A Manifestação do Pan Africanismo e Negritude em Francisco José Tenreiro

António Domingos Cossa

Docente de Literaturas na UP-Gaza

Curso de Português

Mestrando em educação/ensino de Português

e-mail [email protected]

0. INTRODUÇÃO

 

O trabalho que ora apresentamos visa a realização de um estudo sobre a literatura são-tomense, mais precisamente sobre os poemas de Francisco José Tenreiro extraídos da obra NO REINO DE CALIBAN II de Manuel Ferreira e na OBRA POÉTICA de Francisco José Tenreiro, com o objectivo de identificarmos as marcas do Pan-africanismo e da Negritude. Trata-se de obras literárias diferentes nas quais seleccionámos apenas dez poemas que julgamos serem mais representativos para o nosso tema, nomeadamente, “ ROMANCE DE SEU SILVA COSTA”(P.435),  “ROMANCE DE DAM MARINHA” (P.436), “CANÇÃO DO MESTIÇO” (P.437), “MÃOS”(P.438), “NÓS MÃE” (P.439), “CORPO MORENO” (P.442), “CORAÇÃO EM ÁFRICA” (P.443), do Reino de Caliban II e “ILHA DE NOME SANTO” (P.53), “AMOR DE ÁFRICA” (P.59), “SUM PADRE” (P.87) da Obra Poética.

Trataremos, ao nosso entender, dos aspectos subjectivos dos textos seleccionados, tornando-os objectivos através de comentários pertinentes que serão testemunhados pelos respectivos exemplos retirados dos textos em análise de modo a criar uma consistência.

O tema “ As marcas do Pan-africanismo e da Negritude” retratado neste trabalho é importante para a compreensão destes movimentos literários na conquista das independências africanas em geral e de São Tomé e Príncipe, em particular, bem como para os estudantes do segundo ciclo do Ensino Secundário Geral onde se aborda esta temática.  

 

0.1 Objectivos geral

No presente trabalho tivemos como objectivo geral, estudar as marcas de negritude e do pan-africanismo nos poemas de José Francisco Tenreiro extraído nas obras de NO REINO DE CALIBAN II de Manuel Ferreira e obra de Francisco José Tenreiro.

 

 

0.2 Objectivo específico

Ainda para este trabalho traçámos como objectivo especifico, identificar as marcas do Pan-africanismo e  da Negritude nos poemas de José Francisco Tenreiro.

0.3 Hipótese

Partindo do objectivo anteriormente definido formulamos a seguinte hipótese para o nosso trabalho: As marcas do Pan-Africanismo e da  Negritude são predominantes nos

poemas de Francisco José Tenreiro.

0.4 Metodologia

Para a elaboração do presente trabalho recorremos a consulta bibliográfica e a análise dos poemas na perspectiva do objectivo definido.

0.5 Motivação

A escolha deste tema foi motivada pelas aulas de LALPIII ministradas no nosso curso por outra, baseamo-nos na perspectiva de analisarmos e compreendermos a manifestação da negritude e do pan-africanismo na literatura são-tomense em geral em particular nos poemas de Francisco José Tenreiro.

CAPÍTULO I

1.0 VIDA E OBRA DO AUTOR

Em concordância com GOMES e CAVACAS ( 1997:147)[1] Francisco José Tenreiro, de seu nome completo Francisco de Vasquez Tenreiro nasceu em 1921 em São Tomé e morreu em 1963 em Lisboa, mas a nossa fonte não nos ofereceu o dia e o mês daí que recorremos a Ferreira ( 1997:434)[2] que indica 20/01/121 e 31/12/1963 respectivamente.

Francisco Tenreiro mestiço desde muito novo fez os seus estudos em Lisboa, fez o doutoramento em ciências geográficas (Grã-Bretanha) foi colaborador do centro dos estudos geográficos estudos e investigações na escola de ciências económicas e politicas de Londres, assistente de geografia na faculdade de letras em Lisboa, foi professor universitário, deputado ensaísta com uma colaboração intensa em jornais e revistas de diversos países nomeadamente em publicações científicas.

