A Lei 8.245/91 e a locação de espaços em shopping centers: os tribunais flexibilizam o princípio ‘pacta sunt servanda’ enquanto aguarda o Projeto de Lei 7.137/2002

 

Sumário - O artigo busca analisar a locação dos Shoppings Centers no Brasil a partir da Lei nº8.245/91. Destaca a natureza jurídica, a concepção e definição de shopping centers para alguns estudiosos e ressalta nesta modalidade de negócio os aspectos considerados relevantes para a organização e implantação de um Shopping. Tece considerações sobre a complexidade de direitos e deveres dos shoppings centers cuja regulamentação reclama disposição legal específica e atenção especial por parte de nossos legisladores, uma vez que se constitui no complexo estrutural normativo e cultural, socialmente aceito e legalmente contido em dispositivos, para que haja maior segurança das relações jurídicas.

 

INTRODUÇÃO

 

A origem do Shopping Center vem desde a Idade Média quando artesãos se juntavam beneficiando a todos pela facilidade de acesso e também quando os profissionais se uniam, formando a rua dos ferreiros, dos padeiros, dos latoreiros, etc. As condições econômicas fizeram com que surgisse nos EUA nos anos 40 os primeiros Centros Comerciais nas áreas de Nova York e Nova Orleans e com a expansão da indústria automobilística trouxe a necessidade de se oferecer estacionamento aos clientes, inclusive em alguns estados americanos por força de lei. No Canadá, os primeiros Shopping Centers surgiram na década de 50, em modelos parecidos com os centro comerciais. Em ambos os países, o fato de terem invernos rigorosos, ajudou na expansão deste negócio, pois trouxe às pessoas a possibilidade de num único lugar encontrar compras,  alimentação, lazer e área de convivência social.

No Brasil, o primeiro Shopping foi o Iguatemi Bahia que surgiu há mais de 40 anos, e,  segundo a Abrasce, em 2005, o Brasil já contava com mais de 250 Shopping Centers. Shopping Center segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers - ABRASCE é definido como um centro comercial planejado sob uma administração única, composto de lojas destinadas à exploração comercial e à prestação de serviços, sujeitas a normas contratuais padronizadas, para manter o equilíbrio da oferta e da funcionalidade, assegurando a convivência.

Desde sua concepção nos anos 1950, nos Estados Unidos da América, tem-se nos Shopping Centers, a maior conquista tecnológica, no que diz respeito à atividade mercadológica. A natureza jurídica dos shoppings centers é destacada por Martins (2000)

Os shopping centers são a natural conseqüência do crescimento das cidades e da também crescente necessidade de o comércio, em economia de mercado e competitividade, unir-se ao lazer. Realidade pertinente à mercancia moderna, objetiva ofertar ao usuário horas de satisfação, assim como de compras, em que as alternativas que lhe são apresentadas, terminam por lhe propiciar o usufruto de umas, de outras, ou de ambas.

Já Coelho (2002), define o shopping center como empreendimento mais complexo uma vez que

as locações devem ser planejadas, atendendo às múltiplas necessidades do consumidor. Geralmente, não podem faltar em um shopping center certos tipos de serviços (correios, bancos, cinemas, lazer, etc.) ou comércios (restaurantes, lanchonetes, papelarias, etc.), mesmo que a principal atividade comercial seja estritamente definida (utilidades domésticas, moda, material de construção, etc.), pois o objetivo do empreendimento volta-se a atender muitas das necessidades do consumidor. É esta concentração variada de fornecedores que acaba por atrair maiores contingentes de consumidores, redundando em benefício para todos os negociantes.

No que se refere às características contratuais, destaca-se as vantagens do shopping center: segurança garantia de uma clientela de alto nível, amplo estacionamento, lazer, poder de escolha, motivação às compras, associação entre o empreendedor e o comerciante, controle centralizado e maior produtividade.

Segundo Martins (1991), ao discutir a natureza jurídica do shopping center destaca que eles

são a natural conseqüência do crescimento das cidades e da também crescente necessidade de o comércio, em economia de mercado e competitividade, unir-se ao lazer. Realidade pertinente à mercancia moderna, objetiva ofertar ao usuário horas de satisfação, assim como de compras, em que as alternativas que lhe são apresentadas, terminam por lhe propiciar o usufruto de umas, de outras, ou de ambas.

