A MAIORIDADE PENAL E A DELINQUÊNCIA JUVENIL: UMA VISÃO CRIMINOLÓGICA E NEUROCIENTÍFICA

                                                                                  Ramon de Araújo Bezerra Pedrosa

                                                           Resumo

            Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre uma conduta típica e ilícita perpetrada pelo agente. Como elemento integrante do conceito de culpabilidade vigente no direito penal brasileiro, a imputabilidade configura a possibilidade de se atribuir o fato típico e ilícito, desde que estejam presentes os aspectos intelectual (capacidade de entender a ilicitude do ato) e volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento) na conduta do agente. Nesse sentido, o presente trabalho propõe-se a rediscutir o tema da inimputabilidade por imaturidade natural, analisando a delinquência juvenil, como modalidade peculiar de crime praticada por menores e sem aparente motivação, pela ótica da Criminologia e da Neurociência e oferecendo, com base nos resultados obtidos, um posicionamento sobre a diminuição etária da inimputabilidade penal.

Palavras-chave: Maioridade Penal. Delinquência Juvenil. Criminologia. Neurociência.

Sumário: 1. Introdução; 2. A teoria da subcultura delinquente; 3. Uma possível explicação para a subcultura delinquente

   

1-      INTRODUÇÃO

 

De autoria do ex-senador mineiro José Roberto Arruda, tramita no Senado Federal proposta de emenda à Constituição (PEC 20/99) visando à mudança na redação do art. 288 deste diploma. Pela alteração, os menores entre 16 e 18 anos, hodiernamente imunes às sanções de cunho penal, considerar-se-iam doravante idôneos a sofrer as consequências jurídico-penais dos crimes aos quais derem causa, seja na condição de autor, seja como mero partícipe no ato ilícito, quando demonstrem suficiente maturidade psíquica e emocional. Trata-se de matéria eventualmente suscitada pelos meios de comunicação nos momentos em que se tem notícia de algum crime brutalmente perpetrado por um menor. Conquanto sustentada fortemente pela opinião pública de um modo geral, a tese encontra-se dividida entre juristas e estudiosos do Direito, com renomados defensores de um lado (Fernando Capez, Éder Jorge, Paulo José da Costa Júnior), e outros tantos contrários à medida (Luiz Flávio Gomes).

Pela legislação em vigor, em virtude do estabelecimento da maioridade penal em 18 anos, subsiste a presunção absoluta (isto é, que não comporta prova em contrário) que o indivíduo abaixo dessa faixa etária, mesmo tendo praticado os mais bárbaros atos, não possui compreensão suficiente de suas ações. Em consequência, o menor praticante de atos infracionais poderá se sujeitar - levando em conta as circunstâncias e a gravidade da infração - a medidas socioeducativas relacionadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que vão desde a simples advertência até a internação em estabelecimento educacional, que não poderá todavia exceder o limite de três anos, devendo o adolescente infrator ser avaliado e, se necessário, colocado em regime de semi-liberdade ou liberdade assistida. Os defensores da redução da maioridade penal, em suma, argumentam que tais medidas seriam demasiadamente brandas, sobretudo o limite de tempo máximo em que o adolescente poderia ficar internado, de forma que o Estado, nos dizeres de Fernando Capez[1], estaria “concedendo uma carta branca para que indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes, bárbaros”. Além disso, outros como Paulo José da Costa Júnior[2] afirmam que o progresso científico dos tempos atuais, juntamente com o advento de novos valores e costumes, têm fomentado certa precocidade no desenvolvimento psíquico do jovem, o qual, “mergulhado no oceano de informações que caracteriza a era digital”, já possui plena capacidade para orientar-se diante da prática de crimes.

Consentindo com os mencionados juristas quanto ao curto prazo máximo de internação fixado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Luiz Flávio Gomes[3] sugere, contudo, comedimento no momento de aplicação de punições a menores infratores, rejeitando a solução encontrada pelo Direito Penal italiano, o qual permite a adoção de sanções de natureza penal a maiores de 14 anos, desde que se comprove a aptidão do adolescente em querer e poder, a ser aferida caso a caso. Ademais, aduz o ilustre jurista que deve o limite de três anos ser ampliado, assim como extinto o critério de liberação compulsória completados 21 anos de idade, tratando-se de menor com grave desvio de personalidade e na hipótese de execução de crimes com morte violenta.

