A MALVADA

(Marcelo Rissato)

Seguia pelas ruas da cidade de Bragança Paulista o féretro daquela que havia sido uma das piores criaturas que já passara por aquelas terras. Muitos acompanhavam o enterro, não por gostarem dela, mas para terem certeza que estaria mesmo sendo sepultada. As pessoas pareciam felizes e nos semblantes se percebia certo ar de felicidade. Todos estavam contentes e exultantes com aquela morte, não parecia um funeral, no entanto uma festa. O mesmo acontecia com as autoridades municipais que o acompanhavam e do centro da cidade se ouviam rojões. Todavia no meio daquela multidão que seguia rumo ao cemitério municipal, estava Heloisa, uma garota de 12 anos que parecia ser o único ser neste mundo triste com aquele desaparecimento.
Tudo começou, quando essa mulher, misteriosamente apareceu na Estância Turística de Bragança Paulista, montou uma tecelagem e tinha como intuito se aproximar de Menelau, o Reitor da Unibra, a Universidade de Bragança. Após se conhecerem, aos poucos ela foi se infiltrando e se envolvendo com o próprio Reitor, mesmo ele sendo bem mais velho do que ela. Não demorou muito e misteriosamente Carolina, a esposa de Menelau morreu e aproveitando o ensejo, Helena se casou com ele. Ouviam-se rumores pela cidade de que Helena havia causado a morte de Carolina, porém não havia provas. No entanto, após o casamento ela começou a mostrar quem era realmente.
Helena era uma criatura mesquinha, dotada de um verdadeiro mimetismo animal, capaz de passar por cima de tudo e de todos para conseguir seus objetivos e era isso que estava fazendo. Foi ela que preparou um veneno letal e deu para Carolina que acabou morrendo e após seu casamento com Menelau, ainda não se sentia realizada e queria acabar com a vida dele por algum motivo que escondia.
A Universidade de Bragança era conhecida em toda a região por suas experiências com animais peçonhentos. Secretamente, certo dia Helena mandou um agente seu para Amazônia que conseguiu trazer um exemplar de um aracnídeo raro, dizendo que faria experiências para um antídoto. Sendo assim, junto a um especialista, fizeram o cruzamento dessa aranha com outra espécie, para que ela procriasse e pudesse assim surgir uma nova espécie muito venenosa; vários filhotes eram guardados num laboratório secreto da Unibra sem que ninguém soubesse, e mais uma vez ela coloca seu intento macabro em ação. "O que sua mente obscura estaria planejando agora?"
Helena pegou uma das aranhas e soltou-a sobre o corpo de Menelau, que acabou picando-o. Em pouco tempo aquele líquido fatal correu em suas veias e a vítima teve uma parada cardíaca vindo a falecer. Seu plano havia concretizado e ninguém desconfiava. Os investigadores da polícia chegaram à conclusão de que tudo havia sido um lamentável acidente. Se sentindo realizada, Helena se tornou a dona de tudo que era do marido.
Tudo não passava de um mirabolante plano que estava dando certo. Helena começou a mostrar para todos quem realmente era e pela cidade fazia muitas maldades. Cortou toda a ajuda que a Unibra dava para as pessoas carentes e cancelou as bolsas de estudos que Menelau sempre ofereceu aos alunos de baixa renda.
Membros da prefeitura tentavam um acordo com a reitoria da universidade para voltar ao que era, mas nada adiantava, suas atitudes eram irredutíveis, que foram causando certa revolta entre os habitantes de Bragança Paulista e as pessoas passaram a odiá-la cada vez mais. Suas malvadezas não paravam por aí. Por onde quer que passasse, fazia mal-criações e esnobava a todos, principalmente pessoas humildes que não tinham dinheiro, odiava o sol, as crianças, o ar, a lua, o dia e a noite e tudo mais. Nada era capaz de extrair um sorriso sequer daquela criatura, era mesquinha, negativa, alguém que simplesmente acordava de manhã e amaldiçoava tudo o que via pela frente, como se nutrisse um ódio por tudo e todos.
Certo dia, Helena fez uma viagem para São Paulo para visitar o Instituto Butantã. Num dos cruzamentos da cidade, estava parada com seu carro no semáforo e uma menininha muito mal-cuidada que estava tecendo um bordado num pequeno pedaço de pano, olhou bem em seus olhos e deixou cair deles algumas lágrimas.
