividade é complexa, complicada e difícil. Como disse antes as vontades de cada indivíduo que está vivendo dentro do grupo nem sempre são idênticas. Muitas vezes são contrárias e até antagônicas. Isso gera conflitos. É nesse ponto que nascem a política e a moral. Ambas para estabelecer parâmetros que tornem aceitáveis a vida em sociedade. Pois a vida grupal supõe acordos que permitam um equilíbrio aceitável entre os membros do grupo.

Pode-se inclusive fazer uma afirmação herética, contrariando todas as teses e religiões que afirmam a essencialidade social do homem. Na realidade, em sua essência o homem não é um ser social, mas segregacionista. Tende, em sua essência, não a viver em sociedade, mas a viver isolado. Como se percebe incapaz de suprir todas as suas necessidades, como não consegue superar todos os seus medos, como não consegue fazer tudo sozinho e isolado, busca auxilio. O que leva a outra heresia: o ser humano, além de não ser essencialmente social, não é, também bom. É, antes, um ser predador e interesseiro. Convive e usa o outro em benefício próprio.

Assim sendo pode-se dizer que o homem vive em grupo e no grupo produz as normas morais. Mas faz isso não pensando no bem comum, como tradicionalmente se afirma, mas pensando no bem pessoal e individual. Para o seu bem pessoal e individual é que forma e vive em grupo. E dentro do grupo desenvolve os padrões morais que em última instância são as bases que sustentam de um lado a sociedade e do outro os anseios e necessidades individuais.

Retomando a indagação inicial: Em que consiste a moralidade?e como as crianças desenvolvem seu senso moral? A resposta, apresentada pela filosofia, pela teologia e por outras ciências humanas, que discutem a questão é a de que a moralidade é uma criação humana a partir da qual se organiza a vida social. E para reproduzir a organização social em que está inserida a criança recebe dos adultos com os quais convive as orientações sobre os comportamentos aceitáveis e necessários para esse convívio. Entretanto isso não responde à questão que é a mais importante: por que as pessoas precisam viver em sociedade? A resposta a essa indagação é a que acabamos de acenar, acima: a sociedade é uma construção não da essência social, do homem, mas uma construção das necessidades individuais.

Assim é que se pode dizer que o desenvolvimento da moralidade acontece ao longo do desenvolvimento infantil. Ou seja, a convivência com seus semelhantes vai possibilitando à criança conhecer não só seu mundo, mas as regras para viver nesse mundo e em contato com seus semelhantes. Assim sendo, pode-se dizer que um dos primeiros aprendizados da criança refere-se às normas do comportamento social que é uma forma da preservação da individualidade e do anseio que todas as pessoas sentem de viver isoladas.

Dizendo com outras palavras: no transcorrer do tempo, com o amadurecimento das relações e melhor compreensão das normas, a criança percebe que elas lhe são estranhas, mas acata-as porque é através deles que pode melhor conviver com seus semelhantes. Assim é que a criança se apropria daquilo lhe é estranho. E o estranho passa a ser assumido como coisa própria. E quando a criança se faz adulta já interiorizou as normas e os padrões morais passando a crer que age livremente, quando na realidade está apenas reproduzindo padrões estabelecidos e cristalizados.

É assim que o ser humano, que é essencialmente individualista, desenvolve-se como ser social dotado de padrões morais.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação
Filósofo, Teólogo, Historiador
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