Com efeito, longe de pôr um fim à questão, o presente estudo propõe-se a analisar a delinquência juvenil - modalidade de crime marcada pela aparente ausência de motivação - sob um prisma comumente ignorado pelos juristas: o enfoque do tema através da Criminologia e da Neurociência, em consonância com as recentes descobertas científicas sobre o desenvolvimento do córtex cerebral e do sistema límbico no corpo humano e sua possível relação com a prática de crimes por menores, oferecendo, com base nessas conclusões, um posicionamento sobre a diminuição da maioridade penal. Embora não restem dúvidas quanto à importância da interdisciplinaridade no aperfeiçoamento do estudo do Direito (e mesmo na prática forense) o desinteresse que predomina nos operadores do Direito resulta em grande parte do apego despropositado ao dogmatismo jurídico, olvidando ou renunciando às explicações oferecidas pelas demais ciências humanas sobre o comportamento humano e o fenômeno social, a tal ponto que se impede enxergar além dos muros próprios da dogmática.

Nesse sentido, o presente estudo encontra respaldo na brilhante lição de Genival França[4]: “O julgador tem de ser, antes de tudo, um cientista do comportamento humano. O julgador não pode ser apenas um frio executor de decisões contra atividades antissociais, prendendo infratores da lei. Julgar um homem sem conhecê-lo é uma forma indisfarçável de ‘charlatanismo jurídico’, simplesmente porque cada delinquente é tão diferente dos outros como desiguais e complicadas são as suas próprias infrações. Mais importante do que os homens conhecerem a Justiça é a Justiça conhecer o homem”.

2 – A TEORIA DA SUBCULTURA DELINQUENTE

Uma conhecida classificação adotada pelos criminologistas costuma dividir as teorias criminológicas em dois grandes grupos: as teorias macro, que buscam explicar o crime e suas variações mediante uma perspectiva mais ampla e geral (v.g. o crime no mundo ou em uma sociedade), e as teorias micro, que se restringem apenas a um grupo de infratores ou a um crime em específico. Tratando-se o presente estudo de uma análise sobre a delinquência juvenil, concentraremos nossa pesquisa, portanto, em torno do segundo ordenamento de teorias criminológicas[5]. Nestes termos, iniciaremos nossa abordagem com a apresentação da teoria da subcultura delinquente. 

Para entender o conceito de “subcultura delinquente”, termo originalmente cunhado por Albert Cohen em seu livro Delinquent boys: The Culture of the Gang (1955), é necessário primeiro definir o que vem a ser cultura. Nas palavras do eminente autor, a palavra refere-se ao conhecimento, crenças, valores, códigos, gostos e preconceitos que são tradicionais nos grupos sociais e que são adquiridos pela participação nesses mesmos grupos. Deste modo, a linguagem norte-americana, os hábitos políticos, o apreço por hambúrgueres e Coca-Cola e a aversão à carne de cavalo são elementos que fazem parte da cultura ocidental. Contudo, deixa claro que a noção de cultura não é restrita ao modo de vida em larga escala, a nível nacional, ou em sociedades tribais. Toda sociedade é internamente diferenciada em inúmeros subgrupos, cada qual dispondo de maneiras de pensar e de viver que são peculiares em si. Essas “culturas dentro de uma cultura” são as subculturas[6]. No Brasil, para ilustrar, podemos visualizar diferentes sotaques, folclores, vestimentas e comidas que são típicas de certas subculturas. Haveria ainda, segundo ele, subculturas dentro de uma mesma subcultura específica. Assim, existe a subcultura da empresa e a da loja da empresa; a subcultura da universidade e a da fraternidade dentro da universidade; a subcultura da vizinhança e a da família, do gueto e das gangues situadas nessa vizinhança. Todas essas subculturas teriam um elemento em comum: são adquiridas somente pela interação com os indivíduos que já compartilham no seu pensamento e nas suas ações esse padrão cultural[7].

