A língua e suas variações. ¹

Cláudia Thaís Novaes²


Resumo: O presente artigo propõe-se a fazer algumas considerações acerca das variações linguísticas presentes no município de Brumado, onde foi possível perceber as diversas variações existentes nas falas dos jovens e idosos de classes sociais distintas, bem como as causas que condicionam estas diferenças em seus falares. E como resposta a essas indagações, foi detectado o fator variação social como responsável principal da problemática ressaltada.

Palavras Chaves: Língua; Variações linguisticas; Preconceito.

Abstract: This article proposes to make some considerations about linguistic variations present in the city of Brumado, where it was possible to identify several variations on existing lines of young and old of different social classes, and the causes that determine these differences in their dialects . And in response to these questions, it was detected the socio-economic factor as the principal of the issue highlighted.

Key words: Langue; linguistic Variations; Preconception.


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¹Artigo solicitado pela professora Gislene Camargo, como crédito final da disciplina Diversidade Linguística , do curso de Licenciatura em Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia ? UNEB, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias ? DCHT, Campus XX, Brumado- Bahia.
²Graduanda do curso de Licenciatura em Letras, UNEB, Campus XX ? turno vespertino, Brumado-BA.


A Língua e suas Variações


O homem é o reflexo do meio ao qual está inserido. Por isso ele tende a construir suas experiências a partir das relações que estabelece com o outro. É por meio da interação social que o homem constrói sua história, seu conhecimento, seus valores e sua identidade moral e cultural. Sendo assim o homem adquire seu modo de falar, por meio da comunicação e das experiências realizadas. A língua é uma identidade humana, pois revela à classe social, a faixa etária e o sexo a qual pertence determinado individuo. É através da língua que o homem é identificado como ser social.
A língua é um fenômeno variável e heterogêneo. Isso se mostra ao depararmos e avaliarmos a quantidade de línguas existentes nos diversos países e até mesmo pela diversidade lingüística dentro de um mesmo país. O Brasil, por exemplo, é um pais exclusivo, constituído de belezas diferentes, culturas, valores, tradições, raça, etnia que se divergem e se multiplicam na formação de um todo, ou seja, na formação de um Brasil diversificado e rico em variedades. Ora, o Brasil possui diversas matizes lingüísticas e culturais, então como pleitear uma língua portuguesa que menospreze essa diversidade, se o povo brasileiro é tão diverso por constituírem diferentes origens e conhecimentos vários, como pode esse povo falar uma língua homogênea( )Não existe um modo específico e único de falar, o que existe é uma gama de variações lingüísticas justificadas pelo modo ao qual se formou o povo brasileiro. No livro A pesquisa sociolingustica de Fernando Tarallo, evidencia essa questão:

"A cada situação de fala em que nos inserimos e da qual participamos, notamos que a língua falada, é, a um só tempo, heterogênea e diversificada". (Tarallo, pág 06, 2007).