De fato, sobre as características contratuais, não existe pacificação na doutrina sobre a tipicidade ou atipicidade do contrato da cessão de espaço em shopping centers. No entanto, é expressa na atual lei de Inquilinato (Lei 8245/91, artigos 52 § 2º e 54), a locação como uma das formas de contrato atípico misto, que envolve a cessão do uso de espaço em shopping centers.

 

DEFINIÇÃO

A Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) define-o como sendo:

"Empreendimento constituído por um conjunto planejado de lojas, operando de forma integrada, sob administração única e centralizada; composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados ou especializados de comércio e prestação de serviços; estejam os locatários lojistas sujeitos a normas contratuais padronizadas, além de ficar estabelecido nos contratos de locação da maioria das lojas cláusula prevendo aluguel variável de acordo com o faturamento mensal dos lojistas; possua lojas-âncora, ou características estruturais e mercadológicas especiais, que funcionem como força de atração e assegurem ao Shopping Center a permanente afluência e trânsito de consumidores essenciais ao bom desempenho do empreendimento; ofereça estacionamento compatível com a área de lojas e correspondente afluência de veículos ao Shopping Center; esteja sob o controle acionário e administrativo de pessoas ou grupos de comprovada idoneidade e reconhecida capacidade empresarial."

Nagib Slaibi Filho define Shopping Center como

Grupo de estabelecimentos comerciais unificados arquitetonicamente e construídos em terreno planejado e desenvolvido. O Shopping Center deverá ser administrado como uma unidade operacional, sendo o tamanho e o tipo de lojas existentes relacionados diretamente com a área de influência comercial a que esta unidade serve. O Shopping Center também deverá oferecer estacionamento compatível com todas as lojas existentes no projeto".

O objeto principal do Shopping Center é o empreendedor que por seu trabalho de criar um “mix”, criar um marketing atraente e formar um pólo atrativo de riquezas recebe do lojista um percentual sobre o faturamento que ultrapassar o mínimo estipulado. Isto porque, teoricamente caso o lojista ultrapasse este mínimo significa que o empreendedor teve êxito em seu propósito. O que não quer dizer que não atingindo o mínimo fica desobrigado de qualquer valor.

Porém, este é um tema bastante polêmico ainda em nosso país, isto por não existir regras específicas em nosso ordenamento, na Lei  8.245/91, a chamada lei de locações. Desta forma, se recorre às normas gerais do Código Civil de 2002 e ainda ao Código de Defesa do Consumidor- Lei 8.078/90.  Sendo que, tramita na Câmara e está em discussão o Projeto de Lei  7.137/2002 que a exemplo de países como os Estados Unidos, objetiva suprir essas lacunas sendo mais específico em um negócio jurídico com tantas peculiaridades.

O CONTRATO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER

O contrato de locação em Shopping Center é chamado locação atípica, isto é, negócio jurídico complexo que não pode ser enquadrado como simples locação comercial, pois existem particularidades que só a ele competem. Particularidades estas que pela lacuna deixada pelo legislador, acabam muitas vezes sendo por demais onerosas ao lojista, se tornando muitas vezes também, abusivas.

A partir da atipicidade contratual, verifica-se a existência de preceitos locatícios que não guardam similitude com a locação, mas com o condomínio, tais como:

1. locação: a) Estabelecimento de regramento que possibilita a ação renovatória (artº 52 § 2º).

 2. Condomínio - b) Impossibilidade de cobrança pelo empreendedor, do locatário, de valores destinados ao pagamento despesas extraordinárias, que não visem a manutenção do prédio, previstas no artigo 54 § 1º, alíneas a) e b), que são: 1. obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel. (artº 22, parágrafo único, alínea a)

2. pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas. (artº 22, parágrafo único, alínea b)

3. indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação. (artº 22, parágrafo único, alínea d).

4. as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de, paisagismo nas partes de uso comum.

Sendo assim, as despesas extraordinárias e necessárias a manutenção do prédio, pode ser cobrada do locatário, desde que, com previsão orçamentária e facultado ao locatário exigir sua comprovação. Nas normas locatícias com condominiais, conforme artº 54 está consignado que nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center prevalecerão as condições pactuadas, portanto, os regramentos referentes à cessão de uso de espaço em shopping centers, previstas na Lei 8245/91, não autoriza interpretação absoluta de ser hipótese de locação.

