A MISSÃO PROFÉTICA DE JESUS E DOS QUE CRÊEM NELE

Introdução

Cada nação tem cultura e civilização própria, jeito próprio de expressar seu pensar, seu sentir, seu querer, conviver com a natureza, as pessoas e Deus. As nações têm e cultuam seus deuses, expressam a fé neles de maneira própria. A cultura das relações dos povos com seus deuses gera as diferentes religiões da terra. A religião é a expressão da fé de um povo e dos mais importantes fatores de aculturação. A relação do povo com seu deus se dá através de pessoas com dons especiais para ouvirem a voz de Deus e transmitirem ao povo suas mensagens, para despertar e nutrir sua fé. São os profetas, porta-vozes de Deus a serviço do povo. Eles surgem em períodos de crise entre o poder libertador de Deus e o poder escravizante dos poderosos do mundo. Em nome de Deus, os profetas se insurgem contra as injustiças, manipuladas por autoridades religiosas e políticas visando interesses pessoais, e defendem a justiça e o direito dos oprimidos. Eles são espinhas na garganta dos opressores do povo. Por isso, são mal vistos e perseguidos pelos poderosos e muitos pagam com a vida o preço da ousadia de falar a favor dos mais fracos em nome de Deus. Na antiga Grécia, o filósofo Sócrates foi condenado à morte por cicuta pelas autoridades de Atenas, cuja corrução ele denunciava. Mahatma Gandhi foi assassinado na Índia por traidores sihks contrários à independência da Índia do jugo inglês. Nelson Mandela passou trinta anos na cadeia porque defendia a liberdade dos negros na África do Sul. Em Jerusalém, o Profeta paradigmático Jesus, foi condenado à morte na cruz por defender o direito e a justiça dos oprimidos por Jerusalém e Roma. Ele declarava felizes as vítimas da perseguição dos poderosos opressores de um rebanho sem pastor. "Felizes sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vos antecederam" Mt 5,12. Os profetas da nova aliança miram-se no Profeta Jesus e sabem que terão o mesmo destino dele. "Saí do Pai, vim ao mundo; cumpri a missão que ele me deu; agora deixo o mundo e retorno para o Pai. Vós também não sois do mundo, pois minha palavra vos tirou dele. Eu vou preparar-vos um lugar, para que, onde eu estiver, também estejam meus discípulos. Ide pelo mundo e anunciai a boa nova a toda criatura; fazei de todas nações discípulos meus, ensinando-os a observar tudo que vos ensinei. Eu estou convosco todos os dias até o fim. O Pai me ama e também vos ama. Não fostes vós que me escolhestes, escolhi-vos eu e vos enviei para que produzais muito fruto e vosso fruto permaneça. Como o Pai enviou-me, também envio-vos, como ovelha entre lobos. Não os temais. Se não vos receberem num lugar, ide para outro. Não tereis percorrido todas as cidades até que o fim chegue. Mas, antes, sacudi o pó das sandálias contra tal cidade. Digo-vos que no dia do Juízo, o Pai será menos severo com elas que foi com Sodoma e Gomorra. O servo não é maior que seu senhor. Se me perseguiram, também vos perseguirão. Quem vos despreza, me despreza; quem me despreza e odeia, despreza e despreza quem me enviou. Quando fordes presos, não vos preocupeis com o que havereis de falar: o Espírito do Pai vos colocará na boca as palavras certas na hora certa. Mas farão tudo isso contra vós por causa de meu nome, porque não conhecem quem me enviou. Se eu não tivesse vindo e lhes falado, não seriam culpados de pecado; mas agora não há desculpa para seu pecado. Quem recebe o que eu enviar, recebe-me; quem me recebe, recebe o Pai que me enviou. Quem vos ouve, me ouve; quem me ouve, ouve quem me enviou. Se guardaram minha palavra, guardarão também a vossa" Mt 10,40; Mc 9,37; Lc 9,48; Jo 13,20;15,19-21.

[1] No tempo de Jesus, o povo andava perdido como ovelha sem pastor. Não havia mais profetas para lhe falar, rei para governá-lo, e os sacerdotes eram corruptos; o povo sofria mais pela baixa estima, pelo pecado social que as autoridades religiosas lhe impingiam e a espoliação fiscal de Roma, que pelos pecados pessoais. Compadecido com a miséria do povo, o Pai enviou seu Filho, investido do poder de Deus Mãe, pra anunciar a anistia geral dos pecados, a reconciliação com os pecadores. Jesus veio ao mundo na plenitude do tempo, através de uma mulher e revela que o poder legítimo é serviço, não opressão. A plenitude do tempo corresponde ao término das sete semanas de anose inaugura o ano de perdão geral das dívidas familiares, morais, sociais (das viúvas) e financeiras (dividas de terra), Depois de sete semanas de anos sem a posse da terra ou depois do luto do marido, iniciava-se o ano do perdão (yomkipur), o jubileu, as núpcias com o goel. Alívio para os devedores financeiros e alegria para a viúva, que via chegar o fim do opróbrio de não parir. "Entoa alegre canto, estéril que não deste à luz; ergue gritos de alegria, exulta, tu que não sentiste as dores do parto, pois mais numerosos são os filhos da abandonada que os filhos da esposa. Não temas, pois não tornarás a ficar envergonhada; não te sintas humilhada, pois não ficarás confundida. Pois, hás de esquecer a condição vergonhosa da tua mocidade, não tornarás a lembrar o opróbrio da viuvez, pois o teu esposo será o teu criador, o Santo de Israel é teu redentor (goel), ele se chama o Deus de toda a terra". Eis o ano do perdão, o kairós da salvação que Javé estabeleceu na plenitude do tempo, após curto intervalo de rejeição do seu povo insensato. No yomkipur que durará mil gerações "os montes podem mudar de lugar e as colinas, abalar-se, minha aliança de paz não será abalada, o meu amor não mudará, diz Javé, que se compadece de ti" (Ex 20,6); Is 54,1.4-5.10. O devedor financeiro era a figura do devedor moral. Na ocupação de Canaã, onze tribos receberam porções de terra, de onde tiravam o sustento. Mas a tribo de Levi e Aarão receberam como propriedade o serviço do templo e os seus benefícios. Era a tribo sacerdotal, que cuidava do serviço religioso e era sustentada pelo dízimo e produtos da terra das outras tribos. Em cada tribo havia famílias bem de vida, outras pobres. Quando uma família pobre estava passando necessidade, vendia a propriedade a uma família em boas condições financeiros, que só tinha posse da terra do pobre por 49 anos (7 semanas de anos). No qüinquagésimo ano, a terra deveria retornar ao dono original. Daí, o ano da restituição da terra ao devedor chama-se Yomkipur, ano do perdão, da graça. Em termos religiosos, o tempo da graça que seguia a plenitude do tempo era o Pentecostes, festa da colheita, o perdão das dívidas e florescimento de vida nova, com a retomada da terra ou a viúva se casando com seu goel. Ora, Jesus veio ao mundo no