O Direito foi instituído pela sociedade como forma de regulamentação da mesma, delimitando-se direitos e garantias individuais, com o objetivo de solvibilidade dos problemas sociais, como bem salienta Kelsen:

As normas de uma ordem jurídica regulam a conduta humana.

[...] a regulamentação jurídica da conduta de uma pessoa que individualmente se refere a outra pessoa determinada. Não é apenas – e talvez não seja tanto – o interesse do credor concreto aquilo que é protegido pela norma jurídica que vincula o devedor ao pagamento: é antes o interesse da comunidade – apreciado pela autoridade jurídica – na manutenção de um determinado sistema econômico. [1]

Na atualidade, um dos assuntos em voga, é a possibilidade ou não de limitação dos juros remuneratórios, principalmente no que tange aos instituídos pelas instituições financeiras, bancos, cooperativas de créditos e empresas afins.

De um lado, põe-se a inexistência de limitação legal dos juros remuneratórios decorrentes de contratos bancários, antes encontrada no texto da Constituição Federal de 1988, mais precisamente no artigo 192 §3º da CF/88, a qual foi revogada, mediante a Emenda Constitucional no 40/2003, cabendo a limitação dos juros remuneratórios ao Conselho Monetário Nacional, nos termos da Lei 4.595/64.

Por outro lado, impõe-se a limitação legal dos juros, ante a aplicabilidade do disposto no Decreto 22.626/33, bem como do Código Civil, os quais definem os juros remuneratórios legais como sendo de, no máximo, 12% (doze por cento) ao ano.

Neste sentido:

A determinação legislativa, portanto, era no sentido de que o ajuste desprovido de qualquer especificação acerca da taxa de juros remuneratórios necessariamente deveria observar o que disciplinava a lei civil.

Este regime calcado no liberalismo teve breve duração, eis que diante dos excessos praticados pela usura, foi editado em 07 de abril de 1933, por Getúlio Vargas, Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, o Decreto nº 22.626. [...]

Como se vê, a legislação em referência revogou a segunda parte do art. 1262 do Código Civil de 1916, vedando, em regra, a cobrança de juros superiores ao dobro da taxa legal de 6% ao ano, limitando, por conseqüência, em 12% ao ano a taxa máxima de juros a serem pactuadas em quaisquer contratos. [...]

Em 31 de dezembro de 1964 foi publicada a Lei nº 4.595/64, denominada "Lei da Reforma Bancária", a qual, segundo se depreende de sua ementa "dispõe sobre a Política e as Instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional, e dá outras providências".

Em atenção ao anteriormente transcrito, passou-se a deduzir que às instituições financeiras seriam aplicáveis as limitações de taxas de juros impostas pelo Conselho Monetário Nacional. Por isso, o limite previsto até então pela Lei de Usura em relação a elas teve sua vigência encerrada, uma vez que pelas normas da hermenêutica jurídica, lei específica posterior derroga lei geral anterior.

Dessa forma, as restrições impostas pelas leis comuns às taxas de juros não mais se aplicariam aos bancos, já que estariam sujeitos às fixações do Conselho Monetário Nacional [07].

Em amparo a essa tese, foi editada em 15 de dezembro de 1976 a Súmula nº 596, do Supremo Tribunal Federal:

"Súmula 596 - As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional".

O tema, entretanto, nunca foi objeto de pacífica interpretação entre os doutrinadores. [2]

Contudo, por uma simples análise dos dispositivos legais aplicáveis à espécie, pode-se entender que, na atualidade, os juros remuneratórios encontram-se limitados em 12% ao ano, como se passa a transcrever.

Num primeiro momento, deve-se realizar uma análise histórica das legislações, para se evidenciar que na atualidade, tanto a Lei 4.595/64 quanto o Decreto 22.626/33 encontram-se revogados, aplicando-se ao caso o previsto nos artigos 406 e 591 do Código Civil, bem como o artigo 161 §1º do Código Tributário Nacional.

