A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA

Rhuan Marques de Sousa[1]

 

 

RESUMO

Este trabalho apresenta a Lei 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, buscando traçar um paralelo entre sua implantação e o desenvolvimento de um controle social efetivo da gestão pública. Para isso, demonstra procedimentos, prazos e exceções previstos em seu texto, além dos benefícios e desafios provenientes da sua consolidação. Trás ainda informações sobre o direito de acesso à informação no atual contexto nacional e internacional, além de apresentar as formas de controle existentes hoje no país. Ao final, apresenta sugestões de ações que podem ser adotadas pela Administração Pública, no intuito de promover mudanças culturais, organizacionais e operacionais que garantam o usufruto do direito de acesso à informação pública pela sociedade, e o desenvolvimento de uma nação realmente democrática e participativa.

 

 

Palavras-chave: Lei 12.527/2011. Acesso à informação. Controle social.

ABSTRACT

This paper presents the 12.527/2011 Law, known as the Access to Information Act, seeking to draw a parallel between their implementation and development of an effective social control of public management. To do so, demonstrates procedures, deadlines and exceptions provided in your text, and the benefits and challenges resulting from their consolidation. Further information on the back right of access to information on current national and international context, and present forms of control existing in the country today. The article concludes with suggestions for actions that can be taken by the public authorities in order to promote cultural, organizational and operational changes to ensure the enjoyment of the right of access to public information by society, and development of a nation truly democratic and participatory.

 

Word-Keys: Law 12.527/2011. Access to Information. Social Control.

1. Introdução

 

            A sociedade é um elemento dinâmico, que se adapta constantemente às mudanças ocorridas no cenário econômico, cultural, político e tecnológico de sua época. Desde o século passado, com a globalização das relações capitalistas, em parte devida ao advento e ampla difusão das tecnologias da informação e comunicação (TICs), a sociedade passou a viver na chamada “Era do Conhecimento” ou “Era da Informação”.

            A informação assume, dessa forma, o papel de bem mais valioso para a sociedade contemporânea, tendo em vista que é base para todo o conhecimento gerado pelo homem, e, portanto, basilar também ao seu desenvolvimento. A realização de escolhas, a tomada de decisões, o acompanhamento e controle das ações realizadas pelos gestores públicos, e o próprio acesso aos demais direitos garantidos por lei, restariam absolutamente comprometidos sem a garantia de um acesso amplo e universal à informação. Ao mesmo tempo, as decisões tomadas pelos gestores públicos certamente terão resultados mais eficientes se forem baseadas em informações amplas e de qualidade (ANDI & Artigo 19, 2009).

            É no intuito de garantir esse direito fundamental que foi sancionada e entrou em vigor, em 16 de maio de 2012, a Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (BRASIL, 2011), já conhecida nacionalmente como a Lei de Acesso à Informação. O documento legal em questão representa mais um enorme passo do país rumo à sua consolidação como uma nação democrática e transparente, ao tempo em que garante aos cidadãos o livre acesso a documentos e informações sob guarda do poder público, ampliando sua participação e fortalecendo os instrumentos de controle da gestão pública (CGU, 2011).

            O presente trabalho tem como objetivo analisar a importância da Lei de acesso à informação para o efetivo controle social da gestão pública, apresentando os mecanismos previstos para sua consolidação, além dos benefícios e desafios inerentes à sua implantação, estes últimos com suas respectivas sugestões de solução. Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de material já publicado, encontrado em livros, artigos de periódicos e sítios eletrônicos da internet. A pesquisa pode ainda ser classificada como: aplicada, do ponto de vista de sua natureza; Qualitativa, quanto à sua abordagem; e exploratória, do ponto de vista de seus objetivos. Boa parte do material utilizado foi retirada do portal da Controladoria Geral da União e do Portal de Acesso à Informação, cujos endereços constam nas referências bibliográficas, ao final do trabalho.

            Devido ao curto período de tempo em que a Lei está em vigor, notou-se a reduzida quantidade de material sobre o assunto, sobretudo no que diz respeito ao paralelo entre o acesso à informação e o controle social da gestão pública, o que, em parte, justifica a pesquisa realizada. Por outro lado, quanto mais informações a sociedade dispuser sobre os mecanismos legais previstos para o efetivo cumprimento da lei em questão, maiores serão as chances de que sua implantação seja realmente eficaz, como se pretende que seja.

