Ninguém podia abrir a mala confiada por longos 40 anos à dona Corina, que a protegia da curiosidade dos filhos e netos com toda a força de autoridade que os pais tinham sobre os filhos naqueles anos. A honestidade para esse povo era qualidade imperativa. A mala era de Mário Barros, o primeiro amigo que conquistaram ao chegar ao Estado do Pará, quando migraram de terras nordestinas.
No sótão do galinheiro, lá estava a empoeirada maleta de madeira, que as teias de aranha já engrossavam pelos muitos anos ali acumuladas. A pequena e frágil escada de madeira que permitia o acesso também já se deteriorava pela ação do tempo e estalava quando ele subiu para observar as galinhas que lá chocavam seus ovos. O menino curioso queria apenas observar o trabalho que as galinhas tinham para trazer ao mundo aquelas ninhadas fartas de pintinhos que piavam incessantemente.
Todo cuidado era pouco para não assustar as galinhas "chocadeiras", por isso deslizava como uma lagartixa, muito atento para perceber com antecedência a presença de qualquer inseto peçonhento e evitar movimentos bruscos. O menino viu a mala que parecia falar alguma coisa como num desses filmes em que alguém descobre um tesouro. E a curiosidade como um imã os aproximava, aquele momento era extasiante, e uma mistura de heroísmo com subserviência dava ao episódio uma esfera de inexplicável excitação como o sentimento de um pirata desbravador.
? Vovó, vovó, eu já sei o que tem dentro da mala do seu Mário Barros.
? Não diga que abriu aquela mala. Eu falei pra não mexer. Aquelas coisas não são nossas, meu filho, nem quero saber o que tem dentro dela. Você não tirou nada de lá, tirou?
? Não vovó, eu só queria saber o que tinha. Agora já sei.
Com o passar dos dias a curiosidade dos outros membros da família aumentava para saber o que havia dentro da mala, mas o menino ajudava a avó a prosseguir com o segredo. Apenas meses depois e muita negociação os outros netos conseguiram também ver o misterioso conteúdo da velha maleta.
Quando todos souberam o que havia na mala se deu início à partilha que nunca aconteceu. Dona Corina protegeu os modestos bens dos seus amigos, mesmo não sabendo o seu paradeiro. Hoje já se conta meio século a guarda da mala e todos ainda respeitam a soberania da amizade e do respeito que ela ensinou a toda a família.