A LITERATURA E REPRESENTAÇÃO DO NEGRO BRASILEIRO UMA VISÃO SÓCIO HISTÓRICA

 

Juliana Botelho Lobo da Silva

Elizeth Gregório dos Santos

Márcio Antônio Dorileo da Silva

 

 

RESUMO

 

Este artigo tem como objetivo principal fazer uma abordagem sócia histórica da situação da literatura infantil brasileira. Assim terá por base a pesquisa bibliográfica e teorias da educação que empregam da temática em foco. Trata-se de um breve relato histórico que fala da forma com o negro pé representado nos livros infantis em nosso país.

 

Palavra chave: literatura infantil.  Negro brasileiro.

 

 

1-    INTRODUÇÃO

 

De acordo com apontamentos de Silva (2010), a leitura e arte de contar histórias são elementos que ajudam o indivíduo na ampliação do conhecimento, seja referente a língua escruta ou oralizada. O que se pode afirmar a partir desta ideia é que a literatura infantil se constitui como fermenta essência pra o processo de ensino e aprendizagem de crianças pequenas. A partir da literatura os povos podem compartilhar suas ideias, experiências, vida social, cultura e forma de enxergar a vida.

É fato que o ser humano como ser comunicável que é, tem a necessidade comunicar-se com outros seres humanos, e o faz por também por meio da literatura. Neste sentido afirma Jovino (2006.p.3) que “é comum que os povos se orgulhem de suas histórias, tradições, mitos e lendas, pois são expressões de sua cultura”, ou seja são expressões de sua forma de produção da vida diária.

Diante do exposto far-se-á aqui uma abordagem reflexiva sobre a literatura infantil afro-brasileira e a representação do negro tendo por base as teorias de autores como: Zilberman (2005), (CUNHA, 2002), Oliveira (2003), Silva (2010), (LOBATO. 1933), Dionízio (2010) e outros que possa de forma efetiva contribuir com a discussão.

2-    UMA VISÃO SÓCIO HISTÓRICA

 

 

É nos idos século XVII que a literatura infantil se configura como um gênero literário. Para fins de conjuntura, um século marcado por fortes transformações sociais, a saber o advento da burguesia e da era moderna, o que provocou fortes rupturas na área artística. Com a revolução industrial como fator preponderante um novo padrão de família emerge. A preocupação com educação das crianças passa a ser prioridade enquanto em momentos anteriores essa era de fato uma realidade ínfima, pois a criança era marcada pela ideia da adultualização.  Diante deste cenário de acordo com Zilberman(2005) surgem os primeiros livros somente no final do século XIX, pois a:

A literatura infantil tem relativamente poucos capítulos, começa a delinear-se no início do século XVIII, quando a criança passa a ser um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria se distanciar da vida dos mais velhos e receber uma educação especial que a preparasse para a vida adulta. (CUNHA, 2002, p.22)

Nota que o novo modelo de sociedade e o emergente gênero literário buscava autores que atendessem a nova modalidade de escrita, todavia este é um nascimento marcada pela ausência da tradição de escrita infantil, comprometendo desta forma o gênero que acabara de nascer. O que restou foi pois a tradução de autores estrangeiros cujos valores morais e éticos não respondiam a nova ordem social, uma vez que as obras eram direcionadas ao público adulto.

Deste contexto a literatura infantil brasileira nasce e se consolida sobe égide e influência da produção literária europeia. Se fizer uma busca mais concisa poderá perceber que algumas produções ainda subsistem até os dias atuais, dos quais se podem citar: As aventuras de João e Maria, A Bela Adormecida, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho dentre outros.  De acordo com Zilberman, (2005) estas eram literatura contada por adultos até que autores como Charles Perrault (1628-1703) na França, Jacob (1785-1863) Wilhelm (1786-1859) as reinterpretaram, escreveram numa visão voltada ao público infantil, e se tornaram as histórias infantis mais lidas até hoje.

Todavia o que se pode perceber é que esta literatura visava não o atendimento ás crianças de acordo com a nova sociedade e sim fins comerciais. Deste modo a forma com as histórias eram escritas no pensamento de Oliveira (2003) não havia sequer preocupação com o tipo de abordagem feita. Em território nacional, no início do século XIX, destaca-se no âmbito da literatura infantil um dos mais conhecidos escritores, a saber monteiro Lobato autor do famoso sítio do pica-pau amarelo. E com ele se dá o apogeu da literatura infantil no Brasil.