O contrato de locação é o ajuste central de sua natureza jurídica, portanto, o contrato em shopping center como atípico misto perdurará enquanto houver a relação de locação, uma vez que são lícitas todas as cláusulas e condições não vedadas e a negociação reclama vinculação do lojista a uma escritura de normas gerais, regimento interno, associação dos lojistas e instruções para execução das instalações.

Faz-se necessário considerar que na formação desses contratos, busca-se a realização do empreendimento e a garantia de seu sucesso, devendo as partes ao contratar avençar tudo o que for necessário e legal para o alcance desse objetivo. Neste tipo contratual que resulta o empreendimento "shopping center", na perspectiva da unidade negocial, Barros (1995) ressalta que

Vários são os ajustes dos quais resulta, para o lojista, a imposição de deveres singulares, tais como: pagamento do direito de reserva (res sperata), pagamento de um aluguel mínimo fixo e um variável (percentual sobre o valor do faturamento bruto), contribuição para o fundo de promoções e pagamento de aluguel em dobro no mês de dezembro, entre outros. A tais obrigações correspondem direitos do empreendedor, que também não são comuns. Direitos e Obrigações, reciprocamente assumidos, que resultam de contratação complexa, difusa e atípica.

Essa prevalência da locação é bastante discutida quando se analisa o shopping como um organismo, pois, acima do interesse jurídico sobrepõe-se o interesse econômico de uma organização da qual participam empreendedor e lojistas. E para manter a harmonia nas ações, visando fins comuns, impõem-se a cada lojista, inúmeras restrições ao assinar  contratos, assumindo obrigações incomuns que limitam sua liberdade na exploração da atividade que pretende desenvolver, bem como, atribuindo poder de fiscalização ao empreendedor e à associação de lojistas.

O principal objetivo do empreendedor é desenvolver o shopping, criar, manter e aumentar, no local, um ponto de atração para os consumidores, valorizando-o como centro de interesse para pessoas, ao oferecendo-lhes bens e serviços. Assim, ele se reserva o direito de fiscalizar e administrar as atividades praticadas no shopping, tendo em mente o aprimoramento de seu projeto empresarial. Os lojistas aceitam participar desse projeto como parceiros do empreendedor, de fato e de direito. No entanto, Diniz (1996), adverte que

A moldura do contrato de locação não é idônea para guarnecer a relação entre o empreendedor, o shopping e o lojista. Este contrai obrigações que não são próprias de um locatário. Antes da entrega da loja, os lojistas terão o ônus de pagar uma quantia, que não será certamente "luvas", visto que não há ainda contrato de locação. Trata-se de uma quantia paga à título de reserva ou de garantia, devida na fase de construção do empreendimento e também quando já está concluído e em funcionamento. A administradora do shopping poderá fiscalizar o faturamento bruto da loja, averiguando os livros e registros que contenham a escrituração contábil, balanços e estoques de mercadorias, registro de vendas à vista e a crédito e o movimento diário das operações mercantis. Essa intromissão na contabilidade de cada loja terá por escopo apurar, em operação de sindicância, o valor percentual do aluguel participativo, de tal sorte que o lojista não poderá negar, se solicitado, a apresentação desses livros de registros. Tal sindicância não haverá num contrato de locação, sendo até mesmo incompatível com ele.

Nessa perspectiva, outras cláusulas do contractus mater retiram o contrato do rol da locação, pois se refere à obrigação do lojista de contribuir para um fundo de promoção coletiva e de filiar-se à associação, onde deverá permanecer por ser condição imprescindível para poder continuar exercendo atividades no shopping center.