A figura da menina e suas lagrimas a deixou comovida e em sua mente vinha algumas imagens de outra garotinha que havia parado num semáforo daquela mesma cidade e quando a garota da imagem se aproximou de um carro o homem que estava no volante, sacou uma arma e atirou contra ela, acertando seu pé. Ao se recordar dessas imagens, mais que depressa tomou uma decisão inusitada, chamou a garotinha para perto de seu carro e a convidou para morar com ela. A menina, meio amedrontada ainda, entrou no carro sem questionar.
No caminho até Bragança, a menina disse que se chamava Heloisa e contou toda sua história, que foi abandonada pelos pais e que trabalhava no farol para se sustentar, uma vez que não tinha casa e morava num viaduto no Parque Dom Pedro. Dos olhos de Helena saíram algumas lágrimas, parecia que aquele episódio era a única coisa que havia comovido aquela mulher que até então sempre demonstrou ser uma criatura cruel com todos, no entanto rapidamente limpou aquelas lágrimas e prometeu para si mesma que nunca iria fazer qualquer tipo de maldade com aquela criança.
Helena era má, mais do que má, era uma verdadeira cobra peçonhenta, uma víbora que só sabia fazer maldades e não obtinha a amizade de ninguém, já que só conseguia o ódio das pessoas e nunca conseguiu demonstrar um ato de bondade, parecia que aquela garota era sua parte boa e que poderia até salvá-la de seus atos.
Em Bragança, corria um boato pela cidade de que Helena havia adotado uma menina, entretanto ninguém acreditava que ela poderia fazer isso e as pessoas imaginavam que poderia existir algo por trás daquela adoção. Aparentemente não tinha e parecia um ato de compaixão daquela dura mulher. Por onde quer que fosse, levava a garotinha e dava de tudo para ela, mas não era capaz de uma ação de bondade com nenhuma outra pessoa, nem mesmo com outra criança. As pessoas não sabiam o que se passava por sua cabeça, e nem mesmo ela sabia por que fazia aquilo com Heloisa, uma vez que a criança era o único ser desse mundo que conseguia extrair algo de bom daquela criatura.
Na escola, Heloisa era discriminada pelas outras crianças, por ser filha da "malvada", mas isso não diminuía o amor que aquela menina sentia pela mãe, essas atitudes só fazia o ódio de Helena aumentar ainda mais pelas pessoas daquela cidade, que além de não gostarem dela, agora ignoravam sua filha.
Um dia, Heloisa percebeu um sinal no pé de sua mãe e questionou o que aconteceu. Helena contou que há muito tempo levou um tiro de um homem num semáforo da cidade de São Paulo. Disse também que não tinha família e morou na rua durante muito tempo e que depois de muito tempo, encontrou aquele homem do farol, mas que agora ele estava morto e que nunca mais iria fazer nenhum mal a nenhuma outra criança e em sua mente vinha a imagem de Menelau e da aranha picando seu corpo, depois surgia a imagem do enterro de Menelau e sua face evidenciava um ar de vingança. Cinco anos passaram e as coisas não mudaram, até que um dia o gerente do banco visitou a reitora da Unibra e disse que a situação da Universidade não era boa, já que em virtude de suas maldades, as pessoas não prestavam mais o vestibular na Universidade e procuravam outras Instituições de ensino, fazendo com que a universidade fosse de mal a pior. Como Helena havia se prevenido sobre isso, fez um desfalque na Unibra, depositou todo o dinheiro num banco na Suíça e numa certa tarde, saiu de sua casa, deu um beijo em Heloisa que já tinha 12 anos, pegou seu carro e seguiu rumo a Atibaia, mas no percurso, o carro perdeu o controle e bateu de frente com um caminhão e se incendiou, causando sua morte.
Após sua morte, as pessoas da cidade se sentiram aliviados, uma vez que aquela mulher que havia feito tanto mal a muitas pessoas, não estava mais lá, contudo as coisas não ficaram boas para Heloisa, que foi procurada pelo gerente do banco e esse lhe contou a situação em que se encontrava o patrimônio deixado por Helena. Estava tudo perdido, a Unibra, a casa e tudo o que era de sua mãe entrara em leilão, menos a tecelagem que Helena havia passado para o nome de Heloisa, como garantia se acontecesse algo com ela. Heloisa foi procurada pelo juizado de menores, mas a garota que não tinha mais parente ficou sob a tutela provisória desse juizado.
