UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA

 

 

 

 

A METÁFORA E SUAS DIVERSIDADES NO COTIDIANO

 

Autora: ABREU, Francisca Janileyla Lopes[1]

                                     Orientador: GOMES, Raimundo Francisco[2]

 

 

RESUMO: O referido artigo objetiva identificar e analisar as metáforas que estão presentes no cotidiano das pessoas, em textos literários e jornalísticos. Os indivíduos as utilizam como partes integrantes da linguagem. Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica. Dentre os autores que mais contribuíram para a discussão da temática, destacamos Amaral et al.  (2003), Cançado (2005), Celso Júnior (2008), Sardinha (2007), Schaff (1968). A análise dos resultados constata que a estratégia metafórica é um dos elementos essenciais para a cognição humana e está relacionada de forma harmoniosa com a linguagem, um dos artifícios mais antigos que está em uso até hoje, recurso esse que dispensa qualquer tipo de conectivo comparativo para fazer comparação a outro elemento.

PALAVRAS-CHAVE: Metáfora. Linguagem. Comparação. Textos. Aplicação.

1 INTRODUÇÃO

 

O presente artigo tem como objetivo abordar a metáfora e suas diversidades presentes no cotidiano, suas exemplificações, através de subsídios básicos para reforçar as informações com autores como Amaral et al. (2003), Cançado (2005), Celso Júnior (2008), Sardinha (2007), Schaff (1968) e outros.

            A metáfora está presente no cotidiano das pessoas, em todos os momentos da vida. Os indivíduos as utilizam como partes integrantes da língua, a mesma é um conectivo implícito que não precisa de artifícios para se fazer presente na linguagem. Pelo fato das metáforas estarem presentes como partes vivas da linguagem, e serem responsáveis pelo emprego de um significante com significado diferente e sua interpretação está associada à sua semelhança e não completamente ao sentido real.

[1] Graduanda em Letras – Língua Portuguesa e suas respectivas Literaturas pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). E-mail: [email protected].

[2] Professor Dr. Orientador, integrante do quadro docente do curso acima aludido

 

            Teremos no decorrer do artigo as explicações necessárias que definem a metáfora e sua associação na sociedade desde os tempos antigos, pois segundo Sardinha (2007), Aristóteles já fazia uso dos recursos metafóricos. Veremos a metáfora como troca de sentido de uma coisa por outra, e suas respectivas vertentes, cada uma com suas definições.

            O desenvolvimento deste tema é de cunho totalmente bibliográfico, pautado na leitura de livros e discussão com os autores, através de definições e exemplificações para tornar o tema claro. Este artigo nos traz uma contribuição acadêmica relevante para que possamos desenvolver ainda mais as pesquisas acerca das metáforas, estudo este que poderá ser utilizado também no auxílio às pessoas que procuram compreender a noção de metáfora no cotidiano, assunto importante na prática semântica.

 2 CONCEPTUAÇÃO DE METÁFORA

             A metáfora é um dos elementos essenciais para a cognição humana e está relacionada à troca de sentidos de uma expressão por outra, para expressar ou suavizar um determinado fato ou elemento, assim, levando em conta o meio cultural de cada região, pois um determinado indivíduo não pode ter a mesma compreensão metafórica de outro que mora em uma região totalmente oposta. O conhecimento de mundo de ambos são totalmente opostos.

            Segundo Celso Júnior (2008, p.201):

 Linguisticamente, isso se revela pela utilização de uma expressão que apresenta um sentido costumeiro bem definido em uma comunidade de falantes com outro sentido diverso daquele, mas presente nessa mesma comunidade, mesmo que para ele não exista uma expressão específica. Esta, aliás, é uma das funções das metáforas: suprir a necessidade de expressar sentidos para os quais não há expressões específicas e costumeiras na língua.

Esse deslocamento de sentido ocorre de forma cultural e implícito, segundo a visão de mundo de cada pessoa que usa expressões metafóricas, podendo ser definido, nesse contexto, como meios de economizar expressões com grandes quantidades de informações.

 2.1 A METÁFORA NA GRAMÁTICA TRADICIONAL

             Na gramática tradicional, a metáfora é vista como uma figura de palavra muito usada no cotidiano, estudada nas escolas como uma substituição de um significado de uma palavra ou expressão por outra, baseadas em semelhanças comparativas e igualitárias entre as partes. “Disso resulta uma acumulação de dois significados diferentes na mesma palavra.” (AMARAL et al., 2003, p. 30).

