Karolinne França Mendes
Sergianny Pereira da Silva

Sumário: 1 Introdução. 2 A situação do Judiciário brasileiro. 3 A pluralidade e a comunidade. 4 A Mediação. 5 Os obstáculos para o reconhecimento da mediação. 6 O advogado: contra ou a favor da mediação. 7 A importância do mediador. 8 A mediação e o Maranhão. Conclusão. Referências.

RESUMO
Apresenta-se nesta exposição considerações acerca da mediação comunitária, observada como um meio alternativo de composição de conflitos e que por objetivar a resolução de litigiosidades e a pacificação social mediante seus mecanismos alternativos de soluções pautadas no diálogo, poderia auxiliar no descongestionamento recorrente do Judiciário. Contudo, na prática, a mediação encontra sérios obstáculos para o desenvolvimento, ampliação e efetiva atuação, dentre eles a própria mentalidade demandista e postura advesarial adotada pelos agentes do Direito e pela sociedade. Intenta-se salientar a importância da função do mediador, que embora encontre oponência a sua atuação, exercer uma atividade de difícil concretização, mas que é essencial para se permite um acesso mais amplo à justiça.
PALAVRAS- CHAVES
Judiciário. Mediação comunitária. Acesso à justiça. Mediador

1 Introdução
Discussões acerca da atuação, estrutura e acesso ao Judiciário tem suscitado debates sobre a implementação de meios alternativos de composição de conflitos. O presente trabalho intenta, contudo, desenvolver-se a respeito da mediação comunitária.
Desta forma, investiga-se os obstáculo pertinentes ao desenvolvimento da mediação, que embora possa trazer várias vantagens e benefícios, em especial, para as comunidades mais carentes, encontra empecilhos matérias e culturais para se efetivar no Estado do Maranhão e no Brasil.
Resta apontar a metodologia empregada, cuja abordagem se orienta por uma extensa consulta documental e bibliográfica, aliada a pesquisa de campo efetuada no sentido de identificar núcleos de mediação e sua atuação no Estado do Maranhão.
Exposto isto, cabe melhor enunciar a respeito do atual desempenho do Judiciário que vem desencadeando uma busca por meios alternativos, como a mediação.

2 A situação do Judiciário brasileiro

A ideia tripartitica do poder de Montesquieu influenciou a construção da Constituição brasileira de 1988, concebendo uma divisão entre as funções competentes ao Poder Legislativo, Executivo e o Judiciário. A este último, em especial, caberia a faculdade de punir os crimes e julgar os dissídios e as coisas que dependem do direito civil. Mas, como afirma o próprio Montesquieu, os poderes não são dotados de uma completa imobilidade, estariam os mesmos, ao contrário, em um movimento harmônico entre si, consubstanciando a famosa técnica dos pesos e contrapesos, que garante o equilíbrio e a coerência de todo o ordenamento.1
O terceiro poder, o Judiciário, estaria, contudo, envolto a uma concepção disseminada de crise. Fato que encontra ilustração na complexidade alcançada pelo Estado moderno, no que se refere às relações sociais, acompanhadas pelo aumento quantitativo das relações jurídicas, dos litígios e demandas orientadas ao judiciário. Contradições, burocracia, clientelismo, morosidade, dentre outras enumerações, são apenas alguns dos pontos alvos de duras críticas orientadas ao Judiciário.2
O grande contingente de processos que chegam ao Judiciário, no intuito de obter uma resposta ou sentença aos litígios das mais variadas espécies, acaba por revelar que o mesmo não suporta tal demanda, demonstrando uma dificuldade em efetivar uma real pacificação social.
Por esta realidade, no sentido de auxiliar na pacificação da sociedade, solucionando várias litigiosidades e colaborando para o ?esvaziamento? do Judiciário, discute-se a ampliação dos meios alternativos de composição de conflitos, a exemplo da mediação.