qüinquagésimo ano, na plenitude do tempo, nascido de mulher, como o goel da esposa devedora, a humanidade pecadora, para inaugurar o ano do perdão, libertar o povo da escravidão da Lei, a esposa do opróbrio da esterilidade das boas obras, que o enchia de culpa patológica e dívidas morais. O doador do perdão no caso não é o comprador da terra do pobre, mas o irmão do marido da viúva, que casa com ela, paga suas dívidas financeiras e éticas e lhe dá filhos que o primeiro marido não deu. A viúva é a humanidade pecadora, com a qual Jesus fez aliança, assumindo carne humana pecadora, para restituir dignidade à viúva e dar-lhe multidões de filhos. "De fato, convinha que aquele, por quem e para quem todas as coisas existem, querendo conduzir muitos filhos à glória, levasse à perfeição por meio do sofrimento, o autor da salvação deles. Uma vez que os filhos têm em comum carne e sangue, por isso também Jesus Cristo participou da mesma condição, para destruir pela morte o autor da morte, Satanás" Hb 2,10.14. Ele é o cínico agiota da humanidade, que a faz endividar-se até ficar insolúvel. Ao encarnar-se, o Filho assume a condição humana e inicia o Yomkipur com a humanidade que jazia nas trevas do pecado, pagando na cruz sua dívida. Por isto, "Jesus Cristo é o nosso perdão", o Goel que pagou todas as nossas dívidas com Deus. Jesus alude ao Yomkipur quando lê o rolo de Isaías na Sinagoga de Nazaré e proclama seu programa missionário, o ano kairológico da graça, que durará até a parusia. "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor" Lc 4,18-19. Ano do perdão incondicional dos pecados. No Pai-Nosso, Jesus também lembra o Dia do Perdão: "Perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores". O Pai enviou o Filho ao mundo movido pelo amor misericordioso do seu coração que ama perdoar, pela vontade expressa de perdoar uma vez por todas as nossas dívidas, à custa da vida do seu Filho. "Deus Pai amou tanto o mundo que enviou seu Filho único, para que, todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar, mas para salvá-lo e demonstra seu amor por nós no fato de Cristo ter morrido por nós quando ainda éramos pecadores. Se Deus está conosco, quem estará contra nós? Quem não poupou o próprio Filho, mas o entregou por nós, como não nos haverá de agraciar-nos em tudo junto com ele? Dele nós recebemos graça sobre graça". Esta maravilhosa notícia Jesus a ouve do Pai, a proclama em primeira mão aos pecadores, uma vez por todas. Estamos no kairós. Por isto, a boa nova não envelhece jamais. Jesus é o Evangelho, a testemunha fiel do Pai e que veio nos dar o recado do Pai. Ouvir Jesus é ouvir o Pai. No Batismo deste, o Pai dá a senha: "Este é meu Filho amado, no qual deposito minha afeição: escutai-o": ele é meu Enviado, não tenham medo, podem confiar no que ele diz. Eu sou o Pai dele e vosso Pai também, e vos amo com o mesmo amor com que o amo. Nas bodas de Caná, a Mãe ratifica o Pai: "Fazei tudo o que ele vos disser". Quem ouve Jesus e crê nele, está salvo; quem não o ouve, está condenado, "porque não creu no Nome (na Pessoa) do Filho único de Deus", a testemunha fidedigna do Pai. A Palavra de Jesus aos pecadores é a Palavra do Pai. "Muitas vezes e de modos diversos falou Deus outrora aos pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos. Ele é a expressão do seu ser; o resplendor de sua glória, sustenta o universo com o poder da sua palavra; e depois de ter realizado a expiação dos pecados, sentou-se nas alturas à direita da majestade, tão superior aos anjos quanto o nome que herdou excede o deles" Hb 1,1-4. Jesus é o Último Enviado do Pai, para revelar em definitivo o amor do Pai pelos pecadores. Jesus não fala por inspiração, como os profetas comuns, mas do que ouviu e viu da boca do Pai. "Jamais alguém viu Deus; o Filho único, que está voltado para o seio do Pai, este o deu a conhecer. Chamo-vos amigos, pois tudo que ouvi do meu Pai, dei-vos a conhecer". Jesus é a Palavra viva do Pai, Palavra feita carne e anunciada com fidelidade absoluta. Jesus é o Profeta dos profetas, o ponto de convergência e a síntese do que os profetas antes dele disseram, o início do novo profetismo. Os profetas da nova e antiga aliança têm a peculiaridade de falarem em Nome, na Pessoa, com a autoridade de Deus. "Eis que eu ponho as minhas palavras em tua boca. A quem eu te enviar, irás, e o que eu te ordenar, falarás. Tudo que ligardes na terra será ligado no céu; tudo que desligardes na terra, será desligado no céu" Jr 1,7-9; Mt 16,19. O profeta fala em nome de Deus e o que ele Deus assina. Quem se meter a falar no próprio nome é falso profeta, não pode ser levado a sério. Falando em nome de Deus a favor dos oprimidos, os profetas falam coisas que não agradam os poderosos, porque não praticam o direito e a justiça em favor dos pobres. Por causa das denúncias contra os opressores dos pequenos em Nome do Amado, eles são perseguidos, maltratados, até mortos. Os verdadeiros profetas estão a serviço do Deus verdadeiro. Por isto, sua atenção volta-se em primeiro lugar para os pequenos, injustiçados e oprimidos. Os falsos profetas estão a serviços dos poderosos e da mentira, e procuram agradá-los. Por isso, atraem sobre si a ira do Senhor. O verdadeiro profeta atrai sobre si e o povo as bênçãos, proteção, perdão do Deus verdadeiro. Famoso é o exemplo do profeta Elias e os falsos profetas de Acab e Jezebel, a serviço do deus, Baal. Elias era profeta de Javé, o Deus verdadeiro, e só falava o que Javé mandava; os profetas de Baal eram bajuladores: falavam o que agradava ao rei da Samaria. Eram 400 os profetas de Acab. Confiantes no número, zombavam de Elias, o humilde profeta de Javé. Apesar de ser apenas um, Elias sabia que sua autoridade vinha de Javé. Um dia, lançou desafio aos profetas de Baal, para provar quem era Deus em Israel. Grande fogueira foi erguida; Javé e Baal foram invocados para que enviassem fogo do céu para acendê-la. O Deus que a acendesse sem intervenção humana, seria o verdadeiro. O que não o fizesse, seria falso e seus profetas deveriam morrer. Os 400 profetas de Acab se adiantaram em invocar o fogo de Baal, com sede de liquidar rápido o profeta de Javé. Elias aceitou ser o último, pois sabia que Javé lhe daria vitória. De manhã à tarde, os profetas de Baal o invocaram, ofereceram-lhe sacrifícios e a fogueira não acendia. Chegou a vez de Elias. Ele mandou molhar a fogueira antes de invocar o fogo de Javé. Num átimo, o fogo do céu desceu e acendeu a fogueira. Desmascarada a farsa, Elias matou os profetas de Baal e provou quem é o verdadeiro Deus. Não se pode brincar impunemente com o enviado de Deus.