A literatura lobatiana tem um forte agravante com no que diz respeito a representação do negro. Fica muito evidente em sua obra a forma com que a cor preta está sempre associada com a maldade, com o que é desprovido de beleza, com o que é desmerecido de sorte. Enquanto o branco é sinônimo de paz e harmonia, pureza e sorte.

Esta literatura de acordo com Oliveira (2003) tem o mesmo teor das canções de ninar que sempre usou a cor preta como sinônimo de maldade, o que se percebe em chavões como: o boi da cara preta, o homem da pasta preta e outros. Estas e outras formas de interiorização do negro estão presentes nas obras de lobato e de outros autores brasileiros.  Foi criado um estereótipo do negro que posteriormente sai do livro vai para televisão e outros meios de difusão, todavia no ateremos a literatura infantil que é nosso objeto de estudo neste trabalho.

Silva (2010) ao analisar as obras de lobato chega a seguinte constatação:

Em um diálogo de seu livro, Reinações de Narizinho, é possível constatar o estigma estético, quando Lobato fazia referência ao beiço de Tia Nastácia, animalizando-a [...] A personagem Tia Nastácia é bastante hostilizada, às vezes, pode até ser tratada como membro da família, no entanto, a cozinha é seu habitat natural, e é chamada de negra de estimação, o que reforça a sua inferioridade e a teoria de que negros só ocupam os papéis de serviçais, malandros, dignos de piedade. (Silva 2010.p.29)

Nesta perspectiva em análise mais profunda podemos ver a forma como representado o negro e branco em Reinações de Narizinho. Enquanto Dona Benta é Senhora branca, conta belas histórias, fala bem, faz bordados é esperta, Anastácia é a empregada negra, com histórias que ninguém entende, falando muito errado, cozinhado e vivendo praticamente na cozinha. O que se vê é a literatura que representa o negro de uma forma um tanto inferiorizada. Em um fragmento da obra de Lobato vemos o seguinte:

Pois muito bem. A vaca é tudo isso que acabo de dizer e muito mais. No entanto, se você comparar a mais suja negra de rua com uma vaca dizendo: “você é uma vaca”, a negra rompe num escândalo medonho e se estiver armada e revólver, dá tiros. (LOBATO, 1936.s/p)

 

            Se nos atentarmos para o contexto vamos ver que o vocábulo vaca era usado termo depreciativo na linguagem popular. No livro memória de Emília há, pois um relato de um certo anjinho que caiu do céu e afirma que se tratava de um animal muito precioso.  Todavia nem a velha negra queria ser igual.  Num outro momento em “Caçadas de Pedrinho”, vemos o autor se refere a Tia Anastácia como uma máscara de carvão.

Sim, era o único jeito – e Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros. (LOBATO. 1933. S/P)

O que tentamos aqui não é provocar um rejeitamento da obra de lobato nas escolas e ou como obras literária, mas sim sugere-se a análise crítica nas situações em que as relações étnicas raciais estão de certa forma comprometidas. Pois a literatura infantil tem criado um certo mito de democracia racial, que se camufla na beleza dos contos e história, todavia acabam por reforçar o preconceito e prejudica de forma enfática na construção da identidade e na aceitação do próprio eu. De acordo com silva, (1995, p.34):

O mito da democracia racial visa camuflar o racismo e bloquear a organização negra, uma vez que internaliza nos membros da sociedade o engodo da igualdade de oportunidades, reforça o sentimento de inferioridade do negro por não ter “capacidade” de aproveitar tais oportunidades, transferindo mais uma vez para a vítima a culpa da sua situação se miséria e marginalização.

Há um cuidado muito grande a ser tomado com a literatura infantil no âmbito escolar e fora dele, pois este mito da democracia racial está presente de forma muito veemente e pode ser recebido até mesmo em livros didáticos

A ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial parecem ter como causa fundamental o medo que a minoria branca tem da maioria negra e mestiça, e do possível antagonismo a ser gerado a partir da exigência de direitos de cidadania e de respeito às diferenças étnico-culturais. Isso porque a aceitação democrática das diferenças pressupõe igualdade de oportunidades para os seguimentos que apresentam padrões estéticos e valores socioculturais diferentes. Então, o respeito às diferenças implica numa reciprocidade de direitos em um sistema baseado na exploração do outro, desenvolve-se toda uma ideologia justificadora da opressão e interiorização, objetivando a destruição da identidade, da autoestima e potencialidades do oprimido. (SILVA, 1995, p.25).