            As metáforas ainda podem se desdobrar na catacrese que é a figura de palavra considerada uma metáfora que já foi muito utilizada e já não se tem tanto efeito na comparação para o embelezamento do processo. Catacrese “[...] é a metáfora gasta, inexpressiva, mas necessária por falta de palavra apropriada para designar determinada coisa” (AMARAL et al., 2003, p. 30). A catacrese surge no contexto de que certas expressões já não são novidades na vida de uma pessoa e só servem para nomear algo, tomemos como exemplo “a perna da cadeira” ou “cabeça de alho”, são coisas que recebem nomeação por serem metáforas já gastas pelo tempo.

            A metáfora tem o caráter de um elemento cognitivo capaz de juntar a informação até então abstrata em pontos mais concretos, tornando o seu uso mais frequente no cotidiano. Contudo, a metáfora na gramática tradicional vem como uma forma de estudo mais branda, destacando a comparação sem uso de conectivos, assim, fazendo as comparações implícitas, nas quais mostram que a metáfora tem poder de modificar o texto, de acordo com o sentido expresso no grau de comparação.

 2.2 A METÁFORA NOS ESTUDOS SEMÂNTICOS

             A metáfora está inserida no campo da semântica, que está ligada aos significados ou significações das palavras. “A semântica [...], como um ramo da lingüística, trata da significação e das mudanças de significações de palavras e expressões.” (SCHAFF, 1968, p. 12).

Celso Júnior (2008) diz que as metáforas são recursos naturais de toda língua, elas não são aprendidas formalmente e mesmo assim são adquiridas, ou seja, uma das funções da metáfora é buscar um novo significante ao que se quer relacionar buscando comparações palpáveis.

            De acordo com Cançado (2005, p.99):

 A metáfora tem sido vista, tradicionalmente, como a forma mais importante de linguagem figurativa e atinge o seu maior uso na linguagem literária e poética. Entretanto, é muito comum achar, em textos científicos, jornalísticos, publicitários, e mesmo na nossa linguagem do dia-a-dia, exemplos em que se emprega a metáfora.

Contudo, as metáforas estão expressas no uso diário de cada pessoa e sendo empregadas nas mais diversas áreas, com intuito de melhorar a argumentação.

2.2.1 O estudo das metáforas

                O estudo das metáforas começa quando ao se fazer uma leitura, o leitor consegue perceber que se atribui a um referente algo que não lhe diz respeito ou classifica o referente como uma classe a que não pertence.

            Como afirma Celso Júnior (2008, p.206):

               Muitas vezes, criamos metáforas para registrar informações importantes de nosso cotidiano, informações que, bem guardadas na língua, acabam se tornando mais facilmente acessíveis às gerações posteriores. Normalmente, essas metáforas acabam se tornando nomes de coisas no mundo, facilitando aos falantes a identificação de propriedades dessas coisas e sua utilidade.

  Desse modo, a metáfora não está presa a uma forma, nem a uma palavra, mas a uma unidade semântica que precisa de um contexto para se realizar, tomemos como exemplo a oração “Joana é um doce ou Joana/Doce ou ainda Joana é como um doce”. Assim, percebemos que a metáfora precisa do contexto para se realizar, pois não se pode descrever “Joana” como um “doce”, apenas com essas duas palavras.

            As metáforas são pouco estudadas e pouco valorizadas no contexto escolar, observadas como uma figura de linguagem abstrata sem muito influenciar nos procedimentos escolares, mas são muito mais usadas no cotidiano do que imaginamos, e estão presentes na literatura, nas letras de músicas, na gramática, nos fatos corriqueiros, entre outros. Assim, afirma Celso Júnior (2008, p.208):

 Na literatura, a metáfora tem uma grande importância, pois permite criar efeitos estéticos que não seriam possíveis apenas com as palavras em sentido costumeiro [...]. Os efeitos estéticos que a poesia permite, e que são utilizados nas letras poéticas das músicas, são tão interessantes que costumeiramente os usamos para conquistar a simpatia ou o amor de alguém.

Contudo, a metáfora é de uso indispensável em uma língua, pois cada língua utiliza de seus atributos e a usa de acordo com o contexto, e o conhecimento de mundo do falante/ouvinte para se realizar e conseguir o efeito desejado.

 2.2.2 Características das metáforas

             O estudo das metáforas passa por reconhecimento por fazer parte do processo de comunicação. Pensamos, expressamo-nos e nos comunicamos por meio de metáforas, um exemplo do cotidiano é quando falamos o enunciado “hoje ele acordou meio para baixo”, em que está presente a metáfora, ou seja, a expressão “para baixo” significa “caído”, “doente”, isto é o que nos permite entender o que foi exposto na metáfora.