3 A pluralidade e a comunidade

A atual situação do Judiciário revela que "o processo judicial não parece proporcionar a melhor alternativa procedimental para satisfazer às necessidades e aos interesses emocionais, econômicos e psicológicos"3 de todos os cidadãos que o acionam ou pretendem fazê-lo.
O que se observa no atual Estado brasileiro é o monopólio da jurisdição por parte do Estado, que, contudo, atua de modo carente em sua função jurisdicional. Diante deste fato, não se pode impedir que a própria sociedade descubra e desenvolva meios alternativos e eficazes de resolver litígios, uma vez que o importante é a pacificação, seja ela atingida pela administração pública ou por outro meio.4
Se o processo judicial é formalista, burocratizado, caro, moroso, e ineficaz em alguns casos, pois não consegue evitar que litígios pequenos aumentem a proporções de conflitos que envolvam ódio e violência, o correto seria, então, buscar meios alternativos que possam solucionar litígios mais simples, evitando que o mesmo atinja magnitudes alarmantes ou acionem desnecessariamente o judiciário, uma vez que a solução poderia ser alcançada com o simples diálogo entre as partes, como ocorre na mediação.
Desta forma, "não se pode deixar de reconhecer a existência do pluralismo jurídico e de uma tradição bem mais antiga de formulações jurídicas comunitárias"5, um pluralismo que seja "capaz de reconhecer e legitimar normatividades extra e infra-estatais (institucionalizadas ou não), engendradas por carências e necessidades próprias das contingências de sujeitos coletivos"6. Ou seja, nem sempre órgãos jurisdicionais institucionalizados resolverão aos problemas de forma satisfatória, para solucionar tal dificuldade é preciso reconhecer a existência e a importância de outros meios alternativos, no qual a mediação encontra prefeito enquadramento. Nada mais seria que a necessidade de estimular a autocomposição, esquecida em muitas situações.

4 A Mediação

A mediação, difundida como meio alternativo de composição de conflitos, encontra conceituação "como um processo no qual uma parte neutra ajuda os contendores a chegar a um acerto voluntário de suas diferenças mediante um acordo que define seu futuro comportamento"7. As partes, desta forma, interagem entre si até que elas próprias alcancem uma decisão satisfatória.
Destaca-se, então, o papel do mediador, um terceiro neutro, escolhido pela partes litigantes e que escutará o subjetivo de cada uma, estimulando o diálogo entre elas, o que desencadeará na busca de uma solução satisfatória a ambas. Por isto o mediador precisa saber trabalhar com "reações instintivas, intuição, habilidades interpessoais agudas e sensibilidade, para com indicadores psicológicos e comportamentais sutis, além da aplicação do pensamento lógico e racional"8, tornando-se um papel difícil de ser executado.
O termo mediação, contudo, não é recente e já fora utilizado em vário sentidos, como sinônimo de corretagem e intermediação mercantil, exercida pelos chamados ?proxeneta?, que se tratavam de mediadores do comércio. Justiniano foi o primeiro a usar a palavra ?mediador?, designando o proxeneta que atuava nas províncias. Hodiernamente, a mediação é entendida como equivalente jurisdicional9, um meio alternativo de composição de conflitos que objetiva contribuir para a pacificação social.

5 Os obstáculos para o reconhecimento da mediação

A mediação, apesar de ser um processo que intenciona auxiliar o Judiciário, solucionando alguns litígios de forma mais célere, eficaz e menos formal, contribuindo para a pacificação, encontra sérios obstáculos para a sua ampliação e efetiva atuação.
O problema do pouco conhecimento popular a respeito da mediação se dá pela própria cultura da sociedade brasileira, que se revela demandista e sentencista. A crença de que o judiciário teria resposta para todos os problemas, faz com que a demanda para solucionar litígios aumente consideravelmente, fazendo que simples conflitos de vizinhança, por exemplo, congestione o judiciário junto a outros problemas de maior complexidade.
O que se observa é que, ainda, perdura no meio acadêmico e na mentalidade popular o rigor processualista, que eleva o rito à forma e ao Judiciário, aumenta o número de autos e recursos, alimenta egos e uma advocacia litigiosa, que explora o conflito e a tensão, ao invés de buscar a sua transformação10. Esta cultura adversarial contribui para a propagação do conflito e da violência, ratificando a errônea noção de que a justiça sempre prevê um vencedor e um perdedor.11
Parte e advogado, ao ingressarem com a ação, não buscam uma solução conciliada do caso, mas sim uma sentença. E a sentença, apesar de ser uma solução para o caso, não leva à pacificação das partes, motivo pelo qual gera a execução e os recursos.E isso, não fica apenas entre as partes e os advogados, mas também integra a mentalidade de muitos juízes, pois desde os bancos acadêmicos fomos contaminados pela cultura da sentença.12