            O artigo está dividido em seis partes, além desta introdução. Na segunda sessão, faz-se um breve apanhado sobre o acesso à informação no contexto nacional e mundial, apresentando os mecanismos e ferramentas já existentes a cerca do assunto. Na parte seguinte, são abordadas as formas de controle da gestão pública, como meio de contextualizar o controle social no âmbito das previsões legais de controle instituídas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Na quarta sessão, é detalhada de fato a Lei de acesso à informação, com seus mecanismos, prazos e procedimentos, exceções previstas e responsabilização dos agentes envolvidos. Na quinta parte são apresentados os benefícios do acesso à informação para o desenvolvimento do controle social, e deste para o desenvolvimento do país, além dos possíveis desafios provenientes da implementação da Lei 12.527/2011. Por último, são apresentadas as considerações finais, com sugestões de ações que podem ser adotadas pela Administração Pública, no intuito de garantir à sociedade o real uso do direito de acesso à informação, seguida da bibliografia utilizada no trabalho.

2. O acesso à informação no Brasil e no mundo

 

            O direito de acesso às informações sob tutela do poder público pode ser tido como um direito fundamental e universal. Fundamental, pois constitui base primária para o acesso aos demais direitos essenciais, como saúde, educação, segurança, assistência social, etc. E universal, uma vez que não pode estar restrito a qualquer subdivisão de classe, crença, sexo ou etnia, sendo estendido igualmente a todos.

            Atualmente, mais de 90 países ao redor do mundo já dispõem de leis que regulam o acesso às informações públicas, sendo um direito reconhecido como fundamental por diversos organismos internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA).

            Até a década de 80 do século passado, no entanto, o rol de países que possuíam leis para regular o assunto teve um incremento bastante reduzido (apenas treze em 1987) (ANDI & Artigo 19, 2009), devido, principalmente, aos constantes conflitos bélicos que envolviam boa parte do mundo até então. Com a resolução da maior parte desses conflitos, somada à evolução sem precedentes das tecnologias de comunicação, a sociedade passou cada vez mais a buscar seu espaço, tanto na fiscalização como na tomada de decisões, no que se refere aos rumos das políticas públicas adotadas por seus governantes.

            No Brasil, o direito genérico de acesso à informação foi positivado pela Constituição Federal de 1988, que dispõe, no inciso XXXIII, artigo 5º, que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (BRASIL, 1988). A constituição trata também do assunto no Art. 5º, inciso XIV, Art. 37, § 3º, inciso II e no Art. 216, § 2º de seu texto. Faltava, entretanto, uma legislação específica que regulamentasse esses dispositivos, definindo procedimentos, prazos e responsabilidades. Foi o que de fato fez a Lei 12.527/2011.

            Além de dispositivos contidos na legislação interna, o Brasil também assinou alguns tratados e convenções internacionais, firmando-se cada vez mais como uma nação democrática perante a ordem mundial. Dentre eles estão a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de Expressão.

            A íntegra desses documentos pode ser obtida no Portal do Acesso à informação, mantido pela Controladoria Geral da União (CGU, 2012).

            Antes mesmo da regulamentação proposta pela Lei 12.527/2011, entretanto, o país já contemplava o acesso à informação de diversas maneiras, através da criação de leis e políticas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei do Processo Administrativo, Lei do Habeas Data, entre outras. Outra importante iniciativa nesse sentido foi o lançamento, em 2004, do Portal da Transparência Pública, onde é possível acompanhar informações atualizadas diariamente sobre a execução do orçamento e obter informações sobre recursos públicos transferidos e sua aplicação direta (origens, valores, favorecidos). Além disso, destacam-se as iniciativas de apresentação de dados técnicos traduzidos em linguagem do dia a dia, de forma transparente, objetiva, e com conteúdo acessível para pessoas com deficiência (CGU,2011).

