INTRODUÇÃO

Segundo LORENZI (1992) o estudo das causas envolvidas na etiologia das doenças malignas é de interesse não apenas dos epidemiologistas como da Medicina em geral.

A procura da relação entre causa e efeito no câncer assim como nas hemopatias malignas, representadas pelas leucemias e pelos linfomas, constitui objeto de várias linhas de pesquisa em centros que se dedicam ao assunto através de métodos epidemiológicos de observação ou à experimentação com animais de laboratório.

È de observação antiga a maior incidência de leucemia e de certos tipos de câncer entre médicos radiologistas ou técnicos que manipulavam aparelhos de raios X, em relação à população geral.

Além desses profissionais, também certos pacientes que recebiam doses pequenas mais repetidas de raios X como forma de tratamento de uma artrite crônica (exemplo: espondilite anquilosante) vinham a apresentar depois de alguns anos, sintomas de leucemia aguda ou crônica de tipo mielóide, como conseqüência da terapêutica recebida.

A correlação entre a exposição às radiações e a leucemogênese ficou constatada de modo evidente após as explosões atômicas de Hiroshima e Nagasaki no Japão, em 1945. Observou-se que a incidência de leucemia naquele país começou a aumentar entre os sobreviventes que se encontravam próximos ao epicentro do fenômeno, por ocasião da explosão, após dois anos. Atingiu um pico por volta do sexto ao oitavo ano e voltou à linha basal, anterior á detonação da bomba somente após terem decorrido 20 anos.

Outros acidentes com exposição acidental do homem a doses elevadas de radiação tiveram lugar a partir do uso da energia nuclear na vida moderna, tendo ensejado a observação, por parte de varias equipes de especialistas, do efeito leucemogênico das mesmas.

Outro fato também de observação antiga relacionava a incidência da leucemia mielóide aguda em trabalhadores das indústrias de borracha ou de couro que ficavam expostos durante muitas horas de trabalho em ambiente carregado de benzeno.

Embora o quadro hematológico mais freqüente nestes operários fosse o de anemia progressiva e crônica que chegava à aplasia medular com desaparecimento das células precursoras mielóides e ocupação do espaço medular por gordura, a leucemia aparecia algumas vezes após uma fase de anemia refratária mais ou menos longa.

Medidas de controle ambiental que visavam reduzir a quantidade do benzeno inalado e a substituição do mesmo por outros solventes menos tóxicos conseguiram diminuir o número de casos com intoxicação da medula óssea. Entretanto, ainda hoje, indivíduos que trabalham na indústria de derivados do petróleo podem exibir no sangue periférico sinais de mielo-intoxicação desde que não sejam cumpridas as normas de proteção ambiental recomendadas (BERGER, 1991).

Outro grupo de indivíduos, na verdade doentes, que apresentam quadro de anemia de tipo crônica constitucional, têm com freqüência uma evolução do estado anêmico para a leucemia. A maioria destes doentes são crianças, portadoras também de mau formações congênitas (ósseas, renais, sistema nervoso central, etc.), quadro cutâneo e deficiência imunológica mais ou menos severa. Esses vários sintomas podem não estar presentes em todos os casos, mas são freqüentes em determinados grupos de indivíduos portadores de diferentes síndromes genéticas incluídas numa condição geral denominada desordens de instabilidade cromossômica (COSSMAN,1990).

Fazem parte destas desordens a Síndrome de Bloom, a Anemia de Fanconi, a Ataxia Teleangiectasia e outras situações mais raras como a Disqueratose Congênita, a Esclorodermia e a Síndrome de Wiskott-Aldrich(COTRAN et al.,2000).

A existência de instabilidade cromossônica nestas síndromes torna os seus portadores mais suscetíveis à ação nociva de vários fatores ambientais que promovem, em última análise, o aparecimento de doenças malignas, tipo careinomas ou leucemias(LORENZI,1992).

Desse modo, na evolução de um caso de anemia de Fanconi, por exemplo, pode-se esperar que surja um quadro clínico e laboral de leucemia mielóide, fato este observado desde longa data por pediatras e hematologistas. Alguns casos, raros, de pacientes com deficiência imunológica tipo Wiskott-Aldrich, podem evoluir para uma neoplasia de tipo linfóide mais ou menos precoce na vida(COTRAN et al.,2000).

Mais recentemente, descreveu-se a relação entre a infecção pelo vírus de Epstein-Barr (EB) e os linfomas, em especial os linfomas não-hodgkin tipo Burkitt. A partir da verificação de que estes vírus estariam implicados na etiologia dos linfomas muito se pesquisou, chegando-se à conclusão que eles e vários vírus linfotrópicos são agentes capazes de causar essas neoplasias em animais e no homem(BARACAT et al.,2000).

Conclui-se que a leucemogênese (e a carcinogênese) está relacionada, em parte, com fatores presentes no meio ambiente – fatores ambientais, mas depende também de uma predisposição ligada a condições recebidas por herança (COTRAN et al.,2000).

È necessário lembrar que se torna difícil definir a exata correlação entre o papel dos fatores ambientais e/ou da herança com a presença de leucemia ou de câncer uma vez que nem todos os indivíduos que estão submetidos às mesmas condições desenvolvem doença maligna.

Há que se incluir então, entre as condições que propiciam o aparecimento da leucemia outro fator muito importante – a individualidade.

Dentre estes últimos podem ser lembradas várias condições que facilitam a atuação dos fatores ambientais e hereditários na leucemogênese (ou carcinogênese). Por exemplo, a idade é uma condição que permite o maior ou menor contato de um indivíduo com os agentes reconhecidamente carcinogênicos ou leucemogênicos ambientais.

Dentre estes estão as infecções viróticas, comuns na infância, as exposições a produtos químicos ou radiações pelas pessoas que trabalham em ambiente onde existam tais elementos, etc.

Sabe-se que a exposição de fetos às radiações ionizantes pode provocar mutações na chamada linhagem células germinativas. Estas mutações são muito mais graves do que as mutações somáticas que ocorrem na vida adulta após exposição aos mesmos agentes.

Vê-se que além da idade outros fatores individuais têm importância no aparecimento das neoplasias, como a profissão, o sexo, os hábitos pessoais (fumo, uso de drogas, etc.).

Desse modo, quando um indivíduo é exposto a um agente capaz de provocar doença maligna e tem condições propícias para o desenvolvimento da mesma, ele se apresenta em “alto risco”. Mesmo estes indivíduos em “alto risco” podem não vir a sofrer da doença e é isto que torna os estudos epidemiológicos sobre a leucemogênese sempre difíceis de serem analisados por estarem sujeitos a numerosas causas de erro.


FATORES IMPORTANTES ETIOLOGIA DAS LEUCEMIAS E DOS LINFOMAS

Passaremos em revista, com maiores detalhes, os fatores reconhecidos como importantes na etiologias das leucemias e dos linfomas.