[2] Falando em nome de Deus, a palavra do profeta é tão eficaz quanto a Deus, mediante

a fé. O sinal do profeta autêntico é que o que ele diz se realiza, como a palavra criadora

de Javé. Foi assim desde os primórdios do profetismo de Israel, no tempo de Moisés, o profeta emblemático. É de Javé a iniciativa de suscitar entre o povo profetas a serviço do povo. Moisés sabe disto, quando foi instigado, instado pelo povo para ser o porta-voz de Deus, pois temiam morrer se falasse diretamente com ele. Assim, o profetismo em Israel surgiu, por ordem de Javé, 'paralelamente à instituição da realeza, quando da teofania do Monte Horeb. Javé disse a Moisés: "Quando tiveres entrado na terra que Javé teu Deus te dará, tomado posse dela e nela habitares e disseres: Quero estabelecer sobre mim um rei, como todas as nações que me rodeiam, deverás estabelecer sobre ti um rei que tiver sido escolhido por teu Deus, Javé; estabelecerás um dos teus irmãos como rei sobre ti. Não poderás nomear um estrangeiro que não seja teu irmão. Vai, eu estarei em tua boca e te indicarei o que hás de falar. Todo o povo, vendo os trovões, relâmpagos, o som da trombeta e a montanha fumegante, teve medo e ficou longe (a teofania se dá por sinais, como a fé). Disseram a Moisés: 'fala-nos, tu, e nós te ouviremos; não nos fale Javé, para que não morramos'. Moisés disse ao povo: Não temais, Deus veio para vos provar e para que o seu temor esteja diante de vós, e não pequeis. Quando vos entregarem, não fiqueis preocupados como ou o que haveis de falar. Naquele momento vos será indicado o que deveis falar. Porque não sereis vós que estareis falando, mas é o Espírito do vosso Pai que falará em vós" Ex 4, 12; 20,18-20; Mt 10,19-20. Proibido de entrar com o povo em Canaã, porque duvidou de Javé, assim falou Moisés ao povo na Transjordânia antes de morrer e transmitir a Josué o Espírito profético e a missão de introduzir o povo na Terra Prometida: "Quando entrares na terra que Javé teu Deus te dará, não aprendas a imitar as abominações daquelas nações. Que no teu meio não se encontre alguém que queime seu filho ou filha, faça presságio, oráculo, adivinhação, magia, ou pratique encantamentos, que interrogue espíritos ou adivinhos, ou invoque os mortos; pois quem pratica essas coisas é abominável a Javé teu Deus; é por causa dessas abominações ele as desalojará em teu favor. Serás íntegro para com Javé teu Deus. Vê! As nações que vais conquistar ouvem oráculos e adivinhos. Quanto a ti, isto não te é permitido por Javé teu Deus. Javé suscitará um profeta como eu no meio de ti, dentre os teus irmãos, e o ouvirás. Foi o que pediste exatamente a Javé teu Deus no Monte Sinai no dia da assembléia, ao dizeres: 'Não quero mais ouvir a voz do Senhor, meu Deus, nem ver este grande fogo, para não acabar morrendo'. Javé me disse, então: 'Está bem o que falaram. Suscitarei para eles, do meio dos seus irmãos, um profeta semelhante a ti. Porei minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar. Eu mesmo pedirei conta a quem não escutar as palavras que ele pronunciar em meu no Nome. Mas o profeta que tiver a ousadia de dizer em meu Nome algo que eu não lhe mandei, ou que falar em nome de outros deuses, este profeta deverá morrer. E se te perguntares: Como posso distinguir a palavra que não vem do Senhor? Nisto terás um sinal: se não acontecer nem se realizar o que esse profeta falar em Nome do Senhor, então o Senhor não disse tal coisa. Foi o profeta que o inventou por presunção. Por isso não o temerás". Jesus conhecia bem a história dos verdadeiros e falsos profetas de Israel pela boca de Maria e José, e a leitura da Escritura. Já aos doze anos mostrou conhecê-la. Os falsos profetas de seu tempo eram os doutores da lei, fariseus, sacerdotes. "Guardai-vos dos falsos profetas: por suas obras os conhecereis. Uma árvore boa não pode dar frutos ruins, nem uma árvore má pode dar frutos bons. Nem todo que diz 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos Céus, mas aquele que pratica a vontade do meu Pai que está nos céus (faz acontecer a Palavra ouvida de Jesus). Muitos me dirão no dia do Juízo Final: Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos, expulsamos demônios, fizemos muitos milagres? Então eu lhes declararei: Nunca vos conheci! Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade'. O falso profeta engana o povo com palavras insidiosas, não confirmadas por boas obras. Mas a palavra do verdadeiro profeta se realiza, pois é dita na fé e tem eficácia idêntica à Palavra de Deus: "quem vos ouve, me ouve, quem me ouve, ouve o Pai que me enviou". A palavra do profeta se realiza porque é tão eficaz quanto a Palavra de Deus, de quem ele é porta-voz fidedigno: como a de Deus, a palavra do profeta gera boas obras. Ele é o primeiro a praticar as obras implicadas na Palavra que comunica: basicamente o direito e à justiça, dois fortes lugares teologais e valores éticos conaturais a Javé. A Palavra de Javé é bará: criadora no instante mesmo que é pronunciada. "Javé disse: Haja luz (palavra), e houve luz (obra). Deus disse: 'Haja firmamento, que as águas se reúnam e a terra verdeje, que haja luzeiros no firmamento do céu, fervilhem as águas de seres vivos e a terra produza seres vivos e assim se fez. Deus viu que isto era bom. Disse: Façamos (palavra criadora) o homem à nossa imagem, como nossa semelhança. Deus criou o homem à sua imagem, à sua imagem ele o criou, homem e mulher ele os criou. Deus viu tudo que tinha feito; e era muito bom". Portanto, a palavra é profética se, como a Deus, é criadora, geradora de obras que geram vida; se há cumplicidade entre a boca que fala e as mãos que obram. "A Palavra que hoje te prescrevo não é difícil para ti nem está fora do teu alcance. Não está no céu para que digas: Quem poderá subir ao céu para nós para apanhá-la? Quem no-lo fará ouvir pra que o possamos cumprir? Não está do outro lado do mar, para dizeres: Quem atravessará o mar pra pegá-la pra nós? Quem no-la fará ouvir pra que a possamos cumprir? Ao contrário, esta palavra está teu