O escritor Tenreiro foi grande conhecedor da problemática africana e insular, particularmente, além de artigos sobre a literatura negra norte-americana, inúmeros estudos sobre a história social e cultural e a geografia humana da ilha de São Tomé de que se destaca A Ilha de São Tomé.

Em 1967, quatro anos após a sua morte é reunida toda a sua poesia, alguma dispersa em revistas ligadas ao movimento neo-realista, como Vértice e Seara Nova e o livro Obra Poética de Tenreiro reeditado em 1983 por Ferreira sob designação de coração em África que inclui Ilha de Nome Santo e o livro que o autor deixara inédito mas já organizado com o titulo “Coração em África”  LARANJEIRA (1995:338-339).

Ele foi considerado o primeiro poeta da Negritude de língua portuguesa com mais “3 poemas soltos”, incluídos em Ilha de Nome Santo, a saber “Epopeias”, “Exortação” e “Negro de Todo o Mundo”, os poemas negritudista,  de coração em África evocam, para estigmatizar desagregação e a dispersão absoluta do povo negro. a tristeza, a melancolia e a martirizada submissão do negro na diáspora.

CAPÍTULO II

2.0 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Os pressupostos teóricos constituirão a base do nosso trabalho. Deste modo no presente capítulo abordaremos os conceitos Pan-Africanismo e a Negritude que são os principais objectivos de estado do nosso trabalho, assim como o tratamento das suas origens os seus precursores e as características destes movimentos numa perspectiva literária.

2.1.PAN-AFRICANISMO E NEGRITUDE

2.1.1. PAN-AFRICANISMO

Segundo AAVV (2006;846)[3] “a palavra Pan é de origem grega que exprime a noção de todo inteiro, completo ou de universal” e africanismo refere-se a elementos africanos.

No que se refere ao movimento Pan-Africanismo AAVV (1984) diz que este movimento e uma doutrina politica extra-africana que nasceu como simples manifestação de solidariedade fraterna entre africanos e gentes de ascendência africana das Antilhas britânicas dos EUA.

Actualmente o pan-africanismo é definido sob ponto de vistas diferentes, nomeadamente, o Pan-Africanismo racial que teve como o seu mentor Marcos Garvey que fundou a Associação Universal Para o Progresso dos Negros, que pretendia agrupar todos negros numa só nação, opondo o racismo negro ao branco.

O Pan-Africanismo cultural que tem como precursor J.Prince e R. Morais e, mais tarde encontrou em Senghor, Aimé Cesaire e J.P.Santre os seus mais lídimos defensores assentes no princípio de que as civilizações africanas foram adulteradas pela civilização branca e que só se conseguiria recompor, pondo termo a esta e reencontrando consigo próprio no retorno às origens e na exaltação dos seus valores tradicionais culturais e étnicos.

O Pan-Africanismo político que teve como precursor Du Bois, H.Sylvester Williams e G.Padmore.  Estes pautam pela reivindicação social dos negros.

Como já fizemos menção anteriormente a teoria Pan-Africanista foi a vida principalmente pelos africanos na diáspora americana descendentes de africanos escravizados e pessoas nascidas na África a partir de meados do Séc. XX como Du Bois e Marcus Garvey entre outros, e posteriormente para a arena política por africanos nascidos em solo africano como Kwame Nkrumah.

Em suma, o Pan-Africanismo como movimento político e intelectual surge a partir do Séc.XX com a realização dos cinco congressos da sua história, caracterizando-se como movimento “governo de africanos, pelos africanos, para os africanos respeitando, as memorias sociais e religiosa”. Dai que, parafraseando NGOENHA (1993:71)[4] temos Kwame Nkrumah figura e grande teórico da unidade africana que dedicou o livro “África deve unir-se”.

          

2.1.2. NEGRITUDE

No que concerne a Negritude, FREITAS (S/D:194)[5] afirma que a negritude é o conjunto dos caracteres psicológicos mentais, culturais, específicos da raça negra.

