Autores

Igor Pereira dos Santos
Leandro Aguilera Romão da Silva
Rafael Macedo Domingues da Silva

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Resumo

Este artigo visa mostrar as definições de ludologia e narratologia, e propor uma união das mesmas, criando a ludonarrativa, que abordará, tanto no escopo teórico, quanto no prático, a criação de um game que tenha uma narrativa forte e, ao mesmo tempo, um gameplay divertido, fazendo com que um interfira no outro. Não é o objetivo desse artigo criticar a ludologia ou a narratologia, e qualquer crítica aos mesmos nesse artigo deve ser relevada, mas unificá-las e, talvez, tornar os games melhores.

Palavras-chave: Ludologia, Narratologia, Ludonarrativa, Game Design, Jogador, Games, Narrativa, Gameplay.

Introdução
Os estudos sobre os games começaram há, relativamente, pouco tempo. Porém, desde que os games são estudados teoricamente, eles são divididos em duas linhas principais: a ludologia e a narratologia. Todavia, as duas linhas teóricas complementam-se, e não excluem-se, como muitos imaginam. Muitos estudiosos, como Marie-Laurie Ryan e Gonzalo Frasca propõem a criação de uma nova ludologia, que integra a narratologia, afinal, ela é realmente parte dos games, e também deve ser estudada como tal. Neste artigo, propomos a criação dessa nova ludologia, que chamamos de ludonarrativa, e também mostramos aplicações práticas para a mesma, utilizando-a no game design.

Ludologia
Segundo a narratologista Marie-Laurie Ryan (2005), ludologia é uma linha de estudo dos games, que possui como pensamento a idéia de que "jogos são jogos e histórias são histórias e esses dois tipos de artefatos culturais não podem se misturar, pois têm essências radicalmente distintas". Entre os ludologistas, estão Jesper Juul e Gonzalo Frasca. Juul, dinamarquês doutor na Center for Computer Games Research of Copenhagen, é um dos maiores estudiosos dos games da atualidade, possui artigos e livros publicados, e é muito respeitado na comunidade dos game studies. Em um de seus artigos, intitulado "The Game, The Player, The World: Looking for a Heart of Gameness", Jesper, que se define como "The Ludologist", propõe a criação de uma nova definição para os games. Com base em seus estudos, Juul misturou sete definições anteriores de games (por Johan Huizinga, Roger Callois, Bernard Suits, Avedon & Sullon Smith, Chis Crawford, David Kelley, e Katie Salen & Eric Zimmerman), achou os pontos em comum, e fez algumas modificações, para os propósitos do artigo. A partir disso, criou seis regras, que todos os games devem possuir. "The game definition I propose has 6 points: 1) Rules: Games are rule-based. 2) Variable, quantifiable outcome: Games have variable, quantifiable outcomes. 3) Value assigned to possible outcomes: That the different potential outcomes of the game are assigned different values, some being positive, some being negative. 4) Player effort: That the player invests effort in order to influence the outcome. (I.e. games are challenging.) 5) Player attached to outcome: That the players are attached to the outcomes of the game in the sense that a player will be the winner and "happy" if a positive outcome happens, and loser and "unhappy" if a negative outcome happens. 6) Negotiable consequences: The same game [set of rules] can be played with or without real-life consequences "(JUUL, 2008). Com essas seis regras, Juul criou uma definição geral dos games: "A game is a rule-based formal system with a variable and quantifiable outcome, where different outcomes are assigned different values, the player exerts effort in order to influence the outcome, the player feels attached to the outcome, and the consequences of the activity are optional and negotiable."(JUUL, 2008). É importante reparar que, na definição dos games, a narrativa não é nem mencionada. Em outro de seus artigos, intitulado "Fear of Failing? The Many Meanings of Difficulty in Video Games", Juul trata da dificuldade nos jogos. Cita Mihaliy Csikszentmihalyi e o seu estado de Flow, o maior estado possível de imersão. É causado por uma oscilação constante entre a ansiedade e o tédio, fazendo com que o game crie situações difíceis e, quando o jogador obter a habilidade necessária para avançar de nível, o game criará situações de nível mais elevado, porém, exigindo as mesmas habilidades do jogador. Isso define a diversão dos games. Um game é bom, pois o seu gameplay é difícil, deve-se errar algumas vezes, e então conseguir acertar e continuar. Uma vitória é muito mais significativa quando acompanhada de derrotas anteriores. (JUUL, 2008) Termina dizendo que um game é divertido por ser constantemente difícil, desafiador, por obrigar o jogador a refazer diversas vezes certa tarefa, até adquirir a habilidade necessária para conseguir vencer, e não por possuir uma narrativa envolvente, que traga o jogador para dentro da história. Segundo Juul, a imersão é causada pelo estado de flow em que se encontra o jogador, e não por estar totalmente centrado na história. Ou seja, um game e a sua diversão são feitos pelo seu lado lúdico, seu gameplay, e não pela sua narrativa, afinal, são dois artefatos culturais distintos, que não devem ser misturados.