            O leitor/ouvinte fica diante de várias interpretações para as metáforas, exemplo, quando apontamos dois domínios sem apontar qualquer similaridade entre eles, fica totalmente livre para diversas interpretações.

            As metáfora, assim como os outros elementos semânticos, possuem características que estão relacionadas ao seu uso, “[...] os cognitivistas afirmam que as metáforas têm características e propriedades sistemáticas [...]” (CANÇADO, 2005, p. 101).

            A convencionalidade é uma dessas características, ou seja, depende do grau de novidade para convencer o leitor/ouvinte, como no exemplo “Mariana voou na aula”, o verbo “voou” foi empregado com sentido figurado, não significa dizer que a garota realmente venceu a gravidade; o sentido de novidade empregado na metáfora foi o da menina não ter entendido nada na aula, de não ter direcionado totalmente sua atenção para a aula, “[...] as metáforas mais familiares podem ser renovadas, mantendo assim a sua natureza metafórica.” (CANÇADO, 2005, p. 101).

            A sistematicidade é outra característica da metáfora, e está de acordo com o campo de comparações referentes à metáfora, estabelece relação a vários conceitos semânticos, tomemos o exemplo “[...] a vida é uma viagem [...]” (CANÇADO, 2005, p. 102), podemos interpretar as várias maneiras de falar sobre a vida, em que a pessoa pode ser um viajante, e está apenas de passagem, no caso ‘a vida’ é o alvo, “[...] identificam a sistematicidade do mapeamento entre os dois conceitos e seus domínios [...]” (CANÇADO, 2005, p. 102), as várias formas de interpretação da metáfora citada no exemplo é que chamamos de sistematicidade.

            A assimetria é outra característica metafórica, que é a relação única de direção e só funciona na direção da fonte para o alvo, conforme aborda Cançado (2005, p. 103, grifo nosso):

Vejamos a metáfora a vida é uma viagem como exemplo: essa metáfora é assimétrica  e o mapeamento só funciona em uma direção, da ‘viagem’ para a ‘vida’; a direção oposta não ocorre. Normalmente, não descrevemos viagens em termos de vida, por isso parecem estranhas sentenças como: ‘Nosso vôo nasceu (chegou)’/’Quando chegamos no aeroporto, nosso vôo morreu (partiu).’

            O significado da interpretação dessas metáforas será bem diferente do sentido real que queremos.

            Outra característica das metáforas é a abstração, em que fazemos uma comparação mais abstrata, sendo uma fonte mais concreta e um alvo mais abstrato.

            Cançado (2005, p. 103) afirma que:

 

 

Esse ponto de vista do concreto para o abstrato permite relacionar as metáforas a um papel central de organizadora de novos conceitos e organizadora de experiências. Entretanto, essa não é uma característica necessária das metáforas: podem ocorrer metáforas em que tanto a fonte como o alvo são igualmente concretos ou abstratos.

Essa característica serve justamente para falarmos de coisas abstratas, das influências vividas no dia-a-dia.

2.2.3 As diversidades da metáfora

            A metáfora é a transposição de um paradigma para outro paradigma cultural, fazendo a analogia, ou seja, isso se deve ao fato de a sociedade ter determinada cultura, então certos tipos de comparação só podem ocorrer se aquele fato for costumeiro à sociedade. Um exemplo bem prático é dizer que, “sementes de estrelas são plantadas nas noites escuras”, seria bem prático usar esta metáfora em um país tropical como o Brasil, já para o povo esquimó, que não tem noção de agricultura, não faria sentido utilizá-la, pois aí se faz a analogia semente/estrela, noite/plantar.

A metáfora é usada para transferência de sentido, ou seja, uma determinada palavra é utilizada para suavizar ou enfeitar o sentido da frase, por exemplo, ao dizer que uma determinada pessoa é o “sol”, o sentido de “sol” é transferido para a pessoa expressando “luz” e “beleza” para a mesma. A metáfora expressa o sentido de uma ideia nova; sendo assim, exige do receptor um trabalho mental para compreender o ponto em comum entre a transferência de sentido de um paradigma para outro.

Conforme Sardinha (2007, p. 60):

A metáfora é um fenômeno importante para entender o ser humano. Cada vertente realça um aspecto vital dela: o uso retórico e estilístico (na visão tradicional), a primazia do pensamento metafórico (na visão conceptual), o uso recorrente e sistemático (na visão sistemática) e a presença no sistema lingüístico como um todo (na visão gramatical).

A metáfora é a figura que dispensa o uso de conectores comparativos (“que nem” e “como”) para fazer comparação a outro elemento, por isso de forma implícita pode-se fazer comparação. Tomando como exemplo a expressão “tempo é dinheiro”, que dispensa totalmente o uso de conectores para fazer a comparação tempo/dinheiro e significa que desperdiçar o “tempo” implica sempre em algum tipo de prejuízo. 