Por sua vez LARANJEIRA (1995;29)[6] diz que a Negritude constitui-se como o processo de busca de identidade, de conduta desalienatória e da defesa do património e do humanismo dos povos negro.

Para Senghor citado por FERREIRA (1989:57) a Negritude será “o património cultural, os valores e sobretudo o espírito da civilização negro-africano” ou, como variante o “conjunto dos valores culturais do mundo negro.”

De tudo o que ficou dito depreendemos que a Negritude é de facto uma cultura, um conjunto de valores económicos, políticos, intelectuais, morais, artísticos e sociais não só dos povos de africa negra, mas também das minorias negras do mundo inteiro que nasceu como a expressão cultural do Pan-Africanismo.

Segundo Ferreira (1989:57) a palavra Negritude foi pela 1ª vez escrita por Aimé Cesaire, em 1938 no seu livro de poemas Cahier d`un Retour au Pays Natal e está intimamente associada ao trabalho reivindicativo do grupo de estudantes africanos organizados em Paris nos princípios da década de 30 de que se destacam como principais responsáveis dinamizadores Senghor ( 1906) senegalês Aimé Cesaire (1913) e Léon Damas  (1912) ganês. Porém, a primeira tentativa  de definição é atribuída a Senghor – conjunto de valores culturais do mundo negro.

No entender de LARANJEIRA (1995:87-88) os constituintes da cosmovisão de Negritude são o modo de vida simples, o instinto, os hábitos  ancestrais, as manifestações espontâneas, a inocência e pobreza originais da raça e da cultura negra com uma divisão entre duas culturas, desenraizado entre a civilização de que descrê e o ancestral fundo negro; o negro expressa o desejo de regresso às origens, o retorno ao país natal, recusando aos opressores, a dominação do corpo e do espaço. Recusa qualquer espécie de alienação provocada pela assimilação, isto é, recusa do mundo ocidental e proclama a substituição pelas das culturas africanas.

No entanto, encontram-se textos com temáticas genéricas: Negro vs Branco; Europa vs África; Mestre vs Escravo; Colono vs Colonizado; Crueldade vs Inocência; Ódio vs Amor; Falso vs Verdadeiro; Explorador vs Explorado.

Assim, constatamos que a Negritude caracteriza-se pelo amor a pátria, a expressão de sentimentos, emoções dos negros através da língua nacional, a valorização do espaço, das raízes culturais nacionais, exaltação da cultura tradicional negra da raça negra e o louvor a valorização da mulher e do corpo negro.

Deste modo, concluímos que a Negritude caracteriza-se, particularmente, pelo tratamento do mundo negro e pela valorização de tudo o que é nacional. Sendo pertinente salientar que o objectivo do nosso trabalho é analisar as marcas do Pan-Africanismo e da Negritude nos poemas de Francisco José Tenreiro. Também verificamos que a Negritude está paralelamente ligada ao neo-realismo facto que nos leva a definir o conceito neo-realismo no capitulo concernente aos pressupostos teóricos.

Para o efeito, PAZ e MONIZ (2004:149)[7] dizem na estética neo-realista comprometida com o político-social perpassa a denúncia de um regime autoritário de um classe oprimido em ordem a consciencialização popular, visando a instauração de uma sociedade mais justa, sem ser descurada uma qualidade estética do texto. AAVV (2001:2589)[8] define o neo-realismo como sendo um movimento artístico literário e filosófico que floresceu na pós guerra, propondo uma revalorização do realismo tradicional inspirado no materialismo das camadas proletárias.        

   

Relativamente aos países africanos de expressão portuguesa coube a Francisco José Tenreiro (São-tomense) a primeira afirmação da Negritude com o seu poema Ilha de Nome Santo (1942) contrariamente as Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa São Tomé não apresenta uma rígida periodização literária.

