A MÍDIA E A CRIMINALIDADE:

INFLUÊNCIA DA CULTURA DO MÊDO NA LEGITIMAÇÃO

DO MOVIMENTO LEI E ORDEM

 

                                                      Autores: Guilherme Gustavo Vasques Mota[1] e Maria Nazareth Vasques Mota [2]

 

“O final do século XX ilumina o nosso olhar sobre o século XIX. No limiar entre o XX e o XXI, o medo não é só uma consequência deplorável da radicalização da ordem econômica, o medo é um projeto estético, que entra pelos olhos, pelos ouvidos e pelo coração.” Vera Malaguti Batista[3]

 

RESUMO

 

        No presente trabalho pretende-se analisar o papel da mídia na legitimação do movimento Lei e Ordem (law and order) (apoiando a construção de tipos criminais, agravando penas ou dando surgimento a operações repressivas de grande violência), na sua utilização pelas próprias autoridades como forma de conquistar apoio popular na luta contra a impunidade e ainda, na construção do sentimento de insegurança no cidadão, em função do alarde equivocado criado pelos meios de comunicação em relação à criminalidade, gerando a denominada “cultura do medo” [4] .

     De acordo com esse enfoque, considera-se o direito à informação e a importância da Liberdade da Imprensa em um Estado de Direito Democrático, cuja censura deve sempre estar fundada no respeito à privacidade e aos preceitos constitucionais, de forma que sua atividade não cause prejuízos irreparáveis às pessoas.

 

ABSTRACT

         The goal of the present article is to analyze the role of the media related to the implementation of the law and order movement (supporting the creation of crimes, increasing penalties or starting repressive operations of great violence), being used by the authorities themselves as a way to conquer popular support in the fight against impunity and more, imposing a feeling of insecurity of the citizens due to erroneous tales creating the so called “culture of fear”. According to this point of view, the right to information is considered important in a legal State of Democracy, which can count with free press, whose censorship comes from itself when the critical sense, respect of privacy and other constitutional precepts

limit its intervention with the idea of not causing irreparable damage towards people.

 

INTRODUÇÃO

            A ideia de utilização do medo como forma de criar um sentimento de insegurança na

população é motivo de debates entre estudiosos não só da área jurídica, mas também de comunicação e outras, sobretudo as relacionadas às questões criminais.

           A veiculação de determinados fatos criminosos de forma excessiva gera na população a

sensação de extrema vulnerabilidade, o que enraíza no imaginário popular a possibilidade de ser vítima potencial das ações veiculadas, além do sentimento de insegurança, colaborando assim com a ideia de que se pode impedir o aumento da criminalidade a partir de alterações que tornem a legislação criminal mais severa.

               Barry Glasner, na obra Cultura do Medo, desvela o modo como à mídia nos Estados Unidos, ao desenvolver práticas sensacionalistas, deslocou para os noticiários e programas especializados, notícias sobre crimes, despidas de fatores e dados que mitigariam as informações, criando um sentimento de medo e insegurança na população.

            Da análise de dados sociais relacionados com a desigualdade social e do grande acesso

às armas de fogo, a pesquisa de Glasner tem inserção possível para um debate homólogo em nosso País.

            Além desta premissa, o estudo analisará a exagerada divulgação, por parte da mídia (cujos interesses fogem à mera transmissão da informação indo além) na disputa pela maior audiência, em uma guerra entre os donos do mercado da informação, tendência que cria nas autoridades responsáveis pela investigação e punição dos fatos o desejo de que os culpados sejam punidos, o que demonstra in casu, a realização plena de seus afazeres legais, em um esforço contra a impunidade, desse modo colaborando com a imprensa, divulgando informações em primeira mão. Como parte final de tal fenômeno analisa-se efeitos sobre os envolvidos (independentemente de serem ou não culpados, pois este não é o objeto do estudo) e finalmente, o debate que se instala sobre possíveis alterações na legislação penal e o esforço no sentido de mudá-la, pois na opinião de leigos (especialistas selecionados e apresentados à sociedade pela mídia), como medida de urgência para satisfazer os anseios da sociedade que vê ingenuamente no aumento da pena uma possível solução para o problema da criminalidade, afastando-se da origem dos problemas que no Brasil e em países periféricos pós-neoliberalismo tem um caráter econômico social e não criminal.

 

1 O PODER DA MÍDIA

            O termo mídia envolve várias formas de comunicação, desde o conceito de noticiários,

aos programas de variedades (entretenimento) estes com o intuito de prestar serviços ao público -“são processos de informação que se realizam entre os comunicadores e a massa da audiência, heterogênea e anônima, por meio de instrumentos que são chamados de comunicação, também chamado de mass media” [5], embora funcionem como monólogo. Hoje, as novelas [6]também fazem parte dessa prestação de serviços quando divulgam, por meio de seus enredos causas sociais manifestando opinião política.

        Na realidade a mídia se constitui de vários meios que produzem mensagens informativas, a internet e a televisão - audiovisuais – são os meios de massa. O poder público, as autoridades, os intelectuais, a população todos aplaudem, tais iniciativas, entretanto o que é levado a público, na maioria das vezes, é informação que já constitui uma interpretação, da mídia, que, portanto, vem assumindo um papel que caberia à polícia e a justiça, na medida em que em alguns casos, produz verdadeiros julgamentos.

          Para Sylvia Moretzsohn, apesar do reconhecimento do papel político da mídia, esta não deveria substituir outras instituições, mas acaba por assumir tal tarefa e recebe por isto a qualificação de “quarto poder”, sobre o assunto manifesta-se como a seguir:

“... a qualificação de “quarto poder”, que data do início do século XIX e lhe

confere o status de guardiã da sociedade (contra os abusos do Estado,

representante do público, voz dos que não têm voz). É certamente sustentada

por essa visão mistificadora – porque encobridora dos interesses da empresa

jornalística, desde sua constituição, há dois séculos, e especialmente agora na

era das grandes corporações – que a imprensa se arroga o direito de penetrar

em outras áreas”.

“Tal invasão busca legitimar a imprensa junto à opinião pública que ela mesma ajuda a formar, com a vantagem de atuar num reconhecido vácuo (a distância entre o aparelho judiciário e o homem comum, para ficar apenas no exemplo mais recorrente)”.

 

Lola Aniyar de Castro[7] ao tratar do poder da mídia, econômico ou político, enfoca quatro aspectos:

1. “A concentração progressiva dos meios em poucas mãos”: Informa-nos do fato de que as pequenas empresas jornalísticas são absorvidas pelas grandes e que na América Latina a regra geral é o jornal associar-se aos interesses norte-americanos, ou serem comprados e funcionarem como testas-de-ferro locais ;

“2. Dependem também de grandes centros internacionais de poder, em razão dos recursos tecnológicos que ali são gerados, assim como dos monopólios de tinta e papel. Dependem até dos serviços de distribuição.”

“3. Mais importante ainda é a dependência das agências internacionais de notícias”:“Na Europa Charles Havas organizou um escritório de notícias em 1825, com correspondentes em várias capitais europeias, a fim de reunir notícias para assinaturas privadas (geralmente, homens de negócios e diplomatas). Depois alguns jornais compraram seus serviços. Wolff e Reuter, ex-empregados de Havas, decidiram abrir seus próprios negócios, respectivamente na Alemanha (1848) e em Londres (1851)”.

Os escritórios assim organizados constituíram-se em um “comércio de notícias”, que são vendidas, são as conhecidas agencias de notícias.  Sobre o assunto, continua a autora Lola Aniyar de Castro: “Hoje há apenas cinco agências mundiais (AFP, Reuter, AP, UPI e Tass); cinco centros de onde se elabora nosso conhecimento do mundo e nossa ignorância também”. g.n.

“4.Um último grande fator de mediatização da informação são as companhias transnacionais e nacionais de publicidade”

          No Brasil, os meios de comunicação de massa , assim como no resto do mundo estão concentrados em poucas mãos, Paulo Meksenas, informa-nos que:

“Em 1999, apenas seis redes nacionais de televisão, com sinal ‘aberto’,

controlavam 356 emissoras no país. A cobertura geográfica dessas redes cobria 4.974municípios, ou seja, 100 % do território nacional (...). Nas TVs por assinatura apenas duas distribuidoras: a NET (organizações globo) e a TVA (grupo abril), com 2,5 milhões de assinantes”.