alcance, em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir. Como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam sem antes terem regado a terra, tornando-a fecunda e fazendo-a germinar, dando a semente ao semeador e o pão ao que come, tal ocorre com a palavra que sai de minha boca: ela não torna a mim sem fruto; antes ela cumpre minha vontade e assegura o êxito da missão para a qual a enviei. Tende fé em Deus: tudo o que pedirdes na oração, crede que já o recebeste e vos será concedido. Pedi e vos será dado. Procurai e encontrareis. Batei e a porta vos será aberta. O que pedirdes ao Pai em meu Nome (pela fé), eu o farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes algo no meu Nome, o farei. Se a alguém de vós falta sabedoria, peça-a a Deus, que a concede generosamente a todos sem impor condições; e ela lhe será dada. O Pai do céu dá o Espírito Santo aos que o pedirem. Mas peça com fé, sem duvidar. Não pense tal pessoa que receberá alguma coisa do Senhor, ambígua como é e inconstante em todos seus caminhos" Dt 18,15-22; Tg 1,5-8; Gn 1; Mc 11,24; Jo 14,13-14; Is 54,10-11; Dt 30,11-14. Moisés é o modelo do profeta, assim como Abraão é o paradigma da pessoa de fé.Por isso, dada a importância de Moisés, o povo judeu esperava o Messias como o novo Moisés, o novo libertador. Há semelhanças entre Jesus e Moisés. Moisés foi salvo do infanticídio do Faraó; Jesus, do massacre de Herodes. Moisés libertou o povo da escravidão do Egito; Jesus libertou a humanidade da escravidão do pecado; Moisés recebeu as Tábuas da Lei no Monte Horeb; Jesus nos deu a Lei do Espírito, a graça no Monte Calvário. "A Lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo" Jo l,17. Jesus é o Profeta por antonomásia, em cuja Palavra se inspiraram os profetas que vieram antes dele. Estes falam por inspiração divina na história e vida do povo. Mas, Jesus fala do que viu e ouviu junto do Pai. Por isso, ele é a primeira, a última e única Palavra do Pai ao mundo, corporalmente presente no meio de nós, para nos revelar o segredo da Família Trinitária, particularmente do Pai de infinita bondade. A primeira: "No Princípio (ab eterno) era a Palavra, ela estava com Deus, ela era Deus. No princípio ela estava com Deus. No princípio (tempo) Deus disse" Jo 1,1-2; Gn 1,1-3; a última: "Muitas vezes e de modos diversos falou Deus outrora aos pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho"; a única: ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que vive na intimidade do Pai e Deus Mãe, o deu a conhecer". Jesus, a Testemunha fiel do Pai e de Deus Mãe, fala do que viu e ouviu na intimidade trinitária. Portanto, sua palavra merece fé. O falso profeta é falsa testemunha: o que diz é verdade presumida, não testemunhada; bajulador dos poderosos, só diz que querem ouvir. Por isso, não se expõe em nome da mensagem que anuncia, mas busca proteção nos poderosos. Por ser falsa testemunha, não merece fé. A Palavra do profeta verdadeiro, porém, merece fé, pois ele se expõe em nome dela. Por isso, tem credibilidade. "Na verdade, não falei por mim, mas o Pai que me enviou prescreveu-me o que dizer e ensinar. Sei que seu mandamento é vida eterna. Portanto, o que digo, digo-o segundo me falou o Pai. Se eu não falasse o que ouvi, seria falso profeta como vós" Jo 8,38; 12,49-50. A testemunha verdadeira só diz o que viu e ouviu. A falsa testemunha diz o que não ouviu nem viu. A testemunha verdadeira é movida por Ruah. Os apóstolos e todos os enviados de Jesus são habitados e movidos por Deus Mãe, continuadores da missão profética e diaconal, testemunhas do que viram e ouviram "do Verbo da vida. Recebereis uma força, o Espírito de santidade do Pai e do Filho, que virá sobre vós. E sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, até os confins da terra. Não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos. O que ouvimos e vimos do Verbo da vida, vos anunciamos, para que tenhais comunhão conosco e a vossa alegria seja completa. Nossa comunhão é com o Pai e seu Filho, Jesus Cristo. Convém-nos obedecer antes a Deus que aos homens" At 4,20; 1Jo 1,1-4. O profetaé testemunha de Deus: comunica fielmente o que ouviu dele, para suscitar a fé nos ouvintes. Quem ouve e pratica a palavra do profeta, ouve e pratica a palavra de Deus. Jesus diz: "Quem recebe aquele que eu enviar, me recebe; quem me recebe, recebe o Pai que me enviou. Quem vos ouve, me ouve; quem me ouve, ouve o Pai que me enviou. Se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa" Jo 15,20. Os enviados do Primogênito são testemunhas do que ouviram e viram dele, que testemunha e ouviu do Pai e Deus Mãe.

[3] As relações do ser humano com Deus são pela fé, não pelo conhecimento científico, filosófico, teológico. Sem a fé não há relação ajustada com Deus, "não podeis agradá-lo". Relações interpessoais, mas assimétricas. Deus é o Criador, o ser humano é criatura; Jesus é o Parceiro principal da aliança, nós, parceiros por adesão de fé; Jesus é a Fonte da graça, do perdão, da justiça; nós, agraciados, perdoados, justificado. Deus é Santo e santificador, nós, pecadores e santificados. Deus é Pai, Mãe, Filho, Irmão por natureza; nós somos pai e mãe, filhos, filhas, irmãos, irmãs por participação na natureza do Pai, de Ruah e do Filho e Irmão. Daí, na relação de fé, não podemos perder de vista a soberania absoluta das Pessoas divinas, substancialmente idênticas, mas com funções específicas não excludentes na Trindade imanente e econômica. Deus é Javé Sabaot, Senhor do céu e da terra, Senhor dos exércitos celestiais, terrenos e infernais. Criatura alguma, boa ou má, escapa ao poder divino, mesmo quando o mundo parece ser governado por Satanás e os agentes do mal no nome dele. Não pensem que serão vitoriosos: "Ri-se deles Javé que mora nos céus". Não perdem por esperar, um dia a casa cai. O sacrifício de Jesus na cruz que destruiu o domínio do príncipe deste mundo continua em pleno vigor. A intercessão do Cordeiro imolado e de pé, juntamente com os contemplativos, destrói continuamente

o poder diabólico na terra. Daí, a importância da missão sacerdotal dos contemplativos.