CAPÍTULO III

3.0 ANÁLISE DOS POEMAS  DE FRANCISCO JOSÉ TENREIRO TENDO EM CONTA AS MARCAS DO PAN-AFRICANISMO E DA NEGRITUDE

 

Tal como afirmámos no capítulo inerente aos pressupostos teóricos, no nosso trabalho iremos analisar as marcas do Pan-Africanismo e da Negritude nos poemas de Francisco José Tenreiro extraídos na obra de Manuel Ferreira intitulada No  Reino de Caliban II e alguns da Obra Poética[9] de Francisco José Tenreiro.

À luz dos nossos propósitos concernentes à identificação das marcas do Pan-Africanismo e da Negritude, seleccionámos alguns poemas que julgamos serem mais elucidativos, nomeadamente: “ ROMANCE DE SEU SILVA COSTA”(P.435),  “ROMANCE DE DAM MARINHA” (P.436), “CANÇÃO DO MESTIÇO” (P.437), “MÃOS”(P.438), “NÓS MÃE” (P.439), “CORPO MORENO” (P.442), “CORAÇÃO EM ÁFRICA” (P.443), do Reino de Caliban II e “ILHA DE NOME SANTO” (P.53), “AMOR DE ÁFRICA” (P.59), “SUM PADRE” (P.87) da Obra Poética.

3.1 MARCAS DO PAN-AFRICANISMO

No que diz respeito ao Pan-Africanismo, entre outras formas, assumiu, em geral, um apelo à unidade dos africanos e um apelo para o despertar do continente. Na nossa análise observámos que os fundamentos estéticos do Pan-Africanismo situam-se, sobretudo, nos poemas “MÃOS”, “CORAÇÃO EM ÁFRICA”, “AMOR DE ÁFRICA” e “ CORPO MORENO”.

Como forma de iniciarmos a nossa análise, procuramos, antes de mais, entender a atribuição dos títulos de alguns poemas em estudo que achamos serem mais sugestivos, como sejam: “CORAÇÃO EM ÁFRICA”, “AMOR DE ÁFRICA”, “MÃOS”.

Para os poemas “CORAÇÃO EM ÁFRICA” e “AMOR DE ÁFRICA” constatámos que o primeiro revela um sentimento de nostalgia pelo seu continente, pelo facto de o sujeito poético se encontrar na diáspora, como espelham os versos seguintes: “Saudades longas de palmeiras verdes, amarelas/ Pela metralha míope da Europa e da América”; no segundo título, o sujeito poético revela um sentimento de afectividade pelo continente quanto mais distante deste estiver, por exemplo: “Oh! Minha África ter-te no peito.../ “Esparso e vago amor de África/como uma manhã outonal de nevoeiros calmos sobre o Tejo.” Já o poema “MÃOS” simboliza a união dos africanos e a sua força motriz, a sua persistência, como sempre desejaram os Pan-africanistas[10].

No poema “MÃOS” (P.438), para além da sugestão do próprio título que, para nós representa a união dos africanos e a sua força motriz, o sujeito poético apresenta-nos as mãos africanas como trabalhadoras que, desbravando as terras são a fonte de riqueza, de produção de alimento, como observamos nos seguintes versos: “ Mãos que (...) encontram o orgulho de Benin// Para que dela nasça o inhame/ a matabala//o oiro da bananeira”.

O poema mostra-nos, na quinta estrofe, o poder, o impacto das mãos no continente espelhados nos países descritos no poema, bem como o apelo para a necessidade de despertar do adormecido continente, que acordou com a guerra: Mãos Zimbaué.../ Mãos Mali.../ Mãos Songhai.../ Mãos de África, minha bela adormecida, agora acordada pelo relógio das balas.” A enumeração dois países africanos e do termo África sustentam a presença da ideologia do Pan-Africanismo.

Já no poema “CORAÇÃO EM ÁFRICA” (P.443), o sujeito poético movido pela ideia do Pan-Africanismo, mesmo estando na diáspora, identifica-se com a causa africana da época, servindo-se de encavalgamento para demonstrar a sua posição em relação ao continente negro, como ilustramos nos versos seguintes: “ Caminhos trilhados na Europa/ de coração em África/ (...)/ saudade sentida de coração em África”.