 

O autor, acima mencionado, informa ainda que os meios de comunicação do país estão concentrados, em determinadas regiões, nas mãos dos detentores do poder político e de famílias de alta classe e influência social. Noventa e seis deputados e senadores possuem concessões de canais de TV e radiodifusão;

            Somente a família Sarney detém 16 concessões; Orestes Quércia seis e a família Collor, três. [8]A mídia ao exercer seu poder, acaba por induzir a população a padrões de conduta, que longe do que imaginam caracteriza-se como formas de controle social. O que parece ser meramente entretenimento acaba por criar toda uma cultura que passa a ser dirigida pela mídia.

                 Otavio Ianni[9] , ao tratar da importância planetária da mídia aduz:

“A informação é agora imediatamente disponível por todo o globo e pode se retocada e recuperada, desde que haja a eletricidade necessária”. “O tempo e o espaço não se acham mais restritos à troca de informações. A aldeia global de McLuhan é tecnicamente realizável”.

 

                 A idéia de Aldeia Global de McLuhan baseia-se na possibilidade de comunicação

imediata em todo o globo em função da tecnologia à disposição da mass mídia.

             Consoante Nilo Batista[10] a mídia, por meio da TV, substituiu o panóptico de Bentham, da era do vigilantismo, muito mais eficiente, somos todos diariamente mais do que vigiados, controlados pela mídia de massa.

 

2 O MEDO E A SOCIEDADE OCIDENTAL

 

           É historicamente unânime que a exposição do crime aliado aos expedientes que causam a sensação de medo sempre foi inserida como ingredientes básicos de conteúdos literários no mundo ocidental, sendo necessários segundo Aristóteles (10), “para que a tragédia cumprisse suas funções estéticas e morais que lhe atribuía” constituindo-se como verdadeira tradição literária. Edgar Morin[11] denominou de “grande fascínio da morte” as múltiplas e densas significações desta que dotam qualquer evento de um marcante interesse.

          E ainda, na introdução da edição brasileira do livro A Cultura do Medo, Paulo Sérgio Pinheiro acrescenta que “no período moderno, as histórias em quadrinhos povoaram o imaginário popular de criminosos e de valorosos combatentes do crime, mencionando os primeiros seriados brasileiros, transmitidos pelo Rádio, como ‘o santo Jerônimo – o herói do sertão’, ou ‘Fantasma’, que a época já plantavam sensações de medo específico”.

            Com o advento da tecnologia e respectivo surgimento da televisão, esta fertilizou tal

atividade, substituindo romances policiais transmitidos via rádio ou televisão, que já constituem tradição popular. Todavia àquela deslocou a matéria para noticiários e programas especializados sensacionalistas (sobre o crime) revelando ter reservado outras finalidades além da literatura e audiência.

           Para que se delimite a extensão do conceito de cultura do medo, parte-se do conceito de cultura que significa: “conjunto de estruturas sociais, religiosas de manifestações intelectuais, artísticas que caracterizam uma sociedade” [12], que neste caso são integradas pelo medo, sentimento denominado como “sentimento de angústia, de apreensão em face de um perigo real ou imaginário” que gera temor, receio, sobressalto. Considera-se, todavia, que “o medo baseado em avaliações reais é um instrumento no auxílio ao escape ou enfrentamento de perigos reais” [13]. Mas o medo veiculado pela mídia, o falso medo, “baseado em estimativas irrealistas, é fonte de sofrimento e determina políticas equivocadas”. [14]

              Paulo Sergio Pinheiro[15] ensina que: “a questão é que no mundo ocidental nascemos e

crescemos em meio a uma ‘cultura do medo’ e em nenhum momento nas sociedades contemporâneas houve tanto medo”. Esclarece o autor Glassner[16], em Cultura do Medo, que essa gera um sentimento de insegurança tornando possível a inserção de políticas públicas de segurança baseadas naquilo que é difundido e, em verdade, de forma preferencial isto é notícias que tratam de violência, de atentados enfim de informações que gerem medo. Ensina ainda Glassner, que as pessoas “reagem ao medo e, não ao amor”, portanto para o jornalista que precisa despertar a atenção do receptor, a utilização de determinada espécie de notícia torna-se indispensável para gerar um impacto na população.

            É ainda, Barry Glassner, que expressa haver situações muito mais dramáticas para as  famílias e que recebem muito menos exposição da mídia do que a criminalidade, um exemplo são os dados sobre o desemprego nos Estados Unidos: “entre 1980 e 1995, mais de 42 milhões de empregos foram eliminados...”, entretanto 30 % das notícias escritas pela imprensa americana, no período, foram dedicados ao crime e nas emissoras de televisão, quase a metade do noticiário.

             Desse modo, este raciocínio “dê”-nos um final feliz e escreveremos uma história de

desastre (p.19) gera medos irreais e infundados que atingem proporções absurdas onde um único evento anormal cria grupos diversos de coisas a temer: é o exemplo da “bactéria comedora de carne”, das “crianças assassinas”, dos “atentados terroristas” e da “pedofilia em escolas”. Esses medos, acima mencionados, foram amplamente veiculados pela mídia norte americana causando temor e descontrole público. [17]

             Dando continuidade ao raciocínio de Glassner, citamos Lola Aniyar de Castro que ao

tratar da insegurança gerada na população pelo delito, ensina:

“Para construir uma tragédia, não é necessário que exista “um grande fato”,

basta que se ponham em jogo elementos que permitam ao leitor sentir-se

tocado, afetado em sua rotina. Isso acontece quando ocorre alguma coisa com

um ‘ personagem’ da farândula, da política ou dos esportes,por exemplo.

 

               Citando Roland Barthes, Jesús Martín Barnero e P. Nora[18], continua a autora:

 

 O fato delitivo participa dessa mítica substância da tragédia: seu drama, sua magia, seu mistério, sua estranheza, sua poesia, seu caráter tragicômico, seu poder de compreensão e de identificação, o sentimento de fatalidade que o habita, seu excesso e sua gratuidade”.” E enquanto o acontecimento só é compreendido em relação aos outros, a tragédia é uma informação total, imanente: não é preciso saber nada do mundo, não remete a nada além de si mesmo”, diz Barthes.

 

              Para  Lola Aniyar de Castro: É o caso dos desastres, assassinatos, dos roubos, dos acidentes. A tragédia “é como um buraco por meio do  qual se estabelece conexão com outro mundo, maravilhoso mundo dos enigmas, dos porquês sem respostas. Os detalhes interessam ao público: quem é? como é? como aconteceu ? A dramatização dada a tragédia a converte-se em parte da vida real, em algo assim como

a telenovela da cotidianidade”.20

 

2 NEOLIBERALISMO E GLOBALIZAÇÃO: MÍDIA E SISTEMA PENAL

 

               No Brasil, a implantação do modelo neoliberal, determina o fim da busca de um Estado de Bem Estar Social, Welfare State, as Instituições Públicas dão lugar às Privadas, aquelas, ao diminuir suas funções enxuga o atendimento aos que necessitam, deixando a população carente exposta ao Poder Privado. Em 1990, era de gestão do Presidente Collor, o Brasil tornou-se globalizado.

               O processo de globalização ocorre em todo o mundo e sua principal consequência nos países subdesenvolvidos, é a subordinação aos países desenvolvidos, em todas as esferas provocando cada vez mais o abandono das garantias básicas previstas nas Constituições, típicas do modelo social. A globalização acaba por justificar a dominação mundial econômica dos Estados Unidos.

          Para Eugenio Rául Zaffaroni a globalização não só é parte de um esquema de dominação mundial que inicia com as grandes navegações, mas a conceitua como ideologia e realidade de poder, consoante a seguir:

 

A ideologia é o sistema de ideias que quer explicar a realidade. Neste caso trata-se da ideologia do mercado mundial: uma irrestrita eliminação de barreiras e de protecionismo geraria um mercado mundial que se equilibraria por si mesmo e produziria um efeito de crescimento planetário (...) Essa ideologia constituiu-se num fundamentalismo de mercado e, sem muito esforço, pode-se descobrir nela neo-spencerismo: a competição para a sobrevivência dos mais fortes e o impulso para o fortalecimento dos mais fracos (se não desaparecerem no projeto).[19]

 

                 Para Nilo Batista[20]:

O empreendimento neoliberal, capaz de destruir parques industriais nacionais inteiros, com consequentes taxas alarmantes de desemprego: capaz de flexibilizar direitos trabalhistas, com a inevitável criação de subempregos; capaz de tomando a insegurança econômica como princípio doutrinário, restringir a aposentadoria e auxílios, capaz de, em nome da competitividade, aniquilar procedimentos subsidiados sem considerar o custo social de seus escombros.

