A LEI Nº 11.343/2006: PROCEDIMENTO PENAL E POLICIAL ACERCA DO USUÁRIO DE DROGAS ILÍCITAS

Eduardo Veronese da Silva[1]

RESUMO: A proposta do presente artigo é de abordar alguns pontos da Lei nº. 11.343/06, a nova lei de drogas, que entrou em vigor recentemente no Brasil, promovendo mudanças significativas quanto à pessoa do agente flagrado com pequena quantidade de droga ilícita para consumo pessoal. Destacando algumas políticas criminais e posicionamentos divergentes de renomados doutrinadores brasileiros, se a nova lei promoveu a descriminalização do tipo penal, a abolitio criminis ou a despenalização penal. Como também, apresentar mudanças no ordenamento penal e processual, que alteraram o procedimento da polícia judiciária, ao se depararem com o recebimento de ocorrências que envolva pequenas quantidades de drogas ilícitas.

PALAVRAS-CHAVE: Drogas, Usuário, Política Criminal, Descriminalização, Despenalização e Procedimento Policial.

INTRODUÇÃO

Busca-se nesse primeiro momento apresentar a origem etimológica da palavra droga, trazendo conceituação encontrada no site do Instituto de Medicina Social e Criminologia de São Paulo (IMSCSP)[2]: de origem controversa, a palavra droga pode ter origem do persa droa (odor aromático), do hebraico rakab (perfume) ou do holandês antigo droog (folha seca, porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais).

Nesse passo, vale destacar outra definição trazida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), disposta no site citado anteriormente como: qualquer entidade química ou mistura de entidades (mas outras que não aquelas necessárias para a manutenção da saúde, como por exemplo, água e oxigênio), que alteram a função biológica e possivelmente a sua estrutura. Ou, ainda, qualquer substância capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento.

Entre as várias conceituações encontradas, importa frisar a disposta no dicionário Aurélio Buarque Ferreira de Holanda; vejamos: 1. Substância empregada como ingrediente em farmácia, química, etc. 2. Entorpecente. 3. Coisa ruim, sem valor. 4. Indicativo de frustração e desânimo. 5. Coisa de pouco valor, enfadonha e desagradável.

Depreende-se da lição apresentada, de que as drogas se traduzem literalmente em algo ruim ou coisa negativa, principalmente se não for usada com acompanhamento e prescrição médica, podendo trazer sérias complicações físicas e psíquicas aos seus usuários. No entanto, há que se fazer distinção entre o usuário, o dependente químico e o traficante, ao qual passaremos a destacar.

1 Distinção Entre Usuário, Dependente E Traficante

Para apresentar essa distinção cumpre evocar matéria disposta no site do IMSCSP, recomendada pela OMS, e algumas considerações sobre saúde pública, educacional e social, feitas com o aval da Organização das Nações Unidas (ONU) destacando quatro tipos de usuários:

Usuário experimental: limita-se a experimentar uma ou várias drogas, por diversos motivos, como curiosidade, desejo de novas experiências, pressão de grupo etc. Na grande maioria dos casos, o contato com as drogas não passa das primeiras experiências.

Usuário ocasional: utiliza um ou vários produtos, de vez em quando, se o ambiente for favorável e a droga disponível. Não há dependência, nem ruptura das relações afetivas, profissionais e sociais.

Usuário habitual: faz uso freqüente de drogas. Em suas relações já se observam sinais de ruptura. Também conhecido como usuário funcional, tendo em vista que, ainda "funciona" socialmente, embora de forma precária e correndo riscos de dependência. É aquele usuário conhecido vulgarmente como "viciado".

Usuário dependente: recebe outras denominações, tais como: toxicômano, drogadito, fármaco-dependente, dependente químico ou usuário disfuncional. Vive pela droga e para a droga, quase que exclusivamente. Como conseqüência, rompe os seus vínculos afetivos, profissionais e sociais, o que provoca isolamento e marginalização, acompanhados eventualmente de decadência física e moral.