Ainda no mesmo poema, o sujeito poético denuncia os males impostos pela escravatura, servindo-se, deste modo, da metáfora para expressar os seus sentimentos comparativos da vida passada nestes três continentes que, de alguma forma, trazem-nos à tona os manifestos do comércio triangular, como notamos nos versos a seguir: “Pela metralha míope da Europa e da América/ da Europa trilhada por mim negro de coração em África/ soluça a indignação que fez os homens escravos dos homens.”

O Pan-Africanismo está igualmente manifesto na última estrofe deste poema através da comparação abreviada e animismo, onde o sujeito poético mostra uma expectativa de ver a África livre da dominação colonial e a consequente convivência pacífica ao afirmar: “deixa-me acreditar que do desespero másculo de Picasso sairão pombas/ que, como nuvens voaram os céus do mundo de coração em África.” 

No poema observámos a presença da repetição a partir do segundo verso do poema “CORAÇÃO EM ÁFRICA” da expressão “de coração em África” repetida vinte e uma vezes. Ao nosso entender, esta repetição enfatiza quão é a ansiedade, o desejo, a saudade e a vontade de estar em África próximo dos seus compatriotas, por outro lado, constatámos que a repetição é um apelo aos africanos que se encontram na diáspora para regressarem às  origens.

Em “AMOR DE ÁFRICA” (P.59), faz um encaixe de esclarecimento em relação a ideia principal do poema, fazendo o uso de parênteses para fazer perguntas das quais não requer respostas – a interrogação retórica “(...) quem em ti está pensando de coração em África?” Esta África que se desespera pelo amor espalhado pelo mundo, este amor não visível pelo facto de os seus filhos estarem dispersos.

 O sujeito poético clama, assim no consumar da ideia do Pan-Africanismo. Este argumento é consubstanciado pelos seguintes exemplos: “difuso e translúcido amor de África” que, servindo-se de adjectivação, o sujeito poético demonstra a fraqueza deste amor por falta de união dos africanos e, serve-se também da perífrase para vincar a perda de vivacidade deste continente sem os seus filhos unidos, o exemplo a seguir  elucida este ponto de vista, “Amor pálido de África num céu de andorinhas mortas”, a África perdeu o brilho pela falta de unidade dos seus filhos.   

3.2. MARCAS DA NEGRITUDE

 

Após a abordagem que fizemos nos poemas de Francisco Tenreiro à busca das marcas do Pan-africanismo, faremos a mesma incursão em busca das marcas da Negritude em quase todos os poemas seleccionados.

Nesta parte do nosso trabalho privilegiamos o título do poema “ILHA DE NOME SANTO” que para nós representa a originalidade e isenção de que São Tomé se caracteriza e se reveste. Uma terra isenta dos males do mundo, terra rica pelo seu interior, a sua cultura, sempre pertença dos são-tomenses uma referência, sem dúvidas, da negritude.  

 

Comecemos por analisar em primeiro lugar o poema “ROMANCE DE SEU SILVA” (p. 435), onde notamos a presença do crioulo como forma de valorização da língua nacional manifestada em quase todo o texto, como podemos ver: “su calça não é fiozinho/ e sus moeda não tem mais ilusão!... ”. Ainda sobre as marcas da Negritude constatamos no mesmo texto o discurso satírico como arma de imposição e como estratégia de protesto e uma codificação etnocultural dos nativos face a presença do explorador “o branco - seu Silva Costa” que chega à ilha pobre com vontade de voltar à sua terra, mas que depois da exploração comercial de álcool do homem (escravatura) e de terra transforma-se num branco rico e sem vontade de voltar, vejamos: “Seu Silva Costa / chegou na ilha/ (…) / e vontade de voltar / / fez comércio di álcool / … di homem / di terra / / virou branco grande. ”  

 

No poema “ROMANCE DE SAM MARINHA” (P.436) registamos as marcas da Negritude representadas pela valorização da língua (o crioulo) bem como para enfatizar os modos de vida dos ilhéus, sustentamos esta abordagem com o seguinte exemplo: “ Sam Marinha / a quem menina foi norte / chegou naquele navio à ilha.”