Conforme se verifica pela análise do Código Civil de 1916, nos seus artigos 1062, 1063, os juros remuneratórios eram de 6% ao ano. Contudo, o próprio artigo 1262 do CC/1916 previa que os juros remuneratórios poderiam ser livremente convencionados, sem limitação:

O Código Civil de 1916, envolto pelas idéias individualistas, deu às partes a liberdade para convencionarem a taxa de juros remuneratórios, permitindo a sua fixação em taxa inferior ou superior à legal, com ou sem capitalização. Essa é dicção do disposto no então art. 1262 do diploma em análise:

"Art. 1262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.

Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (artigo 1062), com ou sem capitalização".

Somente nas hipóteses de omissão contratual ou de incidência de juros legais, aplicava-se a taxa de 6% ao ano, a teor do que dispunha o art. 1063 do Código Civil pretérito.

A determinação legislativa, portanto, era no sentido de que o ajuste desprovido de qualquer especificação acerca da taxa de juros remuneratórios necessariamente deveria observar o que disciplinava a lei civil. [3]

Todavia, no dia 07 de abril de 1933, foi expedido o Decreto nº 22.626, o qual nos seus artigos 1º e 2º, referia que era expressamente proibida a contratação de juros remuneratórios em valor superior ao dobro da taxa legal.

Logo, o Decreto 22.626/33 veio a revogar o artigo 1262 do CC/1916, de forma a limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano:

Como se vê, a legislação em referência revogou a segunda parte do art. 1262 do Código Civil de 1916, vedando, em regra, a cobrança de juros superiores ao dobro da taxa legal de 6% ao ano, limitando, por conseqüência, em 12% ao ano a taxa máxima de juros a serem pactuadas em quaisquer contratos. [4]

O Decreto 22.626/33, em conjunto com o Código Civil revogado, vieram a limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano, por longo período, até que no dia 31 de dezembro de 1964, foi publicada a Lei 4.595, chamada Lei da Reforma Bancária, a qual, no seu artigo 4º, incisos IX e X, dispõe de forma expressa que competia ao Conselho Monetário Nacional a limitação das taxas de juros, decorrentes de operações bancárias. Assim:

Art. 4° Compete privativamente ao Conselho Monetário Nacional:

IX – Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover: [...]

X – determinar a percentagem máxima dos recursos que as instituições financeiras poderão emprestar a um mesmo cliente ou grupo de empresas.[5]

A partir deste momento, com a criação da Lei 4.595/64, instituiu-se uma legislação especial que regulamentava os juros remuneratórios instituídos pelas partes, com as instituições bancárias. A lei 4.595/64 não revogou, em momento nenhum o Decreto 22.626/33, todavia, a Lei de Reforma Bancária se aplicava para os contratos bancários, e a Lei de Usura se aplicava aos demais contratos.

Tanto o é, que no dia 15 de dezembro de 1976 o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a súmula 596, afirmando que as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

Conseqüentemente, o STF procedeu a edição da súmula 596 de maneira correta, ante a realidade legal da época, referindo que a Lei 4.595/64 seria uma norma especial, que regulamentaria as taxas de juros nos contratos mantidos com as instituições bancárias, sem, no entanto, revogar o Decreto 22.626/33, que se aplicaria aos juros remuneratórios decorrentes dos demais contratos.

Contudo, no dia 05 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal, a qual não recepcionou a Lei 4.595/64, passando esta a não possuir mais eficácia no ordenamento jurídico presente, desde então.

Ocorre que, como é de conhecimento notório, a ordem constitucional nova revoga a anterior, no entanto, a legislação infraconstitucional submete-se a alguns institutos jurídicos, para que não haja necessidade de uma nova produção legislativa, a recepção, a repristinação e a desconstitucionalização. Na mesma compreensão Temer dispõe que "A ordem constitucional nova, por ser tal, é incompatível com a ordem constitucional antiga. Aquela revoga esta. Entretanto, não há necessidade de nova produção legislativa infraconstitucional." [6]

Nas palavras de Bastos "A superveniência de uma nova Constituição desaloja por completo a anterior. Isto se dá em virtude do seu próprio caráter inicial e originário. É dizer: a Constituição é a fonte geradora de toda a ordem jurídica, que dela extrai seu fundamento de validade." [7]

Assim, recepção é o instituto jurídico pelo qual a nova Constituição recebe a lei que surgiu na vigência de Constituições anteriores, desde que estas não a contrariem.