Narratologia

A narratologia é uma linha de estudo que, aplicada aos games, estuda as estruturas narrativas do mesmo, e como trazer novas maneiras de contar histórias, através dos games. Entre os narratologistas pode-se citar Marie-Laure Ryan. Ryan é sueca PhD em francês, pela universidade de Utah, e trabalha como estudiosa na Universidade do Colorado. Em seu artigo, "Beyond Myth and Metaphor ? The Case of Narrative in Digital Media", Ryan explora os usos da narrativa em diversas áreas do meio digital. E uma das áreas é a dos games. Diferentemente dos ludologistas, Ryan diz que a narratividade e os games combinam, e devem ser utilizados juntos. Como exemplo, cita uma review do game Combat Mission, que simula uma campanha alemã na Segunda Guerra Mundial: "My two panzer IVG tanks got lucky. Approaching the crossroads, they cleared a rise and caught two Sherman tanks out of position, one obstructing the aim of the other. Concentrating their fire, they quickly took out the Allied units and the surviving crews abandoned the flaming hulks and retreated into the woods nearby" (New York Times, 2000). A partir desse trecho, Ryan afirma que, mesmo em uma review, a narrativa está presente, afinal, o jogador trata a si mesmo como parte do jogo, ou seja, a imersão está funcionando perfeitamente. Em seguida, comenta e responde as críticas dos adeptos da ludologia: "Many people will rightly argue that computer games are played for the sake of solving problems and defeating opponents, of refining strategic skills and of participating in on-line communities, and not for the purpose of creating a "trace" that reads as a story. Yet if narrativity were totally irrelevant to the enjoyment of games, why would designers put so much effort into the creation of a narrative interface? Why would graphics be so sophisticated? Why would the task of the player be presented as fighting terrorists or saving the earth from invasion by evil creatures from outer space rather than as "gathering points by hitting moving targets with a cursor controlled by a joystick"? The narrativity of action games functions as what Kendall Walton would call a "prop in a game of make-believe." It may not be the raison d'être of games, but it plays such an important role as a stimulant for the imagination that many recent games use lengthy film clips, which interrupt the game, to immerse the player in the game world." (RYAN, 2001). Realmente, na era atual existe uma busca incansável de gráficos mais poderosos, engines que os suportam, melhoria de consoles, etc. E o motivo é aumentar o foco narrativo, melhorando a imersão e a verossimilhança da narrativa. Afinal, como Ryan mesma disse, qual seria a utilidade de gráficos poderosos, se não houver personagens, cenários, ambientes e narrativas para colocá-los? Afinal de contas, um game não é somente o seu gameplay, como afirmam os ludologistas, mas também a história que há por trás dele, a qual diversas vezes altera os caminhos do jogador. Aliás, nas narrativas interativas (não consideradas como games pelos ludologistas), tudo que um jogador faz é "brincar de Deus", como cita Ryan: "the user is like the omnipotent god of the system. Holding the strings of the characters, from a position external to both the time and space of the fictional world, he specifies their properties, makes decisions for them, throws obstacles in their way, and sends them toward different destinies lines by altering their environment. A classical example of this type of interactivity is the DVD movie I'm Your Man. The movie involves three characters, a villain, Richard, a fool, Jack, and a good girl, Leslie. At one of the branching points the movie asks the spectator if Richard should kill Leslie or seduce her. At another point, the spectator faces the choice of making Jack act like a hero or a coward. By making a choice, the spectator assumes an authorial stance toward the protagonists, since he creates their moral character, which in turn determines their fate. This activity of playing with parameters to see how the system will evolve is similar to the operation of a simulation system." (RYAN, 2001). Isso, segundo narratologistas, também pode ser o futuro dos games. Afinal, nada melhor do que um ambiente virtual para contar as suas histórias, trilhando sempre caminhos diferentes.

