A liberdade de expressão e o diploma de jornalista para o exercício da profissão de jornalista.

                                                  Laysa Ribeiro Soares [1]                                                                                                 Vinicius de Oliveira Barros [2]

                                                                Sumário: INTRODUÇÃO; 1. O direito à liberdade de expressão na Constituição Federal e seus desdobramentos; 2. O impasse sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão; 3. R.E. nº 511.961 e a incapacidade do exercício da profissão de jornalismo dada a exigência de diploma; 4. PEC 33/2009 e a exigibilidade de diploma para o exercício da profissão de jornalista; Considerações Finais; Referências.

RESUMO

Apresenta-se um estudo sobre o a liberdade de expressão e a exigência de diploma de jornalista para exercer a profissão. Comenta-se sobre a liberdade de expressão na Constituição Federal e seus desdobramentos. Logo depois, aborda-se o posicionamento do STF sobre o tema e a iniciativa de emenda à Constituição Federal para exigir o diploma.

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade de expressão. Diploma de jornalista. R.E. nº 511.961. PEC 33/2009.

 

 

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal prevê em diversos dispositivos a liberdade de expressão. Esta se desdobra em três noções mais específicas: liberdade de expressão em sentido estrito, liberdade de informação e liberdade de imprensa. O filósofo britânico John Stuart Mill afirma que a liberdade de expressão não está ligada ao direito de quem se expressa, mas ao interessa da sociedade em tomar conhecimento das opiniões diversas.

Em 2009, chegou ao Supremo Tribunal Federal um recurso extraordinário questionando a recepção do Decreto-Lei nº 972/69, que exige a apresentação de diploma universitário de jornalismo para o registro do jornalista no Ministério do Trabalho. O STF reconheceu que a Constituição Federal não recepcionou o Decreto-Lei, julgando o mesmo inconstitucional. Dessa forma, o STF sepultou a exigência de diploma.

Algumas semanas depois o Senado Federal apresentou uma PEC que vai de encontro ao que foi decidido no STF. A proposta é a adição do art. 220-A à Constituição Federal, condicionando o exercício da profissão de jornalista à apresentação do diploma. A PEC já foi votada no Senado e já foi enviada a Câmara dos Deputados.

A proposta visa alterar um direito e garantia fundamental. Alterações dessa espécie não são admitidas pela ordem constitucional vigente. Dessa forma, a PEC é inconstitucional. Mesmo assim, já foi aprovada pelo Senado. Esse episódio acabou gerando um conflito entre o poder legislativo e o judiciário no cenário nacional.

  1. 1.     O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SEUS DESDOBRAMENTOS

O direito à liberdade de expressão está previsto em disposições espaçadas no texto constitucional (artigo 1º, V; art. 5º, IV, VIII e IX; etc.). De acordo com Rafael Lorenzo-Fernandez Koatz, a proteção a esse direito pode ser analisado por duas perspectivas. A primeira é a substantiva. Essa afirma que a liberdade de expressão é um direito substantivo ou moral dos cidadãos e que tem sua origem no princípio da dignidade da pessoa humana. A troca de impressões e experiências entre indivíduos é condição fundamental para a realização pessoal.

A segunda perspectiva é a instrumental. A liberdade de expressão, de acordo com essa visão, é um instrumento que tem a finalidade de promover outros valores constitucionais. Um dos valores fomentados é o regime democrático. Nele, o intercâmbio de impressões é necessário para que os cidadãos influenciem um ao outro. É na visão instrumental que se encaixa e liberdade dos veículos de comunicação e o direito à informação. É imprescindível a existência desses direitos para que os cidadãos possam ser informados e exercitem suas convicções pessoais (KOATZ, 2011).

Para facilitar a análise da liberdade de expressão, essa se desdobra em três noções mais específicas. A primeira é a liberdade de expressão em sentido estrito, que compreende o direito individual de manifestação de pensamento, ideias, opiniões, etc. Já a liberdade de informação abrange o direito individual de informar e o direito subjetivo de ser informado. Por último vem a liberdade de imprensa, que nada mais é do que um direito-dever dos meios de comunicação de informar fatos, pensamentos e opiniões (KOATZ, 2011).