Veremos a seguir as principais vertentes das metáforas, o que apresentaremos aqui é apenas uma amostra das diversas teorias das metáforas.

2.2.3.1 Metáfora de semelhança

            A metáfora de semelhança compara atitudes, forças ou características dos dois domínios, fazendo comparação de sentidos, como afirma Macedo e Bussons (2006, p. 64, grifo nosso):

Nas metáforas de semelhança, a similaridade implica na existência de traços inerentes que pertencem aos dois domínios usados na associação metafórica. Na teoria da metáfora conceptual, a semelhança manifesta-se por meio das percepções de caracteres comuns nos comportamentos, nas atitudes das entidades dos dois domínios.

            Portanto, os domínios empregados em comparação usados para mostrar os esforços em comum de cada elemento, se um elemento possuir como característica a “força” o outro elemento deverá também mostrar a “força” como característica central. Macedo e Bussons (2006, p. 64) citam “[...] como exemplo a expressão linguística metafórica ‘Aquiles é um Leão’[...]”. Os autores destacam características inerentes a cada ser, cada domínio. Aquiles tinha bravura e era forte como um leão, o animal também é muito hábil, forte, bravo e corre com esperteza para dominar as suas presas.

2.2.3.2 Metáfora de imagens

Este tipo de metáfora relaciona o alvo com uma imagem concreta, ou seja, a imagem advêm de um valor concreto ao alvo de domínio. Como aborda Macedo e Bussons (2006, p. 65):

O seguinte exemplo: a Itália é uma bota. A partir deste exemplo, percebemos que se projetou a forma global de uma bota (domínio-fonte) na forma global da Península Itálica (domínio-alvo). Observando-se mais atentamente esta sobreposição de imagens, vemos que as diferentes partes constitutivas da bota correspondem às diferentes partes constitutivas da Península Itálica.

            Esta projeção faz a comparação explícita de que o país “Itália” tem o formato de uma “bota” e faz com que sua característica principal seja o formato da “bota” e não de que o país seja literalmente uma “bota”, essa projeção se configura na concepção da imagem que é a “bota”, dando uma semelhança ao país.

2.2.3.3 Metáfora conceptual

            A teoria da metáfora conceptual foi elaborada no final da década de 1970 por George Lakoff e Mark L. Johnson e divulgada com grande sucesso, em seu livro Metaphors We Live By, de 1980 (SARDINHA, 2007). Essa teoria deixa claro que não podemos viver sem os conceitos e as metáforas que nossa sociedade nos impõe, somos dependentes das metáforas para nos expressar em sociedade, ou seja, é parte integrante da sociedade. Sardinha (2007, p. 30) considera que:

Uma metáfora conceptual é uma maneira convencional de conceitualizar um domínio de experiência em termos de outro, normalmente de modo inconsciente. Por exemplo, o amor é uma viagem, [...] uma metáfora conceptual é assim chamada porque conceitualiza alguma coisa.

            Consequentemente, as metáforas conceptuais são designadas assim para expressar o conceito de algo que se realiza na sociedade, expressões linguísticas que definem algo, como o “amor” no exemplo anterior, que é definido “como uma viagem”, ou seja, algo maravilhoso.

            Essas metáforas são de cunho cultural e mostram a ideologia e o modo de visualizar o mundo de uma determinada cultura, elas não dependem da pessoa.

 

2.2.3.4 Metáfora gramatical

            A metáfora gramatical é um recurso que serve para exprimir o que não está claro, um exemplo prático é o uso de um substantivo no lugar de um verbo, ou seja, uso a sentença “eu penso” no lugar de “eu tenho certeza que”, o verbo “pensar” está ocupando o lugar do substantivo “certeza”.

            Sardinha (2007, p.55) complementa que:

Metáfora gramatical é o uso de um recurso léxico-gramatical para realizar uma função que não é sua função primária (congruente) no sistema lingüístico [...], em termos simples, pode ser entendida como o uso de um recurso da língua por outro.

            Dessa forma, a metáfora gramatical relaciona o contexto linguístico ao seu emprego na vida do falante.

 

3 A METÁFORA APLICADA EM TEXTOS

 

            A metáfora está em diversos ramos da língua, poesias, músicas, reportagens, está presente em todos os tipos textuais com formas diversas.

            As metáforas enfileiram-se em discursos e repostas, e até nas ofensas, guardam-se escondidas aos poucos ao se revelar, são eternas em possibilidades.