Tanto o Pai como Deus Mãe e o Primogênito da criação estão atentos ao que se passa no

mundo, vigiando dia e noite a criação, "dando o pão aos eleitos até quando dormem: não

dorme nem cochila o Guarda de Israel. Nada se oculta ao seu olhar. Meu Pai trabalha sempre e eu trabalho também" Sl 120 (121); 126 (127); 138 (139); Jo 5,17. O poder de Deus é sempre para o bem, não para perder a criação. "Teu grande poder está sempre ao teu serviço, e quem poderá resistir à força do teu braço? O mundo inteiro é diante de ti como um grão de areia na balança ou a gota de orvalho que de manhã cai sobre a terra. Mas te compadeces de todos, pois tudo podes, e fechas os olhos diante dos pecados dos homens para que se arrependam. Pois não há Deus fora de ti que cuida de todos, para mostrar que teus julgamentos não são injustos. Não há rei soberano que possa desafiar-te por tê-lo castigado. Justo, governas o mundo com justiça e estimas incompatível com teu poder condenar quem não merece castigo" Sb 11,21-23; 12,13-15. Pela fé, passaremos por tribulações sob o olhar vigilante de Jesus. Pra cumprir seu projeto salvífico, ele pode exigir o sacrifício do justo pelos pecadores, pois lhe interessa a salvação de todos. "Deus quer que todos os seres humanos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade; não lhe agrada a perdição do perverso, mas que se converta e viva. Pai, não quero que se perca nenhum dos que me deste. Mas, onde eu estiver, eles estejam também". O servo sofredor, o Cordeiro de Deus que leva sobre si os pecados do mundo, é justo, mas sofreu com paciência as piores torturas para salvar os pecadores. "É louvável alguém suportar aflições injustamente por amor a Deus. Se sois pacientes no sofrimento fazendo o bem, isto é uma ação louvável perante Deus. Para isto fostes chamados, pois também Cristo sofreu por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais seus passos. Ele não cometeu pecado algum; mentira alguma foi achada em sua boca. Quando injuriado, não revidava; ao sofrer, não ameaçava, antes punha sua causa nas mãos daquele que julga com justiça. Sobre o madeiro levou nossos pecados no próprio corpo (qual bode expiatório), pra que, mortos para nossos pecados, vivêssemos para a justiça. Os castigos por nossos pecados caíram sobre seus ombros. Graças a suas chagas fostes curados; estáveis desgarrados como ovelhas, mas agora retornastes ao Pastor e Vigilante das vossas vidas" 1 Pd 2,19-25. Tem lógica isso? Humanamente, não. É repulsivo o sofrimento do justo, provocado pela maldade de bandidos que deveriam realmente sofrer e morrer. Mas Jesus sabe que os pensamentos e modos de agir de Deus vão além do entendimento humano: aquilo que nos parece mau, para Deus é bom. Em nome da amizade de sangue, Pedro queria salvar Jesus da cruz. Mas a missão de Jesus está acima da amizade de Pedro. Daí, as duríssimas palavras ao bem intencionado Pedro: "Afasta-te de mim, Satanás, pois teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens" Mt 16,17. É humanamente revoltante alguém sofrer sem merecer. Para Deus, não, se o sofrimento do justo salva os injustos. "Não interessa a Deus a perdição de ninguém, mas que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade Ez 18,23; 1 Tm 2,4. Com este objetivo, na sua soberania pode exigir a vida do justo para salvar os perversos. Mistério, loucura do amor divino. Vivendo da fé, quando a mão do Senhor pesa sobre ele, exigindo tudo dele, até a vida, o justo diz: "Foste tu que o fizeste. Por isso, me calarei. Aprouve a Javé fazer cair sobre o Servo sofredor o castigo das faltas de todos nós". Quando sofremos às vezes dizemos: Deus se esqueceu de nós. Como se só se lembrasse de nós quando tudo nos é favorável. Ora, na sua insondável sabedoria, Deus pode fazer o justo percorrer caminhos humanamente insuportáveis para salvar os perversos, porque os pensamentos dele não seguem a lógica da estreita razão, da justiça do dente por dente, olho por olho, do castigo proporcional à falta, mas a lógica da misericórdia, do perdão sem limite, só compreendida na relação de fé em Deus. Para a sabedoria humana, trata-se de loucura, para Deus, não: é o mais puro amor. Por isso o Salmista suplica: "Ensina-me, Javé, os teus caminhos. Javé "é compaixão e piedade: não nos trata conforme nossos erros, nem nos devolve segundo nossas culpas. Como um pai se compadece de seus filhos, Javé é compassivo com os que o temem; porque conhece nossa estrutura, e se lembra do pó que somos nós. Não nos prova além de nossas forças, mas, com a provação, nos dá a graça para a suportarmos e sairmos dela. Lembra-te do caminho que Javé teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto (tempo da provação) "para humilhar-te, provar-te, conhecer o que tinhas no coração: irias observar seus mandamentos ou não? Humilhou-te, fez que sentisses fome e te alimentou com o maná que tu e teus pais não conhecíeis, para te mostrar que o ser humano não vive só de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Javé. As vestes que tu usavas não se envelheceram nem teu pé inchou durante esses quarenta anos. Reconhece, pois, no teu coração que Javé teu Deus te educa como um homem educa seu filho e observa os seus mandamentos, para que trilhes os seus caminhos e o temas. Filho, se te dedicares a servir Javé, prepara-te para a prova. Endireita teu coração, sê firme, não te apavores no tempo da adversidade. Une-te a ele, não te separes pra que sejas exaltado no último dia. Aquele que crê em mim não morrerá, mas eu o ressuscitarei no último dia". O último dia é o Dia do último Enviado de Javé, Jesus Cristo, realizador das promessas abraâmicas; Dia de Javé, kairós, tempo unitário, tempo da salvação, que unifica o tempo tripartite: presente, passado, futuro. Tudo que te acontecer, aceita-o, nas vicissitudes de tua pobre condição, sê paciente, pois o ouro se prova no fogo, e os eleitos no cadinho da humilhação. Confia em Javé, ele te ajudará, endireita teus caminhos, espera nele. Eu sou a videira verdadeira e vós, os ramos. Todo ramo que não dá fruto em mim, será jogado fora. Mas todo ramo que dá fruto será podado, para que dê mais fruto ainda. Minha alegria é que deis muito fruto e vosso fruto permaneça. Filho, não desprezes a educação de Javé, não desanimes quando te corrige; pois ele educa quem ama e castiga todo filho que acolhe. É para vossa educação que sofreis. Deus vos trata como filhos. Qual é o filho cujo pai não educa? Se estais privados da educação da qual todos participam, então sois bastardos, e não filhos. Temos nossos pais segundo a carne como educadores e os respeitamos. Não haveremos de respeitar muito mais o Pai celeste, para vivermos? Pois nossos pais nos educaram por pouco tempo, segundo lhes