Com o poema “CANÇÃO DO MESTIÇO” (P.437), a começar pelo título do poema “CANÇÃO DO MESTIÇO” notamos um marco não menos importante a afirmação da Negritude, a exaltação da mestiçagem que é enfatizado pelo refrão em todo o texto através do termo “mestiço”.

Ao longo do poema verificamos a marca da “negação” pela “recusa do outro”, manifestado pelo branco em relação ao mulato, este por sua vez, rejeita o branco e reconhece que se identifica mais com o negro do que com o branco, como podemos ver: “(…) / - mestiço! / a tua conta está errada. / Teu lugar é ao pé do negro / / Ah! / Mas eu não me danei…”.

 

Em “MÃOS” o sujeito poético realça a cultura negra através da menção de culturas agrícolas que são produtos provenientes das mãos do negro que trabalha a terra para alimentar a família, combatendo a fome, por ex: “Mãos cheias…/ para que dela nasça o inhame, a matabala adoçando os ventres das crianças e mulheres/ /…o oiro da banana”.

 

Mais adiante o sujeito poético, embora reconhecendo que as mãos pretas não inventaram a escrita nem a rosa dos ventos, (ciência invenção dos brancos), valoriza a forma sábia dos negros na sua forma tradicional de transmissão de mensagens de geração para geração, o que equivale as palavras telegrafadas dos brancos, por ex: “ Mãos pretas e sábias que nem inventaram a escrita nem a rosa dos ventos/ mas que da terra , da árvore…/ beberam as palavras dos coras… o mesmo é / dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em coração”.

O poema “NÓS MÃE” (P.439) exalta a dupla função que a mãe negra exerce como mãe de negros e mestiços, e, avó de brancos, mesmo com as dificuldades de opressão as quais a negra era sujeita, ex: “Oh!/ mãe de negros e mestiços e avó de brancos! // os teus seios deixaram de dar leite //… ao sentir o chicote”

Ainda no mesmo poema evoca-se o “tambor” que para além de ser simples instrumento da cultura negra – africana é sinónimo de desabafo, de encorajamento, de descanso que liberta o espírito humano do negro e alimenta-o de serenidade, ex: “ conheço o cansaço do corpo/ e se um dia não puderes mais/ feche os …/ Ui! Ouvirás o ressoar de um tambor… / o cantar altivo e sereno dos teus filhos”.

No poema “ AMOR DE ÁFRICA”(P.59) o sujeito poético revela o desejo da valorização do homem negro, exaltando as suas qualidades positivas, tal como nos revela o exemplo “ há rapazes pretos muito gentis, muito gentis, muito gentis”. Vemos neste verso a super- valorização do negro através da repetição insistente da expressão “muito gentis”

Na mesma perspectiva, conferimos as marcas negritudista no poema “SUM PADRE” (P.87), onde temos a presença do crioulo utilizado para evidenciar a linguagem popular próxima da oralidade, marca dos nativos  pouco ou menos escolarizados mas que pela necessidade de expressão de sentimento dos povos ilhéus a sua presença é irrevogável, por outro, observámos que o sujeito poético evoca as potencialidades agrícolas telúricas que até o padre mesmo sendo estrangeiro amava, por ex: “Sum padre chegou e amou na ilha/ como vai o seu quinté/… sua banana/…seu café?”

Ainda na busca das marcas da Negritude , no poema “ILHA DE NOME SANTO” (P.53), o sujeito poético serviu-se de metonímia para se referir a São Tomé (na atribuição do seu título) no qual, para além de ostentar o nome de um santo é uma terra cujo povo se esforça para ganhar a sua vida sem prejuízo do alheio.