O Governo do Estado de São Paulo acabou assumindo a Unibra a transformando na Universidade Estadual de Bragança Paulista - Unesbra. Para os estudantes, foi melhor, o custo seria bem menos e iniciaria novos tempos naquela universidade.
O tempo passou e sete anos depois, Heloisa estava com 19 anos, estudava na Unesbra, fazia o curso de zoologia, trabalhava no zoológico municipal com animais e transformou a tecelagem numa grande empresa, já que seus bordados ficaram famosos e passou a exportá-lo para muitos países.
Heloisa era uma pessoa muito boa de coração e amava muito sua mãe. Mesmo depois de vários anos de sua morte, as pessoas não se esqueciam das coisas que Helena havia feito por lá, e sempre demonstravam esse ódio para a garota.
As pessoas pareciam que queria se vingar de Helena, mas como ela não estava mais por perto, entornava todo seu ódio na garota, que não sabia a razão de tudo aquilo, já que Helena sempre foi muito boa com ela.
Heloisa era discriminada por todos, inclusive pelos próprios alunos de sua sala de aula e os trabalhos escolares, sempre executava sozinha, já que nenhum outro aluno queria fazer com ela. Isso a deixava um tanto triste e mesmo sendo uma pessoa muito boa, desenvolvia dentro de si um sentimento de vingança e uma maldade nascia naquele coração que até então só pensava no bem. Imaginou que a morte de sua mãe poderia ter sido provocada por alguém que não gostava dela e se descobrisse algo que comprovasse o assassinato, se vingaria da pessoa.
O desígnio macabro de Helena passava para a filha, que começou a assassinar as pessoas que nutriam sentimentos de repulsa de sua mãe. A garota soltava uma aranha venenosa sobre o corpo da vítima e a eliminava sem nenhuma piedade, foi assim com uma professora, uma amiga de classe e até com o prefeito da cidade.
Certa pessoa começou a observar os passos de Heloisa e a viu quando soltou a aranha no gabinete do prefeito Carmo Munhoz, causando sua morte. Essa pessoa ficou horrorizada com aquela notícia e resolveu procurá-la em sua casa. Heloisa ao recebê-la ficou muito surpresa quando a mulher disse que era sua mãe e que não morreu, mas se revoltou com aquela mulher acreditando que fosse alguém se passando por Helena, tentou agredi-la e a mandou embora. Helena explicou o que aconteceu, porém não conseguiu credibilidade, deixou o endereço de onde estava e foi embora.
Muito perturbada, Heloisa pensou em procurar aquela mulher, mas antes foi à polícia e contou que havia uma mulher querendo se passar por sua mãe que morreu. A polícia a procurou e descobriu que ela era realmente Helena e a prendeu. Heloisa ficou sabendo do que aconteceu e foi a delegacia visitá-la e após esclarecimentos revelou que havia forjado sua morte para sumir daquela cidade e daquelas pessoas que a odiavam e que quando descobriu que suas maldades haviam transformado aquela doce garotinha numa pessoa mais peçonhenta do que ela resolveu voltar, entretanto não queria que a situação tomasse aqueles rumos.
A polícia abriu inquérito por Helena ter forjado sua própria morte e agora teria que responder um processo. Com a ajuda de um advogado, conseguiu fazer em liberdade e foi para casa da filha.
Em meio a todos esses acontecimentos, as aranhas que Heloisa havia soltado pela cidade, se refugiavam em tocas pelos terrenos baldios e iam se reproduzindo, formando uma verdadeira cidade cercada por aquela praga. Pela cidade começavam a acontecer mortes e as autoridades municipais não sabiam o que estava acontecendo e de onde estavam vindo essas aranhas, que cada vez se reproduziam.
Heloisa não perdoava Helena por tê-la deixado e desaparecido deixando-a sozinha naquela cidade quando ainda era uma criança. Helena tentou explicar, contudo foi em vão. Depois tentou remediar a situação dizendo que transformou a tecelagem numa grande empresa e que seus bordados ficaram famosos. Heloisa disse que graças a seu esforço conseguiu sobreviver esse tempo e que se a tecelagem tivesse ficado com sua mãe, teria falido como aconteceu com a Universidade. Essas palavras tiveram um peso muito duro para Helena, que já estava amolecendo seu coração, porém ao ouvir isso disse que sempre bordou e que os seus bordados sempre foram excelentes.