A recepção é, inclusive, confirmada pelo art. 2º, §2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) – decreto-lei 4.657/42: "§2º A lei nova, que estabelece disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior." [8]

Todavia, a Lei 4.595/64 não foi recepcionada pela Constituição Federal, tendo em vista seus artigos 22, incisos VI e VII, artigo 48, inciso XIII, e 68 §1º. Ocorre que o artigo 22 da Constituição Federal, nos seus incisos VI e VII, dispõe que é de competência privativa da União legislar sobre o sistema monetário e de medidas a respeito de políticas de crédito. Além disso, o artigo 48, inciso XIII da CF/88 prevê que é de competência exclusiva do "congresso nacional" dispor sobre matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.

Ainda, o artigo 68 §1º da CF/88 proíbe a delegação de atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, conforme dispõe o artigo 48.

Conseqüentemente, não pode a Lei 4.595/64 legitimar o Conselho Monetário Nacional dispor sobre juros remuneratórios, em verdadeira afronta aos artigos 22, incisos VI e VII, artigo 48, inciso XIII, e 68 §1º da Constituição Federal.

Neste teor:

[...] afigura-se clara a conclusão de que a Carta de 1988 revogou as disposições da Lei 4.595/64 no ponto em que atribuíam ao Conselho Monetário Nacional, via Banco Central, o poder de legislar em matéria financeira, pois outra coisa não é disciplinar taxas de juros e condições de empréstimo, por exemplo.

Assim, tendo a Constituição estabelecido a competência exclusiva do Legislativo da União para dispor sobre tais matérias, deixou de recepcionar a legislação anterior, que restou assim revogada, por não poder conflitar com a Lei Maior. [9]

Trata-se de claro caso de não recepção da Lei 4.595/64 pela ordem constitucional, em virtude do desrespeito ao princípio da indelegabilidade, e afronta aos dispositivos constitucionais.

Além disso, deve-se ressaltar que a própria Constituição Federal de 1988 regulamentou o limite de juros remuneratórios, no seu artigo 192, §3º, quando referiu que os mesmos estariam limitados em 12% ao ano.

Por tais motivos, o Decreto 22.626/33, e os artigos 1.062 e 1.063 do Código Civil de 1916 foram devidamente recepcionados pela nova ordem constitucional, eis que também limitavam os juros remuneratórios em 12% ao ano.

Desta maneira, com o advento da Constituição Federal de 1988, somente os artigos 192 §3º da Carta Magna, além do Decreto 22.626/33 e artigos 1.062 e 1.063 do Código Civil de 1916 regulamentavam os juros remuneratórios, limitando-os em 12% ao ano.

Neste sentido:

Nesse rumo, constata-se que não há nenhum dispositivo de lei que autorize a prática de juros acima daquele que o Código Civil e o Decreto 22.626/33 fixam como limite. Assim, por analogia, chega-se ao limite de 12% ao ano.[10]

Contudo, no dia 10 de janeiro de 2002, foi instituído o novo Código Civil, por intermédio da Lei 10.406/2002, que entrou em vigor um anos após a sua publicação, nos termos do seu artigo 2.044.

Com o advento Código Civil, Lei 10.406/2002, o mesmo também regulamentou a limitação dos juros remuneratórios, nos seus artigos 406 e 591.

Ocorre que em análise aos artigos 406 e 591 do Código Civil de 2002, percebe-se que os juros remuneratórios encontram-se limitados pelos mesmos juros cobrados pela Fazenda Nacional.

Assim, em análise ao artigo 161, §1º do Código Tributário Nacional, que prevê que os juros cobrados pela Fazenda Nacional são de 1% ao mês, em conjunto com os artigos 406 e 591 do Código Civil, entende-se que os juros remuneratórios foram limitados em 12% ao ano.

Ocorre, todavia, que o Código Civil de 2002 revogou o Código Civil de 1916, e também o Decreto 22.626/33, eis que tratou da mesma matéria, continuando a limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano.

Nesse sentido:

O art. 591 do Código de 2002 tem texto bem interessante: "Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos os juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual".

