O presente artigo tem como princípio adentrar um pouco mais na alma de Mário de Sá Carneiro, deixando claro que não tem por objetivo fazer um levantamento de dados da biografia do autor, mas sim, mostrar a melancolia existente em suas obras, que Freud em seus estudos sobre o superego diz que pessoas com sintomas de melancolia falam de si próprias como “inúteis”, incapazes de amar, e outras características onde o eu interior é desvalorizado por afirmações muitas vezes falsas analisando através das poesias Dispersão e O Outro a sensação de descontentamento e sofrimento decorrente de sua inadaptação à vida, que atravessa tanto o homem quanto o artista.

O sofrimento leva-o a uma degradação pessoal, como um dos temas decorrentes em suas obras poéticas, juntamente com a melancolia, mostrado na análise dos poemas. Para fundamentar e melhor afirmar o que foi explanado utilizou-se os teóricos como Goethe, Freud, Massaud Moisés e o próprio Mario de Sá Carneiro.

Mário de Sá Carneiro foi um poeta contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal, e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.

As obras desse poeta estão intimamente relacionadas à sua vivência pessoal, passando por uma crise entre o seu eu existencial e o social revelando toda a sua inadaptação ao mundo e a busca constante do seu próprio eu. Segundo o próprio Mário de Sá Carneiro (apud, MOISÈS, 2005.p.249) é necessário estar preso aos sentimentos e afetos reais para vive neste universo real, e como ele não consegue adequar-se, o sentimento de falência atormenta-o. Isso faz com que o poeta mergulhe no seu mundo interior encarando as frustrações sendo passadas em suas obras por meio de uma linguagem poética ambígua, paradoxa e irônica, onde a paródia é uma autobiografia expressada através da exaltação dos sentidos.                                      E sua angústia em relação à vida é ressaltada como um traço marcante de seu conflito biográfico-artístico.

Segundo Goethe (apud QUADROS, 1989. P.229) não existe meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais segura de se unir a ele do que a arte. È visto que a arte de Mário de Sá Carneiro é uma extensão de seus conflitos existenciais, e que ao invés da segurança há uma total insegurança do seu eu - artístico fundido ao seu eu – biográfico.

A crise de personalidade leva-o a uma poesia na qual se mostra melancolia demonstrada a sua incapacidade de viver aquilo que sonhava o que acabou conduzindo-o ao seu suicídio, pois era narcisista, ou seja, gostava de vê ele mesmo nos outros. O poeta era motivado pela carência emocional (órfão de mãe e raramente via seu pai, que viajava muito, o poeta foi criado pelos seus avos), levado um sentimento de abandono e solidão, traduzidos em suas poesias.

A única certeza, da morte, revela o constante pessimismo presente tanto na vida como nas obras do poeta, agravado pelo desconhecimento da razão e de seu descontentamento com tudo que estava ao seu redor. Interessante pensar que a melancolia de Mário de Sá Carneiro não está ligada à desistência de seus ideais, o que seria para ele uma espécie de morte, mas de lutar até o fim e não conseguir atingir o algo que desejava, a plenitude artística e a da vida.

 Por todas essas características MOISÈS (2005. p.  )cita o seguinte sobre o poeta:

Dono de insólita sensibilidade, aguçada ao extremo do delírio e da loucura, o poeta ganha muito cedo a angustiante sensação de ser alheio à vida, e esta lhe ser igual e totalmente estranha.  

Diante dessa análise, pode-se dizer que o sentimento de estranheza, ou seja, um indivíduo esquisito, anormal, gera-lhe outro, o egocêntrico, o vaidoso, sente que o mundo é que não se adapta e o repele como uma incômoda presença, em consequência retrai-se para dentro de si, determinando-lhe sensações depressivas e derrotistas como a inutilidade das coisas, a de viver num mundo irreal.

Todas essas características fazem de Mário de Sá Carneiro um herdeiro direto de Baudelaire, o que não fica alheia às manifestações do Paulismo, do Interseccionismo, do Sensacionismo, do Cubismo do Futurismo, e um percussor do Surrealismo, ao mesmo tempo uma das maiores vocações poéticas do primeiro quartel deste século.

A base da linguagem poética de Mário de Sá Carneiro nas poesias é ambígua, paradoxa e utiliza elementos essenciais do canto elíptico da modernidade, onde a paródia é uma autobiografia expressada através da radicalização e exaustão de todos os sentidos. Como poesia estranha e desfamiliarizada não têm paralelo em Língua Portuguesa, em se tratando da exacerbação do eu – lírico. Em nível da estrutura formal, as poesias primam pela regularidade estrófica e métrica, apesar de ter optado por esquemas estróficos diferentes.

No poema intitulado Dispersão nota-se uma simplicidade vocabular, apontando para o aspecto físico do sujeito poético, acompanhada por uma pontuação mais expressiva a traduzir a emoção. Foi observado a presença de termos que recorrem a tristeza (saudades, choro), a morte (amortalhado, sombria, último dia) e ao misticismo (sonho). Esses termos são todos de suma importância para chegarmos a uma essência mais profunda da desilusão, do vazio e da morte.

Dessa forma, estão perante a uma imagem de um derrotado e desiludido da vida:

Eu tenho pena de mim

Pobre menino, ideal... Que me faltou afina?

Um elo?

Um rastro?

Ai de mim...  

Não há em si uma réstia de luz e de esperança, pois a dor revela o caráter irrealizável de sua procura, denotando a dispersão do eu, e as revelam frágeis e passageiras, bem como o tempo, em que o presente (hoje) se mostra tão distante quanto o próprio passado (ontem):

...Para mim é sempre ontem

Não tenho amanhã

Nem hoje: O tempo que as outras fogem cai sobre mim feito ontem...

A palavra labirinto sugere a falta de sentimento em busca de sua existência, numa angústia típica da lírica de Mário de Sá Carneiro, que busca o sentido sem nunca encontrar.

Foi constatado no poema intitulado O Outro uma objeção de um “eu” em conflito com um outro, reverso da sua frustração, melancolia e insatisfação:

Eu não sou eu

Sou qualquer coisa de intermédio

Pilar da ponte de tédio

Que vai de mim para o outro...  

Neste poema foi percebido que ele está também se questionando “quem sou eu?”, havendo uma grande angústia existencial. Pode-se perceber a ideia do eu e do outro, que remete tanto ao desconhecimento de si mesmo como à aspiração frustrada de ser diferente do que é.

Portanto, pode-se dizer que o poeta dialoga a partir dos próprios títulos, metaforizando uma busca existencial.

Diante de tudo que fora mencionado pode-se dizer sem sombra de dúvida que a melancolia em relação à vida é um tema importante nas obras de Mário de Sá Carneiro. É esta melancolia que faz com que o eu lírico tenha sua alma tomada por angústias a ponto de tornar-se desiludida, pois a relação que ele estabelece com o mundo é sentida como tormento.

Espera-se que esta proposta de abordagem vá de encontro com o que foi proposto realizar, e essencialmente, que a análise destes poemas não esteja defasada da verdadeira mensagem que o seu ator pretendeu transmitir. Ressaltando que a análise dos poemas “O Outro” e “Dispersão” não se esgotou de forma nenhuma, dada a riqueza e a complexidade que caracteriza a poesia.