Luís Roberto Barroso inicia a defesa do princípio fundamental da liberdade de expressão com o seguinte comentário: “Uma nova Constituição, ensina a doutrina clássica, é uma reação ao passado e um compromisso com o futuro” (BARROSO, 2001). Desse modo, a Constituição Federal de 1988 baniu a censura político-ideológica presente nas Constituições anteriores. O poder constituinte originário entendeu que a manifestação de ideias, pensamentos e convicções não pode ser impedida pelo poder público e submetida a interferências do Estado.

A censura nos dias de hoje é um ilícito constitucional. Uma sociedade democrática e livre não pode instituir um controle prévio à expressão de pensamentos. Por isso, a ordem constitucional brasileira defende a liberdade de expressão. E apesar de esta ser um princípio e, por isso, ser passível de restrições, a limitação deve ser fundamentada na própria Constituição.

O professor Daniel Sarmento sustenta que atualmente a imprensa brasileira pratica seu ofício de acordo com a liberdade de imprensa que possui. É legítimo o exercício do seu papel de controle sobre os atos estatais. O grande impasse é que os meios de comunicação são fortemente oligopolizados, o que se torna um impedidor do objetivo fundamental da liberdade de expressão: criar um debate político público plural e aberto.

O filósofo britânico John Stuart Mill afirma que a liberdade de expressão não está ligada ao direito de quem se expressa. Na verdade, é um meio para alcançar respostas adequadas aos problemas sociais. Está vinculado ao interesse dos cidadãos em ouvir as ideias de cada um, mesmo que sejam erradas. O ser humano está sujeito à falhas. A proibição da divulgação de um pensamento apenas por este ser considerado errado é um erro irremediável. O confronto entre diferentes pontos de vista sempre é benéfico para a sociedade, pois permite a fortalecimento dos mesmos. Portanto, o debate racional de ideias (mesmo que erradas) é o “pilar fundamental” para a liberdade de expressão (SARMENTO, 201_). Um regime constitucional democrático precisa desse debate para a formação da vontade coletiva.

  1. 2.     O IMPASSE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DO DIPLOMA DE JORNALISTA PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO

Em 2001, o então procurador da República André da Carvalho Ramos estava analisando casos de possíveis violações de direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. Uma das demandas foi a exigência de diploma em curso superior de jornalismo para o registro profissional de jornalista no Ministério do Trabalho. A condição estava imposta no artigo 4º, inciso V, do Decreto-Lei nº 972/69.

Logo depois o Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública contra a União, que foi apresentada na 16ª Vara Federal de São Paulo. A ação tinha o objetivo de proteger os interesses individuais homogêneos dos jornalistas sem diploma e os direitos fundamentais da sociedade (direito à liberdade de expressão e de informação). A causa de pedir era a não recepção do Decreto-Lei pela Constituição Federal de 1988, que defende a liberdade de imprensa.

Além disso, o dispositivo também contraria o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que o Brasil aderiu em 1992. De acordo com o referido artigo, a liberdade de pensamento e expressão não pode estar sujeita a censura prévia. O entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o assunto (expresso na Opinião Consultiva nº 5, de 1985) também foi levado em conta. Este afirma que é uma ofensa à liberdade de expressão e ao direito de informação a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista.

O pedido do MPF foi julgado parcialmente procedente. A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e a União decidiram recorrer a decisão no Tribunal Regional da 3ª Região. O tribunal julgou procedente o pedido e entendeu que a qualificação não é inconstitucional, fundamentando a decisão no inciso XIII, art. 5º, da Constituição Federal (que prevê a necessidade de qualificação profissional quando a lei estabelecer).

O MPF e o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (SERTESP) interpuseram o Recurso Extraordinário nº 511.961. Alegaram que a decisão violava o art. 5º, incisos IX e XIII e o art. 220, da Constituição Federal. Os argumentos utilizados são os de que o art. 5º, XIII, diz respeito às atividades que estão regulamentadas por Conselhos e Ordens Profissionais. A inexistência de Conselho ou Ordem de jornalista impossibilita que o inciso em questão se estenda à profissão. Além disso, a ética e o conhecimento sobre os assuntos, requisitos para o ofício jornalístico, não dependem de formação no curso de comunicação social.