Por seu turno, a subcultura delinquente traduz-se num comportamento transgressor atribuído a grupos de jovens de baixa renda, moradores de bairros periféricos das grandes cidades, determinado “por um subsistema de conhecimento, crenças e atitudes que possibilitam, permitem ou determinam formas particulares de comportamento transgressor em situações específicas[8]”. É o modo de vida das gangues de jovens, cada vez mais presentes no cotidiano. Nesse momento, é preciso deixar assente que a teoria da subcultura delinquente, como pertencente à categoria micro de teorias criminológicas, não se propõe a explicar toda a criminalidade juvenil, senão apenas algumas modalidades de delitos praticados por jovens infratores em contextos específicos, a exemplo da delinquência juvenil.

Para Cohen, o comportamento transgressor gerado a partir da subcultura delinquente (que não abarca toda a criminalidade juvenil) dispõe de características peculiares que as distingue do comportamento exposto pelos criminosos adultos por ocasião da prática de infrações semelhantes, sendo elas: o não-utilitarismo, a malícia e o negativismo[9].

Como regra, a lógica nos faz presumir que por trás de todo delito existe um motivo racionalmente justificável. Quando um indivíduo subtrai um objeto qualquer, é natural pressupor que o faz porque poderá lhe trazer algum benefício, direta ou indiretamente. Neste caso, o furto seria unicamente o meio para se obter o fim, qual seja, a posse de um objeto de valor, revelando dessa forma uma lógica racional e utilitária. Entretanto, uma grande quantidade dos furtos perpetrados pelas gangues de jovens aparentemente não apresenta motivação alguma. Por vezes, mesmo quando o valor do objeto constitui por si só a finalidade do crime, os frutos auferidos não compensam, em verdade, com os riscos inerentes ao delito. São cometidos, portanto, para utilizar a expressão empregada pelo próprio Cohen, “for the hell of it” (significando algo como “apenas pela emoção, sem nenhum motivo em particular”)[10]. Em depoimento colhido pelo sociólogo Frederic M. Thrasher e descrito em clássico estudo sobre vandalismo na cidade de Chicago, podemos facilmente visualizar o não-utilitarismo ínsito dessas ações: “Nós fazíamos todo tipo de travessuras apenas pela diversão. Víamos uma placa com os dizeres, ‘Por favor mantenha a rua limpa’, mas nós a derrubávamos e dizíamos, ‘Não queremos vê-la limpa’. Um dia pusemos uma lata de cola no escapamento de um carro qualquer. Aquilo nos fazia rir e sentir bem, ter muitas piadas a contar”[11].

Outro elemento característico dos atos cometidos em face da perspectiva da subcultura delinquente é a presença de certo grau de malícia. Nesse sentido, as gangues de jovens parecem exibir uma hostilidade gratuita dirigida aos jovens “bons” (isto é, aqueles adolescentes que não apoiam ou reforçam o vandalismo), bem como contra os próprios adultos, demonstrando um prazer em desconcertar e constranger as outras pessoas. Este comportamento pode ser observado nos “bullies” (ou “valentões”), que correspondem aos grupos de garotos que costumam importunar os mais novos através da violência física e psicológica, e para os quais as regras impostas pelos professores e pelas instituições de ensino devem ser desobedecidas. Tudo isso implica ainda certo “negativismo”, uma vez que a subcultura delinquente não estabelece só um conjunto de regras, mas um modo de vida oposto, ou até mesmo em conflito, com as normas vigentes na sociedade. Conforme alude o autor, pelos padrões instituídos pela subcultura do grupo, a conduta do delinquente é tida como a correta precisamente porque é a errada dentro dos padrões eleitos pela coletividade[12].

Por derradeiro, ao descrever o que poderia ser concebido como o modus operandi da subcultura delinquente, Cohen aponta ainda sua versatilidade. De todas as ações antissociais executadas pelas gangues, o furto/roubo talvez seja a mais comum. Todavia, tratam-se de subtrações voltadas para os mais diversos objetos, sem que haja uma especialização de fato, muitas vezes acompanhadas de  vandalismo, ao contrário do que ocorre em infrações semelhantes dessa vez praticadas pelos “adultos” [13]. Enquanto os criminosos adultos, organizados em quadrilhas, especializam-se em assaltos contra bancos, lojas, carros, transportes coletivos, ou mesmo pessoas distraídas no meio da rua, as gangues parecem optar por diversificar suas ações contra vítimas e objetos diversos.