Faz-se necessário implementar uma cultura de paz, que estimule a cidadania em cada indivíduo, fortaleça a idéia de participação social e incentive a tolerância entre as pessoas, no sentido de buscar por seus próprios meios a solução para seus conflitos. Não se está afirmando, contudo, que a mediação deve substituir o processo judicial, ou que a mesma serve apenas para descongestionar o judiciário. Ambos portam suas vantagens e desvantagens, sendo em determinados casos um insubstituível pelo outro. Ao contrário, aponta-se que a mediação não se resume a simples complementaridade do Judiciário, mas consiste, além disto, em expressão da democracia e da existência de outros meios de regulação que não a estatal.
Para uma implementação efetiva dos meios alternativos de composição de conflito é necessário promover uma mudança de mentalidade da sociedade e dos agentes operantes do Direito, ainda relutantes a meios como a mediação, apoiando-se em afirmações como a não-publicidade, o controle significativo das partes acerca da solução do conflito, sua não formalidade, a falta de autoridade do mediador em impor resultados sobre as partes, a não exigência das devidas salvaguardas processuais, não gera obrigações ou não impede a influência de uma parte, mais poderosa, sobre a outra e, claro, a falta de normatização deste processo no Brasil.13
Contudo, não se pode exigir destes meios os mesmos requisitos e formalidades observados no procedimento jurisdicional, pois, assim sendo, não se estaria falando em meios alternativos de composição de conflitos.
A mediação, com qualquer outro procedimento, possui suas desvantagens, mas não perde sua legitimidade por este motivo. Talvez por suas peculiaridades se torne mais eficiente em determinados casos que o próprio processo com julgamento por tribunal, pois proporciona privacidade, um mediador legitimado e que inspira confiança a ambas as partes, a flexibilidade, soluções criativas e satisfatórias, além dos baixos custos, o que permite o acesso dos mais necessitados a soluções para os seus conflitos.14

6 O advogado: contra ou a favor da mediação?

Boa parte, se não a maioria, dos advogados acabam esquecendo que a sua profissão, em primeiro lugar, busca estimular a conciliação entre os litigantes e prevenir, na medida do possível, a instauração de litígios, como assevera a art. 2°, VI, do Código de Ética e Disciplina da OAB, sendo o mesmo, desta forma, indispensável à administração da justiça, conforme o art. 2°, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Contudo, como já mencionado, o que se observa é este dever, na prática, é descumprido, prevalecendo uma postura litigiosa dos advogados, estabelecida, quando não, entre os próprios profissionais da advocacia. É a cultura propagada de que se deve busca apenas a sentença, que estipulará o vencedor e o perdedor, e que no seu processo de formulação poderá instigar a oposição entre as partes e não a pacificação.
O advogado, portanto, não pode abandonar seu dever objetivando simplesmente benefícios e honorários. Em realidade, nos processos como a mediação, o advogado pode sim atuar como mediador, contribuindo para a comunicação, o esclarecimento e a negociação de vantagens mútuas, uma vez que é conhecedor dos limites jurídicos estabelecidos e correspondentes a cada caso, fato que trará maior legitimidade à solução do conflito15.
Desta forma, o advogado não pode restringir sua atuação ao âmbito privado e renegar sua função social de auxiliar a sociedade a se transformar em protagonista de suas ações e regulações próprias, seja atuando como mediador ou contribuindo para a formação de mediadores da própria comunidade, através de palestras e cursos de capacitação, por exemplo.