 

3. As formas de controle da Gestão Pública

           

            Nos modernos estados de direito, o único e verdadeiro titular de todo o patrimônio público (material e imaterial) é, reconhecidamente, o povo. Assim, toda a atividade desenvolvida pela Administração pública, que é mera gestora de coisa alheia, deve ter sempre como fim mediato a defesa do interesse público.

            No intuito de garantir esse princípio, foram estabelecidos os mecanismos de controle hoje conhecidos. Assim, o controle administrativo pode ser conceituado como

o conjunto de instrumentos que o ordenamento jurídico estabelece a fim de que a própria administração pública, os poderes Judiciário e Legislativo, e ainda o povo, diretamente ou por meio de órgãos especializados, possam exercer o poder de fiscalização, orientação e revisão da atuação administrativa de todos os órgãos, entidades e agentes públicos, em todas as esferas do poder. (Alexandrino & Paulo, 2010. p.759)

            Conforme a origem, critério que mais interessa ao presente trabalho, o controle pode ser classificado em:

  • Controle Interno, que é aquele exercido dentro de um mesmo poder, seja no âmbito hierárquico, seja através de órgãos especializados sem relação de hierarquia, ou ainda como o controle que a administração direta exerce sobre a administração indireta de um mesmo poder;
  • Controle Externo, exercido por um poder sobre atos administrativos praticados por outro poder; e
  • Controle Popular, que possibilita ao administrado o controle dos atos praticados pela administração pública, como decorrência direta do princípio da indisponibilidade do interesse público. Na verdade, o controle popular constitui um verdadeiro poder-dever da sociedade e dos cidadãos, não só no que diz respeito à defesa dos seus interesses individuais, mas também, e principalmente, no que visa à proteção dos interesses coletivos. Em suma, representa o direito do cidadão de participar da administração, opinando sobre suas as prioridades, fiscalizando o uso dos recursos públicos, e questionando seus atos, quando assim se fizer necessário.

            A Carta Magna de 1988 trás em seu texto diversas passagens que, direta ou indiretamente, confirmam a instituição do Controle Popular como um instrumento legal e positivo no ordenamento jurídico brasileiro. A primeira dessas passagens, que de uma forma geral sintetiza as demais, está contida já no seu artigo 1º, parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”. Resta claro aqui que o único e verdadeiro dono do poder público é o povo, que pode e deve exercer esse poder, seja de forma indireta, através de seus representantes eleitos, ou diretamente, valendo-se dos diversos mecanismos existentes e previstos em lei.

            Lock (2004) elenca todos os demais dispositivos constitucionais que asseguram a participação popular na Administração Pública, dentre os quais se destacam:

  • Art. 5, que trás, distribuídos em seu texto, direitos como o de acesso à informação (inciso XIV); de receber informações dos órgãos públicos e o direito de petição (incisos XXXIII e XXXIV); o devido processo legal administrativo e o mandado de segurança contra ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública (incisos LV e LXIX); e controle da conduta dos agentes públicos pelo cidadão através da Ação Popular (inciso LXXIII).
  • Art. 10, o qual assegura a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão.
  • Art. 14, que assegura a ideia da soberania popular e o voto direto e secreto de igual valor para todos, prevendo ainda o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, instrumentos importantes da democracia participativa.
  • Artigos 29 e 31, que garantem a participação no planejamento (inciso XII) e na fiscalização das contas municipais (§3º), respectivamente.
  • Art. 58, que possibilita a participação popular no processo legislativo, através de audiências públicas e reclamações contra atos das autoridades, nas comissões das casas legislativas (incisos II e IV).
  • Art. 61, que prevê a participação direta na produção de leis, através da iniciativa popular (§2º); dentre outros.

Dessa forma, fica clara a intenção do legislador em constituir uma democracia participativa, onde a sociedade atue de forma efetiva e consciente, garantindo a priorização do interesse público por parte dos gestores.

4. A lei de acesso à informação pública

           

            Com a aprovação da Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, a qual entrou em vigor em maio de 2012, fica regulamentado o direito de livre acesso às informações sob tutela do poder público, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, consolidando o regime democrático do país, ampliando a participação cidadã e fortalecendo os instrumentos de controle da gestão pública.