Ante o exposto, resta-nos a seguinte indagação: Por que os jovens estão se tornando tão violentos e agressivos, demonstrando por vezes insensibilidade no trato com outras pessoas e indiferença com as consequências dos seus atos? Seria algo próprio dos novos tempos? O que os leva a agir dessa maneira? Como podemos combater essa propensão à desordem e sua possível inclinação ao mundo do crime? Há de se advertir que a subcultura delinquente não é exclusiva das camadas sociais menos favorecidas, haja vista as frequentes publicações nos telejornais de notícias como a dos cinco jovens de classe média que incendiaram o índio pataxó Galdino Jesus, em abril de 2007.

Na época em que o criminologista americano Albert K. Cohen publicou Delinquent Boys: The Culture of The Gang, em 1955, a tecnologia até então não permitia um estudo mais aprofundado do desenvolvimento cerebral humano, impossibilitando maiores explicações sobre certos tipos de comportamento. Nos últimos dez anos, contudo, os cientistas, valendo-se dos avanços tecnológicos em ressonância magnética (MRI), descobriram que os cérebros dos jovens são muito menos desenvolvidos do que previamente se acreditava[14].

3 – UMA POSSÍVEL EXPLICAÇÃO PARA A SUBCULTURA DELINQUENTE

A adolescência é, por definição, o período de transição entre a infância e a idade adulta. Durante essa fase, o indivíduo passa por inúmeras mudanças no corpo, um processo no qual as emoções, os hormônios, a consciência, o corpo e a própria identidade estão de tal modo numa metamorfose que os pais e mesmo os especialistas têm dificuldade para compreendê-la inteiramente. As sociedades tendem a reconhecer as limitações próprias da adolescência e, dessa forma, buscam restringir certos direitos normalmente facultados aos adultos, como o direito ao voto, a licença para dirigir, contrair matrimônio, consumir bebidas alcoólicas, celebrar contratos e etc.

Quanto à aplicação de sanções de cunho punitivo por atos infracionais cometidos por adolescentes também subsiste um tratamento especial, diferente daquele imputado aos adultos. Destarte, há uma presunção legal segundo a qual o jovem, justamente por se encontrar num estágio de amadurecimento psíquico, não possui desenvolvimento mental suficiente para entender por completo o caráter ilícito do ato perpetrado. Assim sendo, resta a seguinte dúvida: a partir de que idade o indivíduo já possuiria, seguramente, a capacidade para realizar um ato, seja ele qual for, com pleno discernimento?

Até poucos anos atrás, era um consenso geral a ideia segundo a qual a maior parte do desenvolvimento cerebral humano sucederia nos primeiros anos de vida. Na última década, porém, com os avanços tecnológicos alcançados em mapeamento do cérebro, mormente em ressonância magnética (MRI), sabe-se que essa assertiva já não é completamente verdadeira. Hoje, ciente das novas descobertas, é de comum acordo dos neurocientistas o entendimento de que o processo de maturação do cérebro – principalmente no córtex pré-frontal e no sistema límbico - continua a se desenvolver ainda no decorrer da adolescência, e até os vinte ou trinta anos[15].

O córtex pré-frontal é uma região do cérebro localizada no lobo frontal e responsável pelo controle das mais complexas funções cognitivas, como a tomada de decisões, planejamento a médio e longo prazo, inibição de comportamentos inapropriados e a capacidade para prever as consequências de ações ou eventos. Está também envolvida na habilidade para interagir socialmente, no sentimento de empatia e no processo de autoconhecimento, notabilizando-se por ser a última região do cérebro a se desenvolver de forma a amadurecer completamente por volta dos vinte e poucos anos de idade[16]. À medida que os lobos frontais vão progredindo até atingir a completa maturação, a capacidade para regular os impulsos e desejos também vai avançando. Logo, a imaturidade do córtex pré-frontal poderia ser uma explicação para as ações inconsequentes tão típicas dos adolescentes, bem como para a dificuldade que os jovens têm de levar em consideração o ponto de vista de outras pessoas. Se considerarmos essa proposta como verdadeira, no entanto, concluiríamos que as crianças, cujos lobos frontais são ainda menos desenvolvidos, comportar-se-iam de maneira mais inconsequente do que os adolescentes. Então, o que mais poderia estar envolvido nesse processo de amadurecimento?[17]