 

                A importância de destacar o momento de inserção do Brasil no projeto denominado globalização e suas consequências é que o abandono das garantias previstas no Estado Social e recepcionadas pelo modelo constitucional de 1988, gera um movimento punitivo mais acirrado, uma vez que a condição de emprego é alterada e a ausência de políticas públicas (educação, saúde, entre outros), faz com que práticas delitivas aumentem e a impossibilidade de reversão dos quadros gerados tornem a punição uma solução para exclusão daqueles que não mais interessam (os redundantes). [21]

          Para Nilo Batista, as condições sociais da transição econômica trazidas pela globalização (capitalismo tardio), vincula a mídia ao sistema penal (esclarece que a intervenção penal em épocas de transição econômica não é novidade histórica), explicitando-se como a seguir:[22] .

O empreendimento neoliberal, capaz de destruir parques nacionais industriais inteiros com consequente taxas alarmantes de desemprego; capaz de flexibilizar direitos trabalhistas, com a inevitável criação de subempregos,

capaz de tomando a insegurança econômica como princípio doutrinário, restringir a aposentadoria e auxílios previdenciários, em nome da competitividade aniquilar procedimentos subsidiados sem considerar os custos sociais de seus escombros; o empreendimento neoliberal precisa de um poder punitivo onipresente e capilarizado para o controle penal contingentes humanos que ele mesmo marginaliza.

 

              Consoante a dicção de Nilo Batista aí reside à vinculação entre as empresas de comunicação e sistema penal, uma vez que estas são organismos lucrativos inseridos no sistema neoliberal, aliás, seguindo sua característica de empresas altamente lucrativas a quem interessa o controle social daqueles “contingentes humanos”, já que para estas empresas interessa ainda a pena como instrumento de controle. Sobre o assunto, Nilo Batista ensina o que segue:

 

O compromisso da imprensa – cujos órgãos informativos se inscrevem, de regra, em grupos econômicos que exploram os bons negócios das telecomunicações – como o empreendimento neoliberal é a chave de compreensão dessa especial vinculação mídia-sistema penal, incondicionalmente legitimante. Tal legitimação implica a constante alavancagem de algumas crenças, e um silêncio sorridente sobre informações que as desmintam. O novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo rradiador na própria idéia de pena: antes de mais nada, crêem na pena como rito sagrado da solução de conflitos........

 

“Não há debate não há atrito: todo e qualquer discurso legitimante da pena é bem aceito e imediatamente incorporado à massa argumentativa dos editoriais e das crônicas”. [23]

           A lógica do que é assim afirmado tem como escopo a nova sociedade que se desenvolve a partir do neoliberalismo, que é a sociedade eminentemente consumista, onde não há espaço para o desempregado, sem acesso a políticas públicas ou outros que o insiram no mercado de consumo.

 

2 MOVIMENTO LEI E ORDEM : LEGITIMAÇÃO PELA MÍDIA

 

             A utilização do movimento Lei e Ordem no Brasil inicia-se com o regime burocrático

militar, nos anos 60 e continua a ser utilizado até nossos dias. O movimento consiste no combate a criminalidade a partir da exacerbação de penas, abandona garantias, antes legais, e muda procedimentos, de forma a também exasperar o cumprimento de penas, supondo-se que tais mudanças alterem o comportamento do criminoso e diminua a criminalidade.

           Como exemplos podem-se citar a Lei de Crimes Hediondos, o Regime Disciplinar Diferenciado e as Penitenciárias de Segurança Máxima construídas para abrigar perigosos delinquentes. Este é um Direito Penal de clara função criminalizadora da pobreza. [24]

              Os fundamentos do Movimento Lei e Ordem ancoram-se no princípio da legalidade e

concebe o crime como mera quebra de contrato, de acordo com o contratualismo de Rousseau.

             Desse modo, a pena é pura retribuição, deve ser justa e severa, se houve delito deve

haver pena, não se considera que o incremento das desigualdades sociais e econômicas que assolam nosso país faça parte de um panorama desolador em relação ao crime.

          O Movimento Lei e Ordem é atualmente o discurso de política criminal legitimado pela mídia, segundo “Zafaronni”. Essa atividade de legitimação que os meios de comunicação exercem no sistema penal logra êxitos de possível vislumbre nas legislações penais pátria, opõe-se ao Direito Penal de intervenção mínima, consiste em um direito de máxima intervenção e de clara função criminalizadora da pobreza.[25] 27

            John Lea e Jock Young em Qué hacer con la ley y el orden? Reconhecem a participação da mídia, inclusive na divulgação distorcida das informações pela própria falta de conhecimento sobre o delito pelos periodicistas. 28 Sobre o assunto manifestam-se como a seguir:

“... Los médios de comunicación que buscan maximizar lãs ventas y los niveles de audiência prestan uma cobertura de noticias que, aunque basadas em um miedo racional de la sociedad al delito, no tiene demasiados limites em este proceso son el el buen gusto y el escaso conocimiento que tienen los periodistas acerca del delito. Es así que llegamos al nudo de la cuestión. Para recapitular, em nuestra época, há aumentado la privación relativa y, por lo tanto, el descontento. Esto, combinado com el desempleo y el quiebre em la comunidad no há permitido que el descontentosea canalizado hacia formas políticas; em cambio, la solución más obvia es el delito. Mientras tanto, la desintegración de la socieda facilita la comisión de delitos al sovacar drásticamente el proceso informal de control social. Lãs mismas fuerzas que hacen que aumente el delito avivan el pânico moral respecto de el. Es decir, el miedo real al delito está intimamente relacionado com la histeria moral que esxiste sobre el: el miedo no solo da uma base racional a la alarma sino que sus raíces se encuentran em sus propias fuentes; y los médios masivos de comunicación sirven y exageran estos miedos de la sociedade. La demanda de notícias policiales es grande; la forma que tienen los médios masivos de comunicación de informar sobre el delito y la policia fomenta y exagera este apetito. Este clima trae aparejado una política correspondiente, pero lãs campanas sobre la ley y el orden, um monopólio tan familiar de la derecha, son algo sobre lo que la izquierda tiene poco que decir; excepto cuando está a la defensiva.

 

              Expor matéria criminal é atividade que gera boa audiência, portanto o “jornalista tem a árdua tarefa de despertar o interesse e a atenção e do receptor – consumidor da mensagem e o faz por meio de impacto”[26].  Neste caso não poderia ser diferente, para a população sempre é evidenciado em caso de crimes violentos que há insegurança, que a política criminal não atende as necessidades da sociedade no que se refere à punição, gerando uma situação de angústia coletiva.

             Os políticos cujo compromisso é com todos e, principalmente com sua própria eleição, imediatamente apresentam projetos de lei penal repressivas para atender aos anseios do povo.

              Vera Malaguti Batista[27] sobre o assunto, se expressa como a seguir:

 

A criminalidade é o tema central dos discursos de todos os candidatos políticos na América Latina e na África. Aqui no Brasil, este discurso é responsável pela volta daqueles generais, ontem torturadores e assassinos de presos políticos, hoje comandantes dos esquadrões oficiais de execução de pretos e pobres nas favelas, com o aplauso do público e da mídia. Segundo a

America’s Watch, o número de civis mortos pela polícia militar aumentou de 3,2 ao mês, para 20,55 durante a gestão do General Cerqueira a partir de maio de 95. Somente durante a operação limpeza efetuada durante a visita do Papa ao Rio de Janeiro, em 1997, foram mortos doze suspeitos por apenas um batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro. A mídia monopolizadora manteve fora das manchetes esse massacre silencioso e consentido, como o fez recentemente na bárbara seqüência de execuções dos suspeitos do caso Tim Lopes. As lamentações giraram mais em torno das preocupações com a ‘queima de arquivo ‘ do que com as execuções em si.[28]

 

CONCLUSÃO

 

             É incontestável a participação da mídia, pela forma como veicula determinados fatos, na criação de um sentimento de insegurança que acaba por gerar medo na população, no que se refere ao crime, esta sempre aumenta a venda ou a audiência nos meios de comunicação, atentos aos noticiários os representantes do movimento “lei e ordem”. , isto é Políticos em busca de votos entre outros. A mídia provoca uma situação de emergência que atende plenamente ao movimento Lei e Ordem e sempre que casos como estes são divulgados de forma ampla e constante, aparece uma nova legislação ou um novo debate sobre a pena de morte, redução da maioridade penal, mudanças de procedimentos da lei. Mas quando a mídia divulga a criminalidade perpetrada pelos ricos e expressada por condutas de corrupção, evidenciando verdadeiras organizações criminosas, especializadas em lavagem de dinheiro, apesar da visibilidade que o assunto passa a ter não gera nenhuma ação visando o combate da impunidade dos membros das camadas mais altas da população. Ao contrário, o momento passa a ser o de debaterem-se as garantias individuais não respeitadas pela Polícia, prejudiciais aos envolvidos, a própria mídia passa a ser alvo de críticas pelo exagero em expor tais pessoas.