            A subjetividade dessas palavras é promover a polissemia, ou seja, as muitas interpretações e sentidos presentes na língua.

“A noção mais antiga de metáfora no Ocidente vem de Aristóteles, do século IV a.C. Segundo ele, uma metáfora é o uso do nome de uma coisa para designar outra.” (SARDINHA, 2007, p. 20). Na Grécia, o sentido da palavra metáfora é o emprego da palavra fora de seu sentido normal, ou seja, uma comparação com algo que assemelhe características.

Os autores empregam os recursos metafóricos para dar mais força ao texto ou deixá-lo mais poético, ou seja, mostrando as diversas formas de utilizar a linguagem figurada, “[...] os cognitivistas afirmam que a metáfora faz parte da linguagem cotidiana, [...] de que toda a linguagem é metafórica.” (CANÇADO, 2005, p. 100).

 

3.1 TEXTOS LITERÁRIOS

 

Os autores literários recorrem muito aos recursos da metáfora para fornecer expressão aos textos.

Quando um autor declara “meu coração é um balde despejado”, em que a palavra “balde” é um recipiente capaz de transportar líquido, mas no trecho, este sentido vai além, muito mais do que essa simples impressão, existem muitas possibilidades interpretativas, “o balde” como a imagem da limpeza, da transparência, mas também pode ter outros significados “o transbordar”, por exemplo, quer pela satisfação ou pela impaciência. Há quem leve “o balde derramado” a um sentido de esforço inútil, não faltaria quem pensasse em trunfo alcançado. Todos esses significados estão associados à quantidade de mundo do leitor, conhecimento de mundo.

Da metáfora podem surgir outras figuras, como a alegoria, que é o acúmulo de abstração nas palavras, na obra Dom Casmurro, Machado de Assis (2006, p. 106) descreve:

A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimirás, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimirás. Há coros a numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente.

            Assis (2006) compara a vida a uma ópera, por meio de uma alegoria, que é o acúmulo de metáforas para expressar uma metáfora central ‘a vida é uma ópera’, ou seja, ele faz uma comparação por meio da abstração das palavras. Então, com estas palavras, o autor compara a vida à rotina da ‘ópera’, em que todas as pessoas seguem um ritmo, e buscam um mesmo objetivo, a excelência e a realização de um projeto e todos ajudam um ao outro.

3.1.1 Textos poéticos

 

            Os autores da literatura fazem o uso da metáfora, que se torna algo perceptível em seus textos, aplicando-as com muita frequência “[...] como a forma mais importante de linguagem figurativa e atinge o seu maior uso na linguagem literária e poética.” (CANÇADO, 2005, p. 99).

            Servem para mostrar a beleza dos significados e cada palavra terá um grau de importância. Dessa forma, os textos poderão ser interpretados de diversas formas pelos leitores, dependendo da experiência de vida de cada um, “[...] ao mesmo tempo, os critérios de reconhecimento da metáfora vão sendo criados a partir dos próprios dados [...]” (SARDINHA, 2007, p. 148), depende do que cada palavra significa para o leitor, pois em determinadas regiões as palavras podem variar os significados, tomemos como exemplo a palavra “rapariga” que no Brasil é o mesmo que “mulher sem moral”, já em Portugal tem um sentido mais positivo “moça”.

            Na literatura, a poesia é um meio que mostra as metáforas constantemente, isso acontece porque os autores desejam manter a métrica dos versos e a musicalidade das estrofes, que são feitas através das palavras. Devido termos “[...] a transposição do nome de uma coisa por outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por via de analogia.” (SARDINHA, 2007, p.20).

            Veremos agora um trecho de um texto poético e a seguir as metáforas que estão implícitas no mesmo. “[...] Suas mãos lhes servem/De garfo, colheres/[...] Os presos presentes/São bichos. Ex-gente.” (CARVALHO; BARROSO, 2011, p. 59). Neste fragmento do poema, os autores expressam seus sentimentos a respeito dos ‘presos’, de modo a compará-los com ‘bichos sujos’, pois os mesmos não usam utensílios para comer, e sim as mãos, dessa forma, expressam que ‘os presos’ se tornam imundos no meio social por não se deterem das regras da sociedade, depende da experiência de mundo para entendermos o que realmente os autores querem dizer, se não conhecermos o sentido de que ‘bicho’ é um ser sem regras, sujo, sem meios, sem racionalidade, nunca entenderíamos o que foi proposto no poema.

 

3.1.2 Textos em prosa

            Na prosa, analisaremos uma crônica de Rachel de Queiroz, a autora faz uso frequente deste recurso para destacar os principais defeitos presentes na época do regionalismo de 30.