Sobre as peculiaridades do contrato, é válido ressaltar

a) res sperata - contrato firmado na fase ainda de construção do prédio onde se estabelecerá o shopping, em que o lojista se obrigará, para com o dono do empreendimento, a adiantar parte das despesas com a construção, quantias periódicas até a final construção da obras. Diferencia-se das luvas, eis que esta se trata de soma paga pelo locatário ao locador, na locação comercial, pela valorização do local, acrescendo-lhe o valor original; aquela se trata de pagamento antecipado das despesas a serem feitas durante a construção da obra, feito pelo futuro lojista ao empreendedor. Trata-se de valioso investimento que independentemente dos instrumentos já mencionados, obriga a ambos, lojistas e empreendedor, a unirem esforços para um mútuo e eficaz aproveitamento, seja do local a ser instalado, seja pelo nível de qualidade das mercadorias e produtos a serem ofertados ao futuro consumidor.

b) tenant mix- Visa a disposição das lojas, à qualidade do ramo negocial, à capacidade e idoneidade do comerciante pretendente ao uso da loja, à decoração, à administração do shopping, à fiscalização, à percentagem no lucro bruto da loja.

c) fundo de reserva - diferenciado das demais cessões de uso de cunho comercial, é constituído de forma composta, ou seja, o sobrefundo de direito do empreendedor, dono do shopping e o fundo propriamente dito de direito do comerciante. Em qualquer ramo comercial, a clientela, que constitui elemento formador do fundo de comércio, é o maior patrimônio do comerciante. É preciso considerar a parceria existente entre o empreendedor e o comerciante, para que haja êxito do empreendimento e que a valorização do shopping, como um complexo de compras, faz com que, o lojista, tenha seu comércio também valorizado.

d) ação renovatória - apesar da duplicidade de titularidade do fundo de reserva, é uma conquista do comerciante, advinda em boa hora, com o advento da nova lei do inquilinato. Os requisitos para que o locatário exerça o direito à renovação, em princípio, são os mesmos dos outros inquilinos: existência de contrato escrito e com prazo mínimo de cinco anos; exploração ininterrupta do comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo de três anos (cf. art.51, I / III, Lei nº 8245/91). (7)

e) ação revisional- tal qual a renovatória, nessa espécie contratual atípica, que tem por força atrativa central a locação, é perfeitamente viável o procedimento visando adequar a fixação de um novo locativo, que deverá levar em consideração a valorização efetiva do local, seja ajustando-se o valor fixo, seja ajustando-se o valor em percentual variável, encontrando-se o justo valor. Importante, assinalar, que tal ação poderá ocorrer, decorridos três anos, a contar do início do contrato, ou do último acordo eventualmente ocorrido (cf. artº 19, Lei 8.245/91).

f) taxas condominiais - Impropriamente, assim denominadas, são as referidas no artigo 54 da Lei 8245/91, consistindo em extraordinárias, aquelas de responsabilidade exclusiva do empreendedor e ordinárias as que tem por escopo a manutenção do prédio, de responsabilidade dos lojistas e empreendedor.

g) associação dos lojistas - Segundo esse acordo o comerciante é obrigado, por cláusula específica, no contrato atípico, com vistas a cessão de uso em shopping center, a contribuir ao Fundo de Promoções Coletivas, para ensejar a realização de campanhas promocionais do shopping center. Esse fundo é administrado pela associação de lojistas, enquanto durar o seu contrato de utilização de sua unidade. O valor dessa contribuição é de, geralmente, dez por cento, sobre o aluguel que paga, percentual variável de um empreendimento para outro. Por outro lado, o empreendedor deverá contribuir com a manutenção desse fundo, geralmente com importância proporcional às contribuições dos utilizadores. A referida associação, administrando esse fundo, deve preocupar-se em manter sólida propaganda e promoções que solidifiquem o prestígio do centro comercial e aumentem o desejo de sua freqüência pelos seus clientes.

h) administração - Tal como ocorre em relação aos condomínios, a administração do empreendimento se fará por empresa especializada, que buscará agilizar todas as relações do empreendedor e dos comerciantes. Nada impede que o próprio empreendedor, como maior interessado, cuide do empreendimento, uma vez que este, devido aos contratos celebrados, se empenhará para fazer a melhor administração possível, procurando extrair o maior lucro do empreendimento.

i) lojas âncoras e satélites - Há uma rigorosa seleção das lojas que irão compor o tenant mix. Primeiro, são contratadas as chamadas lojas-âncora, que, por si só, valorizam o shopping, dão-lhe o suporte de uma clientela "cativa". Depois são convidados, para formação das chamadas lojas-satélites os comerciantes de sucesso nos diferentes ramos de negócio, os quais, em menor escala, prestigiam o shopping, pois obtiveram êxito em seu setor. Por último, preenchem-se os espaços restantes com pequenos comerciantes, os quais são mais dependentes do shopping do que este, deles.