            O movimento lei e Ordem vai sempre à direção dos pobres, negros, quase negros, esquecidos do desenvolvimento propalado como consequência da globalização. O Direito Penal não pode nunca ser utilizado como remédio para problemas sociais. A legislação penal brasileira, nestes casos de excessiva cobertura da Mídia, é cada vez mais alterada e descaracterizada, cada vez mais distantes dos princípios constitucionais do Direito Penal como ultima ratio, fragmentariedade e subsidiariedade, são casos emblemáticos o de “Daniela Perez”, que redundou na inclusão do homicídio qualificado no rol de crimes hediondos, a participação de menores em crimes que tiveram grande visibilidade e que geram intensos debates sobre a alteração da maioridade. Não raro volta à cena a discussão sobre a pena de morte que sabemos impossível de ser utilizada não só pela determinação constitucional, mas ainda pelas disposições do Pacto de San José da Costa Rica. Se de um giro, mudam-se ainda procedimentos visando agilizar julgamentos, esquecendo-se de outros processos demorados que atingem maior número de vítimas como os de corrupção, por outro giro são incorporados à legislação formas de impedir a progressão de regime em caso de reclusão de condenados em determinados crimes.

               Essas mudanças na legislação acabam por trazer distorções no conjunto legal, cuja alteração não deveria ser pontual. O mais prudente seria repensar as políticas públicas, ou seja, solucionar problemas sociais com medidas sociais, medidas preventivas que resolvam o problema da vulnerabilidade da criança na sociedade, pois é o investimento nesta que poderá trazer algum resultado, seja por meio de matrizes sociais como a escola, a igreja, a família e o emprego como forma de recuperação de uma vida digna.

              As medidas de agravamento de penas e outras visando à punição de pessoas pobres acabam por representar uma espécie de administração da pobreza pelo sistema penal, que é o resultado do Movimento Lei e Ordem.

             Deve ser questionada a participação da mídia no acompanhamento de processos e de

casos envolvendo Direito Penal, pois os responsáveis por tais procedimentos é a justiça.

           Os meios de comunicação possuem sim a liberdade de informar, mas no exercício desta função pública não podem violar princípios basilares da Constituição e do Estado de Direito Democrático como a Dignidade da Pessoa Humana, os direitos da personalidade como Imagem e Honra, e principalmente, pela exposição exaustiva negativa que muitas vezes são objeto os denunciados, ferindo o princípio do devido processo legal, presunção de inocência e da vedação dos Tribunais de Exceção.

               Afinal pergunta-se: quem são os jurados? São pessoas comuns que em casa possuem

televisões. Até que ponto a opinião da mídia sobre os casos criminais pode influenciar as pessoas? Estariam os julgamentos, por intensa divulgação, na realidade, representando verdadeiros Tribunais de Exceção?

               Nilo Batista, de forma exclusiva e autêntica, destacou a relação entre os meios de comunicação informativos (mídia televisiva e escrita) e o funcionamento do sistema penal. Louva-se assim, tal percepção de Nilo Batista, cujos trabalhos evidenciaram desde o início o que denominou de “Criminogênese Comunicacional”[29].

                  Tal fenômeno, quem vem em verdade se aperfeiçoando no sentido de gerar verdadeiros movimentos no sentido de criminalizar-se mais condutas, aumento de pena como solução para a criminalidade e outras ideias que embora apoiadas pela opinião pública não são capazes evidentemente de tratar a questão criminal.

 

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[1]    Guilherme Gustavo Vasques Mota – Advogado, Mestrando em Ciências Sociais pela PUC/SP, Professor Substituto de Prática Jurídica da UFAM, da ULBRA e do CIESA.

[2]    Maria Nazareth Vasques Mota – Promotora de Justiça Aposentada, Advogada, Mestre em Ciências Penais pela UCAM, Doutora em Ciências Sociais pela PUC/SP, Professora de Direito Penal, Direitos Humanos e Criminologia do CIESA.

[3]Batista, Vera Malaguti-O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história-Rio de Janeiro:

Revan, 2003.

[4]    Cultura do Medo é o Titulo do Livro do Barry Glassner.

[5]             VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, Processo Penal e Mídia, São Paulo: RT, 2003.

[6]             MORETZSOHN, Sylvia – O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã”. Discursos Sediciosos – Crime, direito e Sociedade – ano sete, número 12 – 2º. Semestre de 2002.

[7]             DE CASTRO, Lola Aniyar – Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005.

[8]

[9]          IANNI, Otávio. Teoria da Globalização, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

[10]  BATISTA, Nilo – Punidos e Mal Pagos, Rio de Janeiro Revan, 1990 (p.134).

[11]  MORIN EDGAR apud Batista Nilo, op. Cit. p. 134.

[12]  LAROUSSE, Dicionário da Língua Portuguesa, São Paulo/SP: Editora Nova Cultural, 1993.

[13]  BARRY, Glassner. Cultura do Medo: São Paulo: Francis, 2003.

[14]  Idem.

[15]  PINHEIRO, Paulo Sérgio apud Glassner, Barry, op. cit.

[16]  Glassner, Barry, idem op. cit.

[17]          “Bactéria “comedora de carne -é descrita pela mídia como” a coisa mais cruel jamais vista nos tempos modernos”, apesar de ter sido isto refutado pelos médicos que considera a incidência da doença fraca, a mídia continuou a divulgá-la de forma alarmista; Em 1995, após a descoberta de que não fora um atentado árabe a explosão de um edifício federal e Oklahoma City, aumentaram o temor relativo a atentados terroristas, ampliando a desconfiança sobre os jovens americanos, apesar de se saber que esses eram responsáveis somente por 13% do índice de criminalidade (criminalidade violenta) em toda a década, os adultos americanos consideravam que este percentual era de 50%.

[18]          Roland Barthes, estructura del suceso”, in ensayos críticos, p.226 apud Castro,Lola Aniyar.

[19]           ZAFFARONI, Eugênio Raul. Globalização e Sistema Penal na América Latina: da segurança nacional à urbana, Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997. 

[20]          BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no capitalismo tardio, Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro: Revan, 1990.

[21]          BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

[22]          Por ocasião da dissolução da ordem feudal, os desajustados eram executados até que se visse um aproveitamento útil para os mesmos - casas de correção, mão de obra de reserva etc.. (Rusche e Kirccheimer apud Nilo Batista)

[23]          BATISTA, Nilo – A mídia e sistema penal no capitalismo tardio – op. cit.

[24]          WACQUANT apud BATISTA, Sistemas Penais Brasileiro, Florianópolis: Boitex; 2002 (p.155)

[25]          WACQUANT apud Batista, op. Cit.

[26]          LEA, John e YOUNG Jock. Qué hacer con la ley y el orden ? Tradução para o espanhol de Martha Gil e Mariano Ciafardini: Buenos Aires: Editores del Puerto, 2001.

[27]          Batista, Vera Malaguti, Op. Cit.

[28]          Batista, Vera Malaguti & Dumans, Alexandre Moura. A estrela da morte. In Jornal do Brasil, 25 de dezembro de 2002, p. A-5, apud Batista, Vera Malaguti – O Medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história, Rio de Janeiro: Revan, 2003.

[29]  No texto Mídia e sistema penal no capitalismo tardio, de 2002. Neste artigo, Nilo sintetiza o objeto do artigo intitulado Comunicação e crime, presente na obra “Punidos e mal pagos”em 1990. 