As obras de Rachel de Queiroz trazem muitas metáforas implícitas no sentido de seus textos, tudo com o intuito de aprimorar a obra, estabelecer ênfase ao que foi publicado. A autora cearense, que retrata em suas obras a seca do nordeste, utiliza-se desse recurso semântico.

            As crônicas de Rachel de Queiroz têm por intermédio cidades cearenses prevalecendo o regionalismo, como ressalta Bosi (1999, p. 389-390):

[...] preferiram os nossos romancistas de 30 uma visão crítica das relações sociais. Esta poderá apresentar-se menos áspera e mais acomodada às tradições do meio [...]. De modo sumário, pode-se dizer que o problema do engajamento [...] foi a tônica dos romancistas que chegaram à idade adulta entre 30 e 40.

            Os escritores de 30, assim como Rachel de Queiroz, destacam as mazelas da sociedade e do governo e principalmente os aspectos regionalistas.

Basicamente, a metáfora é entendida como uma figura de linguagem, como é ensinada na escola, seria um elemento que nos daria suporte a construir uma linguagem fictícia, uma linguagem figurativa, que na verdade relata uma ficção, construção subjetiva, quando se diz que “o amor é uma dor” estamos sendo fictícios, pois não temos como comprovar essa relação, construímos algo do mundo figurativo, na verdade são dois elementos distintos, “amor” é um sentimento e “dor” é uma sensação, em que um causa efeitos negativos na pessoa, pode destruir e ocasionar sensações boas ou más.

Partiremos para a análise de um trecho da crônica A casa da menina da estrada de Canindé, de Rachel de Queiroz (1970), em que a autora se firma de metáforas para tornar o seu texto bem visto, “[...] a fome é má conselheira e a fome não tem pena de ninguém.” (QUEIROZ, 1970, p. 38). A autora faz a comparação de “fome” como domínio e utiliza o alvo “má conselheira” para estabelecer conectividade e expressividade de que “a fome não é boa”, é uma das principais mazelas surgidas na sociedade tanto do século XIX e XX, quanto da sociedade atual. A autora ainda afirma que a miséria é péssima, atribui ainda uma característica humana à palavra “miséria” que é a “pena”, característica que se refere a sofrimento, dó e está muito presente no ser humano.

            Então, Queiroz (1970) recorre às metáforas como recursos figurativos, para mostrar os defeitos vistos em nossa sociedade, relação essa estabelecida entre vários autores da literatura, a comparação dos sentidos das palavras. Pois, ao fazer uma comparação de “fome” sendo “má conselheira” a autora destaca dando ênfase ao seu texto, estabelecendo relação de sentido do alvo com a fonte, temos o alvo ‘fome’ e a fonte todos os elementos associados à “má conselheira” e “pena”, daí podemos entender esta metáfora como algo ruim na sociedade, a fome é uma das mazelas mais comuns da sociedade e, principalmente da sociedade dos séculos passados.

3.2 TEXTOS JORNALÍSTICOS

No texto, o autor dispõe do improvável, ele pode considerar os tipos de metáforas e mostrá-las como quiser.

            Para que não fiquemos reféns de significados é preciso destacar a metáfora, saber o que ela comunica dentro do assunto, notar sua ligação com outros contextos. As metáforas destacadas têm um contexto, e “[...] é muito comum achar, em textos científicos, jornalísticos, publicitários, e mesmo em nossa linguagem do dia-a-dia, exemplos em que se emprega a metáfora.” (CANÇADO, 2005, p.99).

            Um elemento integrante da linguagem humana é a metáfora. O elemento que faz parte da conceptualização da nossa linguagem, e ela é entendida de diversas formas pelas diversas áreas do conhecimento científico, seja na linguagem cotidiana, seja numa linguagem mais planejada, linguagem técnica, a metáfora sempre estará presente.

Os textos jornalísticos apresentam muitas metáforas, que é a transfiguração de sentido de uma coisa a outra e de acordo com Sardinha (2007, p. 137):

As metáforas estão presentes na linguagem da imprensa de forma marcante. Elas são particularmente visíveis em textos de colunistas, que as usam para criar um estilo próprio. Há um grande número de metáforas em textos de economia. Os processos macroeconômicos são abstratos e requerem metáforas para serem conceitualizados. Por serem tão comuns no linguajar jornalístico, muitas deixam de ser percebidas como metáforas.

Servem para fornecer um embelezamento ao texto, ou para expressar algo do cotidiano das pessoas, bem como informar da melhor forma possível.