Espécies de variação


Entre as modalidades de variações que existem e que caracterizam o modo de falar de um determinado individuo estão as variações:
Variação Histórica: Acontece ao longo de um determinado período de tempo, em que o processo de mudança é gradual: uma variante inicialmente utilizada por um grupo restrito de falantes passa a ser adotada por indivíduos socioeconomicamente mais expressivos. A forma antiga permanece ainda entre as gerações mais velhas, período em que as duas variantes convivem; porém com o tempo a nova variante torna-se normal na fala, e finalmente consagra-se pelo uso na modalidade escrita. As mudanças podem ser de grafia ou de significado.
Variação Geográfica: Trata-se das diferentes formas de pronúncia, vocabulário e estrutura sintática entre regiões. As diferenças lingüísticas entre as regiões são graduais, nem sempre coincidindo com as fronteiras geográficas, ou seja, pessoas que moram em outras regiões têm formas diferentes de falar e cada região tem seu devido sotaque.
Variação estilística: Considera um mesmo indivíduo em diferentes circunstâncias de comunicação: se está em um ambiente familiar, profissional, o grau de intimidade, o tipo de assunto tratado e quem são os receptores. É possível identificar dois limites extremos de estilo: o informal, quando há um mínimo de reflexão do indivíduo sobre as normas lingüísticas, utilizado nas conversações imediatas do cotidiano; e o formal, em que o grau de reflexão é máximo, utilizado em conversações que não são do dia-a-dia e cujo conteúdo é mais elaborado e complexo.
Variação social: Agrupa alguns fatores de diversidade: o nível sócio-econômico, determinado pelo meio social onde vive um indivíduo; o grau de educação; a idade e o gênero. A variação social não compromete a compreensão entre indivíduos, como poderia acontecer na variação regional; o uso de certas variantes pode indicar qual o nível sócio-econômico de uma pessoa, e há possibilidades de alguém oriundo de um grupo menos favorecido atingir o padrão de maior prestígio. Uma variante geográfica pode ser vista como uma variante social, considerando-se a migração entre regiões do país. Observa-se que o meio rural, por ser menos influenciado pelas mudanças da sociedade, preserva variantes antigas. O conhecimento do padrão de prestígio pode ser fator de mobilidade social para um indivíduo pertencente a uma classe menos favorecida.
Ao realizarmos uma pesquisa sobre variedades linguísticas,obtivemos como modelo teórico o método qualitativo.Foi através de entrevistas com pessoas de diferentes níveis sociais e faixa etária, por meio de um questionário, cujo tema referia-se a educação que entrevistamos idosos e jovens do bairro São Félix e Centro da cidade de Brumado, no qual, foi possível percebermos a influência em que a variação social exerce na fala dos indivíduos,
Nas falas dos idosos, moradores do bairro São Félix, onde alguns ainda são analfabetos e outros com baixo nível de escolaridade, apresentaram alguns casos de ocorrências lingüísticas como, a ausência da marca do plural < s > "as professora", "eu conheço algumas continha, as data do ano"," as veiz as criança", "é o caso que nois comentô", "essas coisa". Vimos aí que o fenômeno que trata da eliminação da marca do plural, é um dos mais freqüentes nas falas dos entrevistados. Outro caso ocorrente é o fenômeno da assimilação que reduz a marca do gerúndio NDO em apenas NO. "Exemplos: "ensinano", " morano aqui", " escreveno carta", " trabalhano na Magnesita". Foi possível perceber ainda a queda da vogal O na fala: "depois vei" (depois veio); a alternância do LH pela vogal I, "véia" (velha); a queda do LH em: "fiarada" (filharada). Outro caso comum é a ausência da concordância verbal na fala: "eles não ligava" (ligavam), " nois trabalhava duro e não estudava (trabalhávamos / estudávamos); gírias arcaicas como "não carece"; dentre outros.
Durante a entrevista em forma de dialogo, em que lançávamos perguntas do questionário, percebemos que os idosos encontravam-se descontraídos, mantendo um dialogo ativo e interessante, em que relataram passagens de suas vidas, como sendo emigrantes da zona rural que vieram em busca de melhores condições de vida; dificuldades econômicas que os impediram ou dificultavam o acesso a escola, e outros fatos antepassados. Por virem da zona rural, onde o acesso a escola era bastante difícil, observamos que alguns traços linguísticos eram decorrentes do local de origem, e que não sofreram mudanças significativas, por não constituírem um nível mais elevado de escolaridade e outros por ainda serem analfabetos.