parecia bem. Porém, Deus nos educa para comunicar-nos sua santidade. Toda educação no momento parece motivo de tristeza, não de alegria,. Mas, depois produz naqueles que assim foram exercitados frutos de paz e de justiça. Por isso, reerguei as mãos enfraquecidas e os joelhos trôpegos; endireitai os caminhos para vossos pés, para que não se extravie o que é manco, mas seja curado. Com perseverança corramos pro certame que nos é proposto, com os olhos fixos no autor e realizador da fé, Jesus, que, em vez da alegria que lhe foi proposta, desprezando a vergonha, suportou a cruz, e se assentou à direita do trono de Deus. Considerai, pois, aquele que suportou tal contradição da parte dos pecadores, pra não vos deixardes fatigar pelo desânimo. Ainda não resististes até o sangue no luta contra o pecado. Não temas o que irás sofrer. O diabo vai lançar alguns de vós na prisão, para serdes postos à prova. Tereis uma tribulação de dez dias. Mostra-te fiel até a morte, e te darei a coroa da vida. Meus irmãos, tende por motivo de grande alegria o serdes submetidos a múltiplas provações, pois sabeis que a vossa fé, bem provada, leva à perseverança; mas é preciso que a perseverança produza uma obra perfeita, a fim de serdes perfeitos e íntegros sem nenhuma deficiência. Feliz o ser humano que suporta com paciência a provação! Porque, uma vez provada, receberá a coroa da vida, que Jesus prometeu aos que o amam. Na medida em que participais dos sofrimentos de Cristo, alegrai-vos, para que também na revelação da sua glória possais ter uma alegria transbordante. Felizes sois vós se sofreis injúrias por causa do nome de Cristo, porque o Espírito de glória, Deus Mãe repousa sobre vós. Felizes sois quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, pois será grande a vossa recompensa nos céus, pois foi assim que trataram os profetas que vos antecederam. Coragem: "Tomai sobre vós meu jugo e encontrareis repouso para vossas tribulações. Pois meu jugo é suave e meu peso é leve" Sl 102 (103),10.12; 1 Cor 3,10; Dt 8, 2-6; Eclo 2,1-6; Jo 15,1-5;Hb 12,1-12; Ap 2,10; Tg 1,1-4.12; 1Pd 4,12-14; Mt 5,11-12. Mt 11,26. O jugo de Jesus é sua fidelidade ao Pai. É pesado por ser cruz, é leve porque, carregando-o com paciência, temos certeza que a soberana vontade do Pai será cumprida e a salvação chegará a muitos irmãos.

[4] Portanto, o profeta é o atalaia, vigilante sempre atento às mensagens e sinais de Deus a transmitir ao povo.É predestinado. "Antes mesmo de te formar no ventre mterno, eu te conheci; antes que saísses do seio, consagrei-te e te constituí profeta para as nações. A quem eu te enviar, irás, o que eu te ordeanr, falarás. Não temas diante deles, pois contigo estou para te salvar. Eis que ponho minhas palavras na tua boca. Constituo-te, neste dia, sobre as nações e reinos pra exterminar, demolir, arrancar e destruir, construir e plantar". Ciente da sua missão, o profeta diz: "Vou ficar de atalaia, de pé no meu posto de guarda, colocar-me sobre minha muralha e espreitar o que Javé me dirá. Javé respondeu-me: eis que sucumbe aquele cuja alma não é reta, mas o justo viverá por sua fidelidade" Jr 1,5-10; Hab 2.1.4. Justo, reto é quem é ético, pauta a vida pelo direito e a justiça, como Javé, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, o Deus de Jesus Cristo, o bom Pai misericórdioso, que ama perdoar, mas não faz concessão ao direito e à justiça. Ter alma reta é viver pela fé, falando e fazendo boas obras em Nome de Jesus. O profeta é pessoa de fé, defensora do direito e da justiça, lugar-tenente de Deus na terra, cujo ofício é ser antena parabólica do céu, receptiva aos sinais divinos, que ele decodifica em palavras humanas, que tornam a mensagem divina compreensível ao ser humano, mediante a fé. Por isso, ele é o atalaia, vigia indormido do rebanho de Javé, que não dorme nem cochila, atento às necessidades do povo, "até quando dormem. Ergo os olhos aos montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem de Javé, que fez o céu e a terra. Ele não te deixará tropeçar, teu guarda jamais dormirá. Sim, não dorme nem cochila o guarda de Israel. Javé é teu guarda, tua sombra, está à tua direita. De dia o sol não te ferirá, nem a lua de noite. Ele te guarda de todo mal, guarda a tua vida, tua partida e tua chegada, desde agora e para sempre. Meu Pai trabalha sempre, eu também" Sl 120(121); 126 (127),2; Jo 5,17. Fomos enxertados ontológicamente no Corpo de Cristo na encarnação, nos tornamos partícipes da natureza filial dele, com mudança substancial do nosso DNA: tudo que Jesus é por natureza, nós somos por participação na sua natureza divina 2 Pd 1,4. Como ele, nós também "não fomos gerados do sangue, da vontade da carne ou da vontade do homem, mas de Deus" Jo 1,13. Somos filhos no Filho, irmãos no Irmão, profetas no Profeta Jesus, santos no Santo de Deus. A incorporação ontológica da natureza humana na divina, e da divina na humana sem absorvê-las, ocorre simultaneametne em Jesus e em nós, pelo processo da união hipostática; isto é, a união indissolúvel das naturezas humana e divina na Pessoa de Jesus e em nós. Sendo Jesus nosso Goel, a união hipostática ocorrre automaticamente desde antes da criação do mundo, ratificada na encarnação. O fiel a torna efetiva pela fé e se torna justo. "O justo viverá pela fidelidade". Pela fé, ele se reveste do poder de Deus e passa a viver a vida divina e fazer boas obras no nome dele. Por isso, a marca de quem crê é a vigilância: estar atento, "ficar de atalaia" à inspiração de Deus Mãe. Quem ceê é atalaia no nome de Deus, pois vive na luz de Deus. "Na tua luz vemos a luz". Quem não crê vive na escuridão, nas trevas, dormindo, como os apóstolos no Getsémani, enquanto Jesus se consumia em angústia. "Vigiai e orai para não cairdes em tentação": tenham a fé viva nesta hora decisiva para vós e para mim. O poder das trevas, o anticristo está em ação, minando vossa fé. Orai, para que a vossa fé não desfaleça. os que vivemos pela fé somos representantes autorizados de Deus na terra, na medida em que incorporamos o poder divino de falar e realizar as obras de Deus. "Nossa capacidade vem de Deus. É ele quem opera em nós o querer e o executar, segundo sua vontade. Através de nós, Deus vos exorta, pois vos somos enviados como embaixadores de Cristo. Como o Pai enviou-me, também eu vos envio, com poder de arrancar e plantar, destruir e reconstruir. Quem vos ouve, me ouve, quem me ouve, ouve o Pai que me enviou. Quem vos recebe, me recebe. Quem vos rejeita, rejeita-me". Eis o brilhante papel do vigia do céu, por vontade sua, embaixadores com plenos poderes pra realizar boas obras. Tamanha é sua confiança em nós! Tamanho é nosso privilégio, nem sempre percebido na sua real dimensão.