 Ao contrário do córtex pré-frontal, que se desenvolve lentamente no curso da adolescência, o sistema límbico já se encontra quase completo no início da juventude. Essa região do cérebro está envolvida no processamento das emoções e das forças motivacionais (dentre elas, a sensação de recompensa após a prática de certos atos arriscados)[18]. Os experimentos realizados com ressonância magnética têm mostrado que a ação de expor-se ao perigo com vistas a alcançar certas recompensas intensifica as atividades no sistema límbico, sobretudo nos adolescentes. Isso significa que quando o ato de assumir riscos possui um incentivo emocional, como a admiração dos outros jovens, o sistema límbico do indivíduo é também sensivelmente estimulado por esse fator emotivo. Na adolescência, portanto, o sistema límbico, como circuito neuronal movido pelas emoções e perigos, sobrepõe-se ao córtex pré-frontal em desenvolvimento, cuja função seria justamente conter essa propensão do indivíduo à tomada de riscos[19].

Para esse comportamento característico dos jovens existe uma explicação que remonta à evolução biológica da espécie humana. Na maioria dos mamíferos, a adolescência é o período no qual os indivíduos abandonam a segurança do ambiente familiar e partem à procura de parceiros sexuais e de uma estrutura social fora do lar. É, assim, o momento em que o indivíduo necessita se tornar independente de seus genitores e é obrigado a se adaptar a novos ambientes. Para que assuma uma postura tão destemida, seria imprescindível a presença de algum mecanismo biológico que proporcionasse uma indiferença psíquica aos potenciais riscos existentes no mundo selvagem. Se isso não acontecesse, o indivíduo jamais sairia do lar para procriar e fomentar a variação genética[20].  

Tudo isso confirma nossa ideia de que essa aparente afronta dos jovens em relação ao mundo adulto decorre naturalmente do processo de formação da identidade. A adolescência é uma fase na qual o indivíduo procura consolidar o seu espaço na comunidade, unindo-se por vezes em grupos notabilizados pelos gostos musicais, pelo vestuário peculiar, pela adoção de cortes de cabelo alternativos, tatuagens, piercings e diversas outras indumentárias. Entre esses grupos podemos destacar aqueles que possuem um comportamento classificado como moderado (não obstante, radical), a exemplo dos punks, hippies, beatniks, clubbers, e outros conhecidos pela prática corrente de vandalismo, entre eles os hooligans e os skinheads.

Ressalte-se que o fenômeno da adolescência não é algo recente, exclusivo dos novos tempos. A propósito, existem várias descrições históricas que esboçam o adolescente de maneira muito semelhante a que nós atualmente delineamos. Eis um trecho do ensaio “Conto do inverno, publicado em 1623 por Shakespeare, que exemplifica muito bem a questão: “Desejara que não houvesse idade entre dezesseis e vinte e três anos, ou que a mocidade dormisse todo esse tempo, que só é ocupado em deixar com filhos as raparigas, aborrecer os velhos, roubar e provocar brigas. Escutai! A quem ocorreria caçar com semelhante tempo, se não a esses cérebros ferventes, de dezenove a vinte e dois anos?” [21].