Essa norma, por tratar de mesma matéria que os arts. 1º e 4º, da Lei de Usura (Dec.-lei 22.626/33), os revoga. [11]

Conseqüentemente, na atualidade os artigos 406 e 591 do Código Civil, em análise conjunto ao artigo 161, §1º do Código Tributário Nacional, regulamentam e limitam os juros remuneratórios em 12% ao ano, estando totalmente adequados à ordem constitucional.

Tais fatos evidenciam a possibilidade da limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano. Contudo, ainda há inúmeros expedientes que também evidenciam a limitação dos juros, além dos ora elencados.

Ocorre que a Lei 4.595/64 referia, expressamente no seu artigo 4º, inciso IX, que caberia ao Conselho Monetário Nacional "limitar" as taxas de juros remuneratórios.

Todavia, em nenhum momento a referida Lei dispôs que o Conselho Monetário Nacional poderia "liberar" as taxas de juros remuneratórios, como vem acontecendo no País até a atualidade.

Neste sentido:

Deve ficar claro que a aplicação das normas integrantes da lei consumerista e do Decreto nº 22.626/33 não tem o condão de afrontar as disposições da Lei 4.595/64. Em resumo, o art. 4º, IX, da Lei que instituiu o Sistema Financeiro Nacional, prevê, que compete ao Conselho Monetário Nacional limitar sempre que necessário as taxas de juros. A toda evidência a expressão "limitar sempre que necessário" não pode ser interpretada como uma autorização para que os juros sejam liberados indiscriminadamente por aquele órgão. [12]

Além disso, ainda deve-se ter ciência de que a Lei de Reforma Bancária, Lei 4.595/64, somente impõe uma regra de competência administrativa, inclusive inconstitucional como já se evidenciou anteriormente, sem vincular qualquer contrato.

Ocorre que as disposições do Conselho Monetário Nacional, por não possuírem caráter legal, não obrigam e nem vinculam os consumidores. Assim:

É importante consignar que, quanto ao art. 4º, inc. IX, prevê, tão-somente, uma regra de competência. O veículo introdutor de normas que libera os juros (e que, em tese, poderia ser contrariado) é um ato administrativo: RESOLUÇÃO do CMN. [...]

A regra de competência é uma norma dirigida somente ao órgão da administração pública, destituída dos caracteres de generalidade e abstração, exigência constitucional para que tenham aplicabilidade a todos.

Somente o Conselho Monetário Nacional é obrigado a seguir a regra de competência que prevê a ele alguma atribuição. Uma norma de competência apenas direciona como se dará a formação de outras normas. Ou seja, direciona a atividade do órgão competente para editar normas. Assim, a regra do art. 4º, inc. IX, da Lei 4.595/64, apenas serve para delinear a atividade do CMN. Mas essa regra não se aplica aos contratos por que não é uma norma de conduta, apta a regrar as relações contratuais.

À guisa de exemplo, veja-se que eventual pretensão de limitação de juros violaria apenas uma RESOLUÇÃO, e não a lei 4.595/64 – nem mesmo indiretamente. Trata-se de consectário lógico-jurídico: somente o órgão dotado de competência pode infringir uma regra de competência, seja porque foi além dela, seja porque foi aquém dela.

A regra contida na Lei nº 4.595/64 só pode ser descumprida se o CMN agir em desacordo com os princípios por ela fixados, isto é, se aquele ente desbordar das competências que lhe foram atribuídas. As regras de competência se dirigem apenas àqueles que devem praticar os atos. Mas as partes contratantes, e em especial o Poder Judiciário, quando decide um caso concreto, não podem afrontar a Lei nº 4.595/64, uma vez que esta apenas atribui uma competência ao Conselho Monetário Nacional.

Concluindo, é logicamente impossível aplicar-se a Lei nº 4.595/64, art. 4º, inc. IX, às relações contratuais, uma vez que são duas esferas distintas. A regra do referido dispositivo, eis que regra de competência, só se aplica ao CMN, no seu orbe administrativo, e a mais ninguém. [13]

Ademais, no caso de realização de uma análise das normas, verifica-se que não há como não concluir pela limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano.