A MÍDIA E A CRIMINALIDADE:

INFLUÊNCIA DA CULTURA DO MÊDO NA LEGITIMAÇÃO

DO MOVIMENTO LEI E ORDEM

 

                                                      Autores: Guilherme Gustavo Vasques Mota[1] e Maria Nazareth Vasques Mota [2]

 

“O final do século XX ilumina o nosso olhar sobre o século XIX. No limiar entre o XX e o XXI, o medo não é só uma consequência deplorável da radicalização da ordem econômica, o medo é um projeto estético, que entra pelos olhos, pelos ouvidos e pelo coração.” Vera Malaguti Batista[3]

 

RESUMO

 

        No presente trabalho pretende-se analisar o papel da mídia na legitimação do movimento Lei e Ordem (law and order) (apoiando a construção de tipos criminais, agravando penas ou dando surgimento a operações repressivas de grande violência), na sua utilização pelas próprias autoridades como forma de conquistar apoio popular na luta contra a impunidade e ainda, na construção do sentimento de insegurança no cidadão, em função do alarde equivocado criado pelos meios de comunicação em relação à criminalidade, gerando a denominada “cultura do medo” [4] .

     De acordo com esse enfoque, considera-se o direito à informação e a importância da Liberdade da Imprensa em um Estado de Direito Democrático, cuja censura deve sempre estar fundada no respeito à privacidade e aos preceitos constitucionais, de forma que sua atividade não cause prejuízos irreparáveis às pessoas.

 

ABSTRACT

         The goal of the present article is to analyze the role of the media related to the implementation of the law and order movement (supporting the creation of crimes, increasing penalties or starting repressive operations of great violence), being used by the authorities themselves as a way to conquer popular support in the fight against impunity and more, imposing a feeling of insecurity of the citizens due to erroneous tales creating the so called “culture of fear”. According to this point of view, the right to information is considered important in a legal State of Democracy, which can count with free press, whose censorship comes from itself when the critical sense, respect of privacy and other constitutional precepts

limit its intervention with the idea of not causing irreparable damage towards people.

 

INTRODUÇÃO

            A ideia de utilização do medo como forma de criar um sentimento de insegurança na

população é motivo de debates entre estudiosos não só da área jurídica, mas também de comunicação e outras, sobretudo as relacionadas às questões criminais.

           A veiculação de determinados fatos criminosos de forma excessiva gera na população a

sensação de extrema vulnerabilidade, o que enraíza no imaginário popular a possibilidade de ser vítima potencial das ações veiculadas, além do sentimento de insegurança, colaborando assim com a ideia de que se pode impedir o aumento da criminalidade a partir de alterações que tornem a legislação criminal mais severa.

               Barry Glasner, na obra Cultura do Medo, desvela o modo como à mídia nos Estados Unidos, ao desenvolver práticas sensacionalistas, deslocou para os noticiários e programas especializados, notícias sobre crimes, despidas de fatores e dados que mitigariam as informações, criando um sentimento de medo e insegurança na população.

            Da análise de dados sociais relacionados com a desigualdade social e do grande acesso

às armas de fogo, a pesquisa de Glasner tem inserção possível para um debate homólogo em nosso País.

            Além desta premissa, o estudo analisará a exagerada divulgação, por parte da mídia (cujos interesses fogem à mera transmissão da informação indo além) na disputa pela maior audiência, em uma guerra entre os donos do mercado da informação, tendência que cria nas autoridades responsáveis pela investigação e punição dos fatos o desejo de que os culpados sejam punidos, o que demonstra in casu, a realização plena de seus afazeres legais, em um esforço contra a impunidade, desse modo colaborando com a imprensa, divulgando informações em primeira mão. Como parte final de tal fenômeno analisa-se efeitos sobre os envolvidos (independentemente de serem ou não culpados, pois este não é o objeto do estudo) e finalmente, o debate que se instala sobre possíveis alterações na legislação penal e o esforço no sentido de mudá-la, pois na opinião de leigos (especialistas selecionados e apresentados à sociedade pela mídia), como medida de urgência para satisfazer os anseios da sociedade que vê ingenuamente no aumento da pena uma possível solução para o problema da criminalidade, afastando-se da origem dos problemas que no Brasil e em países periféricos pós-neoliberalismo tem um caráter econômico social e não criminal.

 

1 O PODER DA MÍDIA

            O termo mídia envolve várias formas de comunicação, desde o conceito de noticiários,

aos programas de variedades (entretenimento) estes com o intuito de prestar serviços ao público -“são processos de informação que se realizam entre os comunicadores e a massa da audiência, heterogênea e anônima, por meio de instrumentos que são chamados de comunicação, também chamado de mass media” [5], embora funcionem como monólogo. Hoje, as novelas [6]também fazem parte dessa prestação de serviços quando divulgam, por meio de seus enredos causas sociais manifestando opinião política.

        Na realidade a mídia se constitui de vários meios que produzem mensagens informativas, a internet e a televisão - audiovisuais – são os meios de massa. O poder público, as autoridades, os intelectuais, a população todos aplaudem, tais iniciativas, entretanto o que é levado a público, na maioria das vezes, é informação que já constitui uma interpretação, da mídia, que, portanto, vem assumindo um papel que caberia à polícia e a justiça, na medida em que em alguns casos, produz verdadeiros julgamentos.

          Para Sylvia Moretzsohn, apesar do reconhecimento do papel político da mídia, esta não deveria substituir outras instituições, mas acaba por assumir tal tarefa e recebe por isto a qualificação de “quarto poder”, sobre o assunto manifesta-se como a seguir:

“... a qualificação de “quarto poder”, que data do início do século XIX e lhe

confere o status de guardiã da sociedade (contra os abusos do Estado,

representante do público, voz dos que não têm voz). É certamente sustentada

por essa visão mistificadora – porque encobridora dos interesses da empresa

jornalística, desde sua constituição, há dois séculos, e especialmente agora na

era das grandes corporações – que a imprensa se arroga o direito de penetrar

em outras áreas”.

“Tal invasão busca legitimar a imprensa junto à opinião pública que ela mesma ajuda a formar, com a vantagem de atuar num reconhecido vácuo (a distância entre o aparelho judiciário e o homem comum, para ficar apenas no exemplo mais recorrente)”.

 

Lola Aniyar de Castro[7] ao tratar do poder da mídia, econômico ou político, enfoca quatro aspectos:

1. “A concentração progressiva dos meios em poucas mãos”: Informa-nos do fato de que as pequenas empresas jornalísticas são absorvidas pelas grandes e que na América Latina a regra geral é o jornal associar-se aos interesses norte-americanos, ou serem comprados e funcionarem como testas-de-ferro locais ;

“2. Dependem também de grandes centros internacionais de poder, em razão dos recursos tecnológicos que ali são gerados, assim como dos monopólios de tinta e papel. Dependem até dos serviços de distribuição.”

“3. Mais importante ainda é a dependência das agências internacionais de notícias”:“Na Europa Charles Havas organizou um escritório de notícias em 1825, com correspondentes em várias capitais europeias, a fim de reunir notícias para assinaturas privadas (geralmente, homens de negócios e diplomatas). Depois alguns jornais compraram seus serviços. Wolff e Reuter, ex-empregados de Havas, decidiram abrir seus próprios negócios, respectivamente na Alemanha (1848) e em Londres (1851)”.

Os escritórios assim organizados constituíram-se em um “comércio de notícias”, que são vendidas, são as conhecidas agencias de notícias.  Sobre o assunto, continua a autora Lola Aniyar de Castro: “Hoje há apenas cinco agências mundiais (AFP, Reuter, AP, UPI e Tass); cinco centros de onde se elabora nosso conhecimento do mundo e nossa ignorância também”. g.n.

“4.Um último grande fator de mediatização da informação são as companhias transnacionais e nacionais de publicidade”

          No Brasil, os meios de comunicação de massa , assim como no resto do mundo estão concentrados em poucas mãos, Paulo Meksenas, informa-nos que:

“Em 1999, apenas seis redes nacionais de televisão, com sinal ‘aberto’,

controlavam 356 emissoras no país. A cobertura geográfica dessas redes cobria 4.974municípios, ou seja, 100 % do território nacional (...). Nas TVs por assinatura apenas duas distribuidoras: a NET (organizações globo) e a TVA (grupo abril), com 2,5 milhões de assinantes”.