Ludologia X Narratologia

Quando se fala em ludologia, o que é a primeira coisa a se pensar? Ludologistas odeiam a narrativa. Porém, esse pensamento é errôneo. Na verdade, os ludologistas tentam mostrar que o game é mais do que a sua narrativa, é algo diferente, não apenas uma extensão ou evolução da narrativa. Outro erro é dizer que não há narrativa no game, pois obviamente há. Mas a narrativa não é um ponto de partida do game, e sim uma parte de todo o conteúdo do mesmo.
Muitos pensam que o papel da ludologia é rivalizar a narratologia, onde a verdade é que o papel da ludologia é estudar os games baseando-se nas suas regras e objetivos. Gonzalo Frasca, em um de seus artigos, intitulado "Ludologists love stories, too: notes from a debate that never took place", mostra explicitamente a visão dos estudiosos sobre os adeptos da ludologia: "My original intention was writing a paper on the role of narrative in videogames (through cutscenes and instructions) for conveying simulation rules. When I mentioned this to a colleague, he was shocked: he thought that, since I am known as a ludologist, there was no way I could accept any role for narrative in games. Of course, I told him he was wrong and that such idea of ludology is totally erroneous."(FRASCA, 2003).
Além disso, podemos ver que Frasca, um dos maiores ludologistas, o responsável por utilizarmos esse termo atualmente, nunca quis dispensar a narratologia, mas trabalhar juntos, para um melhor estudo sobre os games: "The puzzling thing is that, from its very beginning, "old" ludology never discarded narratology. When I suggested the term, I clearly stated that my main goal was to show how basic concepts of ludology could be used along with narratology to better understand videogames" (FRASCA, 2003).
Os ludologistas estudam os games sob um ponto de vista, enquanto os narratologistas estudam sob outro ponto, o que não faz com que uma área dispense a outra, muito pelo contrário, ambas complementam-se. Proporemos aqui uma união das duas linhas, tanto para estudo dos games quanto para uso prático, no desenvolvimento de games, e chamaremos de ludonarrativa.
O gameplay e a narrativa possuem pontos em comum. Entre eles, podemos citar os eventos. Ambos contêm eventos seqüenciais, porém, um não influencia o outro. Com a ludonarrativa, os eventos do gameplay influenciarão na narrativa, e os eventos da narrativa influenciarão no gameplay.



Ludonarrativa
Sempre que jogamos um game, conseguimos enxergar as intenções dos produtores com relação à sua narrativa e ao seu gameplay. Games em que a narrativa existe somente como plano de fundo, e o grande foco é o seu gameplay, e games em que o foco é a narrativa, e existe somente o mínimo possível de gameplay, para considerá-lo um game. Também existe o game que possui pouca narrativa, e pouco gameplay. O que propomos aqui, com a ludonarrativa, é fazer com que o foco do game seja, ao mesmo tempo, um gameplay divertido, imersivo, e uma narrativa forte, também contribuindo para a imersão.


A ludonarrativa é a fusão da ludologia e da narratologia, seguindo o princípio de que uma deve complementar a outra.
O objetivo da ludonarrativa é primeiramente, auxiliar os game designers na construção de games que visão possuir uma história mais elaborada, com ramificações, introduzindo esta história no game de forma que ela não seja apresentada de uma maneira cansativa ao jogador. Ou seja, a ludonarrativa é adequada para ser usada principalmente nos estilos de jogos classificados como RPG (Role Playing Game) e Ação. Isso não significa que a ludonarrativa não pode ser usada em outros gêneros de games, ela pode se desdobrar e aplicar sua metodologia em diversos gêneros, dependendo apenas da vontade e da criatividade do game designer. É claro, que a ludonarrativa também pode ter uma função parecida com a de suas "primas", ludologia e narratologia, ela também pode ser usada para estudar games já feitos, analisando seus aspectos ludológicos e narrativos como um todo.
Ao apresentar o termo ludonarrativa, estamos propondo a junção dos aspectos principais da ludologia e da narratologia, de forma que uma venha a intervir em outra durante o game.
Muitos jogos são baseados inteiros apenas no seu gameplay (forma de jogar), outros são baseados no gameplay com uma pequena história de fundo, como uma mera formalidade, esses jogos são classificados e estudados pela ludologia.

