A liderança comunitária
Merece a atenção o trabalho das lideranças comunitárias, fundamental para o desenvolvimento saudável da sociedade como um todo. A representatividade nascida naturalmente no seio de um grupo social reflete mais sobre este grupo do que quaisquer estatísticas angariadas por mecanismos externos de pesquisa idealizados, geralmente, por pessoas que não tem a real dimensão do cotidiano das comunidades friamente sondadas. É notório que para reivindicar ações que possam melhorar a vida das comunidades vigora o recurso dessa representação perante o poder público constituído, exercida por cidadãos oriundos da área pela qual gritam pedidos de socorro, escolhidos pelo trabalho prático no dia a dia presenciando problemas de vários matizes e buscando soluções do jeito que se faz possível até entenderem, todos os prejudicados, que a melhor forma de pleitear ajuda é organizando-se com tal objetivo específico. É nesse instante que surge, de fato, o líder comunitário por uma necessidade natural que demanda um aprendizado providencial no trato com a coisa pública, o que, por sua vez, não é algo fácil em um país onde as instituições sociais ainda são tão frágeis como é o caso do Brasil.
Nascido o líder de uma comunidade é o momento para refletir sobre a qualidade desse ator no quadro da sociedade. Será alguém imbuído das devidas responsabilidades que lhe transformarão em um servidor digno da confiança que lhe depositarão para que seja possível o seu trabalho? Ele terá o afinco e a humildade necessários para ousar quando for preciso, e, manter a mente aberta às sugestões e aprendizados importantes que deverão surgir neste processo dinâmico que é a defesa dos interesses de grupos sociais diante da própria sociedade pelo diálogo persistente? Boa pergunta que somente o tempo trata de responder sabiamente. Não raro, muitos homens e mulheres que se habilitam a tal função esmaecem a própria bandeira que hasteiam colorindo-a com as cores da vaidade pessoal e do gosto desperto por sabores que lhe eram desconhecidos até então, antes de alcançar um certo patamar financeiro e status social, algo que geralmente acontece como conseqüência da posição que passam a ocupar . Isto nos remete a um sábio provérbio popular que diz: "Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza!". A propósito, é difícil mesmo equacionar tal jogo de interesses; os pessoais ou os coletivos?
Em todo caso vale ressaltar, porém, um detalhe importante quanto à natureza da liderança comunitária. Um representante legal é aquele que possui documentos apontando para a sua autoridade, mas um legítimo representante somente pode ser aquele advindo da própria comunidade a qual representa; conhecedor dos seus anseios comuns, das minudências, das características vivas das pessoas que esperam alguém que as tome como uma prioridade e não apenas como mera justificativa para salários ou quaisquer outros benefícios financeiros ou não. Por este ponto de vista é possível perceber que nem sempre ser legalizado implica em ser legitimado pela vivência com a problemática comum de um bairro, de uma parte específica da cidade ou do campo .
Ilustrando melhor essa questão pode-se observar o caso de um vereador que se faz representante legal pelo fato de ter sido eleito e passa a possuir instrumento jurídico que lhe confere poderes para legislar em nome da população. Todavia, isto não quer dizer que ele tenha de fato a capacidade natural de o fazê-lo. Se ele provém de algum tipo de trabalho coletivo junto às pessoas de uma área, se ele detém o conhecimento do que é a real necessidade dessa gente, se o seu trabalho está apoiado em um plano concreto de estruturação social, pode-se concluir que este vereador eleito é simultaneamente legal, pelos votos que o fizeram um servidor público, e é legitimado pelo trabalho que desempenhou junto daqueles para quem se habilita a reivindicar melhorias. Agora, e se o mesmo vereador "caiu de pára-quedas" no meio do processo eleitoral? Ninguém conhecia, ninguém sabia da sua existência e mesmo assim ele sorri ao lado das pessoas desvalidas como se fosse amigo de infância? Se esse camarada entrou pela janela, não era militante político, não estava à frente de coisa alguma, porém, teve o seu nome aprovado como candidato do partido que não costuma ser tão receptivo com aqueles que se manifestam interessados no pleito eleitoral de última hora? Se trata-se de alguém que apóia-se fundamentalmente na oratória garbosa e no poder do dinheiro em campanhas profissionais de marketing? Perguntado sobre uma plataforma de ações práticas ele não acrescenta quase nada de substancial. Se é daqueles que colecionam uma série de processos sem condenação e se diz perseguido por adversários alegando sempre inocência? Inquirido sobre certos temas cruciais mantém-se a balançar a cabeça qual lagartixa demente porque não tem a honestidade para admitir que não conhece o assunto. Fazendo assim, seu interesse não é argumentar em favor do povo mas retirar-se do foco das atenções para não denunciar o próprio despreparo. Enfim, se este vereador hipotético tomado para tal ilustração possui todas essas características hediondas e outras mais aqui não citadas, certamente ele não pode ser considerado um legítimo líder comunitário, ele está mais para um verme comunitário sugando a as forças da sociedade.
Um verme que corrói enquanto um verdadeiro líder constrói. É o mesmo verme que se entranha nas brechas mais podres da lei para gerar larvas corruptas de sua própria essência, sorrateiramente, como quem não quer nada demais. Hábil condutor das palavras porque tem a consciência de uma ignorância generalizada que impede a massa de uma percepção clara das reais intenções por trás de tão belas promessas progressistas, vomita siglas e combinações preparadas de símbolos diluídas em uma "sopa de letrinhas" aparentemente inocente e salvadora, quando de fato, não passa de pura estratégia marqueteira visando manipular a opinião pública. Um verme que se especializa em preencher relatórios impecáveis que no entanto não condizem com as práticas empreendidas porque sabe que a morosidade do sistema lhe confere tempo suficiente para não estar mais no lugar de suspeito quando os escândalos vierem à tona. Este é o verme que adorna as telas de TV em horário nobre prometendo o que for mais impactante, mas, só prometendo...
É crucial que através de uma educação séria que politize, que dê perspectivas e responsabilidades ao cidadão fortaleça-se o trabalho valioso de formar genuínos líderes comunitários. Contudo, isto deve acontecer lá onde vivem os necessitados de toda ordem e longe dos escritórios viciados e repletos de conchavos obscuros, embora apareçam na mídia como "divinas alianças" em prol da democracia nossa de cada dia. Aliás, quando a sociedade reprimida clamava pela destituição da ditadura e o retorno ao ambiente democrático tudo o que sonhava era que os insurgentes fossem tudo menos o sinônimo do que combatiam. O movimento estudantil vibrava e prometia muito à nação. A democracia veio e a sociedade espera um tanto desacreditada e órfã. Ela espera, espera enquanto os vermes grassam... Os vermes sempre estiveram por aí, faltava-lhes um organismo doente para florescer. Um país de todos?