Vale dizer, que existem outros tipos de usuários de drogas, no entanto, destaca-se a nítida diferença entre o usuário e o dependente químico. Estes últimos apresentam necessidades físicas e psíquicas muito fortes, quase incontroláveis e irresistíveis para consumir a droga, inclusive chegando a manifestar sintomas dolorosos decorrentes da interrupção abrupta do uso ou da ingestão de determinada substância entorpecente. Os usuários, em grande maioria, a consomem por mera opção, como dizem na gíria "pra curtir o barato", e normalmente em momentos de entretenimento e lazer. Teoricamente, pode-se dizer que o usuário mantém o seu livre-arbítrio intacto em relação ao consumo da droga, enquanto que o dependente não mais possui essa liberdade de escolha, haja vista não dominar seus desejos e vontades, tornando-se escravo da substância psicoativa consumida diariamente.

Vale mencionar que nem sempre o usuário de droga torna-se dependente. Embora a realidade venha demonstrando o contrário. O ilustre doutrinador Luiz Flávio Gomes, coloca de forma taxativa a importância de se ter claramente essa distinção (2006, p.4): é preciso distinguir, prontamente, o usuário do "usuário e dependente de drogas". Nem sempre o usuário torna-se dependente. Aliás, em regra o usuário de droga não se converte num dependente. A distinção é muito importante para o efeito de se descobrir qual medida será mais adequada em cada caso concreto.

Da mesma sorte, não se pode confundir o usuário e o dependente de drogas com a pessoa do traficante. Este é o indivíduo, usuário ou não de drogas, que planta, importa, exporta e distribui a droga aos dependentes ou experimentadores. Pode-se dizer, literalmente, o proprietário, administrador e o financiador de toda mercadoria relacionada à droga ilícita.

Geralmente o traficante não faz uso de drogas, isto se deve ao fato de querer estar em perfeitas condições físicas e psíquicas para administrar e controlar seus comandados. Estas pessoas estão dispostas hierarquicamente em uma estrutura similar ao organograma de uma empresa. Nesse passo, pode-se destacar a composição dessa rede criminosa da seguinte forma:

gerente - pessoa de confiança do traficante, responsável pela administração da boca de fumo ou dos pontos de drogas;

soldado – fazem a segurança pessoal do traficante e dos pontos de drogas e executam suas ordens;

vapor - encarregado do preparo e embalagem do produto para consumo;

mula – indivíduos que geralmente não possuem passagens pela polícia e que se aventuram a realizar o transporte da droga;

olheiro – pessoas que se posicionam em locais estratégicos, para vigiar as vias de acesso da boca, principalmente os carros suspeitos ou viatura policial, ou ainda, de gangues rivais; e, o

aviãozinho – pessoas encarregadas do oferecimento e entrega de pequena quantidade de drogas ao usuário-consumidor. Para ocupar esses dois últimos cargos costumam-se empregar crianças e adolescentes.

2As Drogas e Seu Poder Sobre O Usuário

Do leque de substâncias psicoativas conhecidas mundialmente, apresenta-se tabela abaixo, acentuando o poder de algumas drogas, lícitas e ilícitas, conforme pesquisa realizada nos Estados Unidos, no ano de 2001.

Tabela 1

O Poder de Cada Droga

Características de cada substância, nos Estados Unidos, em 2001.

Substâncias

Acessibilidade

Poder de vício**

Letalidade

Precocidade***

Nicotina

Grande

80

Alta

15,5

Heroína

Pequena

35

Média

19,5

Cocaína

Média

22

Alta

21,9

Sedativos*

Média

13

Média

19,5

Estimulantes*

Média

12

Alta

19,3

Maconha

Média

11

Baixa

18,4

Alucinógenos

Grande

9

Baixa

18,6

Analgésicos*

Média

7

Média

21,6

Álcool

Grande

6

Média

17, 4

Tranqüilizantes*

Média

5

Média

21,2

Inalantes

Grande

3

Média

17,3

* Uso não médico de substâncias psicoativas.

** % De usuários que se tornam dependentes.

*** Idade do primeiro uso, em anos.

Fonte: Pesquisa doméstica nacional sobre uso de drogas 2001, do Departamento de Saúde dos Estados Unidos.