Há também os games que se definem por sua narrativa, com um gameplay simples, de forma que as ações do jogador não exercem influência alguma sobre a narrativa do game.
Um exemplo de game onde a história predomina o gameplay é a série Final Fantasy da Square Enix. Um jogo com uma história muito elaborada, mas linear demais, de forma que o jogador não pode fazer suas próprias escolhas, ficando ?preso? a narrativa.
Estes exemplos de jogos são os que seguem cegamente um pensamento, seja ele ou o ludológico ou o narratológico, estando bem distantes da idéia que representa a ludonarrativa.
Não estamos afirmando que estes games sejam ruins, e nem tão pouco que ao empregar a ludonarrativa em um game o resultado seja perfeito, contudo a ludonarrativa, de certa forma, cria no decorrer de um game histórias e fragmentos de histórias que sejam únicos, o que por sua vez torna o game em si único.
Contudo nem todos os games estão distantes da ludonarrativa, alguns empregam algo parecido com seu pensamento. Exemplos interessantes são as narrativas interativas, novelas visuais e os games hiperlineares, as duas primeiras, não sendo classificadas como um game pela maioria dos estudiosos e por seu respectivo público, tratam-se de histórias contadas para o usuário cuja interação máxima que ele possui é fazer escolhas baseadas, ou não, nas opções que lhe são dadas.
As narrativas interativas são ?jogadas? por meio de palavras e pequenas frases, onde o computador lhe dá uma situação e um ambiente onde o jogador deve descrever qual sua ação. Apesar de não possuir na maioria das vezes nenhuma ambientação visual, este tipo de narrativa abre um leque de escolhas para o jogador, que é a principal base da ludonarrativa. Contudo, se pelo lado da narratologia as narrativas interativas seguem a linha de pensamento da ludonarrativa, pelo fato de apresentar diversas escolhas ao jogador, pelo lado da ludologia, ela se distancia totalmente, já que é impossível qualquer tipo de interação que se assemelhe a um game neste tipo de narrativa.
As novelas visuais, que não são muito conhecidas no ocidente são histórias que acontecem com o mínimo de interação com o usuário, os fatos e diálogos entre os personagens vão se desenrolando, e geralmente o usuário representa um personagem que deve escolher entre opções que lhe são dadas durante a novela, o que geralmente muda o desenrolar da história. As novelas visuais possuem exatamente a mesma relação que as narrativas interativas têm com a ludonarrativa, ou seja, deixam a desejar no quesito gameplay.
Os exemplos que mais se aproximam da ludonarrativa, são os games hiperlineares, que possuem ramificações em suas histórias, sejam eles convergentes, que possuem mais de uma opção de caminho a ser seguido durante o jogo, mas que sempre levará o jogador a um único final, ou divergentes, que além de possuir mais de uma opção de caminho, também possuem mais de um final.
O primeiro exemplo, hiperlinear convergente, apesar de oferecer escolhas e diferentes caminhos ao jogador, não faz muito sentido, devido ao fato de que, independente da escolha do jogador, ela sempre causará a mesma conseqüência. Já o segundo exemplo, hiperlinear divergente, complementa o leque de escolhas oferecido ao jogador com as diferentes conseqüências (finais), fazendo com que as escolhas durante o jogo tenham mais importância. Assim podemos concluir que os jogos hiperlineares divergentes são o primeiro passo para a ludonarrativa.


Um exemplo de game que tenta equilibrar o gameplay com a narrativa é o game Chrono Trigger de 1995, também da empresa Square Enix, diferente de Final Fantasy, este jogo teve apenas uma sequência, lançada no ano de 1999. O jogo Chrono Trigger possui evidentemente maior complexidade e uma história mais elaborada do que Final Fantasy. Chrono Trigger possui 13 finais diferentes, que dependem de escolhas do jogador e do momento em que ele enfrenta o boss final. Apesar do grande sucesso que foi o game, a Square Enix preferiu não investir nesse estilo de game que possui uma narrativa mais evoluída.


Hoje os games hiperlineares divergentes vêm se tornando comuns, cada vez mais roubando o espaço dos games considerados como lineares. Isso é um sinal de que ao jogar um game, o jogador procure não só se divertir pelo gameplay e nem só pela história, mas sim pela união dos dois.

