RESUMO 

Este artigo desenvolvido a partir de pesquisas bibliográficas discute questões relativas à aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos, que são espécie do gênero agentes públicos, e apesar de literalmente constantes no rol de sujeitos a aludida lei, tanto na Constituição quanto na própria lei, fora levantada dúvida com relação a tal aplicação da aludida lei.

Faremos aqui abordagens explicativas com relação a Lei 8.429/92, com relação ao seu surgimento e o intuito de sua criação, bem como de sua aplicabilidade, em face das polemicas atuais acerca de sua aplicabilidade aos agentes políticos, defendedo o posicionamento contrario ao que fora acolhido pelo STF em seu julgamento a respeito do tema, com embasamento doutrinaria.

Palavras chave.  Improbidade Administrativa, Lei 8.429/92, Agentes Políticos, Aplicabilidade.

  

1.Introdução

 O propósito maior propósito da criação da Lei que tutela a probidade administrativa em nosso país, qual seja a Lei 8.429/92, foi proteger e reafirmar o princípio da moralidade administrativa, previsto de forma inovadora pela nossa Constituição Federal de 1988.

            Contudo este propósito tão nobre tem sido posto a prova e questionado em relação a sua aplicabilidade conforme dispõe o literal texto constitucional e da própria Lei 8.429/92 com relação aos agentes políticos, que em momento algum foram retirados do rol de pessoas passiveis de arcar com as penalidades previstas na aludida lei.

            Queremos, com o presente trabalho que foi errônea a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federam, que julgou pela não aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, violando assim texto constitucional e infra constitucional.

            Vamos, por meio de posicionamentos doutrinários, demonstrar que a lei acima mencionada não só é plenamente aplicável aos agentes políticos, como também torna-se indispensável que assim o seja feito quanto couberem as sanções que nela estão previstas, para que assim se possa proteger a probidade e a moralidade administrativa, como se objetiva com a aludida lei e se possa punir os atos de improbidade praticados, principalmente pelos agentes políticos, pois estes, em razão da função que ocupam, devem ter suas condutas enquadradas e puníveis, quando necessário for, tanto civelmente quanto penalmente e administrativamente.

2. Improbidade Administrativa e Evolução no Direito Brasileiro

            Por probidade administrativa podemos entender a exigência de uma conduta legalmente, moralmente e eticamente correta por parte daqueles que compõe a Administração Pública, não bastando somente a observância da legalidade formal nos atos administrativos, mas perpassando pela seara da honestidade que rege não somente os aludidos atos, mas que norteia todas as relações humanas. Neste sentido Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma que moralidade administrativa e probidade administrativa são expressões praticamente equivalentes, como podemos observar:

Não é fácil estabelecer distinção entre moralidade administrativa e probidade administrativa. A rigor, pode-se dizer que são expressões que significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a ideia de honestidade na Administração Pública. Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei,; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública. (DI PIETRO, 2011, p. 823) [1]   

Para sintetizar o conceito de improbidade, Alexandre de Moraes cita José Afonso da Silva em sua obra, que assim nos ensina, de maneira técnica:

 Atos de improbidade administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público. (DI PIETRO, 2011, p. 823) [2]

É no § 4º do art. 37 que consta a previsão constitucional para a conduta de improbidade administrativa, sendo com o advento da mesma o principio da moralidade administrativa foi inserido entre os princípios constitucionais, constituindo uma inovação:

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (VADE MECUM, 2011, p. 27) [3]

Todavia, a preocupação com a moralidade administrativa já estava prevista no ordenamento jurídico brasileiro já há algum tempo, tendo sido iniciada com a edição do Decreto-Lei 3.240, de 08 de maio de 1.941, que previa o sequestro e a perda dos bens de autores de crimes que resultaram prejuízo para a Fazenda Pública, desde que resultasse locupletamento ilícito, e subsidiariamente a reparação civil do dano e a incorporação ao patrimônio público de bens de aquisição ilegítima de pessoa que exercesse ou tivesse exercido função pública [4], como nos demonstra Alexandre de Moraes.