Quanto à responsabilidade civil nos shopping centers, o primeiro ponto a se estabelecer é a evidência de que não constituindo-se shopping center, o condomínio especial responde o seu empreendedor ou a sociedade que se formou para explorá-lo pelos atos lesivos ocorridos nas dependências comuns do shopping. É importante esclarecer que, tendo em vista a liberdade contratual, nada obsta ao aparecimento do chamado "condomínio especial", para formação do "shopping center", desde que estejam presentes todos os requisitos na Lei 4.591/64. A responsabilidade assumida pelo empreendedor perante terceiros, na ocorrência de atos lesivos nas dependências do shopping é viável como ação regressiva contra os lojistas ou associação que os represente para reembolso da quantia indenizada.

Com relação aos furtos em estacionamentos de veículos, para apuração da responsabilidade, parte-se do pressuposto, caso gratuito o estacionamento, de que indiretamente o cliente está remunerando a empresa mantenedora do estacionamento através do lucro auferido com a venda das mercadorias ali transacionadas. Nesse sentido, a Súmula 130 do STJ, destaca que "A empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo em seu estabelecimento". Por sua vez, ocorrendo o ato lesivo, dentro da loja, a responsabilidade presumidamente será do lojista, via de regra, que poderá ser solidária do empreendedor, analisado o caso concreto, principalmente, tendo-se em relevo ser este, sócio (ainda que oculto) do lojista, no que tange ao fundo de comércio ali constituído.

 

ATIPICIDADES DA CONBRANÇA DE “LUVAS”

Nos contratos que possuem a denominação de “res sperata” (a coisa esperada) tem como argumento que o fundo de comércio de um Shopping Center é de propriedade do empreendedor. Ou seja, o fundo de comércio de um Shopping Center se sobrepõe ao fundo de comércio do lojista.

Na visão de que a “res sperata” é devida ao o empreendedor, este fará uma série de interferências administrativas, de marketing e demais investimentos necessários que garantirão o sucesso do lojista, portanto, por essa "garantia de sucesso" a “res sperata” deverá ser paga pelo lojista ao empreendedor.

Estes argumentos não são todos corretos, pois se pensarmos que sempre que um lojista não conseguir arcar com os custos do negócio e precisar rescindir o contrato de locação no Shopping, outro lojista irá pagar novas “res sperata” ao empreendedor, pois, nem sempre o sucesso do lojista é a melhor opção ao empreendedor. Nesse tipo de contrato, encontramos outras figuras atípicas, sem previsão legal, que são: aluguel percentual, aluguel em dobro nos meses de dezembro, aluguel escalonado.

a) ALUGUEL PERCENTUAL

O aluguel percentual é o que caracteriza o empreendimento Shopping Center e assim como a “res sperata”, seria uma forma justa de remuneração e atração para o lojista/parceiro no empreendimento. Se o empreendimento fizer bem seu trabalho de marketing, tenant mix, isto trará mais clientes ao shopping, aumentando as vendas do lojistas. Em geral, essa quantia é calculada com base no faturamento bruto do lojista e varia entre 4% à 12% dependendo do que for acordado. Para Rubens Requião, este sistema de aluguel é a grande peculiaridade do Shopping Center

 Como se percebe, o sistema de locação substitutivo do aluguel mínimo e do aluguel percentual sobre a renda bruta constitui um sistema integrado na organização do centro comercial. O aluguel programado no planejamento deste não se determina, vale insistir, pelos parâmetros tradicionais das leis civis, mas constitui elemento integrante da organização tecnológica moderna destes centros comerciais. E tanto isso é verdade que entre os mecanismos peculiares desse tipo de empreendimento figura como ponto dos mais relevantes a estipulação de aluguel em bases percentuais, garantido por um aluguel mínimo. Esse é, antes de tudo, um dos requisitos fundamentais para a associação brasileira de Shopping Centers- ABRASCE reconhecer e admitir no seu âmbito associativo, um centro comercial.”

Essa combinação de aluguéis não é proibida, porém é necessário que o aluguel seja determinável, conforme Art. 17 da Lei 8.245/91 “É livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira e sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo.” Segundo Maria Helena Diniz “O aluguel deverá ser certo e determinado ou pelo menos determinável, podendo, algumas vezes, revestir-se de cunho mais ou menos aleatório, como por exemplo se estipular que o locador receberá 50% da arrecadação.”