CONCLUSÃO: Quem crê em Jesus é rei, sacerdote existencial e profeta

Pela fé e batismo, nos tornamos reis, sacerdotes e profetas, por participação na natureza régia, sacerdotal e profética de Jesus. Desde a antiga aliança o povo de Deus é um povo de reis, sacerdotes, profetas. Sendo a Descendência de Abraão, a mais importante figura da antiga aliança, Jesus resgatou todos os atributos do povo eleito. Partícipe da natureza régia, sacerdotal e profética de Jesus, o povo da nova aliança também é um povo de reis, sacerdotes, profetas, pela fé e o batismo ritual. Do povo sacerdotal da antiga aliança, a tribo de Levi é escolhida pra exercer o sacerdócio ritual, cuja função é oferecer sacrifício em louvor de Javé. Do povo sacerdotal da nova aliança, alguns são também escolhidos pra exercerem o sacerdócio ministerial em nome dos que crêem. Há, pois, dois tipos de sacerdócios, tanto na antiga como na nova aliança: o sacerdócio existencial do povo e o sacerdócio ministerial. O sacerdócio de Jesus e dos que crêem nele não é ritual. Jesus é leigo, membro do povo sacerdotal. Seu sacerdócio e dos que crêem nele é existencial, essencialmente diferente do sacerdócio ritual judeu-cristão. O sacerdócio leigo de Jesus remonta ao sacerdote do Altíssimo, Melquisedec, contemporâneo de Abraão, o pai da fé. O sacerdócio existencial de Jesus e dos que crêem nele remonta, pois, à linhagem da fé, não da Lei. Melquisedec não tem pai e mãe humanos, à semelhança de Jesus. Por isto, é a figura do Cristo e dos que crêem nele, que "não são gerados da carne, do sangue ou da vontade de homem, mas de Deus" Jo 1,12. Melquisedec oferta ao Deus Altíssimo pão e vinho pelas vitórias de Abraão em Canaã. Jesus oferta a própria vida em sacrifício pelos pecados do povo, para gerar auto-estima e vida nele. No mesmo dia da morte de cruz, ele institui a eucaristia durante a ceia antiga, em memória do seu sacerdócio existencial, usando os mesmos elementos que Melquisedec usou, agora para simbolizarem seu corpo dado e seu sangue derramado. No discurso escatológico e no lava-pés, Jesus revela o sentido da eucaristia, da ação de graças a Deus: Servir, dar a vida pelos outros. "Quem quiser ser grande, torne-se servo dos outros. A verdadeira religião, sem mácula diante de Deus Pai, é visitar órfãos e viúvas nas suas tribulações e guardar-se livre da corrução do mundo". Jesus anunciou o discurso escatológico dois dias antes do lava-pés e instituição da eucaristia: "Eu tive sede e me destes de beber..." Mt 25,31-46. O lava-pés ocorreu no meio da ceia antiga, antes da instituição da eucaristia. Depois de lavar os pés dos Doze, Jesus lhes perguntou: "Entendestes o que eu vos fiz? Chamais-me Mestre e Senhor e eu o sou, mas estou entre vós como aquele que serve." Jo 13,1-15.21-23; Lc 22,27; Tg 1, 26-27. Em seguida, Jesus retoma o lugar à mesa, oferece pão e vinho ao Pai, abençoa-os e distribui com eles dizendo: "Isto é o meu corpo que é dado por vós. Tomai e comei. Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado por vós. Tomai e bebei. Fazei isto em memória de mim" Lc 22,19-20. Que memória? A mera lembrança de um gesto heróico? Não. Trata-se, primeiro, da atualização pela fé da morte de cruz de Jesus, por meio dos sinais do pão e vinho, fazendo os mesmos gestos, dizendo as mesmas palavras que Jesus fez e disse quando instituiu a eucaristia. Mas, "fazei isto em memória de mim" significa, sobretudo "sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso; gastai a vida, o tempo servindo os outros; matai a fome dos famintos, saciai a sede dos sedentos, cobri corpos nus; dai esperança aos desesperados, esclarecei os ignorantes: amai uns os outros como eu vos amei". Praticar a fé desta forma é prestar o culto espiritual do agrado de Deus, é fazer memória viva da eucaristia, viver o sacerdócio existencial como Jesus vive por toda eternidade. Desta forma, a ação de graças ao Pai pela entrega do Filho por nós, a comunhão no sangue e corpo de Jesus torna-se compromisso de fazer pelos outros o que ele faz por nós. Assim o amor misericordioso da Família Divina gerará vida nos irmãos e no mundo, por meio de Jesus, o Mediador único da vida divina. Eucaristia é o maior gesto de doação de si, tanto de Jesus como nosso. "Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos amigos" Jo 15,13. Na comunhão Jesus dá a vida por nós e nos manda fazer o mesmo que ele, para perpetuar a memória do que fez". O dom da vida na kénosis intratrinitária continua na encarnação, paixão, morte, ressurreição, ascensão e o envio de Deus Mãe sobre todas as criaturas, e nos é comunicado na eucarística, para o repassarmos aos irmãos e à criação inteira. A doação da vida, o sacerdócio existencial de Jesus começa, pois, na vida intratrinitária antes da criação do mundo, quando o Cordeiro está imolado e de pé por nós: "Não foi com coisas perecíveis, como ouro ou prata, que fostes resgatados da vida fútil que herdastes de vossos pais, mas pelo sangue precioso de Cristo, como do cordeiro sem defeitos ou mácula, conhecido antes da criação do mundo, mas manifestado no fim do tempo por vossa causa" 1 Pd 1,18-s. A imolação do Cordeiro na cruz por nós é o corolário da sua