A lição das Meditações husserlianas para nosso tempo
Publicado em 21 de março de 2015 por Hector Magalhães
As últimas eleições foram marcadas pela cisão do país em dois polos que se combateram violentamente. No meio da confusão, é claro, encontrávamos também sensatos com capacidade de articulação coerente, demonstrando argumentações plausíveis para sustentar sua visão. Entretanto, em sua maioria assistimos pessoas de ambos os lados defenderem aos berros e xingamentos seu candidato ou, pior, simplesmente ofender com adjetivos pejorativos o candidato oposto. Dilma venceu as eleições, mas os conflitos não se apaziguaram. Em 15 de março assistimos a ida da classe média branca ir às ruas solicitar, em trajes verde e amarelo, seu impeachment. Pessoas com roupas ou adereços vermelhos que passavam nas ruas foram hostilizadas física e verbalmente. Chegaram a atacar um cachorro que portava um lenço vermelho no pescoço. A despeito da agressividade e mobilização de um grande número de pessoas, não foi divulgada qual era a pauta do movimento e quais meios sugeririam para conseguir suas exigências. Traduzindo, pessoas defendiam violentamente uma ideia, sem saber exatamente qual era, nem o que fazer para obtê-la. Em muitos cartazes e vozes recebemos o pedido do impeachment de Dilma, mas não vimos quais seriam as razões específicas para isso, muito menos a lista de medidas a serem assumidas pelo governo.
O leitor deve estar se perguntando em que medida a fenomenologia husserliana – teoria que trabalha o campo transcendental a partir de conceitos abstratos – relaciona-se com isso. Explico. Em sua obra Meditações Cartesianas o filósofo defendeu a importância de despir-se de todos os seus preconceitos, realizar o exercício meditativo de questionar todas as informações prévias, retornar ao eu puro e, a partir de então, tentar reconstituir o edifício do saber. É esse autoquestionamento que falta a uma parcela da população – esta que agarra-se violentamente a suas opiniões sem confrontá-las, analisa-las, criticá-las e, por fim, fundamentá-las em fatos, dados, estatísticas –, ocasionando um levante agressivo, porém inútil e disforme.
A lição para o nosso tempo e para os tempos vindouros é, independente do posicionamento político individual, ao menos por um momento, questionar suas próprias crenças, mesmo aquelas que parecem óbvias e evidentes, para tentar construir o conhecimento de forma articulada. Esse é um modo de descobrir pelo que lutar e como lutar.