A metáfora é idealizada como um sentido amplo e depende muito do conhecimento de mundo de cada leitor para que haja o entendimento total e consequentemente a comunicação. Para Sardinha (2007, p. 13):

As metáforas são recursos retóricos poderosos e são conscientemente usadas por políticos, advogados, jornalistas, escritores e poetas, entre outros, para dar mais ‘cor’ e ‘força’ a sua fala e escrita. Elas também são meios econômicos de expressar uma grande quantidade de informação.

Revistas que publicam textos jornalísticos trazem justamente as metáforas por serem consideradas a forma mais expressiva e rápida da linguagem humana e, dessa forma, mostrar algo relevante e impactante ao texto, como a comparação entre a fonte e o alvo.

A Revista Veja emprega em seus artigos várias metáforas com o intuito de tornar o texto melhor. Pegamos como exemplo uma frase retirada do artigo A força dos “hackvists” publicado na Revista Veja, “[...] o maior vazamento de conversas confidenciais e secretas travadas entre diplomatas [...]” (PETRY, 2010, p.14). Nesse trecho, temos a palavra “vazamento” como parte integrante de uma metáfora, ou seja, a palavra foi empregada como uma forma comparativa que de acordo com o conhecimento de mundo, do leitor da revista, entenderá que “vazamento” foi empregada não com sentido de “escorrer”, “derramar” “algo maleável” e sim com sentido de “escapar”, “liberar os segredos que estavam escondidos”, “[...] os argumentos que estão nas entrelinhas são compreendidos, sem ao menos serem ditos [...]” (SARDINHA, 2007, p. 15).

Se tivéssemos o referido trecho modificado para o sentido literal teríamos o seguinte “segredos são liberados entre os diplomatas”, a palavra “liberar” já dá uma nova forma ao trecho, o impacto que havia na primeira oração já não é o mesmo.

Sardinha (2007, p. 14) certifica que:

As metáforas criam uma relação de proximidade com o ouvinte, o leitor, ou a platéia, pois ao ‘entender’ a metáfora, o leitor passa a ser cúmplice do falante. Por exemplo, uma simples frase metafórica como ‘a economia saiu da UTI’ quer dizer muitas coisas ao mesmo tempo, como: ‘a economia melhorou depois de ter estado em situação crítica de saúde [...].

            Contudo, temos todos os pontos de que uma metáfora foi abordada com sentido de beleza e fácil entendimento, ao usar “UTI” sabemos que algo ou alguém não está em boas condições e dessa forma mostra os defeitos, pontos críticos abordados na metáfora de que Sardinha (2007) se utiliza.

 3.3 NA LINGUAGEM COTIDIANA

             A linguagem cotidiana é a linguagem que usamos no dia-a-dia e comumente, fazemos o uso de metáforas para expressarmos sentimentos, tanto bons como ruins. “[...] a metáfora é para a gente como a água é para os peixes: está em toda parte [...]. E por isso não a percebemos. Ela é parte de nosso habitat natural.” (SARDINHA, 2007, p. 11).

            Os enunciados que utilizamos no cotidiano expressam uma ideia criativa para o defeito ou qualidade de algo. Quando alguém pronuncia a frase “João tem um parafuso a menos”, o falante está comparando “João” a “uma máquina”, pois quando as máquinas faltam algum mecanismo de sua composição como “parafusos”, ocasionam sempre algum defeito. No caso, se “João” tiver “um parafuso a menos”, ele sofre de alguns problemas e não tem o funcionamento perfeito dos neurônios, ou ainda expressa que “João” não teve um comportamento normal naquele determinado momento. Utilizamos um alvo “João” para chegarmos a uma fonte “máquina”, a fonte gera as várias interpretações do elemento “máquina”.

Tomaremos como exemplo a oração “Reginaldo está irritado”, que não exerceria nenhuma função de beleza, só expressaria que ele está irritado, o impacto causado no leitor/ouvinte é mínimo, mas se transfigurarmos o sentido de “irritado” para algo que seja mais expressivo, ou seja, fizermos uma comparação por meio de metáfora, exercerá um embelezamento e um impacto maior no leitor/ouvinte, como exemplo “Reginaldo está com a cabeça quente”, a função agora é bem mais impactante, causa um efeito mais figurado ao texto, não significa dizer que “Reginaldo tem ou está com a temperatura elevada em sua cabeça” apenas foi transferido o sentido de “temperatura, força, calor”, para mostrar que “irritado”, emana um sentido de “fora de controle”. Dessa forma, através do conhecimento de mundo teremos uma metáfora bem expressa, que foi usada para ter um sentido mais figurativo da qualidade de “Reginaldo”, temos, então, a fonte que são os elementos que estão associados à “cabeça quente” e o alvo é o próprio “Reginaldo”. Assim, “[...] a metáfora é um recurso tão humano que talvez seja a última coisa que os robôs do futuro entendam. Provavelmente, eles responderão ‘não tem registro’ [...]”, (SARDINHA, 2007, p. 12). Cada região depende do seu conhecimento de mundo e modo de interpretar as palavras para que tenham consciência ao construir um enunciado com sentido metafórico, Sardinha (2007) defendeu que se os robôs entendessem a linguagem, conseguissem falar, não entenderiam as metáforas, pois elas são exclusivamente criação humana, o homem cria a metáfora para expressar seu pensamento como forma de melhoramento do texto e da linguagem.