Em 17 de junho de 2009, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a exigência de diploma de jornalista para o registro da profissão é inconstitucional. O relator do caso foi o ministro Gilmar Mendes. Foram oito votos contra um, sendo o único voto contrário o do Ministro Marco Aurélio Mello.

Algumas semanas depois, no dia 1º de julho de 2009, o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 33/2009, também conhecida como PEC dos Jornalistas ou PEC do Diploma). A emenda visa acrescentar um novo dispositivo no art. 220 da Constituição, que torna obrigatório o diploma de jornalista para o exercício da profissão. A PEC foi aprovada pelo plenário do Senado no dia 7 de agosto de 2012, em segundo turno por 60 votos contra 4. A matéria ainda deve ser analisada pela Câmara dos Deputados.

  1. 3.     R.E. Nº 511.961 E A INCAPACIDADE DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISMO DADA A EXIGÊNCIA DE DIPLOMA

O ministro Gilmar Mendes afirma no seu Curso de Direito Constitucional (2009) que uma das funções do Supremo Tribunal Federal é o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. De acordo com o artigo 102, inciso III, compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. O STF deve julgar decisões que já tenham sido debatidas no tribunal de origem e que não cabem mais nenhum recurso ordinário. Assim, o STF tem competência completa para julgar o recurso.

O Recurso Extraordinário nº 511.961, foi interposto pelo Ministério Público Federal e pelo SERTESP, na qualidade de assistente simples. Nele, era questionada a recepção do Decreto-Lei nº 972/69. De acordo com esse decreto, para o exercício da profissão de jornalista, era necessário o registro no Ministério do Trabalho, sendo requisito a apresentação do diploma de jornalismo.

Foram utilizados diversos argumentos para fundamentar a decisão. O primeiro deles é justificado no art. 5º, inciso XIII. Este dispositivo legal assegura a liberdade profissional e é uma reserva legal qualificada. Prevê que uma lei possa determinar a qualificação profissional. No caso dos jornalistas, o Decreto-Lei nº 972/69.

Porém, o ministro e relator Gilmar Mendes afirmou ser o jornalismo uma profissão diferenciada, por guardar uma forte ligação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalista é o profissional que se dedica ao exercício desse direito. Por isso, este ofício está naturalmente vinculado à liberdade de expressão, o que impede que sejam pensados de forma separada. Dessa forma, quando se tratar da profissão de jornalista, o art. 5º, inciso XIII, deve ser interpretado em conjunto com os incisos IV, IX, XIV e o art. 220, da Constituição Federal.

 Além disso, a liberdade de expressão, informação e imprensa só poderiam ser restringidas para proteger outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes. Uma lei que definisse a qualificação profissional só seria aceita pela ordem constitucional caso objetivasse proteger, efetivar e reforçar a atividade jornalística como exercício das liberdades de expressão e informação. Caso contrário, seria considerada inconstitucional.

Ainda com base no art. 5º, XIII, o ministro continua sua argumentação. Tal dispositivo se refere apenas à profissões regulamentadas por Conselhos ou Ordens profissionais. A criação de um Conselho resolveria a situação. Entretanto, o relator afirma que instituições dessa natureza tem a finalidade de fiscalizar a profissão, o que poderia ser considerado censura. Logo, não seria viável uma solução como essa.

Gilmar Mendes reconhece o grande impacto social do julgamento. Comenta que diversos jornalistas, alguns bastante conhecidos do grande público, atuam mesmo sem o diploma. Cita o caso de Alon Feuerwerker (que também está presente na petição inicial da ação civil pública): a instauração de um inquérito policial contra o renomado jornalista, que exercia o ofício mesmo sem o registro profissional. Dessa forma, é possível perceber que o reconhecimento da não recepção do Decreto-Lei possibilitaria a regularização de muitos profissionais da área que se encontram impedidos de realizar o registro.