Frise-se, no entanto, de que quem alimenta o tráfico de drogas são os usuários e os dependentes, pois, conforme a lei de mercado, havendo procura haverá oferta. E, conseqüentemente, para que haja diminuição do tráfico de drogas em qualquer parte do mundo, há que se diminuir o número de usuários e dependentes. Assim, dentro de uma lógica do mercado capitalista contemporâneo, não havendo demanda, por certo, esvairia a figura e a atuação do traficante de drogas.

Importa destacar abaixo, levantamento realizado no ano de 2001, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre drogas (CEBRID), acerca do crescimento do número de usuários de drogas em algumas cidades brasileiras.

Tabela 2

Estudantes do Ensino Fundamental e Médio, Consumidores de Drogas Lícitas e Ilícitas, por ano do levantamento, segundo as cidades selecionadas (%).

CIDADE

1987

1997

Razão do crescimento

(1997-1987)

Belém

13,5

24,5

1,81

Fortaleza

17,6

28,1

1,59

Salvador

22,5

20,9

0,92

Recife

23,5

25,9

1,1

Rio de Janeiro

25,6

22

0,86

São Paulo

23,5

18,5

0,79

Curitiba

15,6

26,3

1,68

Fonte: Cebrid. 2001.

Nota: Número Absoluto (N): 1987 = 16.149 e 1997 = 15.503

3 Legislações Penais Revogadas Pela Lei 11.343/06

Durante aproximadamente três décadas esteve em vigor no Brasil a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. Esta lei de drogas recebeu grande influência norte americana, trazendo como destaque os artigos 16 e 12, dando tratamento penal similar para o usuário e traficante, classificando-os como criminosos. Assim, essa lei especial estava revestida de uma interpretação de caráter criminológico.

Nesse sentido, cumpre evocar as palavras de Samuel Miranda Arruda (2007, p.18): [...], impingia-se, em tese, ao mero usuário da droga sanção privativa de liberdade, o que acarretava uma estigmatização do agente flagrado e propiciava inclusive a utilização do tipo penal como instrumento de constrangimento de pessoas dependentes.

Acrescenta Arruda: A norma do caput do art. 28 substitui o antigo artigo 16 da Lei nº 6.368/1976 como a principal descrição típica relacionada ao consumo/uso indevido de drogas. Aqui houve expressiva e importante alteração, com ampliação dos núcleos do tipo penal, que passou a albergar outras condutas que se relacionam ao consumo de drogas. [...], a nova lei contemplou ainda duas diferentes hipóteses não previstas na legislação revogada: o agente que tem a droga em depósito ou a transporta, com o fim de consumi-la (2007, p.22).

Diante deste e outros questionamentos apresentados, tentou-se racionalizar os problemas jurídicos decorrentes da legislação de drogas em vigor, com uma primeira tentativa de corrigi-los, diferenciando às pessoas do usuário e do traficante, com a elaboração da Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002.

Pretendeu-se com o novo texto penal substituir integralmente a Lei nº 6.368/76, no entanto, a Lei nº 10.409/02, veio a ser vetada quase que em sua totalidade antes mesmo de entrar em vigor pelo Presidente da República. Nesse ponto cumpre evocar as palavras de Fernando Capez (2007, p. 680): A legislação básica era composta das Leis n. 6.368, de 21 de outubro de 1976, e 10.409, de 11 de janeiro de 2002. Esta última pretendia substituir a Lei n. 6.368/76, mas o projeto possuía tantos vícios de inconstitucionalidade e deficiências técnicas que foi vetado em sua parte penal, somente tendo sido aprovada a sua parte processual.

Registre-se, assim, momento inusitado no ordenamento penal brasileiro, a parte penal da Lei nº. 6.368/76 vigia simultaneamente com a parte processual da Lei nº. 10.409/02. Destarte, destacam-se as palavras de Fernando Capez: [...], Dessa forma a anterior legislação antitóxica se transformara em um verdadeiro centauro[3] do Direito: a parte penal continuava sendo a de 1976, enquanto a parte processual, a de 2002. (2007, p.680)

Sendo assim, os legisladores buscaram com certa urgência elaborarem um novo Diploma Penal, para solucionar esse impasse jurídico. Com efeito, o art. 75 da Lei nº 11. 343/06 revogou totalmente os Diplomas Penais que vigoravam anteriormente.