Heloisa propôs uma disputa, que cada uma pegasse um mesmo tamanho de tecido e começasse a bordar e que o melhor bordado vencesse e aquele que vencesse, ficaria com a tecelagem e a perdedora teria que ir embora da cidade.
Helena aceitou e começaram a bordar. Depois de certo tempo, acabaram e compararam os bordados e a surpresa, o de Heloisa foi o melhor.
Tão perfeita foi a obra de Heloisa que não conseguiu encontrar nela a mínima falha. Irada, Helena rasgou a tecelagem em pedaços e golpeou sua filha na cabeça. Heloisa ficou muito triste e, não suportando a dor, passou um fio em seu pescoço tentando se enforcar. Mas Helena teve pena, ao saber o que sua cólera havia provocado, salvou sua filha do enforcamento, e por alguns segundos a suspende no ar dizendo:
_Você tem má índole e é vaidosa, entretanto tenho que respeitar sua arte. Não admito que morra. Porém você e seus descendentes viverão sempre assim, suspensos o tempo todo e poderá continuar tecendo os tecidos mais belos e finos de todo o mundo, mas muito longe de meus olhos. Essa foi a maldição.
Heloisa saiu desesperada e fugiu depois de ouvir a anátema que sua mãe rogou sobre ela. O tempo começou a fechar e a dar umas trovoadas e se iniciou uma tremenda tempestade. Vários pontos de Bragança Paulista ficaram alagados e algumas barreiras caíram sobre as rodovias isolando a cidade. Ninguém conseguia entrar nem sair dela e após a noite inteira e o dia inteiro de tempestade, as águas começaram a baixar.
A tempestade parecida uma maldição, já que, foi depois que Helena amaldiçoou sua filha que começou tudo aquilo e Heloisa desapareceu jurando vingança. Após as águas baixarem, as tocas das aranhas ficaram alagadas e elas começaram a sair se espalhar pela cidade e a fazer vítimas. A cidade ficou isolada e as pessoas estavam em pânico.
As aranhas entraram pelo esgoto da Companhia de saneamento de Bragança e várias aranhas foram à CESP e andaram pela fiação da companhia energética da cidade causando um grande curto circuito, deixando a cidade inteira sem energia. As ruas ficaram desertas e a cidade entrou em estado de calamidade pública.
Através de uma denúncia, a polícia conseguiu descobrir que as aranhas estavam vindo das margens da represa de Piracaia e junto a alguns pesquisadores, seguiram para lá e queimaram toda a vegetação naquelas redondezas, acharam um buraco com vários ovos e destruíram tudo, mas uma aranha, a maior de todas saiu dali e seguiu para a cidade de Bragança Paulista.
Helena entrou na tecelagem e sentou-se à mesa da diretoria, se sentindo realizada, porquanto se lembrou de quando acabou com a vida de Carolina, de Menelau e depois a lembrança dos momentos felizes que passou com sua filha, porém o ódio tomou conta de sua alma, quando se recordou da disputa que teve com Heloisa e disse para si mesma que agora ela era a melhor e que ninguém iria atrapalhar sua vida, uma vez que depois do desaparecimento da jovem, acreditou que ela iria tecer seus bordados num lugar muito distante dali e que nunca mais voltaria a perturbá-la.
Em meio a esses pensamentos, uma enorme aranha entrou na sala principal da tecelagem, se aproximou de Helena que ao ver tamanha criatura, recuou. A aranha lentamente aproximou-se e quando estava bem próxima, saltou e grudou no pescoço de Helena, ferroando-a, causando instantaneamente sua morte.
Aquela aranha assassina teceu uma enorme teia que se iniciou em cima do corpo de Helena e espalhou por toda aquela sala, numa cena realmente macabra. A maldição parecia ter se concretizado, e aquela que havia sido a pessoa mais malvada de todas aquelas terras, agora realmente estava morta e Heloisa estava vingada.
A aranha saiu daquela sala e foi embora como se tivesse cumprido uma missão e seguiu seu caminho tecendo muitas outras teias, sempre com uma perfeição incomparável.
Muito tempo depois, uma lenda se espalhou por Bragança Paulista e redondezas. Era a lenda de Aracne e Atena e diziam que Heloisa era a mortal Aracne e depois da maldição de Helena, que comparada à deusa grega Atena, se transformou numa enorme aranha, matou sua mãe se vingando e que até hoje tece suas teias por todo o canto, como se tivesse sido designada a viver assim por toda a eternidade.



A MALVADA