 

b) ALUGUEL EM DOBRO NO MÊS DE DEZEMBRO

No mês de dezembro, devido aos investimentos feitos em marketing por parte do empreendedor e pelo argumento de vendas  trazido pelo próprio mês em função do natal, o aluguel percentual será cobrado em dobro. Os contratos mínimos em dobro, tem como justificativa que além dos apelos natalinos, que por si só já aumentam as vendas e do marketing efetuado pelo empreendedor, evitar que o lojista sonegue o aluguel percentual. Ao estabelecer um mínimo se estaria obrigando o lojista a pagar um determinado valor, mesmo que o lojista argumente que as vendas não cresceram no mês de dezembro como o esperado. Na prática, sabemos que os Shopping Centers possuem maneiras de auditarem as vendas dos lojistas, para garantir que seu percentual seja pago conforme o acordado.

c) ALUGUEL ESCALONADO

O aluguel mínimo é semelhante ao aluguel de uma loja em calçada, a diferença está em seu prazo de reajuste, quando se aplica o aumento escala. O empreendedor legitima o aumento escala, argumentando que o shopping, bem como o negócio do lojista, tem uma curva de crescimento e no futuro o faturamento seria maior.

A liberdade de contratar previsto no Art. 17 da Lei n. 8.245/91, refere-se apenas ao início do contrato, sendo desta forma, portanto, o escalonamento do aluguel ou aluguel progressivo contrário às leis vigentes, e na maioria das vezes, este escalonamento possui prazo menor que um ano. Em alguns casos o próprio aumento progressivo do aluguel torna inviável a permanência do lojista no Shopping Center, uma vez que suas vendas nem sempre crescem com a escala do aluguel. Muitas vezes quando o lojista consegue outro que queira ficar com a loja, o empreendedor invoca o princípio que os contratos são personalíssimos e que a sua cessão deve passar por sua anuência, buscando com isso levar alguma vantagem econômica ao anuir sua transferência.

Sobre as benfeitorias realizadas pelo lojista, elas não são indenizadas, tendo que em muitos casos o lojista restituir o imóvel tal qual o encontrou.  A Lei 8.245/91 estabelece que o imóvel deve ser alugado em condições ao uso a que se destina. Porém, é evidente que cada ramo, possui suas particularidades, pois a arquitetura e organização de um supermercado certamente não é a mesma de uma loja de roupas ou de eletro-eletrônico. Desta forma, cada lojista costuma montar seu empreendimento de acordo com  suas necessidades e o que impera nos contratos de locação em Shopping Center é que as benfeitorias correm tão somente por conta do empresário que está locando o imóvel.

No que se refere aos fundos de promoção, o fundo de contribuição que se forma pela contribuição obrigatória dos lojistas e do empreendedor tem a finalidade de promover ações e estratégias de marketing administrado pela Associação dos lojistas, seguindo o estatuto ou Escritura Declaratória de Normas Gerais Complementares do Shopping Center. Porém, é válido ressaltar que o fato do lojista se instalar em um Shopping Center não é garantia  de sucesso. Desta forma, enquanto a legislação específica não é aprovada, certamente o melhor caminho aos tribunais é flexibilizar o princípio do “pacta sunt servanda”, permitindo assim que cláusulas abusivas e por demais onerosas sejam analisadas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Shopping Center congrega uma complexidade de direitos e deveres, portanto, reclama legislação especifica, e atenção especial por parte de nossos legisladores. Ressalta-se que sua formalização se dá através de contrato atípico misto, apesar da preponderância da locação, como foco principal das relações paralelas que se estabelecem. Elas formam o complexo contrato, que tem na lucratividade da inovação do próprio shopping center se constituindo no complexo estrutural, normativo e cultural, socialmente aceito e legalmente contido em dispositivos, cuja regulamentação definitiva, reclama disposição legal específica, para maior segurança das relações jurídicas. Porém, enquanto o Projeto de Lei 7.137/2002 não for aprovado continuarão a existir lacunas no que se refere aos contratos de locação em Shopping Center, o que possibilita a proliferação de cláusulas abusivas por parte do empreendedor, que é e sempre a parte mais forte da relação.

 

 

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