Nesse mesmo diapasão, nos diz Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

A Constituição de 1.988 inovou ao introduzir o ato de improbidade no capítulo da Administração Pública. Antes disso, no entanto, já havia no direito positivo brasileiro, desde longa data, legislação prevendo sanções para os atos que importassem prejuízo para a Fazenda Pública e locupletamento para o indiciado . (DI PIETRO, 2011, p. 823) [5]

            As sanções previstas na lei acima mencionada tinha o condão de condenação penal.

            A Constituição de 1.946 também tratou da punição nos casos de ato praticado com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, resultando enriquecimento ilícito para aquele que o cometesse em detrimento do erário público, em seu art. 141, § 3º. A regulamentação legal veio com a Lei 3.164/57 (Lei Pitombo- Godói). [6]

                Posteriormente, a Lei nº 3.502, de 21-1-58, sem revogar a anterior, veio regular o sequestro e o perdimento dos bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função. [7]

                A Constituição de 1.967 previa em seu artigo150, § 11 que lei posterior disporia sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou em caso de enriquecimento ilícito por exercício de função pública, passando, com a Emenda Constitucional nº 1/69 a ser transposta no artigo 153,         § 11. Durante a vigência da mesma Constituição o Ato Institucional nº 5 dispôs em seu artigo 8º, que o Presidente da República, após investigação, poderia decretar o confisco de bens daqueles que enriqueceram ilicitamente, por ocasião de abuso do exercício do cargo ou função pública, incluindo as autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejudicar, todavia, as eventuais sanções penais cabíveis.

Conforme nos diz Maria Sylvia Zanella Di Pietro, foi com a Constituição Federal de 1.988 que a moralidade em relação à Administração Pública, direta e indireta, passou a estar entre os princípios que deveriam reger os atos administrativos, tratando-se, no mesmo diploma legal, de várias penalidades aplicáveis a quem cometer conduta ímproba, como podemos observar o que nos diz a ilustre doutrinadora:

Com a Constituição de 1.988, foi previsto o princípio da moralidade no artigo 37, caput, entre os princípios a que se sujeita a Administração Pública direta e indireta de todos os níveis de Governo e, no artigo 5º, inciso LXXIII, foi inserida, como fundamento para a propositura da ação popular, a lesão à moralidade administrativa. Além disso, no § 4º, do mesmo artigo 37, ficou estabelecido que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Por sua vez o artigo 15, ao indicar os casos que é possível a perda ou a suspensão dos direitos políticos, expressamente inclui, no inciso V, a “improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, § 4º.  (DI PIETRO, 2005, p. 328) [8]

 Devemos resaltar que a regra prevista no artigo 37, § 4º é uma norma de eficácia limitada, como denota a expressão “(...) na forma e gradação previstas em lei (...)”, por isso foi editada, em 1.992, a Lei nº 8.429, para regulamentar a forma e a gradação das sanções previstas no diploma constitucional. Assim, para que se evite o perigo de uma administração corrupta caracterizada pelo descrédito e ineficiência, o legislador editou a Lei. 8.429/92, com o intuito de prevenir a corrupção da máquina burocrática do Estado.[9]

3. Das Modalidades de Atos de Improbidade Previstos na Lei 8.429/92

            A Lei 8.249/92 ampliou as modalidade de atos de improbidade previstos na Constituição Federal de 88, como nos demonstra Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Nota-se que os atos de improbidade definidos na Lei 8.249/92 são de amplitude muito maior do que as hipóteses de enriquecimento ilícito previstas nas Constituições anteriores e disciplinadas pelas referidas leis. Na Lei 8.249/92, o enriquecimento ilícito constitui apenas uma das hipóteses de atos de improbidade (art. 9º), ao lado dos atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e dos que atentam contra os princípios da Administração Pública. (DI PIETRO, 2011, p. 828) [10]

A lei fala em ato de improbidade que não pode ser confundido com a expressão ato administrativo, pois o ato de improbidade pode consistir em uma conduta positiva, uma omissão ou mesmo a um ato administrativo.