imolação intratrinitária por Deus Mãe e o Pai. "Eu e o Pai somos um: eu estou no Pai e o Pai está em mim. Tudo que é do Pai é meu e o que é meu é do Pai. Quando vier Deus Mãe, que o Pai enviará no meu Nome, ela testemunhará de mim, vos ensinará e recordará tudo o que vos disse, vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesma, mas dirá o que tiver ouvido (do Pai e do Filho) e anunciará coisas futuras. Ele me glorificará, pois receberá do que é meu e vos anunciará. Quem me vê, vê o Pai. Tudo o que o Pai tem é meu, e tudo que é meu é do Pai. Por isto, vos disse: Deus Mãe receberá do que é meu e vos anunciará" Jo 6,57; 10,30; 14,11.26; 16,13-15; 17,10. A vida intratrinitária que o Filho doa ao Pai e a Ruah e eles lhe doam, o Filho nos comunica na eucaristia. Por isto, fala de corpo doado, sangue derramado: Jesus nos dá a vida intratrinitária. "Nele habita corporalmente a plenitude da divindade e foste levado à plenitude nele: da sua plenitude recebemos graça sobre graça" Cl2,9; Jo 1,16. A doação intratrinitária do Cordeiro salvou, muitos pela fé implícita antes da encarnação. "Abraão exultou por ver meu dia; viu-o, exultou de alegria. Antes que Abraão fosse, eu sou" Jo 8, 56-s. As promessas feitas a Abraão realizaram-se em, com, por Jesus Cristo. Por isto, a fé de Abraão era em Jesus, o depositário das promessas do pai da fé de judeus e cristãos. "Abraão creu em Deus, isto lhe valeu como justiça. Os que crêem em Jesus são filhos de Abraão. Prevendo Javé que justificaria os gentios pela fé, a Escritura profetizou a boa nova a Abraão: todas os povos serão benditos em ti. Daí, os que são pela fé são benditos com Abraão, que teve fé. A benção de Abraão em Jesus Cristo se estende aos gentios, para que, pela fé, recebamos Ruah" Gl 3,6-14. Na de Abraão e na memória sacerdotal de Melquisedec é que Jesus se consagra pra sempre e que a comunhão eucarística insere-se. Prevendo a entrega do Filho por nós, Javé exigiu que Abraão sacrificasse Isaac, pai das doze tribos de Israel. Abraão creu em Javé e decidiu sacrificar Isaac. Não o fez porque Javé, testando a fé de Abraão ao limite, viu que acreditava e interrompeu o holocausto, providenciou um carneiro que foi morto no lugar de Isaac. Jesus é também oferecido ao Pai como o Cordeiro Divino em resgate dos pecadores. Quem comunga o corpo de Jesus declara a disposição de partilhar a vida com os irmãos como o Cordeiro partilha conosco a vida divina; quem comunga se dispõe a oferecer o corpo como hóstia agradável ao Pai, em louvor pelo dom da vida, a nós dada por Cristo na comunhão e partilhada no serviço gratuito de amor aos irmãos. "Dai de graça o que recebestes de graça. Fostes salvos por graça, pela fé; isto não é mérito vosso, é dom de Deus" Ef 2,8. Sem partilha de bens e o dom de si, comunga-se indignamente o corpo e o sangue de Jesus. "Quem come e bebe sem discernir o corpo de Jesus, come e bebe a própria condenação" 1Cor 11,29. Por isto, mais que um ritual, a missa é compromisso de praticar o que Jesus praticou. A palavra "missa" vem de "mitere" (enviar). Donde vem missão, missionário, enviado. Jesus é o enviado o do Pai, assim como Deus Mãe é enviada do Pai e Jesus depois da ressurreição. Nós somos continuadores da missão de Jesus, impulsionados por Ruah que o animava. "Como o Pai me enviou, envio-vos também. Recebei Deus Mãe. Tudo que ligardes na terra, será ligado no céu; o que desligardes na terra, será desligado no céu". Antes do Concílio Vaticano II, ao fim da missa, o presbítero despedia a assembléia com a fórmula missionária: "Ite, (assembléia) missa est": "Ide, a assembléia está enviada: terminada a missa, inicia a missão. A missa é momento da missão. Após o Concílio, esqueceram esta fórmula e adotaram esta: "Ide em paz, o Senhor vos acompanhe". Ora o culto espiritual agradável ao Pai só tem sentido se for dom da vida aos irmãos. Só quem está disposto a viver como Jesus viveu entenderá o sentido do culto espiritual: gastar o corpo, a vida pra que o direito e a justiça, o Reino de Deus venha a nós. A entrega da vida aparentemente inútil de Jesus na cruz pelos pecadores revela a quem crê o esplendor da divindade: sua generosa capacidade de gerar vida abundante fora de si. João evangelista percebeu isto ao dizer: "O Verbo se fez carne, habitou entre nós e vimos sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Unigênito cheio de graça e verdade" Jo 1,14. A vida intratrinitária mantém-se pela entrega da vida de cada Pessoa Divina à outra. Na Trindade econômica, o Primogênito vive a mesma entrega da vida para gerar vida no mundo. "Eu faço o que o Pai faz. Quem me vê, vê o Pai". No corpo de Jesus Crucificado e Ressuscitado habita a plenitude de Deus uno. Quem quiser ver a glória de Deus, entender o Tabor e Caná olhe o Crucificado: na desgraça da cruz está a glória de Deus pelo direito e avesso. Só na cruz entenderemos a amplitude do amor de Deus pelo ser humano e a criação. A pedagogia da autodoação é da essência do sacerdócio existencial de Jesus e de quem crê nele: doar a vida livre e gratuitamente para gerar vida é a glória de Jesus Cristo e dos que crêem nele. "A glória de Deus é o ser humano vivo", diz Santo Irineu.