 

O autor, acima mencionado, informa ainda que os meios de comunicação do país estão concentrados, em determinadas regiões, nas mãos dos detentores do poder político e de famílias de alta classe e influência social. Noventa e seis deputados e senadores possuem concessões de canais de TV e radiodifusão;

            Somente a família Sarney detém 16 concessões; Orestes Quércia seis e a família Collor, três. [8]A mídia ao exercer seu poder, acaba por induzir a população a padrões de conduta, que longe do que imaginam caracteriza-se como formas de controle social. O que parece ser meramente entretenimento acaba por criar toda uma cultura que passa a ser dirigida pela mídia.

                 Otavio Ianni[9] , ao tratar da importância planetária da mídia aduz:

“A informação é agora imediatamente disponível por todo o globo e pode se retocada e recuperada, desde que haja a eletricidade necessária”. “O tempo e o espaço não se acham mais restritos à troca de informações. A aldeia global de McLuhan é tecnicamente realizável”.

 

                 A idéia de Aldeia Global de McLuhan baseia-se na possibilidade de comunicação

imediata em todo o globo em função da tecnologia à disposição da mass mídia.

             Consoante Nilo Batista[10] a mídia, por meio da TV, substituiu o panóptico de Bentham, da era do vigilantismo, muito mais eficiente, somos todos diariamente mais do que vigiados, controlados pela mídia de massa.

 

2 O MEDO E A SOCIEDADE OCIDENTAL

 

           É historicamente unânime que a exposição do crime aliado aos expedientes que causam a sensação de medo sempre foi inserida como ingredientes básicos de conteúdos literários no mundo ocidental, sendo necessários segundo Aristóteles (10), “para que a tragédia cumprisse suas funções estéticas e morais que lhe atribuía” constituindo-se como verdadeira tradição literária. Edgar Morin[11] denominou de “grande fascínio da morte” as múltiplas e densas significações desta que dotam qualquer evento de um marcante interesse.

          E ainda, na introdução da edição brasileira do livro A Cultura do Medo, Paulo Sérgio Pinheiro acrescenta que “no período moderno, as histórias em quadrinhos povoaram o imaginário popular de criminosos e de valorosos combatentes do crime, mencionando os primeiros seriados brasileiros, transmitidos pelo Rádio, como ‘o santo Jerônimo – o herói do sertão’, ou ‘Fantasma’, que a época já plantavam sensações de medo específico”.

            Com o advento da tecnologia e respectivo surgimento da televisão, esta fertilizou tal

atividade, substituindo romances policiais transmitidos via rádio ou televisão, que já constituem tradição popular. Todavia àquela deslocou a matéria para noticiários e programas especializados sensacionalistas (sobre o crime) revelando ter reservado outras finalidades além da literatura e audiência.

           Para que se delimite a extensão do conceito de cultura do medo, parte-se do conceito de cultura que significa: “conjunto de estruturas sociais, religiosas de manifestações intelectuais, artísticas que caracterizam uma sociedade” [12], que neste caso são integradas pelo medo, sentimento denominado como “sentimento de angústia, de apreensão em face de um perigo real ou imaginário” que gera temor, receio, sobressalto. Considera-se, todavia, que “o medo baseado em avaliações reais é um instrumento no auxílio ao escape ou enfrentamento de perigos reais” [13]. Mas o medo veiculado pela mídia, o falso medo, “baseado em estimativas irrealistas, é fonte de sofrimento e determina políticas equivocadas”. [14]

              Paulo Sergio Pinheiro[15] ensina que: “a questão é que no mundo ocidental nascemos e

crescemos em meio a uma ‘cultura do medo’ e em nenhum momento nas sociedades contemporâneas houve tanto medo”. Esclarece o autor Glassner[16], em Cultura do Medo, que essa gera um sentimento de insegurança tornando possível a inserção de políticas públicas de segurança baseadas naquilo que é difundido e, em verdade, de forma preferencial isto é notícias que tratam de violência, de atentados enfim de informações que gerem medo. Ensina ainda Glassner, que as pessoas “reagem ao medo e, não ao amor”, portanto para o jornalista que precisa despertar a atenção do receptor, a utilização de determinada espécie de notícia torna-se indispensável para gerar um impacto na população.

            É ainda, Barry Glassner, que expressa haver situações muito mais dramáticas para as  famílias e que recebem muito menos exposição da mídia do que a criminalidade, um exemplo são os dados sobre o desemprego nos Estados Unidos: “entre 1980 e 1995, mais de 42 milhões de empregos foram eliminados...”, entretanto 30 % das notícias escritas pela imprensa americana, no período, foram dedicados ao crime e nas emissoras de televisão, quase a metade do noticiário.

             Desse modo, este raciocínio “dê”-nos um final feliz e escreveremos uma história de

desastre (p.19) gera medos irreais e infundados que atingem proporções absurdas onde um único evento anormal cria grupos diversos de coisas a temer: é o exemplo da “bactéria comedora de carne”, das “crianças assassinas”, dos “atentados terroristas” e da “pedofilia em escolas”. Esses medos, acima mencionados, foram amplamente veiculados pela mídia norte americana causando temor e descontrole público. [17]

             Dando continuidade ao raciocínio de Glassner, citamos Lola Aniyar de Castro que ao

tratar da insegurança gerada na população pelo delito, ensina:

“Para construir uma tragédia, não é necessário que exista “um grande fato”,

basta que se ponham em jogo elementos que permitam ao leitor sentir-se

tocado, afetado em sua rotina. Isso acontece quando ocorre alguma coisa com

um ‘ personagem’ da farândula, da política ou dos esportes,por exemplo.

 

               Citando Roland Barthes, Jesús Martín Barnero e P. Nora[18], continua a autora:

 

 O fato delitivo participa dessa mítica substância da tragédia: seu drama, sua magia, seu mistério, sua estranheza, sua poesia, seu caráter tragicômico, seu poder de compreensão e de identificação, o sentimento de fatalidade que o habita, seu excesso e sua gratuidade”.” E enquanto o acontecimento só é compreendido em relação aos outros, a tragédia é uma informação total, imanente: não é preciso saber nada do mundo, não remete a nada além de si mesmo”, diz Barthes.

 

              Para  Lola Aniyar de Castro: É o caso dos desastres, assassinatos, dos roubos, dos acidentes. A tragédia “é como um buraco por meio do  qual se estabelece conexão com outro mundo, maravilhoso mundo dos enigmas, dos porquês sem respostas. Os detalhes interessam ao público: quem é? como é? como aconteceu ? A dramatização dada a tragédia a converte-se em parte da vida real, em algo assim como

a telenovela da cotidianidade”.20

 

2 NEOLIBERALISMO E GLOBALIZAÇÃO: MÍDIA E SISTEMA PENAL

 

               No Brasil, a implantação do modelo neoliberal, determina o fim da busca de um Estado de Bem Estar Social, Welfare State, as Instituições Públicas dão lugar às Privadas, aquelas, ao diminuir suas funções enxuga o atendimento aos que necessitam, deixando a população carente exposta ao Poder Privado. Em 1990, era de gestão do Presidente Collor, o Brasil tornou-se globalizado.

               O processo de globalização ocorre em todo o mundo e sua principal consequência nos países subdesenvolvidos, é a subordinação aos países desenvolvidos, em todas as esferas provocando cada vez mais o abandono das garantias básicas previstas nas Constituições, típicas do modelo social. A globalização acaba por justificar a dominação mundial econômica dos Estados Unidos.

          Para Eugenio Rául Zaffaroni a globalização não só é parte de um esquema de dominação mundial que inicia com as grandes navegações, mas a conceitua como ideologia e realidade de poder, consoante a seguir:

 

A ideologia é o sistema de ideias que quer explicar a realidade. Neste caso trata-se da ideologia do mercado mundial: uma irrestrita eliminação de barreiras e de protecionismo geraria um mercado mundial que se equilibraria por si mesmo e produziria um efeito de crescimento planetário (...) Essa ideologia constituiu-se num fundamentalismo de mercado e, sem muito esforço, pode-se descobrir nela neo-spencerismo: a competição para a sobrevivência dos mais fortes e o impulso para o fortalecimento dos mais fracos (se não desaparecerem no projeto).[19]

 

                 Para Nilo Batista[20]:

O empreendimento neoliberal, capaz de destruir parques industriais nacionais inteiros, com consequentes taxas alarmantes de desemprego: capaz de flexibilizar direitos trabalhistas, com a inevitável criação de subempregos; capaz de tomando a insegurança econômica como princípio doutrinário, restringir a aposentadoria e auxílios, capaz de, em nome da competitividade, aniquilar procedimentos subsidiados sem considerar o custo social de seus escombros.

