A proposta para o Ensino da Língua Portuguesa sofreu intensas mudanças em virtude do novo instrumento de acesso à universidade. O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), com sua estrutura voltada à análise de textos, à solução de problemas, à identificação de gêneros discursivos/textuais, à variação linguística, à observação de costumes e comportamentos, transformou o cenário do ensino e os planos de aula em que a gramática imperava inspirava inúmeras análises. Tomado como avanço, pela maior parte dos educadores, o domínio dos diversos gêneros textuais e sua funcionalidade comunicativa passou a ser objetivo primordial do Exame e, consequentemente, interferiu na abordagem, hoje vista como retrograda, promovida por inúmeros docentes até então.

                Desenvolver competências que levem os alunos a ingressar na graduação através do vestibular unificado é um dos grandes desafios da escola, considerando o modelo engessado responsável por fazer crer que as aulas de Língua Portuguesa resumem-se no complexo e entediante trabalho de análise das construções sintáticas, na maioria das vezes, utilizando-se de frases descontextualizadas. Mas o mundo não é fragmentado; por que a língua deve ser?

                Mais do que construir leitores, as aulas ofertadas aos alunos deveriam ter o papel de fazer compreender o mundo, suas relações e culturas. Isso não pode ser um grande desafio, pois somos cercados por textos verbais e imagéticos que permitem realizar inferências e relacionar informações acerca do que vemos e vivemos. Além disso, é na comunidade escolar – nossa segunda sociedade – que identificamos muitos problemas sociais e reconhecemos nosso papel social. Mas só é possível se o aluno é visto como agente e não apenas como paciente, receptor de conceitos, fórmulas ou macetes.

                Dessa forma, aliando os objetivos do ENEM aos que propõe a escola, observa-se a necessidade de maior integração entre ela e a comunidade em torno dela. A importância de assumir o papel de agente transformador, entendendo que o problema de um afeta a todos e, juntos, devem pensar em soluções exequíveis promotoras de uma nova realidade.

                De  fato, conhecer, ler e interpretar textos é o que permite a construção de um posicionamento coerente defensor de uma tese. O uso das tecnologias de informação é a chave para avaliar visões variadas sobre um mesmo tema, e a escola deve ofertar essas tecnologias. Afinal, ir além dos livros didáticos é mostrar ao aluno que as tecnologias da comunicação oferecem mais do que a ampliação das relações interpessoais; trata-se da oferta de informação a um clique. Ao professor, cabe orientar o caminho para a transformação dessas informações em conhecimento; tornar, então, o conhecimento em suporte para o reconhecimento de problemas sociais e, também através dele, buscar solucioná-los.

                Destarte, o acesso às tecnologias da informação não deve ser prioritário ao ponto de renegar os textos literários. Os livros, digitais ou não, constituem o retrato mais consistente de um pensamento, é um todo reflexivo. Romances, autobiografias, biografias, crônicas, lendas, fábulas são fontes de expressão linguística e cultural. E não significa valorizar apenas os clássicos, mas as obras contemporâneas, relacionando-as, comparando-as e criando paralelos entre os retratos neles apresentados. As análises textuais devem servir de base para a produção.

                Produzir textos nada mais é do que registrar uma reflexão. Reflexão essa possível a partir de análises de textos orais e escritos. É transformar cada informação em fonte de inspiração. É o registro de seu pensamento (abstrato) no texto escrito (concreto). O texto escrito é a oportunidade que o individuo tem de transmitir suas avaliações sobre o mundo. Por isso, não pode ser encarado como o terror da sala de aula, pois o ato de registrar pensamentos deve ser tão prazeroso quanto o ato de falar, já que escrever é a melhor forma de perpetuar suas ideologias/orientações e jamais será apagado ou esquecido.

                É indiscutível, pois, a fundamental importância da formação escolar na formação da identidade social e cultural de um indivíduo. Compreende-se que o aluno não é apenas receptor, é agente transformador que, em sua carreira acadêmica, necessita de orientações capazes de levá-lo a avaliar o mundo onde vive e reconhecer seu papel social. Quando esse ideal é real, o Exame Nacional do Ensino Médio deixa de ser um pavoroso desafio e se torna uma prova de autoconhecimento, interconhecimento, sociorreconhecimento em que o candidato decifra as opções pertencentes a sua própria construção como ser integral.