As últimas eleições foram marcadas pela cisão do país em dois polos que se combateram violentamente. No meio da confusão, é claro, encontrávamos também sensatos com capacidade de articulação coerente, demonstrando argumentações plausíveis para sustentar sua visão.   Entretanto, em sua maioria assistimos pessoas de ambos os lados defenderem aos berros e xingamentos seu candidato ou, pior, simplesmente ofender com adjetivos pejorativos o candidato oposto. Dilma venceu as eleições, mas os conflitos não se apaziguaram. Em 15 de março assistimos a ida da classe média branca ir às ruas solicitar, em trajes verde e amarelo, seu impeachment. Pessoas com roupas ou adereços vermelhos que passavam nas ruas foram hostilizadas física e verbalmente. Chegaram a atacar um cachorro que portava um lenço vermelho no pescoço. A despeito da agressividade e mobilização de um grande número de pessoas, não foi divulgada qual era a pauta do movimento e quais meios sugeririam para conseguir suas exigências. Traduzindo, pessoas defendiam violentamente uma ideia, sem saber exatamente qual era, nem o que fazer para obtê-la. Em muitos cartazes e vozes recebemos o pedido do impeachment de Dilma, mas não vimos quais seriam as razões específicas para isso, muito menos a lista de medidas a serem assumidas pelo governo.

O leitor deve estar se perguntando em que medida a fenomenologia husserliana – teoria que trabalha o campo transcendental a partir de conceitos abstratos – relaciona-se com isso. Explico. Em sua obra Meditações Cartesianas o filósofo defendeu a importância de despir-se de todos os seus preconceitos, realizar o exercício meditativo de questionar todas as informações prévias, retornar ao eu puro e, a partir de então, tentar reconstituir o edifício do saber. É esse autoquestionamento que falta a uma parcela da população – esta que agarra-se violentamente a suas opiniões sem confrontá-las, analisa-las, criticá-las e, por fim, fundamentá-las em fatos, dados, estatísticas –, ocasionando um levante agressivo, porém inútil e disforme.

A lição para o nosso tempo e para os tempos vindouros é, independente do posicionamento político individual, ao menos por um momento, questionar suas próprias crenças, mesmo aquelas que parecem óbvias e evidentes, para tentar construir o conhecimento de forma articulada. Esse é um modo de descobrir pelo que lutar e como lutar.