            Esse fato representa um marco regulatório, e uma grande mudança no paradigma da transparência pública, na medida em que estabelece o acesso como regra, e o sigilo como exceção. A partir daqui, qualquer cidadão poderá solicitar acesso às informações públicas, seja da administração direta ou indireta, de qualquer dos poderes e entes da federação, desde que não sejam classificadas como sigilosas pelo Estado, conforme procedimento que observará as regras, prazos, instrumentos de controle e recursos previstos, os quais serão detalhados nas subseções a seguir.

            A Lei prevê que a Administração deve divulgar de forma proativa as informações de interesse coletivo e geral, tais como: registro das competências e estrutura organizacional, endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público; registros de despesas e de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros; informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados; dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades; e respostas a perguntas mais frequentes da sociedade. A divulgação dessas informações deve ser feita em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet), os quais deverão conter ferramentas de pesquisa de conteúdo, possibilitar gravação de relatórios em diversos formatos, indicar local e procedimento para contato eletrônico ou telefônico com o órgão, caso seja necessário, e adotar medidas necessárias para garantir a acessibilidade do conteúdo às pessoas portadoras de deficiências.

            O Legislador buscou aqui economizar tempo e recursos para a Administração, ao mesmo tempo em que gera comodidade ao cidadão, que poderá acessar essas informações a qualquer hora e em qualquer lugar.

            Além das informações de interesse geral, a Lei especifica, de forma não taxativa, outras informações em que se poderá solicitar o acesso. Por exemplo, as referentes à administração do patrimônio público, utilização de recursos, prestações de contas, resultados de inspeções e auditorias, entre outras.

            Dessa forma, para atender tanto as demandas gerais como as específicas, a Lei 12.527/2011 prevê que o acesso à informação deve ocorrer mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão, garantindo-se sempre sua disponibilidade, autenticidade e integridade. Para isso, todos os órgãos e entidades do poder público devem manter um Serviço de Informações ao cidadão. Caberá a esta unidade:

  • Orientar sobre os procedimentos de acesso, indicando data, local e modo em que será feita a consulta;
  • Protocolizar documentos e requerimentos de acesso à informação;
  • Informar sobre a tramitação de documentos.

 

4.1 Procedimentos, prazos e recursos

 

            Qualquer interessado poderá solicitar acesso às informações tuteladas pelo poder público, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida. A Lei dispensa a necessidade de justificativa do pedido, pois em sendo o cidadão titular do patrimônio público, não caberia aqui que precisasse motivar seu desejo de conhecer o que lhe é seu de direito.

            Cabe ao órgão ou entidade consultado conceder o acesso imediato à informação disponível. Não sendo possível a concessão imediata, deverá, em prazo não superior a 20 dias, comunicar ao requerente a data, local e modo em que poderá ter atendido seu pedido, ou indicar as razões para a recusa total ou parcial do acesso pretendido. Caso a informação não esteja sob guarda do órgão ou entidade em questão, o requerente deverá ser informado do fato no mesmo prazo, e se possível, direcionado ao órgão ou entidade que a detém.

            Em qualquer caso, o prazo acima poderá ser acrescido de 10 dias, mediante expressa justificativa e dada ciência ao requerente. Vale ressaltar que o serviço de busca e fornecimento deverá ser gratuito, salvo no caso de impressão de documentos pela entidade, ocasião em que poderá ser cobrado exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento do custo dos serviços e materiais utilizados.

            No caso de negativa de acesso a informações, o cidadão pode interpor recurso à autoridade hierarquicamente superior àquela que emitiu a decisão. Persistindo a negativa, o cidadão poderá recorrer ao Ministro de Estado da área ou, em caso de descumprimento de procedimentos e prazos da Lei, à CGU. Em última instância caberá recurso à Comissão Mista de Reavaliação de Informações.

            O prazo para a interposição de recursos é de 10 dias, a contar da ciência do interessado, sendo que a autoridade que recebeu o recurso terá 5 dias para se manifestar.

            É importante observar que, a partir da 3ª instância (CGU), a Lei dispõe do procedimento apenas no âmbito do poder executivo, ficando resguardada a autonomia dos outros poderes e das outras unidades federativas (Condeixa, 2012).