 

                A importância de destacar o momento de inserção do Brasil no projeto denominado globalização e suas consequências é que o abandono das garantias previstas no Estado Social e recepcionadas pelo modelo constitucional de 1988, gera um movimento punitivo mais acirrado, uma vez que a condição de emprego é alterada e a ausência de políticas públicas (educação, saúde, entre outros), faz com que práticas delitivas aumentem e a impossibilidade de reversão dos quadros gerados tornem a punição uma solução para exclusão daqueles que não mais interessam (os redundantes). [21]

          Para Nilo Batista, as condições sociais da transição econômica trazidas pela globalização (capitalismo tardio), vincula a mídia ao sistema penal (esclarece que a intervenção penal em épocas de transição econômica não é novidade histórica), explicitando-se como a seguir:[22] .

O empreendimento neoliberal, capaz de destruir parques nacionais industriais inteiros com consequente taxas alarmantes de desemprego; capaz de flexibilizar direitos trabalhistas, com a inevitável criação de subempregos,

capaz de tomando a insegurança econômica como princípio doutrinário, restringir a aposentadoria e auxílios previdenciários, em nome da competitividade aniquilar procedimentos subsidiados sem considerar os custos sociais de seus escombros; o empreendimento neoliberal precisa de um poder punitivo onipresente e capilarizado para o controle penal contingentes humanos que ele mesmo marginaliza.

 

              Consoante a dicção de Nilo Batista aí reside à vinculação entre as empresas de comunicação e sistema penal, uma vez que estas são organismos lucrativos inseridos no sistema neoliberal, aliás, seguindo sua característica de empresas altamente lucrativas a quem interessa o controle social daqueles “contingentes humanos”, já que para estas empresas interessa ainda a pena como instrumento de controle. Sobre o assunto, Nilo Batista ensina o que segue:

 

O compromisso da imprensa – cujos órgãos informativos se inscrevem, de regra, em grupos econômicos que exploram os bons negócios das telecomunicações – como o empreendimento neoliberal é a chave de compreensão dessa especial vinculação mídia-sistema penal, incondicionalmente legitimante. Tal legitimação implica a constante alavancagem de algumas crenças, e um silêncio sorridente sobre informações que as desmintam. O novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo rradiador na própria idéia de pena: antes de mais nada, crêem na pena como rito sagrado da solução de conflitos........

 

“Não há debate não há atrito: todo e qualquer discurso legitimante da pena é bem aceito e imediatamente incorporado à massa argumentativa dos editoriais e das crônicas”. [23]

           A lógica do que é assim afirmado tem como escopo a nova sociedade que se desenvolve a partir do neoliberalismo, que é a sociedade eminentemente consumista, onde não há espaço para o desempregado, sem acesso a políticas públicas ou outros que o insiram no mercado de consumo.

 

2 MOVIMENTO LEI E ORDEM : LEGITIMAÇÃO PELA MÍDIA

 

             A utilização do movimento Lei e Ordem no Brasil inicia-se com o regime burocrático

militar, nos anos 60 e continua a ser utilizado até nossos dias. O movimento consiste no combate a criminalidade a partir da exacerbação de penas, abandona garantias, antes legais, e muda procedimentos, de forma a também exasperar o cumprimento de penas, supondo-se que tais mudanças alterem o comportamento do criminoso e diminua a criminalidade.

           Como exemplos podem-se citar a Lei de Crimes Hediondos, o Regime Disciplinar Diferenciado e as Penitenciárias de Segurança Máxima construídas para abrigar perigosos delinquentes. Este é um Direito Penal de clara função criminalizadora da pobreza. [24]

              Os fundamentos do Movimento Lei e Ordem ancoram-se no princípio da legalidade e

concebe o crime como mera quebra de contrato, de acordo com o contratualismo de Rousseau.

             Desse modo, a pena é pura retribuição, deve ser justa e severa, se houve delito deve

haver pena, não se considera que o incremento das desigualdades sociais e econômicas que assolam nosso país faça parte de um panorama desolador em relação ao crime.

          O Movimento Lei e Ordem é atualmente o discurso de política criminal legitimado pela mídia, segundo “Zafaronni”. Essa atividade de legitimação que os meios de comunicação exercem no sistema penal logra êxitos de possível vislumbre nas legislações penais pátria, opõe-se ao Direito Penal de intervenção mínima, consiste em um direito de máxima intervenção e de clara função criminalizadora da pobreza.[25] 27

            John Lea e Jock Young em Qué hacer con la ley y el orden? Reconhecem a participação da mídia, inclusive na divulgação distorcida das informações pela própria falta de conhecimento sobre o delito pelos periodicistas. 28 Sobre o assunto manifestam-se como a seguir:

“... Los médios de comunicación que buscan maximizar lãs ventas y los niveles de audiência prestan uma cobertura de noticias que, aunque basadas em um miedo racional de la sociedad al delito, no tiene demasiados limites em este proceso son el el buen gusto y el escaso conocimiento que tienen los periodistas acerca del delito. Es así que llegamos al nudo de la cuestión. Para recapitular, em nuestra época, há aumentado la privación relativa y, por lo tanto, el descontento. Esto, combinado com el desempleo y el quiebre em la comunidad no há permitido que el descontentosea canalizado hacia formas políticas; em cambio, la solución más obvia es el delito. Mientras tanto, la desintegración de la socieda facilita la comisión de delitos al sovacar drásticamente el proceso informal de control social. Lãs mismas fuerzas que hacen que aumente el delito avivan el pânico moral respecto de el. Es decir, el miedo real al delito está intimamente relacionado com la histeria moral que esxiste sobre el: el miedo no solo da uma base racional a la alarma sino que sus raíces se encuentran em sus propias fuentes; y los médios masivos de comunicación sirven y exageran estos miedos de la sociedade. La demanda de notícias policiales es grande; la forma que tienen los médios masivos de comunicación de informar sobre el delito y la policia fomenta y exagera este apetito. Este clima trae aparejado una política correspondiente, pero lãs campanas sobre la ley y el orden, um monopólio tan familiar de la derecha, son algo sobre lo que la izquierda tiene poco que decir; excepto cuando está a la defensiva.

 

              Expor matéria criminal é atividade que gera boa audiência, portanto o “jornalista tem a árdua tarefa de despertar o interesse e a atenção e do receptor – consumidor da mensagem e o faz por meio de impacto”[26].  Neste caso não poderia ser diferente, para a população sempre é evidenciado em caso de crimes violentos que há insegurança, que a política criminal não atende as necessidades da sociedade no que se refere à punição, gerando uma situação de angústia coletiva.

             Os políticos cujo compromisso é com todos e, principalmente com sua própria eleição, imediatamente apresentam projetos de lei penal repressivas para atender aos anseios do povo.

              Vera Malaguti Batista[27] sobre o assunto, se expressa como a seguir:

 

A criminalidade é o tema central dos discursos de todos os candidatos políticos na América Latina e na África. Aqui no Brasil, este discurso é responsável pela volta daqueles generais, ontem torturadores e assassinos de presos políticos, hoje comandantes dos esquadrões oficiais de execução de pretos e pobres nas favelas, com o aplauso do público e da mídia. Segundo a

America’s Watch, o número de civis mortos pela polícia militar aumentou de 3,2 ao mês, para 20,55 durante a gestão do General Cerqueira a partir de maio de 95. Somente durante a operação limpeza efetuada durante a visita do Papa ao Rio de Janeiro, em 1997, foram mortos doze suspeitos por apenas um batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro. A mídia monopolizadora manteve fora das manchetes esse massacre silencioso e consentido, como o fez recentemente na bárbara seqüência de execuções dos suspeitos do caso Tim Lopes. As lamentações giraram mais em torno das preocupações com a ‘queima de arquivo ‘ do que com as execuções em si.[28]

 

CONCLUSÃO

 

             É incontestável a participação da mídia, pela forma como veicula determinados fatos, na criação de um sentimento de insegurança que acaba por gerar medo na população, no que se refere ao crime, esta sempre aumenta a venda ou a audiência nos meios de comunicação, atentos aos noticiários os representantes do movimento “lei e ordem”. , isto é Políticos em busca de votos entre outros. A mídia provoca uma situação de emergência que atende plenamente ao movimento Lei e Ordem e sempre que casos como estes são divulgados de forma ampla e constante, aparece uma nova legislação ou um novo debate sobre a pena de morte, redução da maioridade penal, mudanças de procedimentos da lei. Mas quando a mídia divulga a criminalidade perpetrada pelos ricos e expressada por condutas de corrupção, evidenciando verdadeiras organizações criminosas, especializadas em lavagem de dinheiro, apesar da visibilidade que o assunto passa a ter não gera nenhuma ação visando o combate da impunidade dos membros das camadas mais altas da população. Ao contrário, o momento passa a ser o de debaterem-se as garantias individuais não respeitadas pela Polícia, prejudiciais aos envolvidos, a própria mídia passa a ser alvo de críticas pelo exagero em expor tais pessoas.