 Entretanto, no mesmo poema, o sujeito poético faz a exaltação das potencialidades do país que, paulatinamente vão se minguando como ilustram os seguintes versos “ Terra!/ das plantações de cacao de copra de café de coco a perderem-se de vista”, fazendo o uso de enumeração. Nos versos “Onde as mulheres que têm os braços mais grossos e mais tortos que ocá//São negras como o café.../ numa ajuda toda de músculos”, o sujeito poético aponta aqui o poder que as mulheres representam com as suas mãos negras e junto dos seus homens incansavelmente trabalham a terra, como cultura do povo são-tomense em particular. Nestas passagens o sujeito poético aplica a comparação para evidenciar o ser negro e a perífrase para demonstrar o rigor do trabalho dos são-tomenses.

Ainda na mesma perspectiva de valorização da cultura de São Tomé e do seu povo, o sujeito poético recorre à aplicação de alguns termos ou expressões de raiz são-tomense, por exemplo, nos versos “ os negros as sangués os moleques os caçô/ Vêm no sòcòpé de uma sinhá”.

Ainda na senda da Negritude, o sujeito poético socorre-se da comparação ao dizer “ onde as noites estreladas/ é uma lua redonda como um fruto” com o intuito de revelar a alegria do “modus vivendu” consentida pela raça negra. O uso da hipérbole no verso “ é terra de homens cantando vida que os brancos jamais souberam/ é terra do safú do socopé da mulata” exalta a cultura negra isenta da influência da cultura europeia, ou seja, indissolúvel a cultura estrangeira.

No ultimo verso deste poema, o sujeito poético reitera a grandeza do poder do povo são-tomense que sempre demonstrou a lealdade e valentia na luta pela sua auto-afirmação, auto-afirmação esta sempre relegada pelos brancos que procuraram protagonismo na edificação de São Tomé o que o sujeito poético considera falsidade, “ – Ui! Fetiche di branco/ é terra de negro leal forte e valente que nenhum outro.”

O enaltecimento da língua local é feito pelo uso das palavras como, ocá, safú, caçô, sangués, sòcòpé, sinhá, di, que ao mesmo tempo evidenciam o espírito negritudista.

Tal como afirmamos nos pressupostos teóricos que  a Negritude convive com o Neo-realismo, constatamos que a sua presença é manifestada no poema “NÓS MÃE” (p.439) pelos maus tratos, pelo sofrimento da mãe negra que perde o brilho dos olhos pelo rasgar da carne provocada pelo chicote dado aos seus filhos, por ex: “Os teus olhos perderam o brilho / ao sentirem o chicote / rasgar as carnes duras dos teus filhos”.

Ainda sobre o Neo-realismo, no poema ““ROMANCE DE SEU SILVA” (p. 435)” o sujeito poético revela-nos a exploração perpetrada pela comercialização de tudo quanto estivesse ao alcance do colonizador (o branco Seu Silva Costa), desde os homens (a escravatura), o álcool e a terra, por ex:  “Seu Silva Costa / chegou na ilha/ (…)  / fez comércio di álcool / … di homem / di terra”.

A esfera do Neo-realismo co-habita com a Negritude no poema “CANÇÃO DO MESTIÇO” (p.437) onde, lamentavelmente observamos a presença da estratificação social através da atitude racista do branco que repele o mestiço por não ser igual a si, por ex: “ branco cheio de raiva/ … falou grosso: / - mestiço / teu lugar é ao pé do negro”.

CAPÍTULO IV

4.0 CONCLUSÃO E SUGESTÕES

 

4.1. CONCLUSÃO

Terminada a identificação e a análise das marcas do Pan-africanismo e da Negritude nos poemas de Francisco José Tenreiro,  por nós seleccionados nas obras: NO REINO DE CALIBAN II  OBRA POÉTICA, de Manuel Ferreira e Francisco José Tenreiro respectivamente. Concluímos que, nos poemas já referenciados na nossa análise, estão patentes de forma objectiva as marcas do Pan-africanismo e da Negritude. Estas marcas são elementos através dos quais o autor procura revelar o retrato quotidiano negro em São Tomé.