A Lei 8.829/93, como já citado acima, trás a tipificação das condutas consideradas como atos de improbidade, nos artigos 9º, 10 e 11. Sendo que no artigo 9º estão tipificados os atos que ocasionam o enriquecimento ilícito, no artigo 10 vem as condutas que implicam prejuízo para o erário e, por fim no artigo 11 estão dispostos os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Como explica a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a rigor, qualquer violação aos princípios da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, da impessoalidade e de qualquer outro imposto à Administração Pública pode constituir um ato de improbidade administrativa. No entanto, há que se permitir a intenção do agente, para verificar se houve dolo ou culpa, pois, de outro modo, não ocorrerá o ilícito previsto na lei. [11]

 

4. Dos Sujeitos do Ato de Improbidade Administrativa

            Para que se constitua o ato de improbidade administrativa é necessário que exista um sujeito passivo, que são as pessoas jurídicas da Administração Pública direta ou indireta que sofrem os danos da conduta do agente ímprobo e o sujeito ativo, que é aquele que pratica o ato de improbidade em detrimento da Administração Pública.

4.1. Do Sujeito Passivo

            A definição do sujeito passivo com relação aos atos de improbidade estão descritos no art. 1º da Lei 8.249/92, que abrange a administração direta, indireta e fundações de qualquer um dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e Territórios, qualquer empresa incorporada ao patrimônio público ou entidade para cuja criação ou custeio o erário tenha concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, há ainda mais entidades incluídas no polo passivo da relação que constitui os atos de improbidade administrativa, como podemos observar:

Pela norma do parágrafo único, são ainda incluídas outras entidades que não compõe a Administração Pública, direta e indireta, nem podem ser enquadradas como entidades públicas de qualquer natureza. São entidades privadas em relação às quais o Estado exerce a função de fomento, por meio de incentivos, subvenções, incentivos fiscais ou creditícios, ou mesmo contribuição para a criação ou custeio. Podendo ser incluídas nessa modalidade as entidades do tipo de serviços autônomos (Sesi, Senai, Sesc e outras semelhantes), as chamadas organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público e qualquer outro tipo de entidade criada ou mantida com recursos públicos. (DI PIETRO, 2011, p. 834/35) [12]

 

            4.2 Do Sujeito Ativo

            A Lei de improbidade administrativa considera como sujeitos ativos o agente público (art. 1º) e o terceiro que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática de ato de improbidade, ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3º). [13]

Quis o legislador, ao definir o sujeito ativo do ato de improbidade administrativa, ter o cuidado de ser o mais abrangente possível, definindo como agente público todo aquele que exerce função pública, mesmo que de forma transitória, até mesmo sem remuneração, tendo este qualquer que seja vínculo com a Administração Pública, podendo inclusive a prática de ato de improbidade administrativa, ser praticado por agente que não possua vínculo empregatício com a Administração Pública.

Donde podemos concluir que qualquer das categorias de agentes públicos pode praticar ato ímprobo, sendo elas: os servidores estatutários, os empregados públicos celetistas, os agentes políticos, os contratados temporariamente e também aqueles particulares em colaboração com a Administração, como a exemplo dos mesários que trabalham nas eleições.

            Maria Sylvia Zanella Di Pietro compartilha da ideia de que todo aquele que presta serviço ao estado é um agente público, como:

(...) os agentes políticos (parlamentares de todos os níveis, Chefes do Poder Executivo federal, estadual e municipal, Ministros e Secretários dos Estados e dos Municípios; os servidores públicos (pessoas com vínculo empregatício, estatutário ou contratual, com o Estado; os militares (que também tem vínculo estatutário, embora referidos na Constituição fora da seção referente aos servidores públicos; e os particulares em colaboração com o Poder Público (que atuam sem vínculo de emprego, mediante delegação, requisição ou espontaneamente). (DI PIETRO, 2011, p. 835) [14]

O artigo 3º da Lei 8.429/92 é claro ao dispor que esta é aplicável, no que couber, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

5. Da Aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos Agentes Políticos

            5.1 Conceito de Agentes Políticos

            Conforme nos conceitua Maria Sylvia Zanella Di Pietro, os agentes políticos são os parlamentares em todos os níveis, Chefes do Poder Executivo federal, estadual e municipal, Ministros e Secretários dos Estados e dos Municípios. [15]

            Já, para Hely Lopes Meirelles, agentes políticos:

(...) são os componentes do Governo em seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam em plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais. Têm normas especificas para sua escolha, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade que lhe são privativos. (MEIRELLES, 2006, p. 76) [16]