Ainda sobre o voto do relator, há um comentário sobre o posicionamento defendido pelo Ministro Eros Grau. Este, que também tem uma posição contrária à necessidade de diploma de jornalista, afirma que o ofício não exige qualificações profissionais específicas que visem à proteção da coletividade. Reconhece que o jornalista, ao realizar sua profissão, pode prejudicar direitos alheios, sem culpa da vítima (por exemplo, ao veicular notícia não verídica). Porém, esse não é um risco inerente à profissão. Ou seja, não é um risco que pode ser evitado com a passagem pelos bancos de uma Academia. Dessa forma, a formação em uma instituição de ensino superior não evitaria tais riscos.

Em seu longo voto, Gilmar Mendes ainda afirma que o exame do art. 4º, inciso V, do Decreto-Lei (que exige a apresentação do diploma para o registro profissional) não passa sequer no teste da adequação da Regra da Proporcionalidade. A formação acadêmica não é o meio que irá garantir, ou pelo menos fomentar, um exercício responsável da profissão de jornalista. A consequência do jornalismo despreparado é a falta de leitores. E esse, por si só, já é um fator que irá determinar o modo como o jornalismo será praticado..

 Ao finalizar seu voto, o relator argumenta que o Decreto-Lei foi editado no período do regime ditatorial. Sua finalidade era afastar dos meios de comunicação os intelectuais, os políticos e os artistas que eram contra o regime. Assim, essa imposição não atende aos valores vigentes do Estado Democrático de Direito e deve ser deixada no passado.

A ministra Carmén Lúcia completa a argumentação do ministro Gilmar Mendes comentando que, caso o Decreto-lei fosse instituído na égide da Constituição de 67, seria inconstitucional. De acordo com o artigo 58 da Constituição da época, o Presidente da República só poderia expedir decretos sobre segurança nacional e finanças públicas.

  1. 4.     PEC 33/2009 E A EXIGIBILIDADE DE DIPLOMA PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA

De acordo com Paulo Gustavo Gonet Branco no Curso de Direito Constitucional (2009), o poder legislativo nacional opera através do Congresso Nacional, que é bicameral (composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal). É função típica do poder legislativo a edição de atos normativos primários que instituem direitos e criam obrigações. O art. 59 designa a elaboração de emendas à Constituição ao processo legislativo. Porém, esse poder de reforma da Constituição possui algumas restrições, que serão vistas mais adiantes.

 No dia 1º de julho de 2009, foi apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 33/2009), que visa adicionar o seguinte conteúdo à Constituição:

Art. 220-A O exercício da profissão de jornalista é privativo do portador de diploma de curso superior de comunicação social, com habilitação em jornalismo, expedido por curso reconhecido pelo Ministério da Educação, nos termos da lei.

Parágrafo único. A exigência do diploma a que se refere o caput é facultativa:

I – ao colaborador, assim entendido aquele que, sem relação de emprego, produz trabalho de natureza técnica, científica ou cultural, relacionado com a sua especialização, para ser divulgado com o nome e qualificação do autor;

II – aos jornalistas provisionados que já tenham obtido registro profissional regular perante o Ministério do Trabalho e Emprego (SENADO, 2009).

Algumas fundamentações da PEC foram retiradas do artigo “Em defesa do diploma, mas não só”, de Elaine Tavares. O primeiro deles é o de que quem defende a inexigibilidade do diploma de jornalista para o exercício da profissão quase sempre sustenta que o direito de comunicar deve ser um direito de todos, e não apenas de jornalistas formados. O jornalismo é uma das diversas formas existentes de comunicação. Nele estão presentes regras necessárias para diferenciá-lo do simples “dizer a palavra”. Essas regras são o conhecimento histórico, foco narrativo, contexto, conhecimento sobre linguagem, etc. Ou seja, coisas que se aprendem nos bancos de uma Academia. É uma série de técnicas que são específicas dessa forma de comunicação.

Na continuação da justificativa da PEC, é exposto que apenas no século passado foi reconhecido o modo de ser profissional do jornalismo, afastando o amadorismo. Com isso, se consolidaram novos princípios teóricos e éticos e os suportes tecnológicos evoluíram. Dessa forma, há a necessidade de profissionais que saibam lidar com a especificidade da profissão.