FATORES AMBIENTAIS

Radiações
Agentes Químicos
Infecções
Condições Sócio-Econômicas


RADIAÇÕES

As neoplasias que se originam por efeito das radiações constituem um processo patológico que depende, por sua vez, de vários fatores, com o da dose de irradiação; do modo da irradiação, isto é, se é recebida em pequena quantidade durante um tempo prolongado ou se grandes doses são recebidas em curto espaço de tempo; do tipo de radiação, isto é, se raios gama ou beta.

Doses pequenas de radiação gama, da ordem de 0.1 a 1.0 cGy/dia (1 Gray = 100 rads) já podem provocar sinais de lesão de células da medula óssea.

Doses maiores, de > 10 Gy podem levar á morte de maior porcentagem de células (25 a 40%) nucleadas medulares com parada da atividade mitótica das mesmas.

O Acidente nuclear de Chernobyl, em 1986, permitiu que se conhecesse a forma de lesão da medula óssea e sua eventual recuperação em indivíduos que receberam diferentes doses da radiação num curto espaço de tempo. Dentre as pessoas mais atingidas por raios gama (> 5 Gy) algumas apresentaram sinais de depressão medular após 30 dias do acidente, 13 das quais evoluíram para aplasia total e necessitaram transplante de medula óssea. Todas elas morreram, precocemente, ou pouco mais tarde, em virtude de doença enxerto versus hospedeiro.

Os indivíduos que receberam doses menores (1-5 Gy) tiveram depressão medular em menor grau, instalando-se discreta anemia, leucopenia e plaquetopenia, mas se recuperaram desse quadro. Baseando-se na experiência obtida com sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki, seria de se esperar um aumento da incidência de leucemia nesse grupo, após um período de 2 a 3 anos (até 5), o que aparentemente não ocorreu. Isto número de pessoas incluídas na população estudada. (<250 pessoas).

Dentre os sobreviventes japoneses, que foram bem acompanhados durante um tempo maior, ocorreu aumento da leucemia mielóide aguda, em especial no sexo masculino, no seguimento imediato. Entretanto, verificou-se depôs de alguns anos de acompanhamento (de 1950 a 1971) que a leucemia mielóide crônica havia aumentado, sobretudo numa faixa etária baixa, menor de 15 anos, em relação às faixas etárias maiores, conforme o esperado( LORENZI,1992).

Outro aspecto interessante desses mesmos relatórios foi aquele que mostrou um aumento do número de casos de mieloma múltiplo em pessoas com idade acima de 60 anos (LORENZI,1992).

Segundo BARACAT et al. (2000) as radiações têm efeito cumulativo e doses pequenas administradas de modo continuado podem ser responsáveis pelo aparecimento de leucemia. O relatório de 1986 das Nações Unidas admite que doses de 0.5 a 7.0 Gy podem levar à lesão medular. A evolução para leucemia é possível tanto na exposição aguda como nas crônicas (Ex: tratamento da artrite anquilosante).

O mecanismo etipatogênico estaria relacionado com os seguintes fatores:

1- Tamanho da dose.

2- Regularidade da radiação no tecido hematopoético.

3- Intervalo entre a irradiação e o aparecimento dos processos medulares regenerativos.

Aparentemente, quando a dose de radiação recebida pela medula óssea é maior, ocorre à morte de grande número de células, reduzindo então a chance da leucemogênese. Doses menores radiação, seguidas de fases de regeneração do tecido hematopoético dariam lugar ao aparecimento de focos de células anômalas com grande atividade mitóticas, capazes de se transformar em células leucêmicas.

Em 1963 foi feita uma advertência sobre possível correlação entre a maior incidência de leucemia em indivíduos jovens (<25 anos) residentes na área de Seascale, próxima á usina nuclear de Sellafield na região leste da Inglaterra. A leucemia observada na população era do tipo linfóide(LLA) e acometia jovens e crianças cujos pais trabalhavam naquela usina. Suspeitou-se, então que a doença deveria aparecer por efeito das radiações tipo gama em células germinativas dos progenitores dos indivíduos leucêmicos.

Estudos na mesma linha foram feitos em outras usinas nucleares da Inglaterra, tendo sido constituída uma comissão – COMARE (“Comittee on Medical Aspects of Radiation in the Environment”) para estudar o problema.

Chegou-se à conclusão de que havia uma chance em 300, dos filhos de indivíduos que trabalhavam em usinas, recebendo doses pequenas, porém, constantes de radiações, virem a ter leucemia, em contraposição às chances de 1/2000 nos descendentes de trabalhadores em outros ramos de atividades.

As radiações têm, portanto efeito cancerígeno e leucêmogênico por atuar sobre células germinativas. Segundo GREAVES (1990) a leucemia linfoblástica aguda de Sellafield fora provocada por mutação na linhagem germinativa. Os filhos gerados por estes indivíduos portadores dessas mutações já nascem sob “risco” maior de virem a ter leucemia. Se forem vítimas de novas mutações, o risco aumenta ainda mais. Daí a incidência da leucemia ser maior entre eles .

As mutações que ocorrem na vida, após o nascimento são imprevisíveis, pois dependem de fatores do meio ambiente, como:

1- Exposição a infecções (vírus).

2- Exposição a substâncias químicas (benzeno, pesticidas, etc,).

3- Novas exposições a radiações e a campos eletromagnéticos, etc.

BARACAT et al. (2000), também admite como GREAVES(1990), que a leucemia ou câncer originado pelas radiações são patologias que se instalam através de acontecimentos em etapas sucessivas. Ocorreria, de início, uma mutação genética, que pode resultar tanto na ativação como na inativação de certos genes das células medulares jovens (hemoformadoras).

Em seguida a uma mutação genética a ativação de genes é o fenômeno mais freqüente. Ela depende do tipo de anomalia que resultou da mutação. Por exemplo: a presença de um cromossomo extra ou trissomia cromossômica, assim como o rearranjo de genes, encontrado nas translocações cromossômicas, são responsáveis pela ativação de alguns genes.

Na verdade nesses casos o desarranjo genético causa danos maiores ou menores chamados oncogenes, conforme abordaremos a seguir.

Quanto maior o número de acidentes, maior é o número possível de mutações e maior a possibilidade de ocorrer à ativação dos oncogenes. A cada dia podem ocorrer lesões do ADN das nossas células, de tipo espontâneo, causadas por radiações ambientais de pequena intensidade, assim como pela liberação de radicais químicos tóxicos livres no organismo. Tudo isso levaria à formação de clones celulares anômalos originados por ativação de oncogenes, que podem ficar em estado “latente” durante um tempo variável ate que desenvolva o clone leucêmico(THOMPSON et al.,1998).