4 Os Movimentos de Política Criminal

Convém buscar as palavras de Luiz Flávio Gomes quando cita quatro tendências mundiais referente às políticas criminais no tocante às drogas ilícitas, e, ao mesmo tempo, quanto às pessoas do usuário e dependente químico (2006, p.4):

Modelo norte-americano: prega a abstinência e a tolerância zero. De acordo com a visão norte-americana, as drogas constituem um problema policial e particularmente militar; para resolver o assunto, adota-se o encarceramento massivo dos envolvidos com drogas; "diga não às drogas" é um programa populista, de eficácia questionável, mas bastante reveladora da política norte-americana.

Modelo liberal radical (liberalização total): a famosa revista inglesa "The Economist", com base nos clássicos pensamentos de Stuart Mill, vem enfatizando a necessidade de liberar totalmente a droga, sobretudo frente ao usuário; salienta que a questão da droga provoca distintas conseqüências entre ricos e pobres, realçando que só pobres vão para a cadeia.

Modelo da "redução de danos" (sistema europeu): em oposição à política norte-americana, na Europa adota-se outra estratégia, que não se coaduna com a abstinência ou mesmo com a tolerância zero. A redução de danos causados aos usuários e a terceiros (entrega de seringas, demarcação de locais adequados para consumo, controle do consumo, assistência médica, etc.) seria o correto enfoque para o problema. Esse mesmo modelo, de outro lado, propugna pela descriminalização gradual das drogas assim como por uma política de controle (regulamentação) e educacional; droga é problema de saúde pública.

Justiça terapêutica: propugna pela disseminação do tratamento como reação adequada para o usuário ou usuário dependente. É patente a confusão que faz entre o usuário e o dependente. "Assim como nem todos que tomam um copo de uísque são alcoólatras, também há quem use drogas sem ser dependente.

Diante das tendências de política criminal apresentadas, importa inserir resumidamente abaixo, as principais características de três correntes de políticas criminais que estão em evidência no direito penal contemporâneo; são elas: direito penal mínimo e garantismo; o abolicionismo penal e o movimento de lei e ordem.

4.1Direito penal mínimo e garantismo

Muitas correntes doutrinárias defendem o direito penal mínimo, também denominado de garantismo. Vale lembrar que se trata de uma concepção baseada na aplicação dos princípios constitucionais com o objetivo de assegurar os direitos fundamentais de todos os cidadãos.

O garantismo foi uma doutrina encabeçada por Luigi Ferrajoli, destacando algumas características desses direitos assegurados aos cidadãos, tais como o status de intangibilidade, sendo que eles estariam na esfera inegociável do indivíduo e funcionariam como limitadores do direito penal nas sociedades democráticas.

Trata-se na verdade, de redefinir uma política pública à luz do texto constitucional, como política de exercício efetivo e de proteção integral dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Uma política de justiça social e de igualdade pode ter um efeito sobre o controle da criminalidade e dos processos de criminalização independentemente das intervenções do direito penal.

No entanto, cumpre evocar as palavras de Gevan de Almeida (2004, p.112):

[...], que o garantismo não se restringe a um garantismo penal, devendo ser visto, antes de tudo, como uma teoria do estado de direito e que propõe um novo modelo de sociedade. Nasceu, é bem verdade, na luta pelo respeito aos direitos individuais de tradição iluminista, que hoje se costuma denominar de "primeira geração" (direito à vida, à liberdade, à propriedade, à livre locomoção etc.), mas tem atualmente um sentido muito mais abrangente.

Em suma, essa corrente doutrinária defende que o direito penal somente se fará necessário quando houver o esgotamento dos outros ramos do direito. Dito com outras palavras, quando qualquer outro meio de solução para o problema apresentado não se mostre eficaz, aí sim, lança-se mão do direito penal.