Contudo, apesar de os jogos hiperlineares divergentes estarem ficando cada vez mais comuns, a maioria ainda não atingiu o nível de complexidade exigido para ser classificado como ludonarrativo. Muitos desses games estão limitados há um pequeno número de escolhas que influenciam em um número ainda menor de eventos no decorrer do jogo. Um jogo que tem seu final alterado somente e apenas pelo fato do jogador ter completado uma missão especial que lhe deu um item secreto não pode ser considerado como ludonarrativo, devido ao fato de ser algo simples demais, um pequeno evento que acontece muito rápido e que altera todo o game não é o que o jogador procura, e sim pequenos eventos que, juntos, irão mudar o caminho do game. Assim podemos concluir que todo jogo ludonarrativo é hiperlinear divergente, mas nem todo jogo hiperlinear divergente é ludonarrativo.
Uma empresa que se sai bem no campo da ludonarratividade é a Lionhead Studios, que possui duas séries de jogos bem interessantes, ?Fable? e ?Black and White?, ambas podem ser consideradas como ludonarrativas por completo.
Fable é um game onde o jogador controla um herói que deve seguir seu próprio caminho tornando-se uma pessoa boa, praticando boas ações e salvando pessoas, ou tornando-se um homem mau, matando inocentes e roubando indefesos, ou até mesmo um equilíbrio entre os dois tipos de pessoa. O gameplay de Fable é bem aberto, o jogador pode escolher se quer ser um guerreiro ou um mago pelo meio da evolução de suas habildiades no decorrer do jogo, pode aceitar missões que visam resgatar alguém desaparecido ou ajudar bandidos a saquear um local. Pode aprender a usar diferentes tipos de armas, escolher se quer matar ou poupar alguns dos vilões do jogo. Se o alinhamento de seu personagem for bom, ou seja, se você praticou boas ações, os NPCs te tratarão com carinho e respeito, caso contrário eles temerão e fugirão de você. Fable é um exemplo perfeito de game ludonarrativo, sua história exerce grande influência sob o gameplay e vice-versa. Em determinado momento do game, o jogador deve escolher se quer abrir mão da vida de sua irmã para empunhar a espada mais poderosa do jogo, ou se quer se desfazer da espada e manter sua irmã viva. A escolha do herói não depende apenas da escolha do jogador, mas também de seu alinhamento, ou seja, as escolhas anteriores do game.
Outro exemplo é o jogo Black and White, onde o jogador interpreta um deus venerado por uma tribo, onde ele deve governar a tribo da maneira que ele quiser, com o auxílio de dois NPCs, um bom e outro mau, que aconselham e ensinam o jogador. Mais tarde o jogador deve criar uma criatura que represente seu reflexo, escolhendo sua espécie e a treinando, de forma que a criatura possa vir a se alimentar apenas de outros animais ou até mesmo tornar-se um animal que se alimenta apenas de pessoas. Matar ou poupar seus súditos é uma escolha que cabe apenas ao jogador.