Além das radiações tipo gama as de tipo alfa, emitidas por certos gases (radônio, plutônio) encontrados na natureza podem provocar neoplasias, tanto em crianças como em adultos. Estes últimos podem ser vítimas de câncer de pulmão quando inalam quantidades pequenas, mas constantes de gases, conforme foi observado entre mineiros da Inglaterra e Escandinávia (COTRAN et al.,2000).

Oncogenes: As radiações podem provocar leucemia ou câncer por induzir a mutações genéticas que resultam na ativação de certos oncogenes, conforme já foi citado (LORENZI,1992).

Denomina-se gene, a unidade presente nos cromossomos, responsável por determinado caráter hereditário. As células somáticas do homem são diplóides, isto é, possuem 23 pares de cromossomos recebidos das células germinativas dos pais, as quais possuem apenas a metade desse número (haplóides)(THOMPSON et al.,1998).

As características recebidas dos pais se manifestam, assim, através de pares de genes denominados alelos. Indivíduos com alelos iguais para determinado caráter hereditário se denominam homozigóticos enquanto os indivíduos com alelos diferentes são chamados heterozigóticos (THOMPSON et al.,1998).

Os genes são formados por estrutura protéica, representando uma seqüência de ácidos nucléico(polipeptídeo) que “carrega” consigo uma informação bem definida. Quando uma seqüência genética esta alterada, diz-se que o gene sofreu mutação. A mutação pode ocorrer nem só alelo ou em ambos os alelos de uma célula somática. Quando a mutação ocorre na célula germinativa que tem um número simples de alelos, toda a descendência pode estar, pelo menos, parcialmente alterada quanto àquele caráter hereditário (GYUTON & HALL,2002).

A estrutura do gene é complexa e para efeito didático resumiremos alguns pontos essenciais. Eles estão distribuídos nos cromossomos de forma linear, guardando certa relação entre si e mantendo uma localização constante. Graças a isto eles podem ser mapeados ou localizados nos diversos cromossomos. É já bastante grande o número de genes mapeados (>50.000 genes) no genoma humano e muito mais continua a ser pesquisado nessa área (THOMPSON et al.,1998).

Segundo BERGER (1991) o material genético, de constituição protéica determina o chamado "código genético". Este código genético é lido através de seus nucleotídeos.
Os nucleotídeos são formado por uma base nitrogenada ligada a um açúcar (pentose) e a um gruo fosfato.

Eles são agrupados de 3 em 3 e cada grupo de 3 nucleotídeos representa uma aminoácido.

Os nucleotídeos se reúnem formando uma cadeia de polinucleotídeos que constituem os ácidos nucléicos. Esta cadeia tem uma coluna principal formada por uma série de açúcares (pentoses) e de grupos fosfatos colocados alternadamente, á qual ficam ligadas às bases nitrogenadas.

A seqüência de 3 nucleotídeos, por exemplo, GCU, é denominada condon. Cada gene inclui uma série de condons, mais ou menos longa e que tem um ponto inicial denominado 5' e uma extremidade terminal, ou 3'. A denominação 5' corresponde à posição 3' da pentose seguinte através do grupo fosfato, de modo à forma ligações 5'-3'.

O código genético, na verdade, é lido através de tríplices seqüências (triplets) de nucleotídeos. Quando uma só base desta seqüência de nucleotídeos se altera, modifica-se completamente a seqüência de aminoácidos e, por conseguinte, das proteínas que devem ser codificadas.
As mutações podem ser de diversos tipos; há aquelas que incluem uma base, e há aquela que eliminam uma base.

Nosso organismo pode sofrer muitas mutações causadas por agentes ambientais - mutações espontâneas. Outras vezes elas são causadas ou facilitadas por agentes químicos ou físicos (ex: radiações, quimioterápicos). Estas são denominadas mutações induzidas(COTRAN et al.,2000).

Proto-oncogenes: são os genes normais encarregados dos fenômenos normais de proliferação e maturação das células do organismo.

Oncogenes: são formas alteradas dos proto-oncogenes e que estão envolvidos na evolução e proliferação malígna.

Anti-oncogenes: constituem um grupo de genes normais encarregados de suprimir as proliferações celulares malígnas que por acaso venham ocorrer.

Alterações dos oncogenes ou dos anti-oncogenes podem ser causas de leucemias ou linfomas. Alguns oncogenes têm, comprovadamente, relação com malignidade, como ocorre com os da família ras (N-ras, principalmente), o c-abl e o c-myc.

Para alguns outros oncogenes há muita suspeita de que também estejam envolvidas em hemopatias malígnas: bcl-2, bcl-1, tcl-1,2 e 3.

Alguns oncogenes estão mapeados, isto é, conhece-se em que bandas se situam. Chegou-se a este ponto graças aos estudos de citogénetica, observando-se a freqüência com que as translocações entre determinadas bandas cromossômicas coincide com o aparecimento de um certo tipo de hemopatia maligna (LORENZI,1992).

Exemplos típicos são as translocações que envolvem o oncogene c-myc de tipo t(8;14) (q24;q32), que mais freqüentemente se relacionam com o linfoma de Burkitt (GREAVES,1990).

Obs: o oncogene c-myc está mapeado na banda q24 do cromossomo 8, que sofre translocação com a banda q32 do cromossomo 14 (localização do gene de cadeias pesadas das imuneglobulinas) (GREAVES,1990).

Alterações dos anti-oncogenes, genes reguladores normais, podem também ser causa de neoplasias, como acontece com o anti-oncogene p53(mapeado no cromossomo 17).

A atividade reguladora ou supressora da proliferação celular do p53 fica patente em alguns casos de leucemia mielóide crônica (LMC). Nessa forma de leucemia as células anormais se multiplicam e se diferenciam até as formas de polimorfonucleares segmentados. Quando o gene p53 se altera o clone de células leucêmicas perde a capacidade de diferenciação e se acumulam soba a forma blastos (células nucleoladas, imaturas), caracterizando o que se denomina crise blástica da LMC (COSSMAN,1990).

Após a abordagem sumária sobre proto-oncogenes, oncogenes e anti-oncogenes voltamos ao ponto em que abordávamos o papel das radiações nas mutações genéticas.

Em animais de experimentação podem ser induzidos tumores malígnos e leucemias através das irradiações. A ativação dos oncogenes consiste em mutações dos mesmos que afetam a expressão genética, com várias modificações funcionais e estruturais das células (BARACAT et al.,2000).

Dentre os oncogenes mutantes a família ras, Ha-ras, Ki-ras e N-ras, conforme já referimos, se alteram com muita freqüência, em especial o N-ras na leucemia mielóide aguda e na síndrome mielodisplásica. Obs. Os genes ras estão localizados no cromossomo 11 humano(11p11)(BARCAT et al.,2000).


AGENTES QUÍMICOS

INFECÇÕES

CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS

Os fatores ambientais acima serão abordados em conjunto uma vez que atuam na leucemogênese (e carcinogênese)em íntima correlação (COTRAN et al.,2000).