4.2 O Abolicionismo penal

O abolicionismo penal apresenta-se contrariamente ao direito penal minimalista, e vai mais além, pois afasta toda a teoria do delito sobre a qual assenta o direito penal, que julga fundamentado em bases falsas, para lhe propor a radical supressão por outras instâncias formais e informais de controle social, ou, ainda, por intervenções comunitárias ou instituições alternativas.

Os defensores dessa teoria criminal fundamentam-se na argumentação primeira, de que um pequeno percentual dos crimes que ocorrem no mundo é efetivamente punido. E, pior, somente as pessoas de classes menos favorecidas da sociedade é que são atingidas pelas duras penas da lei.

Nesse tomo, relevante destacar as palavras de Almeida (2004, p.81): para que serve o sistema penal, se este atinge somente algumas pessoas, não conseguindo ressocializá-las, mas, sim, dessocializá-las cada vez mais quando apela para a reconhecidamente falida pena privativa de liberdade?

Por certo, constata-se que os defensores desse movimento criminal, empunham a bandeira da absoluta extinção do direito penal, por demonstrar total ineficácia no enfrentamento da criminalidade, por meio da prevenção e reprovação do delito. Constata-se que para essa teoria criminal a prisão passa a ser um instrumento inócuo e irracional, que somente pode ser aplicada ao agente caso outra forma de sanção se mostre ineficaz. Em outras palavras, o direito penal não pode se valer da prisão sem que se ofenda a dignidade da pessoa humana.

Pode-se resumir esse movimento de política criminal, nas palavras de Paulo de Souza Queiroz: Pode-se assim dizer, portanto, sem exagero, que o direito penal não é só a mais violenta forma de intervenção do Estado na vida dos cidadãos, mas é também, seguramente, e talvez por isso mesmo, a mais desastrosa forma de intervenção do Estado na vida social. (1998, p.31)

4.3 O movimento de Lei e Ordem

Essa teoria apresenta-se diametralmente em oposição aos movimentos anteriores apresentados, pugnando para a aplicação do direito penal em grau máximo, ou seja, passando a imagem de que o direito penal é a panacéia[4] de todas as mazelas e fenômenos sociais que afligem a sociedade. Diante desta idéia, o doutrinador Rogério Greco expressa o pensamento majoritário desse movimento de política criminal (2006, p.20):

[...], o Direito Penal dever preocupar-se com todo e qualquer bem, não importando o seu valor. Deve ser utilizado como prima ratio, e não como ultima ratio da intervenção do Estado perante os cidadãos, cumprindo um papel de cunho eminentemente educador e repressor, não permitindo que as condutas socialmente intoleráveis, por menor que sejam, deixem de ser reprimidas.

Os adeptos, portanto, do movimento de Lei e Ordem, optando por uma política de aplicação máxima do Direito Penal, entendem que todos os comportamentos desviados, independentemente do grau de importância que se dê a eles, merecem o juízo de censura a ser levado a efeito pelo Direito Penal.

Importa destacar que esse rigor penal teve grande influência norte-americana através do movimento denominado de Tolerância Zero, criado no começo da década de 90, na cidade de Nova York. Este movimento de origem americana é uma das vertentes do chamado movimento de lei e ordem, e por intermédio desse movimento político-criminal, pretende-se que o Direito Penal seja o protetor de, basicamente, todos os bens existentes na sociedade, não se devendo perquirir a respeito de sua importância.

Extrai-se dessa teoria penal, que devido ao momento vivido pela sociedade atual,principalmente pela demonstração de ineficácia e total impotência para o enfrentamento da crescente onda de criminalidade, objetiva responder aos reclames da população que exige dos órgãos de segurança pública maior rigor na aplicação das sanções penais.

No tocante ao ordenamento penal brasileiro, há que se destacar o estado de influência exercida pelo modelo penal norte americano, bem menos flexível quanto à matéria em estudo, mas, mesmo assim, essa discussão foi sempre influenciada pelas medidas de política criminal adotadas por diversos países europeus ao longo dos últimos anos.