Outra oração comum no cotidiano é “estou estourando de raiva”, em que o sujeito “eu” é o alvo, e “a raiva” é a fonte, daí podemos tirar as conclusões do enunciado, que não significa dizer que o sujeito vai explodir, significa dizer que o sujeito está com muita raiva, e “explodir”, no sentido metafórico, revela-nos um sentido de cheio, transbordando.

            Então, a linguagem presente no cotidiano está cheia de metáforas, tantas que quase não as percebemos, como diz Sardinha (2007), elas são partes inseparáveis da linguagem humana, sem as metáforas a linguagem ficaria monótona, sem artifícios para melhorar o diálogo.

 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 No referido artigo, vimos a metáfora como uma comparação por meio de um significado diferente do literal, mostramos que a metáfora é parte viva na linguagem, e está presente desde os primeiros traços da linguagem humana.

Recurso indispensável em textos literários, jornalísticos e na linguagem cotidiana. A metáfora é empregada para embelezar o texto, os autores recorrem aos recursos metafóricos para dar mais força ao texto ou deixá-lo mais poético, ou seja, mostrando as diversas formas de utilizar a linguagem figurada.

A metáfora é um paradigma transposto para outro de forma cultural, fazendo analogia, ou seja, isso se deve ao fato de a sociedade ter determinado tipo de cultura, então, certos tipos de comparação só podem ocorrer se aquele fato for costumeiro à sociedade. Uma determinada palavra é utilizada para suavizar ou enfeitar o sentido do texto, por exemplo. A metáfora exige do leitor um trabalho mental para que possamos compreender o ponto em comum entre a transferência de sentido do paradigma. Recurso esse que dispensa qualquer tipo de conectivo comparativo para fazer comparação a outro elemento, por isso a comparação de forma implícita.

Portanto, a metáfora é um dos elementos essenciais para a cognição humana e está relacionada de forma harmoniosa com a linguagem, um dos artifícios mais antigos que está em uso até hoje. A nossa proposta foi considerar aspectos subjetivos e assim permear apenas os caminhos que consideramos mais pertinentes.

THE METAPHOR AND ITS DIVERSITY IN DAILY LIFE

 

ABSTRACT: The referred article aim to identify and analyze the metaphors that are present in our daily lives, in literary texts and journalistic. The people who use them as part of the language.  To this end, one bibliographic research was carried out. Among the authors who contributed to the discussion we highlight Amaral et al. (2003), Caçando (2005), Celso Júnior (2008), Sardinha (2007) and Schaff (1968). The  results reveal that a metaphoric strategy is one of the essential elements to the human cognition and it is related to the language in harmonic way, one of the oldest tricks that is used until today, a resource that dismiss any kind of comparative connector to compare it to another element.

 

KEY WORDS: Metaphor. Language. Comparison. Texts. Application.

 

 

REFERÊNCIAS

 

AMARAL, Emília; FERREIRA, Mauro; LEITE, Ricardo; ANTÔNIO, Severino. Novas palavras: português. São Paulo: FTD, 2003.

 ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Martim Claret, 2006.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36ª ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

 CANÇADO, Márcia. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.

 CARVALHO, Gilmar de. BARROSO, Oswald. Memorial Bárbara de Alencar e outros poemas. 2 ed. Fortaleza: Expressao Gráfica Editora, 2011.

 CELSO JÚNIOR, Ferrarezi. Semântica para educação básica. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

 MACEDO, Ana Cristina Pelosi de; BUSSONS, Aline Freitas. Faces da metáfora. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2006.

 PETRY, André. A força dos “hackvists”. Veja, São Paulo, v. 43, n. 50, p. 14-159, dez. 2010.

QUEIROZ, Rachel de. 100 crônicas escolhidas. Rio de janeiro: Instituto nacional do livro, 1970.

SARDINHA, Tony Beber. Metáfora. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

SCHAFF, Adam. Introdução à semântica. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A, 1968.