Benzeno: este agente químico tem sido considerado como potencialmente leucemogênico e cancerígeno. Em estudo abordando grande número de trabalhadores da indústria de borracha no estado de Ohio, USA, de 1940 a 1965, discutem a incidência da intoxicação benzênica. Dentre os casos de morte de trabalhadores ocorridos neste período (330 casos), 69 tinham neoplasias vária enquanto que 28 apresentavam leucemias e/ou linfomas. Os casos de leucemia correspondiam às formas mielóides agudas ou crônicas sem referência à leucemia linfóide (GREAVES,1990).

Como relatamos a intoxicação benzênica pode ser causa de neutropenia, anemia crônica que evolue para aplasia medular e quadro de mielodisplasia, com profundas alterações dos precursores medulares granulocíticos e eritroblásticos. Até mesmo pequenas exposições a este agente químico podem provocar alterações cromossômicas de diversos tipos: deleção do cromossomo 5 ou 7, aneuploidias, quebras e formas dicêntricas. Para Jacond, 1989 há lesão da célula pluripotente medular ou de células um pouco mais maduras (células comprometidas) por metabólitos do benzeno. Com isto pode aparecer pancitopenia, que evolui para aplasia medular ou citopenias seletivas. O risco de aparecimento de leucemia em relação a uma população não exposta é de 5 vezes maior, para todos os tipos de leucemia, ou de 10 vezes para a leucemia monocítica ou mielóide aguda. Há também risco aumentado para o surgimento de mieloma múltiplo e de linfoma (GREAVES,1990).

Segundo LORENZI (1992) Zittoun e cols, 1991 estudaram 185 casos de leucemia aguda e 513 indivíduos “controle” com mais de 30 anos de idade. Verificaram uma porcentagem elevada de exposição ao benzeno no passado recente (15/185 casos =8,1%) de pacientes com leucemia mielóide aguda.

Verificaram também elevada proporção de indivíduos (11,3%) que tinham sido expostos a agentes pesticidas e inseticidas vários (matapragas de sementes).

No total dos casos estudados, 43 indivíduos tinham sido expostos um desses agentes químicos ou a radiações eletro-magnéticas Alterações citogenéticas apareceram em 102/185 dos casos de leucemia.

Lindquist e cols, 1991 revendo 125 casos de leucemia atendidos por cinco hospitais suecos entre 1980 e 1983, observaram porcentagem apreciável de pacientes cuja profissão era a de motorista profissional (de carros e caminhões). Concluíram que a exposição aos vapores de gasolina ou de óleo diesel é responsável pelo maior risco de desenvolvimento da leucemia desde que o contato com tais substâncias seja prolongado(>5 anos). Admitem que a ação tóxica decorra da presença no sangue de metabólitos resultantes da degradação do benzeno, tolueno e xileno (tipo epóxidos e fenóis) presentes nos vapores inalados.


OUTRAS SUBSTÂNCIAS INALÁVEIS

Outras substâncias inaláveis também parecem provocar ou, pelo menos, aumentar o risco de carcinoma de pulmão, pleura, laringe e estômago, assim como de leucemia e linfoma. É o caso do asbesto, constituído por silicato de cálcio e magnésio (amianto) ou do pó de madeira (COTRAN et al.,2000).

O mecanismo patogênico não está definitivamente esclarecido, mas parece que há absorção dessas pequenas fibras pela corrente sanguínea e daí a chegada aos órgão, inclusive à medula óssea (BARACAT et al.2000).


INFECÇÕES

Os agentes infecciosos que estão intimamente relacionados com a leucemogênese e a carcinogênese são os vírus. Segundo Sarma & Gruber, 1990, o primeiro vírus a ser isolado relacionado com o câncer humano foi o HTLV-1 ou o vírus linfotrópico de células T humanas, em 1980. Ele é reconhecido como o principal causador ou agente etiológico da leucemia/linfoma de célula T, doença endêmica no sul do Japão, Caribe e África Central. Depois dele outro vírus, HTVL-2 foi isolado em pessoas viciadas em drogas, porém não parece estar implicado na gênese de doença no homem (LORENZI,1992).

Outros vírus, o HIV-1 e HIV-2 foram bem estudados posteriormente, estando associados à síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA). Os vírus STLV-1 (“simian T-lymphotropc vírus” tipo 1) e o SIV. Isolados em macacos se relacionam com os linfomas e com a SIDA desses animais, respectivamente (MURRAY et al.,2000).

Todos estes vírus são de tipo retrovírus, capazes de provocar não só neoplasia, como também doenças neurológicas e imunodeficiências.

De um modo geral os vírus penetram nas células vindos do meio externo, através de trato respiratório ou digestivo. Infectam as células do organismo podendo levá-las à lise celular ou à transformação maligna(MURRAY et al.,2000).

Os retrovírus responsáveis pela gênese de doenças malignas denominam-se retrovírus transformantes. Eles não visam às células, mas se integram a elas, tornando-se parte do seu genoma. São constituídos por uma única fita de ARN (ácido ribonucléico ou RNA), capaz de por ação de uma enzina – a transcriptase reversa, seguir um caminho contrário ao habitual, isto é, ser convertida em ADN (inicialmente simples e depois duplicado) e se inserir desse modo no ADN da célula infectada passando a fazer parte do seu código genético. O vírus inserido no ADN celular pode depois produzir novas fitas de ARN infectantes (BROOKS et al.,2000).

Uma vez inserido no ADN das células infectadas os vírus são transmitidos com os demais genes, de acordo com as leis de Mendel. Passam, pois, para as células somáticas podendo passar também para as células germinativas (transmissão horizontal e vertical, respectivamente)(LORENZI,1992).

O mecanismo pelo qual os vírus se tornam oncogênicos e passam a ser responsáveis pelo aparecimento de leucemias ou câncer é bastante complexo. Alguns vírus após serem transcritos ao ADN do hospedeiro vão ativar certos oncogenes celulares normais, como ocorre em geral com aqueles que estão relacionados com as leucemias. Os oncogenes ativados promovem um crescimento anormal, surgindo o clone leucêmico(BARACAT et al.,2000).

Segundo LORENZI (1992) outros vírus transformantes porque anexam ao seu genoma parte do genoma celular onde estão certos oncogenes normais. O novo genoma é diferente daquele presente na célula não-infectada, alterando-se também desse modo o controle da proliferação celular normal.

O vírus HIV provoca, além disso, a morte das células T que possuem receptores CD4 e lesa de modo irrecuperável todo o sistema imunológico do hospedeiro.

O HTLV-1 tem no genoma uma região denominada região X ou pX que codifica proteínas reguladoras da expressão de alguns proto-oncogenes, como por exemplo, os genes da interleucina-2 e de seu receptor (IL-2, IL-2R). Estes últimos respondem pela ativação de linfócitos T.