            Mais restritivamente, Celso Antonio Bandeira de Mello nos explica que agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é de formadores da vontade superior do Estado. [17]

 

5.2 Da Reclamação 2.138/DF – Supremo Tribunal Federal

            Foi ajuizada Ação de Improbidade Administrativa contra Ronaldo Mota Sardemberg, Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, no governo de Fernando Henrique Cardoso, pela utilização indevida de aeronaves da Força Aera Brasileira, para transporte particular dele e de terceiros, com fulcro nos artigos 9º, IV e XII, 10, IX e XIII e 11, I, da Lei 8.429/92. Esta denuncia foi acolhida e o Ex-Ministro fora condenando a ressarcir o erário público e a perda dos direitos políticos por oito anos, sendo que esta decisão fora mantida em segunda instância.

            Diante desta decisão, a União, ajuizou a Reclamação n. 2.138, contra os juízes que prolataram as sentenças desfavoráveis a Sardemberg, alegando incompetência por parte das de ambas as instâncias acima mencionadas para julgar a aludida lide, nos termos do artigo 102, I , “c” da CF/88, e declarar o competência originária do STF em relação a demanda, alegando que o réu, por ser Ministro de Estado, responderia no caso, por crime de responsabilidade, previsto na Lei. 1.079/50 e não por ato de improbidade administrativa, como fora julgado.

            A referida reclamação foi julgada procedente e afastou a aplicabilidade da Lei 8.429/92 ao Ex-Ministro Ronaldo Mota Sardemberg, conforme proferiu o Ministro Relator Nelson Jobim, acolhendo a tese de que os agentes políticos respondem por crime de responsabilidade e, portanto não estariam sujeitos ao mesmo tempo a aplicabilidade da lei que trata da improbidade administrativa, pois trataríamos aqui de caso de bis in idem, pois para esta tese, nos dois diplomas legais os delitos possuiriam a mesma natureza jurídica.

            O Ministro Nelson Jobim afirma em sua decisão que a Vara e o Tribunal de segunda Instância que proferiam a decisão desfavorável a Sardemberg são incompetentes para tanto e que o réu deve ser julgado pelo STF, conforme o art. 102, I, “c” da CF/88. Além disso destacou o Ministro relator que ficou demonstrado que tratava-se, o caso de julgamento por crime de responsabilidade e não de improbidade administrativa. Acompanharam o voto do relator os Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Maurício Corrêa, Ilmar Galvão e Cezar Peluso.

            5.3 Da Efetiva Aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos Agentes Políticos

            Podemos concluir que a decisão da Suprema Corte fora, neste caso parcialmente errônea, uma vez que em nenhum momento e em nenhum lugar do ordenamento jurídico existe base para que se sustente a tese de que o crime de responsabilidade e ato de improbidade administrativa sejam a mesma coisa e nem que não possam coexistir ambas as punições, uma vez que o ato de improbidade administrativa pode, ou não, corresponder a um ilícito penal, como por exemplo os crimes de responsabilidade definidos em lei especial e a própria constituição demonstra no artigo pertinente a improbidade administrativa a possibilidade de serem aplicadas, cumulativamente, sanções a um ato que seja ímprobo e também considerado um crime.

            Neste sentido afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

(...) ato de improbidade administrativa pode corresponder a um ilícito penal, se puder ser enquadrado em crime definido no Código Penal ou em sua legislação complementar. É o que decorre da própria redação do dispositivo constitucional, quando, depois de indicar as medidas sancionatórias cabíveis, acrescenta que a lei estabelecerá sua forma e gradação “sem prejuízo da ação penal cabível” (DI PIETRO, 2006, p. 76) [18]

Isso permite conclui que: (a) o ato de improbidade, em si, não constitui crime, mas pode corresponder também a um crime definido em lei; (b) as sanções indicadas no artigo 37, § 4º, da Constituição não tem a natureza de sanções penais, porque, se tivessem, não se justificaria a resalva contida na parte final do dispositivo, quando admite a aplicação das medidas sancionatórias nele indicadas “sem prejuízo das sanções penais cabíveis”; (c) se o ato de improbidade corresponder também a um crime, a apuração da improbidade pela ação cabível será concomitante com o processo criminal. [19]

            Ademais, a ato de improbidade pode ensejar sanções tanto na esfera cível, que delibera sobre a própria improbidade administrativa, regida pela Lei 8.429/92, como nas esferas administrativas (com previsão nos Estatutos dos servidores) e penais (com previsão no Código Penal ou legislação especial), concomitantemente.