4.3 Restrições de acesso à informação

 

            A Lei 12.527 garante como regra o direito de acesso à informação sob guarda do poder público. No entanto, existem algumas informações que, nas mãos erradas, poderiam por em risco a segurança do Estado e da sociedade como um todo, sendo, portanto, passíveis de restrição quanto ao acesso. É o caso das informações pessoais, que dizem respeito à intimidade, honra e imagem das pessoas; e das informações classificadas como sigilosas pelas autoridades competentes, por serem consideradas imprescindíveis à manutenção da ordem e segurança do Estado.

4.3.1 Classificação da Informação e responsabilização dos agentes públicos

 

            Com base no grau de sigilo e prazo máximo de restrição, as informações passaram a ser classificadas em ultrassecretas, secretas e reservadas, abolindo-se a classificação “sigilosa” que vigorava anteriormente à Lei. Cada uma dessas categorias dispõe de um prazo máximo de restrição, e somente pode ser classificada por autoridades específicas. Em suma, quanto mais sigilosa a informação, maior o nível hierárquico da autoridade competente para classificá-la. A seguir, um quadro resumo contendo a classificação das informações, com seus respectivos prazos de restrição e autoridades competentes:

GRAU DE SIGILO

AUTORIDADE COMPETENTE

PRAZO DE RESTRIÇÃO

Ultrassecreto

a)    Presidente da República;

b)    Vice-Presidente da República;

c)     Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas;

d)    Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; e

e)     Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior

25 anos

Secreto

a)    Todas as autoridades descritas acima;

b)    Titulares de autarquias, fundações ou empresas públicas e sociedades de economia mista

15 anos

Reservado

a)    Todas as autoridades descritas acima;

b)    as que exerçam funções de direção, comando ou chefia, nível DAS 101.5, ou superior, do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou de hierarquia equivalente, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade.

5 anos

           

            Há ainda as informações que possam colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as), as quais são classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição, ou seja, pelo prazo máximo de 08 anos.

            Vale ressaltar que, no caso de negativa de acesso à informação, por esta ser considerada total ou parcialmente sigilosa, deve-se obrigatoriamente indicar a autoridade competente pela classificação, além da autoridade hierarquicamente superior a quem pode ser dirigido o pedido de acesso ou desclassificação, em caso de interposição de recurso pelo requerente.

            De nada valeria, entretanto, o direito de acesso à informação, se não fosse garantida, de alguma forma, sua plena eficácia, em termos práticos. Para isso, a Lei prevê no seu artigo 32, uma série de condutas que poderão ensejar responsabilidade do agente público, caso praticadas. Basicamente, ao agente que recusar-se injustificadamente a fornecer a informação requerida, de alguma forma prejudicar sua integridade, ou ainda utilizá-la intencionalmente em benefício próprio, de outrem ou em detrimento de terceiro, caberá responsabilização e punição, conforme os termos que regem seu regime de trabalho, podendo acarretar desde suspensões até a rescisão do vínculo com o poder público.

5. Benefícios e desafios na implementação da Lei de acesso à informação

 

            O desenvolvimento do controle social está expressamente previsto no próprio texto da lei, como um princípio que deve ser observado e seguido. Mas qual a real importância do direito de acesso à informação, e que benefícios, de fato, ele pode proporcionar ao controle social? De que forma esse controle social ativo e efetivo poderia ser contribuir para o desenvolvimento do país? Que desafios concretos estão por vir com a implementação dessa que pode ser chamada uma mudança brusca de paradigma? Essas são perguntas que devem permear a mentalidade da sociedade e dos gestores públicos, principalmente a partir de agora.

            Com a liberdade proporcionada pelo modelo capitalista e pelo regime democrático, preponderantes hoje na maior parte do mundo, praticamente todas as ações se reduzem a um mesmo denominador: a necessidade de fazer escolhas. Para comprar um eletrodoméstico, escolher um destino de viagem, uma profissão para seguir ou para eleger um representante legítimo pelos próximos 4 anos, o indivíduo precisa tomar decisões e fazer escolhas. Certamente, sem o auxílio de informações claras, precisas e detalhadas em cada uma dessas situações, não seria possível tomar as decisões certas, e fazer escolhas com qualidade.