Haveria, de início, proliferação policlonal de linfócitos T, resultante da ativação viral. Numa fase seguinte a proliferação de linfócitos T deixa de ser policlonal e passa a ser monoclonal surgindo à leucemia/linfoma de células T. O mecanismo responsável por esta modificação de proliferação policlonal para monoclonal não está esclarecido.

O vírus HTLV-1 tem sido bastante estudado no momento, pesquisando-se a presença de anticorpos no soro de indivíduos normais, em especial, em doadores de sangue. Este vírus se caracteriza por não ser citopático, isto é, as células infectadas vivem muito tempo no hospedeiro como simples portadoras dos mesmos. Ele é transmitido para outro indivíduo pelo sangue, esperma e pela alimentação, como o leite. Recém nascidos de mães portadoras do vírus também têm sorologia positiva para o HTLV-1 em 22% dos casos (MURRAY et al.,2000).

O HTLV-1 pode ainda estar associado ao linfoma cutâneo T tipo Sézary. Na África onde existe o vírus STLV-1 de macacos pode haver sorologia positiva em homens para este vírus e a causa seria a ingestão de carne de símio comum naquela região.

O vírus EB, pertencente ao grupo herpes tem sido considerado possível agente etiológico de linfoma tipo Hodgkin (LH). Pacientes que tiveram mononucleose infecciosa e que costuma apresentar títulos elevado de anticorpos anti-EB-vírus, tipo IgG ou IgA no soro podem evoluir para o LH. Não se sabe ao certo se o vírus é responsável pelo linfoma ou se a infecção causada por ele possibilite a atuação de outros fatores desencadeantes da doença, quais sejam:

1- infecção por outros vírus

2- a ação de outros fatores ambientais ou de uma predisposição genética pré-existente.

O vírus EB está associado também ao câncer nasofaríngeo e com os linfomas não-Hodgkin tipo Burkitt. Nestes casos os vírus infectam os linfócitos B dos hospedeiros que passam a proliferar de modo anormal. O ADM viral se insere no genoma das células proliferantes, tendo sido descrito um gene viral denominado BNLF-1 que seria capaz de promover a transformação malígna daqueles linfócitos B.

Descreveu em 1997, a presença de partículas de vírus EB em células tumorais de um linfoma de células T tipo CD8 positivas em crianças residentes numa região de Twain, onde a leucemia/linfoma tipo T (associada ao vírus HTLV-1) não existe. A região é, na verdade, zona endêmica de infecção viral pelo EBV.


CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS

Alguns estudos epidemiológicos têm verificado que a incidência de neoplasias é maior nas camadas de população com baixas condições sócio-econômicas. Esta verificação está baseada em levantamentos que abordam inúmeros fatores correlacionados entre si e que atuariam em conjunto. Para Neglia e cols, 1990 o “risco” da leucemia é, ao contrário, maior entre indivíduos de nível sócio-econômico mais elevado. Os autores baseiam esta afirmação estudando a leucemia linfóide aguda (LLA) em crianças. Essas diferenças demonstram que há que se focalizar o tipo da neoplasia a estudar, as faixas etárias abordadas, o sexo e vários outros fatores ambientais e individuais num estudo epidemiológico dessa natureza (BERGER,1991).

Admitem estes autores a etiologia multifactorial da LLA da criança, na qual a condição sócio-econômica pode interferir de várias maneiras. As crianças mais sujeitas a apresentarem a doença seriam aquelas que, provenientes de família de melhor situação financeira têm:

1- menor chance de adquirir infecções da infância, ficando como que “resguardadas” das mesmas até idades maiores.

As crianças de famílias maiores e as mais novas (caçulas) são, ao contrário, mais sujeitas às infecções do que as de famílias pequenas e as que são primogênitas.

2- crianças que são amamentadas ao seio recebem anticorpos maternos e têm menos infecções do que as que não recebem esta alimentação. Aquelas que crescem em creches têm, ao contrário, infecções mais precoces e com maior freqüência.

Outros itens que foram considerados no maior risco de aparecimento de LLA foram:

1- a idade avançada da mãe (>40 anos)

2- a exposição da mãe a agentes potencialmente mutagênicos durante a gestação, como: radiações, infecções virais, contato com drogas solvente mesmo as de uso doméstico (pesticidas, herbicidas), presença de doenças auto-imunes no mesmos familiares próximos com hemopatia maligna linfocitária, exposição materna a drogas comuns (contraceptivos ou gases tóxicos).

Nos países desenvolvidos o sistema imunológico das crianças fica protegido das infecções em geral e em particular das viroses. A incidência maior das mesmas passa a ser então mais tardia, conforme se pode observar com várias outras patologias. Por isso, à medida que a mortalidade infantil diminuiu naqueles países a incidência da LLA, conforme se apresenta na atualidade, aumentou nesse grupo etário podendo ser considerada uma “forma” da doença do mundo moderno.


FATORES HEREDITÁRIOS

Conforme já referimos existem doenças constitucionais transmissíveis por herança nas quais há pré-disposição para o aparecimento de neoplasias, sob forma de câncer ou de leucemia/linfoma. A analise citogenética desses casos tem revelado anomalias que se repetem com muita freqüência nesses indivíduos, os quais são considerados portadores de um certo grau de instabilidade cromossômica(THOMPSON et al.,1998).

Esta é responsável por quebras que ocorrem nos cromossomos, de forma espontânea ou são provocadas por ação de agentes mutagênicos de vários tipos. As quebras se localizam em alguns pontos preferenciais denominados pontos frágeis. Estes ocorrem em vários cromossomos, conhecendo-se já há algum tempo sua localização. Segundo Yunis, 1984 os pontos frágeis transmissíveis por herança, se encontram nos seguintes cromossomos: 2(2q13): 6(6p23); 7(7p11.2); 8(8q22); 9(9p21 e 9q32); 10(10q25.2); 11(11q25.2 e 11q23); 12(12q13.1); 16(16p12 e 16q22); 20(20p11.2); X(Xq27)(LORENZI,1992).

Obs: p= braço curto e q= braço longo dos cromossomos. Os números que seguem correspondem às bandas cromossômicas onde se localizam os sítios frágeis.

Alguns oncogenes são mapeados exatamente nestes sítios frágeis ou próximo a eles, como por exemplo:

1- oncogene mos, translocado na leucemia mielóide aguda com t(8;21);

2- oncogene abl, translocado na leucemia mielóide crônica com t(9;22).

Atualmente reconhece-se que muitos sítios frágeis são transmitidos por herança e tem correlação com a incidência de neoplasia hematológicas ou não. Eles podem ser divididos em grupos ou classes, tendo por base as condições por meio de cultura necessárias para a sua expressão. Uma dessas classes correspondem exatamente àqueles sítios que podem ser transmitidos por herança.