Inicialmente, o artigo 192 da Constituição Federal, mesmo alterado pela Emenda 40/2003, passou a estabelecer que o sistema financeiro nacional deve ser estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País, servindo os interesses da coletividade.

Além disso, o artigo 3º da Constituição Federal também evidencia que um dos objetivos fundamentais deste País, é de formar uma sociedade livre, justa e solidária, como garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza, e redução das desigualdades.

Da mesma maneira, o artigo 173, §4º da Constituição Federal também expressa que a legislação brasileira deverá reprimir o abuso do poder econômico, e o aumento arbitrário dos lucros, de forma a garantir a igualdade social.

Neste sentido:

Nos princípios constitucionais estão implícitos os valores pelos quais o interprete deve nortear sua análise por ocasião da interpretação da norma ou ato jurídico, vez que estes não podem ser incompatíveis com a fonte primária da lei maior.

O art. 192 da Constituição Federal, que trata da Ordem Constitucional Financeira do País estabelece in verbis:

"Art. 192 – O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade , em todas as partes que o compõem , (...)" .

A construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades (art. 3o da CF), na qualidade de objetivos fundamentais traçados pela carta magna, implicitamente impõem um limite aos interesses do setor financeiro.

Também o art. 173 § 4o da CF, dispõe que "A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.", razão pela qual não há que se falar em livre fixação de juros, pois entendendo de outro modo, significaria tornar incontrolável a forma de remuneração do capital nos empréstimos bancários, serviços sobre os quais incide o Código de Defesa do Consumidor. [14]

Todos estes preceitos constitucionais continuam a garantir a possibilidade de limitação dos juros remuneratórios contratados junto às instituições financeiras, em 12% ao ano, em virtude da valorização social, e do objetivo claro de diminuírem as desigualdades.

Ocorre que não se pode aceitar que a cobrança de juros pelas instituições bancárias sejam realizadas de maneira desregulada, considerando os patamares elevados atualmente praticados, que superam a remuneração à poupança e da inflação. Logo, perfeitamente possível a limitação de juros em 12% ao ano.

Da mesma maneira, a legislação infraconstitucional também consagra a luta pela igualdade social, como forma de defesa dos interesses sociais, e não do individualismo.

O artigo 421 do Código Civil refere que os contratos devem respeitar a sua função social. Trata-se mais um expediente legal que, além do princípio da boa-fé, além do princípio da igualdade negocial, visa reestabelecer a igualdade entre as partes contratantes, de forma a respeitar o interesse coletivo. Como bem salienta a doutrina:

Revisão do contrato. A desconformidade do contrato com sua função social (e com a boa-fé objetiva – CC 422) pode ser corrigida administrativa ou judicialmente. O primeiro caminho é o aditivo contratual celebrado entre as próprias partes contratantes. Não havendo acordo entre elas, é possível conformar-se o contrato desequilibrado à sua função social pela vida da revisão judicial do contrato.

Revisão judicial do contrato. Pela cláusula geral da função social do contrato o juiz pode revisar e modificar cláusula contratual que implique desequilíbrio entre as partes. Essa atividade integrativa do juiz (Richterrecht) assume o caráter de direito positivo vinculante, em nome da legitimação democrática do direito e do princípio da divisão de poderes (Luigi Lombardi Vallauri, apresentação do livro de Giovanni Orrù, Richterrecht, Giuffrè, Milano, 1983, p. VII). A decisão do juiz torna-se norma jurídica, isto é, lei entre as partes, porque o magistrado, com a concretização da cláusula geral de função social do contrato, passa a integrar o negócio jurídico contratual. A atividade jurisdicional deixa o seu caráter tradicional e geral de função substitutiva da vontade das partes pela do Estado-juiz, e passa a fazer parte do contrato como ocorre com a atividade judicial na jurisdição voluntária, com a diferença de que nesta última não há lide. A essa sentença integrativa do juiz dá-se o nome de sentença determinativa (festsetzendes Urteil) (Kisch, Beiträge, §5º, p. 110 et seq.). [15]

Da mesma forma, o artigo 5º do Decreto 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil – LICC), estabelece que, no julgamento das demandas, o Magistrado atenderá os fins sociais aos quais a norma se dirige. Aí, mais uma prova de que a norma visa o bem comum, e não a individualidade.