                                      Reafirma nosso posicionamento negativo quanto à decisão do Supremo Tribunal Federal pela não aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos, o posicionamento da ilustre doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que nos diz, em relação ao julgamento da reclamação 2.138:

Esta não é a melhor interpretação dos dispositivos constitucionais, até porque contrária ao próprio artigo 37, § 4º, da Constituição que, deixa expresso que as mesmas serão previstas em lei, “sem prejuízo das sanções penais cabíveis”. A improbidade administrativa e o crime de responsabilidade são apurados em instancias diversas e atendem a objetivos também diversos. Todos os agentes públicos que praticam infrações estão sujeitos a responder na esfera penal, civil, administrativa e político-administrativa. Nenhuma razão existe para que os agentes políticos escapem a regra, até porque, pela posição que ocupam, têm maior compromisso com a probidade administrativa, sendo razoável que respondam com maior severidade pelas infrações praticadas no exercício de seus cargos. (Di Pietro, 2011, p. 839) [20]

            Corroboramos desse mesmo entendimento, e com base constitucional, afirmamos que o julgamento proferido pelo STF não afronta a literalidade da Constituição Federal, como principalmente o princípio da moralidade administrativa que do mesmo diploma legal fazem parte, e entendemos ser absolutamente aplicável aos agentes políticos, que são espécie do gênero agentes públicos, as normas previstas na Lei de Improbidade Administrativa.

  

6. Conclusão

            Com o presente trabalho pudemos concluir que a Lei 8.429/92 significou um marco na história do país em relação a proteção da probidade administrativa, pois é bem completa com relação a sua aplicabilidade e sanções previstas na mesma.

            Concluímos também que o conceito de improbidade administrativa e crime de responsabilidade são distintos e que um ato de improbidade pode ser, concomitantemente um crime, se a conduta estiver qualificada em lei especial ou no Código Penal, e se assim ocorrer, a conduta deve ser julgada nas esferas administrativas, civis e penais, de acordo com seus respectivos diplomas legais, sendo aplicadas as sanções cabíveis em todas as esferas, sendo que isso não caracteriza bis in idem.

            Surge em nosso país uma polemica acerca da aplicabilidade ou não desta lei aos agentes políticos, uma vez que estes teriam prerrogativas por função que exercem, sendo levantada a tese de que os mesmos não seriam submetidos as penalidades da Lei 8.429/92.

O que podemos concluir ser inaceitável, constitucionalmente e moralmente, pela necessidade de se punir as condutas tipificadas como ímprobas, sem prejuízo das sanções penais cabíveis, frente a distinção da natureza jurídica das sanções, uma de cunho visivelmente cível e outra de cunho penal.

Referências. 

 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 11ª Ed., São Paulo: Malheiros: 2006.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo  11ª Ed., São Paulo: Malheiros: 2008

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo. 2ª Ed., São Paulo: Atlas: 2005.

 VADE MECUM. 11ª , São Paulo: Saraiva: 2011.


[1] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 823.

[2] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 823.

[3] VADE MECUM. 11ª , São Paulo: Saraiva: 2011. P. 27.

[4] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo. 2ª Ed., São Paulo: Atlas: 2005. P. 325.

[5] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 823.

[6] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo. 2ª Ed., São Paulo: Atlas: 2005. P. 325.

[7] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 826.

[8] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 826.

[9] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 823.

[10]Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 828.

[11] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 825.

[12] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 834/35.

[13] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 835.

[14] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 835.

[15] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 835.

[16] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 11ª Ed., São Paulo: Malheiros: 2006. P. 76.

[17] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo  11ª Ed., São Paulo: Malheiros: 2008 P. 425.

[18] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 826.

[19] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 830.

[20] Di Pietro. Direito Administrativo. 24ª Ed., São Paulo: Atlas: 2011. P. 839.