Dentre estes sítios frágeis vários estão incluídos em anomalias cromossômicas, principalmente em translocações, mas também em deleções ou inversões.

Exemplos:

6p23 – t(6;9)(p23;q34) – leucemia mielóide aguda

7p11 – t(1;7)(p11;p11) – leucemia mielóide aguda, síndrome de mielodisplasia, síndromes mieloproliferativas

8q22 – t(8;21)(q22;q22) – leucemia mielóide aguda M2

9p21 – del(9p)- leucemia linfóide aguda

9q32 – del(9q) – leucemia mielóide, síndrome mielodisplasica, síndromes mieloproliferativas

11q25 – t(10;14)(q24.5;q11) – leucemia linfóide aguda, linfoma não-Hodgkin

11q23 – t(11;14)(q23;q32) – leucemia linfóide aguda, linfoma não-Hodgkin

11q23 – t(11;17)(q23;q25) – leucemia mielo-monocitica

11q23 – t(9;11)(p21;q23) – leucemia aguda monocitica

11q13 – t(11;14)(q13;q32) – leucemia linfóide aguda, leucemia linfóide crônica, linfoma não-Hodgkin

12q13 – dup(12)(q13;q22) – linfoma não-Hodgkin

A exata explicação de como se formam sítios frágeis nos cromossomos parece não ter sido encontrado. Estes sítios herdados são denominados folato-sensiveis e devem aparecer em decorrência de alterações da síntese do ADN – nuclear.

Há outros sítios frágeis que são induzidos por ação de substâncias químicas, como alguns agentes alquilantes, methotrexate, fluorodeoxiuridina, 5-azacitidina, etc.

Os sítios frágeis podem ser ainda comuns ou constitucionais os quais aparecem espontaneamente em alguns indivíduos.

Os da primeira classe relacionados anteriormente, estão situados nos pontos de quebra(“breakpoints”) encontrados em cromossomos de células proliferante de algumas leucemias e linfomas, desempenhando papel importante na patogenia dessas doenças.

Há três síndromes principais de instabilidade cromossômica (BARACAT et al.,2000):

1- Síndrome de Bloom

2- Anemia de Flanconi

3- Ataxia Teleangiectasia.



SÍNDROME DE BLOOM

Incide em 1/160.000 nascidos vivos.

O diagnostico é feito logo após o nascimento, pois o quadro clínico é mais ou menos característico: fácies alongada, retardo no desenvolvimento ponderal, fotossensibilidade cutânea com eritema mais ou menos acentuado. Ocorrem quebras de cromossomos e há falhas no sistema de reparo do ADN (COTRAN et al.,2000).


ANEMIA (OU SÍNDROME) DE FANCONI

Caracteriza-se por anemia ou pancitopenia de tipo crônico, cujo diagnóstico é feito mais tardiamente, em geral dos 5 aos 10 anos de idade. Há anomalias físicas múltiplas: sindactilia, ausência do rádio, microcefalia, anomalia renal, surdez, hipodesenvolvimento ponderal (COTRAN et al.,2000).


ATAXIA TELEANGIECTASIA

Incide em 1/40.000 nascidos vivos. Caracteriza-se pela presença de ataxia cerebelar, teleangiectasia oculocutânea, retardo do crescimento e imunodeficiência. Há numerosas alterações cromossômicas estruturais, com ganhos, perdas e translocações. Os cromossomos alterados com maior freqüência parecem ser o 7, o 8 e o 14, sendo freqüentes translocações tipo t(7;14). Há grande sensibilidade desses cromossomos à ação das radiações gama aparecendo então os defeitos. O cultivo de células obtidas por biópsia das vilosidades coriônicas pode mostrar esta hipersensibilidade às radiações gama, servindo ao diagnóstico pré-natal nos casos com suspeita (COTRAN et al.,2000).

Nas três síndromes citadas, há tendências aumentadas de aparecimento de leucemia mielóide (anemia de Fanconi, síndrome de Bloom) ou de linfoproliferação maligna (ataxia teleangiectasia), câncer em geral e de hepatoma. Elas representam bons exemplos de como fatores constitucionais, no caso a instabilidade cromossômica, podem prejudicar a capacidade de recuperação ou reparo do ADN após a exposição do indivíduo a agentes mutagênicos ambientais.

Outras síndromes, como a de Down (trissomia do cromossomo 21), a de Klinefelter e a de Ki George, parecem estar também correlacionadas com maior incidência de leucemia mielóide ou de imunodeficiência, a qual propicia o aparecimento de linfoproliferações malignas (LORENZI,1992).

Tem sido descrita, com certa freqüência, a presença de leucemia ou de linfoma em mais de um membro de uma mesma família. Essas observações esbarram sempre com as mesmas dificuldades ao se procurar explicar a causa do aparecimento de neoplasia sob a forma de agrupamentos em determinadas famílias ou regiões restritas do globo(COSSMAN,1990).

Entretanto, como tais pessoas acometidas geralmente têm contato intimo entre si, residindo num mesmo ambiente ou em locais muito próximos, não se pode afastar a presença de um mesmo fator desencadeaste, ambiental, capaz de promover o aparecimento da neoplasia. Este fator poderia ser uma infecção viral, presença de radiações gama, contato com o mesmo produto químico (THOMPSON et al.,1998).

FATORES INDIVIDUAIS

Segundo COTRAN et al. (2000) a soma dos fatores relacionados com a herança e aqueles próprios do meio ambiente, acrescidos dos que dependem diretamente do indivíduo, podem criar condições que facilitem ou não o aparecimento de doença maligna.

O hábito de fumar, por exemplo, torna o indivíduo mais suscetível para a instalação de um câncer de boca, das vias aéreas superiores ou do pulmão. O uso do cigarro parece correlacionar também com maior incidência da leucemia, em especial da leucemia mielóide aguda, conforme alguns relatos.

O estresse, as situações onde há queda da resistência física, como ocorre após regimes alimentares muito rigorosos e nas populações carentes podem desencadear neoplasia, inclusive leucemias ou linfoma.

Verifica-se que a idade, o sexo, a atividade profissional, são fatores individuais que também estão correlacionados com maior ou menor incidência dessas patologias.

As infecções virais se relacionam com o aparecimento de leucemia e/ou linfomas, como já foi abordado. A exposição a esses agentes virais pode estar ligada a hábitos individuais, como a homossexualidade ou ao uso d drogas endovenosas estupefacientes. Daí o aumento da incidência de carcinoma e de linfoma naqueles pacientes que apresentam a síndrome de imunodeficiência adquirida.


REGULAÇÃO DO CRESCIMENTO CELULAR, PAPEL DOS FATORES DE CRESCIMENTO, ONCOGENES E ANTI-ONCOGENES

Segundo BARACAt et al. (2000) o ponto fundamental na etiologia dos tumores malignos em geral, e das leucemias em particular, reside no desequilíbrio que se instala, num certo momento, no crescimento normal de uma célula.