7 A importância do mediador

De forma lenta e gradual, a escassez de mediadores vem sendo combatida com a formação deste através de cursos de capacitação em mediação comunitária, que, em geral, intentam capacitar agentes mediadores, representantes da própria comunidade da qual são oriundos, pois uma vez bem orientada a própria sociedade resolve seus assuntos mais simples.
Assim, amplia-se a mediação, que chega a atender as comunidades mais necessitadas, agredidas pela violência e com um acesso precário à justiça16. Buscando-se, sempre a auto-composição dos conflitos e não auto-tutela.
Diante do exposto, cabe salientar a importância do mediador na comunidade. Sua tarefa mais se resume em algo fácil e necessitada de bom preparo e habilidade.
Para atuar como mediador não é necessário possuir curso superior, simples líderes comunitários tem revelado grande êxito como mediadores em suas comunidades17, talvez boa parte deste sucesso se paute na proximidade entre o mediador e as partes, que em momento algum revelam qualquer hierarquia, dispensam formalidades e utilizam da oralidade para agilizar todo o processo de mediação18, daí a importância de uma comunicação mais simples, dispensando rebuscamentos e retóricas incompreensíveis.
O mediador não pode perder o foco que a mediação não objetiva a punição, mas a reparação, fazendo com que cada parte assuma sua responsabilidade19, contribuindo para ativação da cidadania em ambas.
Sua legitimidade está no consentimento entre as partes em adotar tal meio de solução de conflito e em admitir o mediador como terceiro neutro a mediar o diálogo. E por não esta normatizada, na solução atingida através da mediação não caberá apelação ou recurso, uma vez que se espera o assentimento de ambas as partes na solução alcançada e não se estaria dissertando a respeito de meio alternativo de composição de conflito.
Portanto, a função exercida pelo mediador é muito importante, principalmente, nos casos de alguns países, como o Brasil, em que se almeja estimular a auto-composição dos conflitos, freando a violência e a auto-tutela. A mediação em momento algum contraria o ordenamento jurídico estatal, na verdade, expressa o pluralismo edificado no próprio seio constitucional do Estado brasileiro, observado no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, que se destina a assegurar a liberdade, a igualdade e a justiça como alguns dos valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
Trata-se de uma tendência neoliberal de desjuridificar a vida social, para que ambientes de liberdade sejam criados e se resgate a autonomia dos cidadãos, uma vez que se testemunha inúmeras leis ineficazes e que não propiciam a chamada justiça material.20Conceber estes meios alternativos é permitir que os mais pobres também tenham acesso a mecanismos que satisfaçam a sua demanda.

8 A mediação e o Maranhão

No Estado do Maranhão, a mediação é quase um meio escasso, com pouco investimento em sua ampliação e efetivação. Contudo, resiste a esta realidade um programa criado em 1998, pelo Ministério Público do Maranhão, as Promotorias Comunitárias Itinerantes, que tem por objetivo facilitar o acesso das comunidades carentes às políticas públicas e à justiça, para isto, desloca-se por vários bairros do Estado e encontra-se vinculado a Núcleos de Mediação, que buscam capacitar moradores para a função de mediador comunitário.
Porém, apesar de práticas como esta, a mediação continua com pouca expressividade e reconhecimento no Maranhão e no Brasil. Assim, pode-se observar que não basta atuar no sentido de criar núcleos de mediação e necessário criar um comprometimento da sociedade para com estes meios alternativos de composição de conflitos, abandonando a falaciosa mentalidade de que somente o Judiciário está apto a resolver os litígios sociais, dos mais banais aos mais complexos.

Conclusão
Diante do que fora explorado acerca da mediação como meio alternativo de composição de conflitos, espera-se ter alcançado a meta de demonstrar a real importância deste meio, enfatizando o papel do mediador, merecedor de mérito por conseguir estimular o diálogo, da forma mais neutra possível, entre parte litigante, que, em tese, orientam-se pelos seus interesses ou pela raiva. A função do mediador é essencial para que se possa buscar a pacificação e evitar a violência, estágio extremo que litígios podem alcançar se não contidos a tempo.
Contudo, para se efetivar completamente a mediação precisa quebrar, ainda, paradigmas que estimulam a litigiosidade entre os indivíduos e que são perpetuados pela sociedade (que demanda cada vez mais o Judiciário por questões banais) e pelos próprios agentes do Direito (produtos de um ensino acadêmico que estimula a competição e a postura adversarial).





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REFERÊNCIAS

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