Colaciona-se entendimento doutrinário:

O propósito, a finalidade, consiste em produzir a realidade social determinados efeitos que são desejados por serem valiosos, justos, convenientes, adequados à subsistência de uma sociedade, oportunos, etc. A busca desse fim social será a meta de todo o aplicador do direito. [...]

Neste sentido poder-se-ia afirmar que a norma jurídica significa, na sua aplicação, uma axiologização da realidade social concreta. [...] Logo, todo ato interpretativo deverá fundar-se nesse objetivo do bem comum, que respeita o indivíduo e a coletividade, mediante um perfeito equilíbrio, tão necessário ao direito. O bem comum consiste na preservação dos valores positivos vigentes na sociedade, que dão sustento a determinada ordem jurídica. [16]

Aliado a estes dispositivos legais, os consumidores também podem buscar a limitação dos juros remuneratórios, em decorrência dos contratos bancários em 12% ao ano, por fundamento no Código de Defesa do Consumidor, principalmente pelo fato do consumidor ser a parte hipossuficiente, que necessita da Lei 8.078/90, para reequilbrar as relações jurídicas.

Logo:

O inciso I do art. 4º reconhece: o consumidor é vulnerável.

Tal reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal. Significa ele que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta [...]

O importante é mesmo saber que a vulnerabilidade é constatação e afirmação legal: basta ser consumidor para ser vulnerável. E, por isso, gozar dos benefícios de proteção instituídos na lei. [17]

Por todos estes motivos, consagra-se que é totalmente possível, por imposição legal, a limitação dos juros remuneratórios, em 12% ao ano, no que se referem aos contratos, quer envolvam as instituições bancárias, ou não.

REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002.

BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Legislação Civil, Processual Civil e Empresarial e Constituição Federal. Yussef Said Cahali. (Org.) 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

CASADO, Márcio Mello. Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

CASTILHOS, Everton Hertzog. Problema acerca dos juros remuneratórios . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1430, 1 jun. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9941>. Acesso em: 08 dez. 2008.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

PORTANOVA, Rui. Limitação dos juros nos contratos bancários: ações e defesas dos devedores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

TEIXEIRA, Ricardo Dolacio. Limitação de juros nos contratos bancários: aplicabilidade de normas infra-constitucionais e princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e função social dos contratos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 734, 9 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6963>. Acesso em: 08 dez. 2008.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

TOLENTINO, Luis Fernando Simões. A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1609, 27 nov. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10699>. Acesso em: 08 dez. 2008.



[1] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 33-35

[2] TOLENTINO, Luis Fernando Simões. A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1609, 27 nov. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10699>. Acesso em: 08 dez. 2008.

[3] TOLENTINO, ibidem, Acesso em: 08 dez. 2008.

[4] TOLENTINO, op. Cit, Acesso em: 08 dez. 2008.

[5] BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Legislação Civil, Processual Civil e Empresarial e Constituição Federal. Yussef Said Cahali. (Org.) 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 821-822

[6] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 38

[7] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002.. P. 117

[8] BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Legislação Civil, Processual Civil e Empresarial e Constituição Federal. Yussef Said Cahali. (Org.) 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. . 225

[9] PORTANOVA, Rui. Limitação dos juros nos contratos bancários: ações e defesas dos devedores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 51-52

[10] PORTANOVA, op. cit, 2002. p. 145

[11] CASADO, Márcio Mello. Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 89-90

[12] CASTILHOS, Everton Hertzog. Problema acerca dos juros remuneratórios . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1430, 1 jun. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9941>. Acesso em: 08 dez. 2008.

[13] CASTILHOS, ibidem, Acesso em: 08 dez. 2008.

[14] TEIXEIRA, Ricardo Dolacio. Limitação de juros nos contratos bancários: aplicabilidade de normas infra-constitucionais e princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e função social dos contratos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 734, 9 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6963>. Acesso em: 08 dez. 2008.

[15]NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 379

[16] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 166-170

[17] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 127-128