Uma das consequências de não se exigir o diploma é a rápida desqualificação do corpo de profissionais de Imprensa no Brasil. Uma pesquisa feita pelo Sindicato de Jornalistas de São Paulo em 1997 (época em que ainda era exigido o diploma) constatou que 19 jornalistas sindicalizados eram analfabetos. Um deles, que nunca frequentou uma escola, era carregador de caminhão, aprendeu a fotografar a virou jornalista. Provavelmente, a técnica e o profissionalismo de um indivíduo que tem formação acadêmica na área é bem maior e exercerá o seu papel com maior eficiência do que alguém que não possui a qualificação profissional necessária.

O jornalista não é apenas um escritor, um mero emissor de opiniões. Sua atividade compreende a apuração criteriosa de fatos, que são passados à população segundo critérios técnicos específicos. Essa qualificação exige formação acadêmica. Dessa forma, a inclusão do art. 220-A seria uma forma de permitir que apenas profissionais preparados pudessem exercer atividade tão importante para o país.

A solução que o poder legislativo escolheu para tornar obrigatório o diploma foi uma emenda à Constituição. Entretanto, o poder de reforma possui algumas restrições. Uma delas é a limitação material. Ou seja, o poder constituinte originário achou por bem estabelecer que certas normas não podem ser modificadas (ou pelo menos seu núcleo essencial). Assim, a essência de certas normas são intangíveis.

Os atos do poder legislativo devem obedecer aos direitos fundamentais, e são inválidos se não os levarem em consideração. O art. 60, § 4º, impede a deliberação de emenda que vise abolir direitos e garantias individuais. Além disso, é admitido o controle jurisdicional das limitações do poder de reforma. Dessa forma, o poder judiciário pode declarar a inconstitucionalidade de uma emenda à Constituição. Pode ser feito após a promulgação da emenda ou também antes da votação da emenda (BRANCO, GONET, MENDES, 2009).

Portanto, a PEC 33/2009 já nasceu inconstitucional. As liberdades de expressão e de imprensa são direitos fundamentais e não podem ter o seu núcleo essencial modificados. A adição do art. 220-A à Constituição Federal fere diretamente tais direitos e garantias individuais. Mesmo que seja aprovada pela Câmara dos Deputados, ela poderá ser alvo do poder judiciário para a declaração de sua inconstitucionalidade.

Apesar disso, o autor da PEC rebate as críticas, sustentando que “a exigência do diploma diz respeito não à liberdade de expressão, mas à qualificação indispensável para uma atividade profissional que interfere diretamente, e de forma ampla, no funcionamento da sociedade” (Consultor Jurídico, 2009). Além disso, há também a figura do colaborador, que permite a comunicação através do jornalismo a todos que não possuem o diploma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal de 1988 institucionalizou as liberdades de expressão e de imprensa. É imprescindível que em um regime constitucional democrático o cidadão possa manifestar suas convicções de maneira livre. O debate de ideias é essencial para a formação da vontade coletiva. A sociedade contemporânea é marcada por sua pluralidade e, nada melhor do que um debate racional que possibilite a formação de novas ideias.

O jornalismo é uma das formas do indivíduo se manifestar. Porém, um Decreto-Lei da época do regime militar condicionava o exercício da profissão de jornalista aos que possuíam diploma no curso de comunicação social. Esta imposição gerava intensos debates. O assunto chegou ao STF através de um recurso extraordinário. A decisão do Tribunal julgou inconstitucional a exigência de formação acadêmica por entender que o jornalista é a expressão profissional da própria liberdade de expressão. O Brasil era o único país democrático em que era obrigatório o diploma de jornalista para o exercício da profissão (dado colhido do jornal O Estado de São Paulo, 2012).

A decisão do STF desconsiderou muitos aspectos do jornalismo e dos meios de comunicação em geral. Um deles é que, mesmo quando era exigido o diploma, diversos profissionais de outras áreas opinavam em jornais, revistas e etc. Ou seja, a liberdade para se expressar não era cerceada. Sempre houve a figura do colaborador.