Na opinião de Silva (1989), a ideologia do branqueamento objetiva o bloqueio da cultura afro, e segue de forma muito camuflada através da literatura infantil. Uma vez que esta seja uma eficaz ferramenta na inserção de valores sociais. Assim a literatura se configura com elemento de manutenção dos valores da ideologia do branqueamento cabendo aos professores refletir de forma mais critica o uso desta na sala de aula. Na ótica de Dionízio (2010) a literatura revela os valores sociais mais profundos seja da sociedade ou indivíduo.

A literatura, enquanto arte é um dos caminhos que pode ser percorrido pelo homem na busca de prazer nessas relações. Como sistema simbólico de comunicação inter-humana, ela pode revelar os desejos mais profundos do indivíduo, que por sua vez, se transformam em elementos de contato entre os homens, e de interpretação das diferentes esferas da realidade. Portanto, num movimento também de busca incessante, a literatura-arte, pode abrir múltiplos espaços para novas possibilidades do conhecer. E não se pode tirar da literatura infantil esse papel tão importante na formação do pensamento, pela qual cada adulto já passou ou estará repassando em algum momento da sua vida. (Dionízio 2010: 11)

3-    CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Diante do exposto conclui-se que a literatura infantil ao longo da história da educação tem oferecido muito estereótipos sobre a representação do negro brasileiro. É dever da escola e do professor trabalhar de forma muito clara e concisa adotando materiais que represente as culturas populares de não pejorativa.

É preciso entende que o tempo da repressão negra já acabou e o preconceito racial que ainda persiste em nossa sociedade precisa acabar também. A literatura se bem escolhida e analisada pode ser muito aproveitada na sala de aula como ponto de reflexão e ajudar na formação da criança em todas as etapas da construção do conhecimento.

 

 

 

 

4-    REFERÊNCIAS

CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: Teoria e Prática. São Paulo: Editora Ática, 2002.

DIONÍSIO, Eliane Rabello Correa. Desconstrução do preconceito: Menina bonita do laço de fita; de Ana Maria Machado.2010. 146 f.Dissertação (Mestrado em Letras) -Centro de Ensino superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora (MG). Disponível em http://www.cesjf.br/index.php/mestrado-em-letras-dissertacoes/445--53?path Acesso em 26 ago. 2015

 

JOVINO, Ione da Silva. Literatura infanto-juvenil com personagens negros no Brasil. In. SOUZA, Florentina e LIMA, Maria Nazaré (Org). Literatura Afro-Brasileira. Centro de Estudos Afro- Orientais, Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. Disponível em http://bdtd.biblioteca.ufpb.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1609acessado em 28 ago. 2015

LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. São Paulo: Brasiliense, 1936.

 

______. Reinações de Narizinho. São Paulo: Ed. Nacional, 1931.

______. Tia Nastácia. São Paulo: Ed. Nacional, 1937.

 

OLIVEIRA, Maria Anória de Jesus. Negros Personagens nas narrativas literárias infanto-juvenis brasileiras: 1979-1989. Salvador, 2003. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Campus I.

 SOUZA, Ana Lúcia Silva.Afro-literatura brasileira:O que é ? Para quê? Como trabalhar?.Educom Afro – Publicação da Faculdade de Educação da PUCRS, Viamão, mar. 2005. Disponível em: <www.pucrs.br/.../educomafro/index1.php?p=afro-literatura.> Acesso em: 30 de agosto. 2015.

SILVA, Jerusa Paulino da. A construção da identidade da criança negra: a literatura afro como possibilidade reflexiva. 2010. 78 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Pedagogia) - Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora.

SILVA, Ana Célia da. A discriminação do negro no livro didático. Salvador: CEAO, CED, 1995.

SILVA , Petronilha B. G. E . Cidadania e educação no Brazi . In: BANCOS , James. Diversidade , Cidadania e Educação. San Francisco : Jossy -Bass , 2004. p.185-218 .