Ao analisar as alterações trazidas pela lei 11.441/2007, não menos importante é a questão da gratuidade do procedimento extrajudicial para os necessitados. Primeiramente, Santos (2007, p.60) preocupou-se em diferenciar assistência judiciária de gratuidade judiciária, visto que são coisas absolutamente distintas, mas que normalmente são confundidas:

assistência judiciária é a nomeação de advogado pelo Estado para promover ações ou defender a parte em juízo, sempre e quando esta alegar e demonstrar que não tem condições de arcar com os honorários do advogado particular. Por força da Constituição, esse serviço deve ser prestado pela Defensoria Pública.

Já a gratuidade judiciária é instituto completamente diferente e independente da assistência judiciária "é a isenção do pagamento das custas e despesas do processo, inclusive honorários dos peritos e honorários advocatíciosda parte contrária em caso de sucumbência, concedido à pessoa que alegar insuficiência de recursos".

Convém anotar que a Constituição determina a prestação de assistência jurídica, e não apenas de assistência judiciária. Por isso, a prestação dessa modalidade de serviço público deve ir além do processo judicial, alcançando também as sindicâncias e os procedimentos administrativos.

Ainda segundo Santos(2007, p.63), a isenção alcança a escritura e os demais atos notariais. Isso quer dizer que, além da escritura, os interessados são isentos de pagar os registros e averbações dela decorrentes. Porém, alerta que:

nunca é demais lembrar que a isenção não alcança outros atos preparatórios para a escritura de separação ou de divórcio. Por exemplo, se o imóvel a ser partilhado ainda não tiver escriturado em nome dos interessados, achando-se em nome do antigo dono, essa escritura e seu respectivo registro não são alcançados pela isenção prevista em lei.

Segundo o disposto no § 3º do art. 1.124-A, CPC, a gratuidade do procedimento extrajudicial dependerá apenas de declaração do interessado a respeito de sua impossibilidade financeira, não sendo necessário fazer prova da falta de recursos para seu custeio: "[...] § 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei".

Silencia a lei sobre a questão da gratuidade quando trata do inventário e partilha (art. 1º) e partilha (art.2º) por escritura pública, porém, a deficiência legislativa não pode prejudicar a boa hermenêutica. Depreende-se da leitura dos resultados divulgados pelo Grupo de Estudos instituído pela Portaria CG 01/2007, que em todos os artigos da lei em apreço a gratuidade deve ser concedida quando ocorrente a situação prevista no referido § 3º, ou seja, quando os interessados declaram que são pobres sob as penas da lei, reafirmando que a gratuidade prevista na Lei n° 11.441/07 (§3º do artigo 1.124-A do CPC - cujo "caput" disciplina as escrituras públicas de separação e divórcio consensuais) também compreende as escrituras de inventário e partilha consensuais pela via administrativa.

Melo (2007), sobre esta questão, destaca que, "quem comprovadamente for carente deve ter o direito à gratuidade, mesmo que assessorado por advogado particular, pois tem o direito de escolher um profissional de sua confiança".

Também se entende que os tabeliães não poderão exigir que os interessados provem sua pobreza, mas simplesmente que afirmem essa situação de fato.

Nesse sentido, Farias (2007) ressalta que se deve ler então o significado da pessoa necessitada à luz da valorização humanitária bem presente no texto constitucional vigente. Para o autor, dispensa-se a prova da necessidade da gratuidade com o procedimento administrativo, cabendo somente a parte alegá-la expressamente conforme aduz o artigo 4° da Lei 1.060/50. Afirma, ainda, o autor:

havendo a descabida exigência da prova de pobreza ou miserabilidade por parte do tabelião, caberá seguramente, a impetração do mandado de segurança (na vara de registros públicos) pelo particular prejudicado pela exigência ilegal e abusiva da autoridade pública(art.198 da Lei 6.015/73).

Porém, o Desembargador Nagib Slaibi Filho(2007) faz uma importante observação:

A falsa declaração de hipossuficiência para efeitos de gratuidade de justiça constitui crime previsto nas leis 7510/86 e 10.537/83. Por sua vez, o dispositivo do parágrafo 3º atende às determinações da Lei 1.060/50, artigo 4°, que dispõe: art. 4°. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

Ressalta ainda o autor, que a gratuidade por assistência judiciária em escritura pública não isenta a parte do recolhimento de imposto de transmissão, que tem legislação tributária específica.

Também não é demais relembrar que, em relação ao procedimento judicial, no TJRJ a questão da gratuidade imposta pelo artigo 5º inciso LXXIV da Constituição da República está sumulada: "Súmula 39 - É facultado ao Juiz exigir que a parte comprove a insuficiência de recursos, para obter concessão do benefício da gratuidade de Justiça (art. 5º, inciso LXXIV, da CF), visto que a afirmação de pobreza goza apenas de presunção relativa de veracidade".

Esse entendimento se funda no princípio de que o direito do acesso à justiça não é absoluto e tem por limite a vedação do abuso do direito, previsto no art. 187 do Código Civil: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

Por fim, podemos dizer que é possível pleitear assistência jurídica (e não judiciária) gratuita nos procedimentos previstos na LDE, visto que é um direito individual previsto no art. 5°, LXXIV, da Constituição, direito este que não está restrito aos atos judiciais, mas alcança também os procedimentos extrajudiciais, como é o caso da separação e o divórcio tratados na Lei 11.441/2007.

Tatiani Calderaro Dalcin

Tabeliã e Registradora Substituta da Serventia Notarial e Registral de Progresso/RS///Formanda em Direito pela UNIVATES, Lajeado/RS

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