            Também na perspectiva individual, o direito de acesso à informação é importante por prescindir os demais direitos. Sem informação, não há como um indivíduo conhecer o que a lei lhe garante em termos de direitos sociais, civis, políticos, econômicos, etc. A título de exemplo, entrou em vigor recentemente a lei 12.291/2010 (BRASIL, 2010), que obriga todos os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços do país a manterem, em local visível e de fácil acesso em suas dependências, um exemplar do Código de Defesa do Consumidor. Claramente, o legislador visou um incremento na qualidade do acesso às informações por parte dos consumidores, por serem considerados a parte frágil e, portanto, mais susceptíveis de saírem prejudicados nas relações comerciais com as empresas.

            O alcance a documentos e registros públicos tem-se mostrado altamente eficaz ao desenvolvimento do um controle social ativo e atuante, e, por conseguinte, à melhoria das políticas públicas em diversos países ao redor do mundo, observando-se um impacto direto e significativo na vida da população. Em 2000, por exemplo, durante os episódios que ficaram conhecidos como a Guerra da Água, um grupo composto por sindicalistas, fazendeiros, ambientalistas, economistas e outros moradores de Cochabamba, na Bolívia, conseguiu por meio do Congresso uma cópia do contrato entre o governo e a norte-americana Bechtel, empresa que explorava o fornecimento de água na região. Na ocasião, descobriu-se que a empresa havia conseguido a garantia de lucro de 16%. Segundo o documento, a concessão dos serviços praticamente não implicava investimentos iniciais, além de existirem vários outros problemas reveladores do péssimo negócio que o governo efetuara. Com esse documento, o grupo de moradores deixou de protestar contra a alta taxa de água que estava sendo cobrada e passou a lutar pelo cancelamento do contrato e o fim da privatização da exploração da água. A briga se seguiu com consulta popular, greve, bloqueio de estradas, protestos, prisões, confrontos e mortes, mas o contrato foi cancelado, a Bechtel deixou o país, e a privatização da água foi revertida (ANDI & Artigo 19, 2009).

            O acesso à informação é, portanto, um direito coletivo que resulta em ganhos visíveis e significativos para toda a comunidade. Com um acesso amplo às informações públicas, os cidadãos podem conhecer mais profundamente seu passado e presente, e também as atividades realizadas por seus governantes, e pelos demais indivíduos que administram o patrimônio público, possibilitando o desenvolvimento de um controle social mais atento e efetivo. Dessa forma, torna-se possível participar diretamente da elaboração, deliberação, implantação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, contribuindo assim com a redução de práticas como a corrupção, abuso de poder, peculato, desvio de verbas públicas, concussão, prevaricação, e tantas outras, infelizmente ainda muito presentes no cotidiano do país.

            Certamente, a implementação da lei de acesso à informação no Brasil não trilhará por caminhos fáceis. Isso porque suplantar a cultura do sigilo, entranhada há séculos no seio político da nação, consiste em uma tarefa árdua, que somente poderá obter êxito através da mobilização conjunta dos diversos atores envolvidos no processo, ou seja, dos agentes públicos (incluindo agentes políticos e funcionários públicos), e da população em geral.

            Em pesquisa realizada em 2011 pela CGU e coordenada pelo Prof. Roberto DaMatta (DaMatta, 2011), a qual buscou analisar valores, cultura, experiência e percepção de servidores públicos federais em relação à temática de acesso a informação no Brasil, foram apontadas uma série de desafios para a implantação de uma política geral de acesso. Diante de situações concretas, constatou-se que ainda há receio quanto à divulgação de informações e documentos públicos, principalmente no que diz respeito a:

  • Má utilização das informações;
  • Vantagens para grupos de interesse bem situados;
  • Uso político das informações;
  • Solicitações excessivas e descabidas.

Questiona-se ainda a capacidade atual da Administração pública em atender a essas novas demandas. Estruturalmente, falta organização, planejamento e sistematização das informações na maioria dos entes públicos. Aliados à carência de recursos humanos e à baixa interoperabilidade entre sistemas e bases de dados existentes, é possível que a capacidade limitada de respostas aos cidadãos acarrete em uma legislação fadada ao desuso, por falta de condições necessárias e suficientes à sua efetividade, como muitas outras existentes no Brasil.