Neste contexto, está patente a manifestação de solidariedade fraterna entre africanos e gentes de ascendências africanas, numa pretensão de agrupar todos os negros numa só nação e por outro está evidente nos textos um conjunto dos caracteres psicológicos, mentais, culturais e específicos da raça negra.

Em suma, concluímos que os poemas de Francisco José Tenreiro exaltam a união africana, o negro, quer no aspecto linguístico, tradicional, cultural, bem como na sua economia (riqueza) e, por isso mesmo, podemos confirmar que as marcas do Pan-africanismo e da Negritude são predominantes nos textos analisados.

4.2. SUGESTÕES

Tal como recomenda o Programa de Português do Segundo Ciclo e, como referimos na nossa introdução que o Pan-africanismo e a Negritude são temas em estudo neste subsistema de ensino. Julgamos que o nosso trabalho poderá ser pertinente e contribuirá para os estudantes deste nível que irão compreender e ter uma visão ampla do mundo quer através de textos versificados, quer através de textos em prosa.

Sugerimos que os professores, em particular, os de Língua Portuguesa cultivem nos seus estudantes, sempre que possível, aspectos inerentes a sua identidade e como indivíduos que transportam consigo uma cultura e uma tradição.   

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AAVV, Dicionário de Língua Portuguesa, 1ªed., editorial verbo, Lisboa, 2006, P.846

AAVV, Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, Lisboa:Verbo.

AAVV, Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura, Lisboa: Editorial Verbo, 1984.

FERREIRA, Manuel, O Discurso no Percurso Africano I, 1ª ed. Lisboa: Porto Editora, 1989.

FERREIRA, Manuel, No Reino de Caliban II, 3ªed., vol. II, Lisboa: Plâtano editora, 1997

FREITAS, Gustavo, Vocabulário de História, 1ªed., Lisboa: Plâtano Editora, S/D, P.194.

GOMES, Aldónio e CAVACAS, Fernando, Dicionário de autores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, 2ªed. Lisboa: Caminho, 1997, P.84.

LARANJEIRA, Pires, A Negritude Africana de Língua Portuguesa, Porto: Edições Afrontamento, 1995

LARANJEIRA, Pires, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Lisboa: Universidade Aberta, 1995.

NGOENHA, Severino, Filosofia Africana: Das Independências às Liberdades, Maputo, edição paulista 1993.

PAZ, Olegário e MONIZ, António, Dicionário Breve dos Termos Literários, 2ªed., Lisboa: Editorial Presença, 2004.

TENREIRO, Francisco José, Obra Poética, Casa da Moeda, 1994.

 

 



[1] GOMES, Aldónio e CAVACAS, Fernando, Dicionário de autores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, 2ªed. Lisboa: Caminho, 1997, P.84.

[2] FERREIRA, Manuel, No Reino de Caliban II, 3ªed., vol. II, Lisboa: Plâtano editora, 1997.

[3] AAVV, Dicionário de Língua Portuguesa, 1ªed., editorial verbo, Lisboa, 2006, P.846

[4] NGOENHA, Severino, Filosofia Africana: Das Independências às Liberdades, Maputo, edição paulista 1993.

[5] FREITAS, Gustavo, Vocabulário de História, 1ªed., Lisboa: Plâtano Editora, S/D, P.194.

[6]LARANJEIRA, Pires, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Lisboa: Universidade Aberta, 1995.

[7] PAZ, Olegário e MONIZ, António, Dicionário Breve dos Termos Literários, 2ªed., Lisboa: Editorial Presença, 2004.

[8] AAVV, Dicioário de Língua Portuguesa Contemporânea, Lisboa:Verbo.

[9] TENREIRO, Francisco José, Obra Poética, Casa da Moeda, 1994.

[10] Tal como deixamos averbado nos nossos pressupostos teóricos.