Os estudos sobre a biologia molecular permitiram chegar ao conhecimento de que certas substâncias de natureza protéica (oligopeptídeos), liberados por diferentes tipos de células, estimulam a proliferação de várias linhagens leucocitárias e outras séries medulares.

Denominam-se tais substâncias de fatores de crescimento ou CSF (“colony stimulating factors”) conhecendo-se: 1- o F-CSF (fator de crescimento dos granulócitos); 2- o M-CSF (fator de crescimento monócitos; 3- o GM-CSF (fator de crescimento de granulócitos e de monócitos) e 4- o GEMM ou multi CSF (fator de crescimento de granulócitos, eritrócitos, monócitos, e megacariótos). Este último é também denominado interleucina 3, ou IL-3.

Ao lado desses CSFs, são conhecidas outras substâncias capazes de modular a proliferação e a diferenciação dos linfócitos T e B, denominado interleucinas (IL).

Enquanto os CSFs não têm nenhum efeito sobre a produção ou a ativação dos linfócitos T e B, algumas interleucinas, ao contrário, têm ação sobre a produção das células mielóides, como a IL-1, IL-4, IL-5 e a IL-6. Dentre os fatores de crescimento das células hematopoéticas, chamados genericamente de citoquinas, inclui-se ainda, a eritropoetina, substancia que estimula a diferenciação de eritroblastos na medula óssea.

A síntese dessas citoquinas, bem como de seus receptores localizados na membrana celular, é regida por genes já mapeados nos cromossomos humanos 2,5 e 17, especialmente no braço longo do cromossomo 5 (GREAVES,1990).

A multiplicação e diferenciação das células hematopoéticas pluripotentes ou “stem-cells” é regulada pelos fatores de crescimento (citoquinas), produzidos por vários tios celulares que atuam em íntima cooperação. As citoquinas diferenciadas atuam através de mensagens ou sinais que envolvem um complexo mecanismo bioquímico a partir da membrana celular e das proteínas citoplasmáticas em direção aos núcleos. É o sinal ou cascata de transdução, através do qual se procura conhecer como se processa o crescimento celular normal e qual(is) o(s) mecanismo(s) que o torna(m) incontrolável (veis). A cascata de transdução se inicia após a fixação da cioquina à membrana celular, o que provoca a ativação do receptor da membrana e, seqüencialmente, a ativação de substâncias “mensageiras” citoplasmáticas e dos genes presentes nos núcleos. A desregulação desses genes pode levar à divisão celular indefinida (GUYTON & HALL,2002)

Denominam-se proto-oncogenes, como já referimos, aqueles genes encarregados da proliferação celular normal. Quando esses se tronam “alterados” a proliferação celular fica perturbada e a célula que contém o gene modificado escapa ao controle do crescimento normal. A partir desse momento, inicia-se uma proliferação anômala que pode dar origem a um clone leucêmico (BERGER,1991).

Esta proliferação é dita autócrina, ou seja, ela não responde mais a uma mecanismo controlador e, por isso, as células passam a se auto-renovar.

O mecanismo íntimo pelo qual a célula neoplásica se torna independente da ação exercida pelos fatores de crescimento não está totalmente elucidado, mas parece se relacionar com a variação na quantidade dos CSFs necessários para promover o crescimento celular, assim como com o número e a qualidade dos receptores de membrana para tais fatores, exibidos pela mesma.

Segundo BARACAT et al. (2000) alguns pesquisadores acreditam que as células neoplásicas produzam, aberrantemente, fatores de crescimento responsáveis pela autoproliferação. Neste ponto seria importante o papel desempenhado por alguns oncogenes capazes de produzir produtos (oncoproteínas) com capacidade estimuladora do crescimento celular. São exemplos os oncogenes K-ras, mos e sis. Este último leva á produção de uma substância que tem características próximas do PDGF (“platelet derived growth factor”), e que é responsável pela auto-renovação de células que tenham um receptor de membrana específico para ela.

Daí terem surgido duas hipóteses para explicar a auto-renovação:

1º- as células leucêmicas seriam realmente produtoras de fatores de crescimento responsáveis pela auto-renovação;

2º- as células leucêmicas necessitariam de quantidades mínimas de CSF para entrar em proliferação.

É interessante observar que as células leucêmicas colocadas em meio de cultura para a obtenção de colônias, têm um baixo índice de clonagem, isto é, as colônias resultantes são escassas e pequenas (“clusters”). Entretanto, elas continuam a produzir pequenas colônias, mesmo na ausência de fatores estimuladores no meio, como os CSFs, demonstrando que há um crescimento autócrino das células leucêmicas.

A falta de controle da proliferação leucêmica se deve, de outro lado, a mutações genéticas que provocam uma expressão anormal dos fatores de crescimento. Essas mutações podem ocorrer com a ativação de genes responsáveis pela produção de CSF devido à inserção de parte de um genoma viral (retrovirus) no ADN das células.

A translocação t(14;18) (q32;q21), por exemplo, encontrada em linfomas não-Hodgkin, envolve a ativação do gene c-myc e genes de imuneglobina, de tal forma que o produto protéico resultante favorece o crescimento celular, causando um linfoma de tipo folicular, na maioria dos casos.

Já vimos que os oncogenes ou proto-oncogenes ativados, podem ser responsáveis por proliferação leucêmica. Este fato já foi bem comprovado com experiência em animais de laboratório (camundongo, rato, galinha), enquanto que no homem várias anomalias já foram detectadas.

Os oncogenes são divididos em varias classes ou famílias, têm localização diferente nas células (membrana celular, citoplasma ou núcleo) e têm atividade bioquímica também variada(THOMPSON et al.,1998).

Entre outras atividades bioquímicas, os oncogenes transformantes têm função de proteína tirosina-quinase, responsável por importantes mecanismos de fosforilação próprios das células. Os genes abl e o fms têm esta atividade. Os genes da família rãs têm atividade de GTPase (guaninatrifosfatase) (GUYTON & HALL,2002).

A síntese de proteínas resultantes da expressão alterada dos oncogenes transformantes induz à proliferação neoplástica.

Segundo BARACAT et al. (2000) ao tratar da linfomagênese refere que quase toda proliferação de linfócitos B tem rearranjos de genes de cadeias pesadas das imuneglobulinas (Ig). Pelo menos um alelo desses genes apresenta esta alteração, servindo a mesma como marcadora de qualquer linfoproliferação de tipo B.

As células T proliferantes apresentam com muita freqüência rearranjos de genes denominados receptores de cadeias beta (TcRB). Entretanto, 10 a 20% dessas neoplasias também têm rearranjos de genes de cadeia pesada de Ig.