6. Considerações finais

 

A aprovação da Lei 12.527/2011, ainda que tardia quando comparada a boa parte dos países que adotam um regime democrático, certamente representa um grande avanço do Brasil como uma nação pautada pelos princípios da transparência e da liberdade. Percebe-se que foram seguidos boa parte dos padrões adotados pela comunidade internacional, no que diz respeito à regulação do acesso à informação, como os princípios da divulgação proativa, do âmbito limitado das exceções, da definição de processos que visem facilitar o acesso, da possibilidade de apelação à autoridade superior e da responsabilização dos agentes, dentre outros.

Não se pode pensar, no entanto, que a simples entrada em vigor de um documento legal representa, por si só, garantia de usufruto de determinado direito. Há uma distância muito grande entre a mera implantação e a real implementação da Lei de acesso à informação, com sua devida geração de frutos para a sociedade. O caminho a ser percorrido entre esses dois pontos deve, obrigatoriamente, passar por mudanças organizacionais, operacionais e culturais (DaMatta, 2011).

É necessária a criação de uma estrutura mínima capaz de atender satisfatoriamente a crescente demanda por informações nas entidades públicas, a qual deve contemplar:

  • Divulgação prévia nos sítios oficiais de informações de interesse coletivo, utilizando-se dos princípios da usabilidade e acessibilidade ao usuário.
  • Abertura de canais eficientes de comunicação entre as entidades do Estado e os cidadãos, que possibilitem aperfeiçoar o fluxo entre solicitações e respostas.
  • Aperfeiçoamento dos recursos humanos envolvidos, com treinamentos na área de atendimento, produção e divulgação de informações, tendo como foco a mudança de mentalidade proposta pelo novo paradigma.
  • Fortalecimento das tecnologias da informação, com a digitalização de documentos, criação de bancos de dados públicos e de sistemas de acompanhamento de processos.
  • Promover uma maior integração entre os sistemas de informação e bancos de dados das diversas entidades públicas, de maneira a reduzir o tempo e esforço gastos entre a solicitação e o fornecimento da informação.

            Além disso, deve-se imaginar que o amplo acesso pode vir a ser utilizado apenas como instrumento de guerra no âmbito político, e pelas empresas, no âmbito comercial, com o intermédio de uma imprensa cada vez mais sensacionalista. Enquanto isso, o cidadão comum, que deveria ser o primeiro e principal beneficiado, pode configurar em uma posição secundária em todo esse processo. Para que tal situação não ocorra, é preciso investir ainda mais nos instrumentos de inclusão social e digital, hoje vistas de forma cada vez mais atrelada, de modo que a sociedade perceba que pode e deve participar ativamente dos rumos de seu país, e saiba que caminhos deve seguir para fazê-lo.

            Somente a partir de um amplo processo de conscientização dos gestores públicos e, principalmente, da sociedade como um todo, aliados ao fortalecimento dos instrumentos de controle social, será possível vislumbrar no Brasil um país realmente desenvolvido, com um regime democrático e participativo, para além do que está escrito no papel. O primeiro passo já foi dado.

Referências

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ANDI & Artigo 19 - Acesso à informação e controle social das políticas públicas; coordenado por Guilherme Canela e Solano Nascimento . Brasília, DF: ANDI; Artigo 19, 2009. 132 p.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei nº 12.291, de 20 de julho de 2010. Torna obrigatória a manutenção de exemplar do Código de Defesa do Consumidor nos estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços. Casa Civil, Presidência da República. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/ L12291.htm>. Acesso em 27 de agosto de 2012.

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[1] Graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistema pelo IF-PI. Especialista em Administração Pública e Gerência de Cidades pelo Grupo Educacional Internacional UNINTER (Paraná). Funcionário Público Federal desde julho de 2007, sendo atualmente Secretário Estadual do Doutorado em Biotecnologia da Rede Nordeste de Biotecnologia, na Universidade Federal do Piauí.