5 Divergências Doutrinárias acerca do Art. 28 da Lei 11.343/06

A Lei Federal nº. 11.343, de 23 de agosto de 2006, trouxe em seu Capítulo III – Dos Crimes e Das Penas, versando a respeito da imputabilidade do usuário de drogas ilícitas, estabelecendo em seu art. 28, verbis:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

O dispositivo penal tem gerado divergências doutrinárias acerca da aplicação penal ao agente flagrado com a posse de drogas ilícitas para consumo pessoal. Para tanto, acentua-se abaixo, as questões mais debatidas doutrinariamente sobre o dispositivo em comento. Entre elas, destaca-se os seguintes questionamentos: a nova lei de drogas consagrou os institutos da abolitio criminis, a descriminalização ou a despenalização penal. E, ainda, se é possível a prisão em flagrante delito do usuário de drogas ilícitas? É de nossa pretensão apresentar conceituações e posicionamentos doutrinários, para tentar responder a esses questionamentos.

5.1 Abolitio Criminis

A nova lei de drogas teria consagrado o instituto da Abolitio Criminis? Na lição de Luiz Flávio Gomes a lei 11.343/06: aboliu o caráter criminoso da posse de drogas para consumo pessoal. Esse fato deixou de ser legalmente considerado crime (embora continue sendo um ilícito, um ato contrário ao direito). Houve, portanto, descriminalização, mas não legalização. Estamos, de qualquer modo, diante de mais uma hipótese de abolitio criminis[5] (2006, p.6).

Nesse passo, vale-se das palavras de Guilherme de Souza Nucci: o abolitio criminis trata-se do fenômeno que ocorre quando uma lei posterior deixa de considerar crime determinado fato (exemplos: a Lei 11.106/2005 deixou de considerar condutas criminosas o adultério, a sedução e o rapto consensual). [...], segundo o disposto no art. 107, III, do Código Penal, extingue-se a punibilidade do agente (2007, p.58).

Uma das conseqüências assinaladas por Fernando Capez quando da aplicação da Abolitio Criminis, é de que o inquérito policial ou o processo penal são imediatamente trancados e extintos, uma vez que não há mais razão de existir, se já houve sentença condenatória, cessam imediatamente a sua execução e todos os seus efeitos penais, principais e secundários; os efeitos extra penal, no entanto, subsistem, em face do disposto no art. 2º, caput, do Código Penal, segundo o qual cessam apenas os efeitos penais da condenação (2005, p.45).

Dos posicionamentos doutrinários apresentados, infere-se que não há que se falar em conseqüências ou efeitos penais na aplicação deste instituto, mas, somente os efeitos civis.

5.2 Descriminalização

Antes de apontar algumas divergências quanto à temática proposta, convém apresentar sua conceituação. Descriminalizar significa retirar de certas condutas o caráter de criminosas, mas não o caráter de ilicitude. Exclui-se tão-somente a competência da justiça penal para decidir sobre tais comportamentos, que, por razões de política criminal, passam a ser penalmente indiferentes. Corresponde, enfim, à desqualificação de uma conduta como crime.

Luiz Flávio Gomes foi o primeiro doutrinador a defender que a nova lei de drogas trouxe como grande inovação a descriminalização penal do usuário e/ou dependente de drogas ilícitas, por não mais prever como sanção a pena privativa de liberdade.Sua argumentação fundamenta-se por força do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro (LICP), verbis:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Depreende-se do artigo, de que a conceituação do tipo penal assenta-se na infração penal que é punida com a pena de reclusão ou detenção. Sendo assim, para Gomes não resta dúvida de que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixou de ser crime porque as sanções impostas para essa conduta, trazidas pelo art. 28 não conduzem a nenhum tipo de prisão.

Acrescenta Gomes, de que tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal, pois esta comporta a imposição de prisão simples ou multa. No entendimento do doutrinador a Lei 11.343/06 descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal, isto é, retirou-lhe a figura de infração penal porque de modo algum permite que seja aplicada a pena privativa de liberdade ao usuário (2006 p.2-3).