Além desse aspecto biológico próprio do ser humano, subsistem ainda fatores socioeconômicos aptos a propagar a subcultura delinquente nos jovens. Em seu livro Criminologia, o notório professor Sérgio Salomão Shecaira[22] examina a sociedade norte-americana do final dos anos 50, concluindo que a não acessibilidade dos jovens de diversas classes, raças e etnias às metas e aos fins culturais de bem-estar, consumismo e riqueza, tão propagadas pelo estilo de vida norte-americano, contribuiria para a formação de um “ideal de fracasso e humilhação, contrastante com a disseminada ética do sucesso”. Para ele, o nascimento das subculturas criminais constituiria uma resposta de alguns setores da sociedade amplamente desfavorecidos “diante da exigência de sobreviver, orientar-se dentro de uma estrutura social, apesar das limitadíssimas possibilidades legítimas de atuar”[23]. A nosso ver, não seria desarrazoado traçar um paralelo entre os Estados Unidos do final da década de 50 e início dos anos 60 e o momento pelo qual o Brasil do começo do século 21 atravessa: um cenário de amplo crescimento econômico, incentivador do aproveitamento das oportunidades, aliado a um contexto social de profunda desigualdade econômica e de escassez de meios legítimos para as camadas menos privilegiadas ascenderem socialmente. 

Cabe nesse momento esclarecer que somente a presença desses fatores biológicos e sociológicos não explicaria por inteiro o complexo processo de criminalidade juvenil. Além desses aspectos, obviamente incidem ainda fatores econômicos, políticos, culturais, familiares e morais sobre uma infinidade de modalidades delitivas. Seria muita presunção, entretanto, cogitar a possibilidade de abrangência de todas essas facetas em tão diminuto espaço.  Sendo assim, conforme o que foi exposto anteriormente, nossa proposta é tão-somente enfocar apenas uma modalidade de crime praticada por adolescentes, isto é, aquela comumente denominada delinquência juvenil, notabilizada pela prática de atos de rebeldia e vandalismo sem motivo aparente.



[1] CAPEZ, Fernando. A questão da diminuição da maioridade penal. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI40310,91041-A+questao+da+diminuicao+da+maioridade+penal.

[2] COSTA JÚNIOR, Paulo José da. A maioridade penal. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0812200310.htm.

[3] GOMES, Luiz Flávio. Redução da maioridade penal. Disponível em: http://www.juspodivm.com.br/artigos/artigos_1585.html

[4] FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 8ª edição. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2008, p.629.

[5] AKERS, Ronald L; SELLERS, Christine S. Criminological Theories: Introduction, Evaluation, Application. 5ª Edição. Methodist University.

[6] COHEN, Albert K. Delinquent Boys: The Culture of the Gang, p.12.

[7] COHEN, Albert K. Delinquent Boys: The Culture of the Gang, p.13.

[8] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 250.

[9] COHEN, Albert K. Delinquent Boys: The Culture of the Gang, p.25.

[10] COHEN, Albert K. Delinquent Boys: The Culture of the Gang, p.26.

[11] THRASHER, Frederic Milton. The Gang: a study of 1313 gangs in Chicago. Impresso pela Universidade de Chicago, 1927.

[12] COHEN, Albert K. Delinquent Boys: The Culture of the Gang, p.28.

[13] COHEN, Albert K. Delinquent Boys: The Culture of the Gang, p.29.

[14] AMERICAN BAR ASSOCIATION. Juvenile Justice Center. Adolescence, Brain Development, and Legal Culpability. Washington, 2004.

[15] BLAKEMORE, Sarah-Jayne. The mysterious workings of the adolescent brain. In: TEDGlobal2012: Radical Openness – TED Conferences, 2012, Edimburgo.

[16] KINGSLEY, Robert E. Manual de Neurociência. 2ª Edição. Editora Guanabara Koogan, p.405.

[17] Casey BJ, Jones RM, Todd AH. The adolescent brainAnnals of the New York Academy of Sciences. 2008.

[18] GUYTON&HALL. Tratado de Fisiologia Médica. 11ª Edição. Editora Saunders Elsevier, p.731.

[19] Casey BJ, Jones RM, Todd AH. The adolescent brainAnnals of the New York Academy of Sciences. 2008.

[20]LANDAU, Elizabeth. Why tens are wired for risk. Disponível em: http://edition.cnn.com/2011/10/19/health/mental-health/teen-brain impulses/index.html

[21]SHAKESPEARE, William. Conto do Inverno. Editora Iluminuras, São Paulo, 2007.

[22] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 248.

[23] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2008, p.249.