José dos Santos Carvalho Filho, ao tratar das Agências Reguladoras em seu “Manual de Direito Administrativo”, atribui às mesmas “a função principal de controlar, em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. – 23. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 531).

      O autor ainda ressalta em sua obra a importância de que tais instituições exerçam a fiscalização dos serviços e atividades, evitando que pessoas jurídicas de direito privado venham a praticar abuso de poder econômico, visando o aumento arbitrário de seus lucros.

      Com isso, constituem-se como atribuições precípuas das Agências Reguladoras, dentre outras, a elaboração de normas disciplinadoras dos setores regulados, a fiscalização dessas normas, o incentivo à concorrência e a defesa dos direitos do consumidor.

      Nesse sentido, fomos recentemente surpreendidos com a notícia de que o serviço de banda larga fixa poderia ser limitado pelas respectivas operadoras. Dessa forma, após atingido o limite de consumo pelo cliente, haveria o bloqueio ou redução de velocidade, tendo como base as franquias previamente contratadas.

      Estranhamente, a Anatel encara a medida como benéfica. Em noticiários, deparamos com manifestações como a do superintendente de competição da Anatel, alegando que o limite será melhor para os que consomem menos e estão abaixo da média de consumo.

     Ora, parece-nos questionável que a Anatel venha a aprovar uma medida fundamentando-se, de maneira muito fraternal, aos brasileiros que estão abaixo da média de consumo, sabendo que a tendência mundial é que os serviços cada vez mais dependam do consumo de internet, prezando ainda pela eficiência e diminuição dos custos do serviço.

     Quanto a este aspecto, é fato notório que a internet do Brasil é cara e ineficiente. Segundo estudo divulgado pela União Internacional das Telecomunicações (UIT), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), “o custo da assinatura mensal de 1GB pela internet no celular no país é de US$ 29,50, enquanto entre os chamados países desenvolvidos o valor médio é de US$ 16,30. O alto custo é o principal fator que inibe uma maior expansão da internet de banda larga no Brasil”.

     O respectivo levantamento ainda aborda a péssima velocidade disponibilizada em âmbito nacional, registrando que metade das conexões à internet situam-se entre 256 Kbps e 2 Mbps. Nos EUA, a Federal Communications Commission (FCC, a agência de regulação da comunicação) defende que o conceito de “internet banda larga” seja aplicado apenas para velocidades superiores a 25 Mbps, em respeito ao consumidor.(Fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/A-internet-cara-e-lenta-do-Brasil/12/33716).

     Por sua vez, a necessidade de utilização da internet para todos os serviços é uma tendência irrefreável, haja vista os serviços de streaming e a computação em nuvem, sem considerar serviços ainda mais básicos como cursos online e sites de notícias.

     Ademais, continuamente os usuários brasileiros passam a fazer mais operações cotidianas via internet, tais como atividades bancárias e compras. Nos dias de hoje, mesmo pessoas jurídicas prestadoras de serviços básicos, como a Ampla, recomendam a utilização do seu aplicativo para reclamações quanto à falta de energia.

     Nesse cenário, o Brasil distancia-se da tendência mundial, albergado por um discurso que segue interesses obscuros e avessos ao da coletividade. E de maneira muito oposta ao discurso do superintendente de competição da Anatel, a restrição impedirá que os mais pobres acessem igualitariamente a internet, gerando desigualdade no acesso de informações.

      Além disso, a limitação acarretará um significativo prejuízo a diversas pessoas jurídicas que dependem do adequado fluxo de internet para prestar suas atividades empresariais. Com isso, estaria em risco ainda a preservação de empresas, ensejando prejuízos à ordem econômica, à valorização do trabalho humano e à livre iniciativa (artigo 1º, inciso IV e artigo 170 da Constituição Federal). 

      Como se não bastasse, a lei 8987/95 estabelece como preceitos a serem atendidos pelas prestadoras de serviço público“a regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (artigo 6º, §1º ). Consigna ainda a lei que o serviço só poderá ser descontinuado em caso de emergência ou, mediante prévio aviso, por motivadas razões de ordem técnica ou segurança das instalações, bem como por inadimplência do usuário (artigo 6º, §3º).

      Mas será que a Anatel desconhece o ordenamento jurídico brasileiro? Será que a Anatel efetivamente cumpre o seu papel em defesa dos direitos do consumidor ou arrefece perante influências e troca de favores, em desapreço aos usuários? Essa indagação deve se estender às demais Agências Reguladoras nacionais, que atendem muito abaixo das suas expectativas e competências, estando muito mais atreladas aos interesses dos entes regulados e do Poder Público do que da sociedade.

      Já passou da hora das Agências Reguladoras assumirem uma maior responsabilidade no país, não podendo se reduzir ao terrível papel de subserviência, perante os mais diversos interesses somíticos dos virtuais atores do Brasil.