O Senado, contrariando a decisão do Tribunal, iniciou um Projeto de Emenda à Constituição que tornaria obrigatório o diploma de jornalista para o exercício da atividade. Entretanto, o poder de reforma da Constituição possui algumas limitações. Uma delas é a impossibilidade de reformar cláusulas pétreas. Logo, a PEC já nasce inconstitucional, podendo ser alvo do poder judiciário a qualquer momento.

Eugênio Bucci, renomado jornalista e professor universitário do curso de jornalismo, afirmou em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo que a PEC dos Jornalistas é mais uma forma que o Senado encontrou para desautorizar o Supremo Tribunal. A proposta gerou certo conflito entre os poderes públicos. O ministro Gilmar Mendes, relator da decisão que aboliu a exigência de diploma, chegou a comentar que a PEC é “inconstitucional do começo ao fim, de Deus ao último constituinte que assinou a Constituição. Eles rasgaram a Constituição. Se um dia essa emenda vier a ser aprovada, é melhor que se feche o Supremo” (Jornal do Brasil, 2013).

A decisão do STF pode não ter sido a mais adequada. Entretanto, a PEC, além de uma afronta à decisão do Tribunal, é completamente inconstitucional. A liberdade de expressão, direito fundamental na Constituição Federal, não pode ser editada por uma emenda constitucional. O poder constituinte originário decidiu que os cidadãos teriam direito e expressar suas ideias livremente, em qualquer meio de comunicação que fosse. Não cabe ao poder legislativo, através do poder constituinte de reforma, tal decisão.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, censura e controle da programação de televisão na Constituição de 1988. Disponível em: < http://www.cella.com.br/conteudo/conteudo_142.pdf>. Acesso em: Acesso em: 13 de maio 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 de maio de 2013.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 972, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969. Dispõe sobre exercício da profissão de jornalista. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-972-17-outubro-1969-376288-normaatualizada-pe.html>. Acesso em: Acesso em: 13 de maio 2013.

BRASIL. SENADO. Pec 33 de 2009. SENADOR - Antonio Carlos Valadares e outro(s) Sr(s). Senador(es). Apresentada em: 02 de jul. 2009. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=92006>. Acesso em: Acesso em: 13 de maio 2013. 

BRASIL. STF. R.E. 511.961. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em: 17 jun. 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605643>. Acesso em: 14 de maio 2013.

BUCCI, Eugênio (2013). Exigência de diploma para exercer o jornalismo é mais uma PEC para desautorizar o Supremo Tribunal. O Estado de São Paulo,06 de maio. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/eugenio-bucci-exigencia-de-diploma-para-exercer-o-jornalismo-e-mais-uma-pec-para-desautorizar-o-supremo-tribunal/>. Acesso em: 13 de maio 2013.

BUCCI, Eugênio (2012). O nosso diploma não era era para isso. O Estado de São Paulo,23 de agosto. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-nosso-diploma-nao-era-para-isso-,920437,0.htm>. Acesso em: 14 de maio 2013.

CARNEIRO, Luiz Orlando (2013). PEC 33: Gilmar Mendes diz que “é melhor fechar o Senado”. Jornal do Brasil, 25 de abril. Disponível em: < http://www.jb.com.br/pais/noticias/2013/04/25/pec-33-gilmar-mendes-diz-que-e-melhor-fechar-o-supremo/>. Acesso em: 14 de maio 2013.

CONSULTOR JURÍDICO. Senador apresenta PEC sobre diploma de jornalista. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-jul-02/pec-preve-obrigatoriedade-diploma-jornalismo-apresentada>. Acesso em: 14 de maio 2013.

LORENZO, Rafael. As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel. SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 391-448.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocência Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. Disponível em: <http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/a-liberade-expressao-e-o-problema-do-hate-speech.pdf>. Acesso em: 13 de maio 2013.

TAVARES, Elaine. Em defesa do diploma. Mas não só. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/em-defesa-do-diploma-mas-nao-so>. Acesso em: 13 de maio 2013.



[1] Acadêmica do 4º período do curso de direito da UNDB

[2] Acadêmico do 4º período do curso de direito da UNDB