Outros doutrinadores, entre eles Renato Marcão, posicionam-se contrariamente ao argumento defendido por Gomes. Para eles, não houve a descriminalização penal, tendo em vista que a conceituação trazida pelo art. 1º da LICP, data do ano de 1940, ou seja, encontra-se desatualizada e não condiz com as molduras estreitas que decorrem do referido dispositivo legal, não permitindo uma melhor visão da realidade jurídica atual. Portanto, a ausência de cominação privativa de liberdade não afasta, nos tempos de hoje, a possibilidade de que a conduta esteja listada como crime ou contravenção.

Nesse sentido, leciona Renato Marcão que deve ser levado em conta, que o art. 28 se encontra no Título III - Das Atividades de Prevenção do Uso Indevido, Atenção e Reinserção Social de Usuários e Dependentes de Drogas, do Capítulo III, que cuida "Dos Crimes e das Penas", e que a Lei n. 11.343/2006, lei federal e especial que é, cuidou de apontar expressamente tratar-se de crimes as figuras do art. 28 (caput e § 1º), não obstante a ausência de qualquer pena privativa de liberdade cominada. (2007, p.2)

Conclui-se que descriminalizar não comporta o significado de abolir a conduta delitiva, mas sim de reconhecer que tais condutas não mais se revestem puramente de rigorosa apreciação penal. Extrai-se desse ensinamento que ela pode dar-se por uma lei posterior, que não somente a penal, ou, que simplesmente se dê ao tipo penal incriminador redação menos genérica ou menos abrangente.

Conforme escreve Samuel Miranda Arruda: [...], o importante é compreender-se que a conduta descrita no Capitulo III da Lei nº 11.343 é infração penal de menor potencial ofensivo, sujeita à normação geral da Lei nº 9.099/95 e classificada como crime pelo legislador reformador (2007, p.21).

Constata-se de que a mudança trazida pela nova lei de drogas, diz respeito à espécie da pena a ser aplicada ao usuário de drogas ilícitas, que deixou de ser privativa de liberdade para restritiva de direito. Como também, acerca da competência legislativa penal, passando-se da Justiça Comum Estadual para o Juizado Especial Criminal (Lei 9.099/95).

5.3 Matéria Penal ou de Saúde Pública?

Para responder ao questionamento, busca-se a lição de Sergio Luiz Queiroz Sampaio da Silveira: "a novel legislação pretende que o porte de drogas para uso pessoal sequer passe pela polícia (sempre que possível) procurando tratar os usuários e os dependentes como vítimas, não como criminosos "(2007, p.1).

Convém recorrer às palavras de Nereu José Giacomolli (2008, p.186):

A Convenção de Viena de 1971 sobre as substâncias psicotrópicas enfatiza que o problema das drogas diz respeito à saúde pública e que a política acerca do abuso das substâncias psicotrópicas, para serem eficazes, devem ser coordenadas e universais.

Importa colocar em relevo decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF)[6], acerca de funcionário militar flagrado dentro do âmbito militar,com a posse de drogas ilícitas para consumo pessoal.


EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar portando, para uso próprio, pequena quantidade de entorpecentes. 2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade da pessoa humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em lugar de apenar --- Lei n. 11.343/2006 --- possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar.

A R. decisão se refere à legislação específica, destaca-se para tanto, o entendimento daE. Corte acerca de que o caso em concreto, não diz respeito à pessoa do traficante, mas, sim de usuário de drogas ilícitas. Desta sorte, destaca a necessidade de serem oferecidas às pessoas nestas condições, políticas públicas eficientes para promoção de tratamento e reinserção social, e não a pecha de criminoso com o seu respectivo encarceramento (neste caso, exclusão das fileiras militares).

No entanto, a nova lei de drogas não pôde ser aplicada em favor do usuário-militar. Restando críticas dos E. Julgadores, apresentada de forma comparativa ao cidadão civil comum que, flagrado em mesmas circunstâncias, estará sujeito somente as penas elencadas no art. 28, da Lei 11.343/06.

