José Maria Couto Moreira
Advogado


Foi o saudoso homem público Milton Campos que, ao assumir o governo de Minas há mais de cinco décadas, prometeu aos mineiros que seu governo seria mais da lei do que dos homens. Aduziu, ainda, o que acabou por constituir emblema do exercício de vida pública e ação partidária dos que lidam na política, que seu governo, também, seria austero como convém à República e simples como é do gosto dos mineiros. Esta síntese primorosa de juramento cívico, verdadeiramente praticada em seu mandato, é lição que os pósteros não esquecem. Após um período comandado pelo PSD, em que a transigência com a lei conduzia os interesses políticos do Estado, o então governador Milton Campos, de há muito, já representava paradigma de virtudes cívicas, projetando em seu governo para o país, sem que para tal se exaltasse, como uma administração política em que o padrão nas decisões governamentais, de qualquer ordem, era o respeito à lei como exigência primária de respeito ao homem. Ainda é pouco dizer que Milton era uma figura consular, tal o rigor ético com que pautava sua vida pessoal e sua ação política.
O Poder Executivo federal enviou ao Congresso mensagem para que se reajustem os vencimentos de seus quadros. Porém, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e outras figuras da oposição comentam, com o inerente saber jurídico do primeiro e com as compreensíveis manobras dos segundos, que a remessa do texto se faz a destempo. Entendem eles que a matéria deveria ser endereçada há, pelo menos, seis meses antes das eleições para não comprometer a lisura do pleito, desde que, também como pensam, a providência atual representa forma de cooptação eleitoral. Então, que esperem por mais tempo os já angustiados servidores.
Ora, nada mais esdrúxulo, ainda que o pensamento parta de quem tem autoridade para fazê-lo. Uma revisão salarial não pode ter hora para sobrevir. Trata-se, originalmente, de um ato administrativo de governo, que consulta, tão somente, a oportunidade. Se não foi o reajuste concedido antes só se atribui à impossibilidade material. E nem se pode admitir, senão a mais pura coincidência temporal, que a revisão possa representar um gesto de bondade, pois que senão a sentença do ilustríssimo magistrado seria forçosamente outra, como o cometimento de crime de responsabilidade. Se a mensagem segue seu rumo previsto, não podem o Poder Judiciário ou os congressistas calarem-se ante o crime. A bondade não encerra as obrigações de governo.
É este quadro que provoca meditações sobre o pensamento político do grande Milton Campos, que, em circunstância que enfrentou quando deflagrada greve de servidores em seu governo, ditou a seus companheiros, diante de dura decisão de desforço e enfrentamento dada como irreversível por seu chefe de polícia: não será melhor mandar o trem pagador ?
Ora, então é de admitir-se que a categoria dos funcionários públicos federais, que não dispõem de força corporativa equivalente à dos magistrados e dos congressistas, hão de penar mais seis meses para serem então destinatários do que lhes é devido ? Não, é certo que não. O presidente da República, cuja esfera de ação política e partidária tem em seu núcleo o homem, como destinatário exclusivo da estratégia governamental, não se intimidará ante tais comentários, e, com certeza, se empenhará para que se aprove o reajuste. Se isto se der, será contado como um dos acertos de seu governo, diante, também, de uma avalanche de erros.
Os servidores é que não poderão pagar por disquisições em que se incluem o homem como elemento secundário na ação de governo. Não. Ele é sobranceiro, ao lado da lei.