Tão discutida desde a Grécia Antiga, pelo que se tem de prova empírica, a moral remete-nos a toda uma forma de conduta social que possui referência a um abstrato ético-universal, procurando transmutar-se de acordo com normatizações e legitimar um status quo coetâneo as aspirações vigentes.

Falar de moral nos remete aos costumes de uma determinada sociedade, podendo até mesmo gerar um simbolismo que simula e cria um habitus, conforme exposto por Bourdieu, onde é introjetada uma sistemática que passa a ser assimilada e logo após sua absorção é amalgamada à ordem social.

Outro fator que não deve dissociar-se do que se compreende por moral é a questão temporal, pois a sociedade se modifica e possui em cada época uma diversidade de valores efêmeros que irão coadunar uma moralização construtiva.

A moral apresenta-se enquanto práxis de uma ética que busca universalizar valores que atendam a uma necessidade social de uma época, criando através da moralização uma conduta modelar de referência para a manutenção de uma sociedade tal como se apresenta, ou seja, prima pela conservação de um modelo, regulando através de méritos e exclusões.

Cria-se sob a perspectiva moralizante, uma tripartição racionalizante de ação que pode ser: afirmativa, quando o sujeito age moralmente; negativa, quando age de forma contrária aos princípios morais, imoral; neutra, aqueles considerados incapazes de discernir entre uma ou outra das alternativas anteriores a esta, os chamados amorais.

Muitos autores trataram do tema "moral", entretanto, a referência aqui exposta será de uma das análises mais revolucionárias no que se refere à hermenêutica filológica, e controversa pelo autor intitular-se um "imoral".

Nietzsche, ciente das anátemas lingüísticas, desconstrói a lógica vigente e apresenta as facetas simuladas pela persona moralizante, despojando de sentido teleológico e imiscuindo-se nas veredas etimológicas.

Mas as proposições aqui tratadas são apenas um fragmento da complexidade desconstrutiva nietzschiana, deteremo-nos em três conceitos, "Bom" e suas antíteses "Ruim" e "Mal", criando assim um tríade semiótica saussueriana, entre significante e significados, desmoralizante.

Observando a semântica da palavra bom, Nietzsche observa uma origem que remete a uma gênese aristocrática, associada ao sentido de melhor, nobre, algo referente a capacidade de quem recebe tal epíteto. Assim expõe: "Para mim é claro, antes de tudo, que essa teoria busca e estabelece a fonte do conceito "bom" no lugar errado: o juízo "bom" não provém daqueles aos quais se fez o "bem"! Foram os "bons" mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, vulgar e plebeu."(NIETZSCHE, "Genealogia da Moral", 1998: 19)

Em sua contrapartida temos o deficiente, manifesta-se assim a idéia de ruim, algo ineficaz em relação ao que é bom, caracterizando assim a distinção entre capaz e incapaz, sendo que o parâmetro seria o ideal nobre a ser almejado.

Partindo para a segunda diatribe, Nietzsche apresenta um ótica do oprimido, observando no seu opressor o ideal corruptor de sua condição vivente, responsabilizando o "senhor" sob a anátema nietzschiana do "ressentimento".

Na perspectiva do oprimido a sua incapacidade é gerada pela execução da meta do opressor, ainda mantém o nobre como parâmetro, mas agora no sentido pejorativo. O "escravo", como Nietzsche o denomina, ao contrário do "senhor", não projeta a partir de si, mas do que lhe falta, do seu "não-ser", construindo um virtualismo para projetar-se, tendo em vista a realidade ser-lhe opressiva.

A consciência intelectual escrava se demonstra como alternativa diante de uma realidade senhorial, sofisticando sua ação em uma consubstanciação surreal que procura transcender o status quo. Enquanto o senhor faz-se presente, "eu sou", o escravo se referencia no antevir e porvir, "eu fui" e "eu serei".

Posteriormente Nietzsche apresenta até mesmo o "resgate metafísico" na concepção de uma moral do oprimido, que busca além-vida a sua redenção diante da incapacitação realista.

Apresenta-se outra realidade, o nobre passa a ter outra conotação, pois referenda-se sob a ótica do escravo que o vê enquanto mau, ou seja, aquele que causa prejuízo ou dano, seria uma corrupção, a palavra bom possui duas formas de contraposição, ruim e mau. Como o próprio autor expõe: "...como são diferentes as palavras "mau" e "ruim", amabas aparentemente opostas ao mesmo sentido de ?bom?..."." (NIETZSCHE, Idem,1998: 32)

Enquanto o ódio do ressentido é fomentado, o nobre arrefece os ânimos, pois concebe sua condição como natural, enquanto o oprimido vê-se como tolido, o que torna o opressor não consciente da opressão que lhe é atribuída, pois concebe seus atos como naturais. A alegoria seguinte ilustra:"Que as ovelhas tenham rancor às grandes aves de rapina não surpreende: mas não é motivo para censurar às aves de rapina o fato de pegarem as ovelhinhas. E se as ovelhas dizem entre si: ?essas aves de rapina são más; e quem for o menos possível ave de rapina, e sim o seu oposto, ovelha ? este não deveria ser bom??, não há o que objetar a esse modo de erigir um ideal, exceto talvez que as aves de rapina assistirão a isso com ar zombeteiro, e dirão para si mesmas: ?nós nada temos contra essas boas ovelhas, pelo contrário, nós a amamos: nada mais delicioso do que uma tenra ovelhinha.?". (NIETZSCHE, Idem,1998: 35 e 36)

O porvir pertence ao oprimido que perverte a ordem e lança-se fugindo da lógica senhorial, criando assim um lúdico ideal do bem enquanto meta, ou seja, do que se distancia do mau que lhe afeta. Assim cria-se a moral do senhor e do escravo, o primeiro afirmando-se enquanto natural, o segundo transmutando-se em uma extemporaneidade, na busca de extravasar o ressentimento, criando essa exegese de uma incapacidade salutar.