            O movimento lei e Ordem vai sempre à direção dos pobres, negros, quase negros, esquecidos do desenvolvimento propalado como consequência da globalização. O Direito Penal não pode nunca ser utilizado como remédio para problemas sociais. A legislação penal brasileira, nestes casos de excessiva cobertura da Mídia, é cada vez mais alterada e descaracterizada, cada vez mais distantes dos princípios constitucionais do Direito Penal como ultima ratio, fragmentariedade e subsidiariedade, são casos emblemáticos o de “Daniela Perez”, que redundou na inclusão do homicídio qualificado no rol de crimes hediondos, a participação de menores em crimes que tiveram grande visibilidade e que geram intensos debates sobre a alteração da maioridade. Não raro volta à cena a discussão sobre a pena de morte que sabemos impossível de ser utilizada não só pela determinação constitucional, mas ainda pelas disposições do Pacto de San José da Costa Rica. Se de um giro, mudam-se ainda procedimentos visando agilizar julgamentos, esquecendo-se de outros processos demorados que atingem maior número de vítimas como os de corrupção, por outro giro são incorporados à legislação formas de impedir a progressão de regime em caso de reclusão de condenados em determinados crimes.

               Essas mudanças na legislação acabam por trazer distorções no conjunto legal, cuja alteração não deveria ser pontual. O mais prudente seria repensar as políticas públicas, ou seja, solucionar problemas sociais com medidas sociais, medidas preventivas que resolvam o problema da vulnerabilidade da criança na sociedade, pois é o investimento nesta que poderá trazer algum resultado, seja por meio de matrizes sociais como a escola, a igreja, a família e o emprego como forma de recuperação de uma vida digna.

              As medidas de agravamento de penas e outras visando à punição de pessoas pobres acabam por representar uma espécie de administração da pobreza pelo sistema penal, que é o resultado do Movimento Lei e Ordem.

             Deve ser questionada a participação da mídia no acompanhamento de processos e de

casos envolvendo Direito Penal, pois os responsáveis por tais procedimentos é a justiça.

           Os meios de comunicação possuem sim a liberdade de informar, mas no exercício desta função pública não podem violar princípios basilares da Constituição e do Estado de Direito Democrático como a Dignidade da Pessoa Humana, os direitos da personalidade como Imagem e Honra, e principalmente, pela exposição exaustiva negativa que muitas vezes são objeto os denunciados, ferindo o princípio do devido processo legal, presunção de inocência e da vedação dos Tribunais de Exceção.

               Afinal pergunta-se: quem são os jurados? São pessoas comuns que em casa possuem

televisões. Até que ponto a opinião da mídia sobre os casos criminais pode influenciar as pessoas? Estariam os julgamentos, por intensa divulgação, na realidade, representando verdadeiros Tribunais de Exceção?

               Nilo Batista, de forma exclusiva e autêntica, destacou a relação entre os meios de comunicação informativos (mídia televisiva e escrita) e o funcionamento do sistema penal. Louva-se assim, tal percepção de Nilo Batista, cujos trabalhos evidenciaram desde o início o que denominou de “Criminogênese Comunicacional”[29].

                  Tal fenômeno, quem vem em verdade se aperfeiçoando no sentido de gerar verdadeiros movimentos no sentido de criminalizar-se mais condutas, aumento de pena como solução para a criminalidade e outras ideias que embora apoiadas pela opinião pública não são capazes evidentemente de tratar a questão criminal.

 

REFERÊNCIAS

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ZAFFARONI, Eugênio Raul. Globalização e Sistema Penal na América Latina: da segurança nacional à urbana, Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997.

 

 

 



[1]    Guilherme Gustavo Vasques Mota – Advogado, Mestrando em Ciências Sociais pela PUC/SP, Professor Substituto de Prática Jurídica da UFAM, da ULBRA e do CIESA.

[2]    Maria Nazareth Vasques Mota – Promotora de Justiça Aposentada, Advogada, Mestre em Ciências Penais pela UCAM, Doutora em Ciências Sociais pela PUC/SP, Professora de Direito Penal, Direitos Humanos e Criminologia do CIESA.

[3]Batista, Vera Malaguti-O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história-Rio de Janeiro:

Revan, 2003.

[4]    Cultura do Medo é o Titulo do Livro do Barry Glassner.

[5]             VIEIRA, Ana Lúcia Menezes, Processo Penal e Mídia, São Paulo: RT, 2003.

[6]             MORETZSOHN, Sylvia – O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã”. Discursos Sediciosos – Crime, direito e Sociedade – ano sete, número 12 – 2º. Semestre de 2002.

[7]             DE CASTRO, Lola Aniyar – Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005.

[8]

[9]          IANNI, Otávio. Teoria da Globalização, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

[10]  BATISTA, Nilo – Punidos e Mal Pagos, Rio de Janeiro Revan, 1990 (p.134).

[11]  MORIN EDGAR apud Batista Nilo, op. Cit. p. 134.

[12]  LAROUSSE, Dicionário da Língua Portuguesa, São Paulo/SP: Editora Nova Cultural, 1993.

[13]  BARRY, Glassner. Cultura do Medo: São Paulo: Francis, 2003.

[14]  Idem.

[15]  PINHEIRO, Paulo Sérgio apud Glassner, Barry, op. cit.

[16]  Glassner, Barry, idem op. cit.

[17]          “Bactéria “comedora de carne -é descrita pela mídia como” a coisa mais cruel jamais vista nos tempos modernos”, apesar de ter sido isto refutado pelos médicos que considera a incidência da doença fraca, a mídia continuou a divulgá-la de forma alarmista; Em 1995, após a descoberta de que não fora um atentado árabe a explosão de um edifício federal e Oklahoma City, aumentaram o temor relativo a atentados terroristas, ampliando a desconfiança sobre os jovens americanos, apesar de se saber que esses eram responsáveis somente por 13% do índice de criminalidade (criminalidade violenta) em toda a década, os adultos americanos consideravam que este percentual era de 50%.

[18]          Roland Barthes, estructura del suceso”, in ensayos críticos, p.226 apud Castro,Lola Aniyar.

[19]           ZAFFARONI, Eugênio Raul. Globalização e Sistema Penal na América Latina: da segurança nacional à urbana, Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997. 

[20]          BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no capitalismo tardio, Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro: Revan, 1990.

[21]          BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

[22]          Por ocasião da dissolução da ordem feudal, os desajustados eram executados até que se visse um aproveitamento útil para os mesmos - casas de correção, mão de obra de reserva etc.. (Rusche e Kirccheimer apud Nilo Batista)

[23]          BATISTA, Nilo – A mídia e sistema penal no capitalismo tardio – op. cit.

[24]          WACQUANT apud BATISTA, Sistemas Penais Brasileiro, Florianópolis: Boitex; 2002 (p.155)

[25]          WACQUANT apud Batista, op. Cit.

[26]          LEA, John e YOUNG Jock. Qué hacer con la ley y el orden ? Tradução para o espanhol de Martha Gil e Mariano Ciafardini: Buenos Aires: Editores del Puerto, 2001.

[27]          Batista, Vera Malaguti, Op. Cit.

[28]          Batista, Vera Malaguti & Dumans, Alexandre Moura. A estrela da morte. In Jornal do Brasil, 25 de dezembro de 2002, p. A-5, apud Batista, Vera Malaguti – O Medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história, Rio de Janeiro: Revan, 2003.

[29]  No texto Mídia e sistema penal no capitalismo tardio, de 2002. Neste artigo, Nilo sintetiza o objeto do artigo intitulado Comunicação e crime, presente na obra “Punidos e mal pagos”em 1990.