Para dar continuidade a nossa pesquisa, mostraremos os resultados obtidos com os idosos do centro da cidade de Brumado, onde todos os entrevistados tiveram a conclusão ou do primeiro grau ou do ensino médio. Diante algumas falas foi possível perceber a ausência da concordância verbal, "Elas precisa ser mais remuneradas", " A família e a escola precisa fazer a parte delas", " Se o governo tomasse uma atitude e cumprir com o dever". Aqui foi possível perceber que o fenômeno que trata da ausência da concordância verbal, está bastante presente nas falas dos entrevistados. Mas, apesar de encontrar alguns fenômenos de variações, ao qual não citamos todos, é perceptível que os idosos que habitam no centro da cidade e que possuem um grau de educação mais elevado apresentam um maior conhecimento de mundo, mais informações da realidade que os cercam, alem de possuírem mais recursos e rebuscamento na fala.
Ao entrevistarmos outra faixa etária, ou seja, jovens de diferentes níveis sociais, mas todos estudantes de 1º e 2º grau, percebemos também alguns fenômenos de variações lingüísticas em determinadas falas, como exemplo, entrevistados do bairro São Félix também fazem a assimilação do gerúndio NDO em NO, "Eu to falano", "Agente tem que ta cobrano", " Ver o que esta precisano". Assim como a ausência da concordância verbal "É o que tu falou"
(falaste), "Não ia ter muitas pessoas analfabeta" (íamos), outro exemplo nesta fala é a ausência da marca do plural <s>, que seria (analfabetas). Houve casos de alternância, entre duas formas da preposição- para e pá, "Passei pá oitava", e algumas gírias, como: " Aí me pegô veí" e "Tipo assim".
Mesmo estes jovens estando inseridos no meio escolar, eles permanecem a falar com alguns traços de variações lingüísticas. Isso ocorre também pela influencia do meio em que vivem, onde outros jovens e idosos apresentam os mesmos fenômenos lingüísticos presentes na fala. Já os jovens, moradores do Centro de Brumado vimos que também apresentaram alguns fenômenos aqui já citados, como o caso das gírias "e aí brother", " Fiquei sem noção", "pode crer", "bota fé ". Percebemos ainda que os mesmos possuem maior firmeza ao se expressarem e segurança ao elaborar suas respostas, um maior conhecimento e informação, conhecimentos esses que os levam a ter uma perspectiva de vida diferente dos jovens da classe menos favorecida, como levar seus estudos adiante, cursar uma universidade e ocupar uma profissão de destaque social.
No livro Preconceito lingüístico de Marcos Bagno, ele cita um preconceito bastante presente na cultura brasileira, o lingüístico, que diz "brasileiro não sabe português". E ainda nos afirma que esta afirmação é um mero engano, pois todo falante tem conhecimento de sua língua materna. Ainda no mesmo livro, Bagno diz: "uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa- múndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua". O que o escritor tenta nos alertar é que língua e gramática são dois fatores diferentes, sendo que a língua é natural e intrínseco a todo ser falante e a gramática é um conjunto de normas e regras que visa descrever e manipular a fala através da chamada norma culta.
Não se pretende aqui uma rejeição às normas lingüísticas tradicionais, e sim compreendermos que toda expressão lingüística é construída socialmente, sem, contudo existir uma forma única e correta de falar, mas sim uma pluralidade de formas de se dizer uma mesma palavra, as quais denominaram variações lingüísticas.


Considerações Finais


Através desta pesquisa, é que podemos perceber como existem de fato as variações linguísticas, em que cada pessoa tem seu modo próprio de falar e se expressar. Variações estas históricas, por alguns manterem vivas ainda expressões como "não carece" e variações sociais que agrupa alguns fatores como, o nível sócio- econômico, o grau de educação e a idade, que decisivamente influi bastante na fala do individuo. A educação é primordial na vida, pois é através do conhecimento que novos horizontes se abrem, que novas oportunidades surgem, fazendo do sujeito um ser de conquistas e valores. Valores atribuídos por uma sociedade classificatória e excludente, em que obviamente quem não possui tais tributos estão consequentemente a margem. Só que a educação não é acessível a todos, e é fato que muitos ainda são analfabetos. Como estas pessoas terão maiores oportunidades? Será que existem possibilidades de haver uma ascensão social? O que existe na verdade é um condicionamento, em que estas pessoas continuarão marginalizadas, enquanto que os detentores do conhecimento serão ainda detentores do poder. Logicamente, podemos concluir que as diferenças lingüísticas demarcam as classes sócias, e que o maior preconceito existe com aqueles que não tiveram oportunidades a educação, ou seja, de aprender a tão privilegiada norma padrão.