Imaginemos, por exemplo, a grande obra-prima atual dos games, God of War III. Possui um gameplay divertido, e uma narrativa forte. Porém, não é o nosso objetivo propor jogos assim, afinal, eles já existem. O que pretendemos inserir, com a ludonarrativa, é uma narrativa que interfira no gameplay, e vice-versa. Voltando ao exemplo, no game God of War III, existe um esquema básico para os bosses (chefes). Primeiramente o jogador enfrenta um boss, e logo após, é apresentada uma cena em computação gráfica (CG), contando a história. Porém, não importa o quão fácil ou difícil é enfrentar o boss, se o jogador teve que reiniciar o game diversas vezes, ou se mal foi atingido pelo adversário, a CG será sempre a mesma. Utilizando a ludonarrativa, isso modificará. Dependendo de como for a batalha entre o jogador e o boss, uma cena diferente será apresentada. Se o jogador o derrotou facilmente, uma CG será mostrada. Se a batalha foi difícil, e o jogador teve de reiniciar diversas vezes, outra CG será mostrada. E também, o personagem pode receber itens ou habilidades diferentes para cada continuação. E não é somente nos bosses que isso pode acontecer. Qualquer momento de virada do game, local onde já existe o cruzamento do gameplay com a narrativa, os caminhos que o jogador escolhe percorrer não influenciam somente na narrativa, mas também no gameplay, fazendo com que o jogador tenha habilidades ou armas diferentes.
Outro exemplo do emprego da ludonarrativa pode ser visto utilizando um exemplo do game do gênero survival horror, Resident Evil 5. O game é centrado em dois personagens, um controlado pelo jogador, e um NPC (Non-Playing Character ? Personagem Não Jogável), e foi criado de uma maneira que o jogador tenha que agir em conjunto com a sua "parceira" para resolver puzzles, ou simplesmente matar zumbis. Porém, sempre que a parceira do jogador morre, surge uma tela de "Game Over", e o game reinicia. Nesse ponto, poderia ser utilizada a ludonarrativa. Quando a parceira do jogador morre, ao invés do game reiniciar, ele continua, mas abre uma nova ramificação na narrativa e no gameplay. Durante o gameplay, o jogador terá que passar por caminhos mais difíceis, por não ter a ajuda de sua parceira para alcançar certos lugares, o que diferenciará o gameplay. Já na narrativa, pode ocorrer algo mais complexo. Ao perder a parceira, a personagem pode desenvolver certos problemas psicológicos, e entrar em estado de depressão. Devido a isso, a motivação da personagem a continuar no game diminui, e o controle da mesma será mais difícil. Em um momento mais à frente da história, a personagem pode desenvolver, devido à depressão, um problema com drogas, por exemplo, o álcool. Logo, em alguns momentos do game, a personagem estará embriagada, e suas funções motoras, a sua habilidade com as armas, e a sua visão, serão danificadas. Essa mudança na história transformará o gameplay do jogador, mudando a visão da câmera, com imagens mais turvas, e a mira menos precisa, e os ataques físicos mais lentos e mais fracos. Todos esses efeitos farão com que o jogador diferencie seu gameplay antes mesmo da morte da parceira, protegendo-a, e seguindo o caminho "correto" da narrativa.
Esse exemplo de emprego da ludonarrativa não precisa limitar-se somente a esse game. Em outros First Person Shooter, como o game Call of Duty: Modern Warfare 2. Nele, o jogador controla um soldado de um grupo de elite do exército dos Estados Unidos e, durante as missões, possui diversos aliados NPCs. Aqueles que são relevantes para a narrativa, quando morrem, simplesmente levantam, e o game continua. Já aqueles que não possuem relevância, quando morrem, eles simplesmente morrem. Com o emprego da ludonarrativa, a morte desses aliados pode interferir na narrativa e no gameplay, da mesma maneira que poderia interferir no game mencionado acima, fazendo com que o jogador tenha mais preocupação com as outras personagens, e sendo mais cuidadoso em suas missões, não permitindo que algum deles morra, e continuando com a narrativa "como ela deveria ser".



Considerações Finais
Muitos estudiosos dos games consideram que as cenas em computação gráfica (CGs) devem ser abolidas, pois quebram a imersão do jogador, e torna o jogo tedioso. Contudo, ao invés de se preocupar com os elementos que supostamente quebram a imersão do jogador, deveriam se preocupar em melhorar a relação entre a narrativa e o gameplay, proporcionando, assim, uma imersão mais intensa. Afinal, uma CG não quebraria a imersão do jogador, se estivesse integrada com o gameplay, pois, para avançar no game, e adquirir certas habilidades, o jogador deveria perceber as alterações na história, e mudar o rumo da mesma.
Concluindo, a ludonarrativa visa unificar, tanto de um modo prático como de um modo teórico, a ludologia e a narratologia, fazendo com que haja uma imersão mais profunda do jogador, ligando-o à narrativa. Porém, gostaríamos de acrescentar que o emprego da ludonarrativa nos games não traz segurança de que o game seja divertido, muito menos que o games que não a empregam não sejam bons. Existem games que aplicam somente a ludologia, ou somente a narratologia, como demos exemplos acima, que fazem sucesso e são bem aceitos pelo público. Porém, o emprego da ludonarrativa faz com que, a cada vez que o jogador jogue o game, ele seja um game diferente, devido às diversas escolhas durante o mesmo.

Referências:
1. JUUL, Jesper, The Game, the Player, the World: Looking for a Heart of Gameness. Keynote at the Level Up conference, Utrecht, November 2003;
2. JUUL,Jesper, "Fear of Failing? The Many Meanings of Difficulty in Video Games". In Bernard Perron and Mark J. P. Wolf (eds.): The Video Game Theory Reader 2, 2009.
3. RYAN, Marie-Laurie, "Beyond Myth and Metaphor ? the case of narrative in digital media", in Game Studies. The International Journal of Computer Game Research.
4. FRASCA, Gonzalo, "Ludologists love stories, too: notes from a debate that never took place", 2003.
5. FRASCA, Gonzalo, "Ludology meets Narratology: Similitude and differences between (video)games and narrative" (1999).