Sempre que ocorre translocação cromossômica há um rearranjo genético, como no linfoma de Burkitt ou no linfoma folicular, tipo B. No primeiro há t(8;14) (8q32;18q21). O gene de cadeia pesada 14q32 fica então próximo ao gene bcl-2 (18q21). A região translocada tem grande importância. Através dela, após se fazer uma amplificação pela técnica de reação da cadeia de polimerase (PCR), pode-se detectar um número muito pequeno de células anômalas, malignas numa amostra de tecido do paciente. Com isto, diagnostica-se precocemente a presença de células tumorais ainda em pequena quantidade, assim como a doença residual após o tratamento intensivo, ou ainda, a existência de células linfomatosas em quantidade mínima em material a ser usado para transplante medular autólogo.

Convém lembrar que a perda de um anti-oncogene (exemplos: Rb, p53) também pode ser causa de neoplasia, uma vez que se perde um elemento regulador ou repressor da ação de oncogenes responsáveis pela proliferação celular.

Segundo JANDI (1999) o número de trabalhos que abordam o papel dos oncogenes e anti-oncogenes na etiologia da leucemia humana tem sido muito grande, sendo impossível fazer-se aqui uma revisão mais detalhada do assunto.


SÍNDROME DE MIELODISPLASIA, PRELEUCEMIA

As síndromes mielodisplásicas (SMD) formam um grupo de doenças intimamente correlacionadas com as leucemias, sendo consideradas estados evolutivos ou preleucemia. O defeito básico presente nas patologias incluídas sob esta designação é a falta de amadurecimento normal das células precursoras medulares das três linhagens sanguíneas. Há dificuldade de amadurecimento dos eritroblastos, dos granulócitos e dos megacarióticos na medula óssea, de tal forma que no sangue periférico pode aparecer anemia, leucopenia e plaquetopenia em graus variáveis.

Na SMD estão incluídas as seguintes patologias:

1- anemia refratária (AR);

2- anemia refratária com sideroblastos em anel (ARS);

3- anemia refratária com excesso de blastos (AREB);

4- anemia refratária com excesso de blastos em transformação (AREBt)

5- leucemia mielomonocítica crônica.

O número de publicações sobre este assunto é também bastante grande, pois este estado pré-leucêmico fornece um modelo humano de leucemogênese que é compatível com hipótese do desenvolvimento da leucemia como processo que segue etapassucessivas., o desenvolvimento da doença proliferativa parece ter evolução seqüencial e as cinco formas de SMD podem se suceder até o aparecimento da leucemia.

Os oncogenes desempenham papel na leucemogênese, em especial os da família ras (N,K e H-ras). As alterações no amadurecimento celular são freqüentes, e têm sido explicadas através de achados citogenéticos interessantes.

As alterações cromossômicas são numerosas e variáveis. As mais freqüentes são a chamada síndrome 5q-, a monossomia do cromossomo 7(-7) e a trissomia do 8(+8).

São encontradas deleções cromossômicas: del(11q); del(20q); Del(7q) e del(12q) e translocações Estas últimas são de vários tipos, envolvendo os cromossomos 1,3,2,7,9,11 e 21.

A SMD é considerada doença de origem clonal, aparecendo à alteração inicial numa célula hematopoética jovem, daí a dificuldade de maturação celular que atinge todas as linhagens derivadas da célula primitiva.

A causa desapercebida, assim como ocorre noutras doenças clonais, como a hemoglobinúria paroxística noturna. A mielodisplasia pode se desenvolver a partir de exposição à radiação ou de um agente químico, entretanto para que a leucemia se desenvolva é preciso que outro fator atue sobre as células já alteradas. A doença passa a ter, então caráter clonal e proliferativo ou maligno.

O sintoma clinico mais freqüente é o de anemia crônica, macrocítica, refratária ao tratamento habitualmente recomendado. Trata-se, em geral, de uma pancitopenia no sangue periférico, com medula óssea rica em células que exibem falta de amadurecimento.

A SMD pode ser primária ou secundária. Esta última aparece após o uso de quimioterápicos, como por exemplo, os agentes alquilantes.

Os oncogenes estão implicados na etiologia dessa síndrome, tanto na forma de novo como naquela induzida por agentes alquilantes. A ativação dos oncogenes da família RAS parece ocorrer preferentemente na SMD secundária do que na forma primária. Na leucemia mielóide aguda de novo, segundo Inokuchi e cols, 1991, estes oncogenes também estão ativados em cerca de 20 a 40% dos casos.

Outros autores encontraram ativação dos mesmos oncogenes na SMD, a qual tem como origem uma mutação ao nível dos condons 12,13 e61 do N-ras.

LORENZI em 1992 observou mutações de aminoácidos nesses condons do tipo:

Ácido aspártico por glicina
(condon 13) – N-ras

valina por glicina
(condon12)- N-ras

lisina por ácido glutâmico
(condon 61) – K-ras

Acreditou que a ativação dos genes N-ras e K-ras, associada à perda de um alelo do cromossomo 7 pode ser a causa de leucemia ou de SMD. Tanto a deleção do cromossomo 7(del 7) como a perda do mesmo (-7), são achados relativamente freqüentes nessa síndrome.

Alterações cromossomo 17 também são encontradas, assim como a deleção terminal do 20 (20q-).

O gene da mieloperoxidase (MPO) esta localizado no cromossomo 17 (17q22). Devido a mutações que podem ocorrer neste gene, há defeito de síntese da MPO, fato observado na SMD onde, especialmente os granulócitos, são muito pobres em granulações citoplasmáticas.

Várias outras proteínas que caracterizam a diferenciação mielóide podem ter sua síntese comprometida na SMD, quando ocorrem alterações cromossômicas como perda ou deleções. Estas substancias estão mapeadas em diversos cromossomos, sabendo-se, por exemplo, a localização da elastase (cromossomo 12), da lisozima (cromossomo 14), dos antígenos de diferenciação mielóide, CD 13, 14 e 33 (cromossomos 15, 5 e 19 respectivamente) (BERGER,1991).

Pela pesquisa realizada por LORENZI (1992) a mutação do oncogene fms(ou MCSF) em 41 casos de SMD pela técnica de reação da cadeia de polimerase (pcr). A mutação ocorreu nos condons 301 e 969 do gene e, segundo o autor, ela poderia ser causa de um aumento da resposta celular a este fator de crescimento, ou seja, o início de um processo leucêmico.

Entretanto, como na SMD há, com freqüência , perda do braço longo do cromossomo 5 (5q-), o oncogene fms se perde na deleção. Segundo os AA, a leucemia nesses casos poderia ser causada pela perda supressor ou anti-oncogene.


CONCLUSÃO

Vemos, pois, que a questão da leucemogênese é assunto complexo e controverso, restando muitos pontos a serem esclarecidos.

A elucidação definitiva da etiologia da leucemia deverá trazer elementos importantes para a compreensão do mecanismo causador da proliferação anômala das células, permitindo que se chegue ao tratamento específico e definitivo dessa patologia.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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