Fernando Capez aborda o assunto em tela, destacando a questão da objetividade jurídica: O objeto jurídico desse crime é a saúde pública, e não o viciado. A lei não reprime penalmente o vício que não tipifica a conduta de "usar", mas apenas a detenção ou manutenção da droga para consumo pessoal. Dessa maneira, o que se quer evitar é o perigo social que representa a detenção ilegal do tóxico, ante a possibilidade de circulação da substância, com a conseqüente disseminação. [...]. Quem traz consigo a droga pode vir a oferecê-la a outrem, e é esse risco social que a lei pune. (2007, p.682)

Erika Fernanda Tangerino Hernandez e Rogério Moreira Orrutea Filho apropriam-se das palavras de Vicente Greco Filho, ao dizer que (2006, p.2): [...] a toxicomania, além da deterioração pessoal que provoca, projeta-se como problema eminentemente social, quer como fator criminógeno, quer como enfraquecedora das forças laborativas do país, quer como deturpadora da consciência nacional.

Por certo, nossos legisladores estão preocupados em proteger a saúde pública do cidadão brasileiro. Nesse passo, vale acentuar as palavras de Capez: A disseminação ilícita e descontrolada da droga pode levar à destruição moral e efetiva de toda a sociedade, solapando as sua bases e corroendo sua estrutura (2007, p. 695).

5.4 Despenalização

Característica marcante do instituto da despenalização está na exclusão das penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Por vezes, o legislador prefere alterar determinado tipo penal incriminador, variando a descrição da conduta, de forma a excluir certas maneiras de execução, bem como modificar a sanção penal a ser aplicada, conferindo-lhe certo abrandamento ou concedendo-lhe benefícios penais antes inexistentes.

Assim, despenalizar significa suavizar a resposta penal, evitando-se ou mitigando-se o uso da pena de prisão, mas mantendo-se intacto o caráter ilícito do fato (o fato continua sendo uma infração penal ou infração de outra natureza). O caminho natural decorrente da despenalização consiste na adoção de penas alternativas para a infração. A lei dos juizados criminais (Lei 9.099/95), por exemplo, não descriminalizou nenhuma conduta, apenas introduziram no Brasil quatro medidas despenalizadoras, ou seja, processos que procuram evitar ou suavizar a pena de prisão.

No entanto, deve ser registrado, ser esta uma prática diária e comum no ordenamento jurídico brasileiro, mas, frise-se que a figura delitiva persiste, embora se apresente com nova roupagem.

5.5 Cabe Prisão Em Flagrante Delito ao Usuário De Drogas?

Nesse tópico, está uma das mais novas mudanças no procedimento penal e processual penal brasileiro. Para responder ao questionamento, vale-se das palavras de João José Leal: "no entanto, de maior significado penal foi, sem, dúvida a opção por uma política criminal de rejeição da prisão como instrumento válido de resposta punitiva à conduta do consumidor de drogas. E de conformidade com o disposto no § 2º, do art. 48, da nova lei, tratando-se de usuário, não se imporá prisão em flagrante, devendo o agente ser imediatamente encaminhado ao juízo competente. Portanto, em hipótese alguma, o usuário de drogas poderá ser levado à prisão". (2008, p.1)

Corrobora de mesma opinião ao responder a pergunta, o doutrinador Damásio Evangelista de Jesus (2008, p.2):

Não. De notar-se que o art. 48, § 2.º, da lei é categórico: "Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, [...]". Ressalte-se que a redação do dispositivo difere daquela relativa às demais infrações de menor potencial ofensivo, uma vez que a Lei dos Juizados Especiais Criminais condiciona a não-imposição de prisão em flagrante ao encaminhamento imediato do agente aos Juizados Especiais ou à assunção do compromisso de comparecer a um deles ("ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança" – art. 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95).

Nessa esteira interpretativa, deve ser ressaltado que o enfrentamento do conflito jurídico sem a aplicação de prisão em flagrante delito ao agente, já era prevista no parágrafo único, do art. 69, da Lei nº 9.099/95, verbis:

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.

Frise-se em relação ao artigo retro, que se o agente se recusar a assumir o compromisso de comparecer à sede dos Juizados Especiais Criminais, poderá a autoridade judiciária impor a prisão em flagrante. No entanto, quanto ao agente que é surpreendido com a posse de pequena quantidade de droga, caracterizando ser para consumo pessoal, de acordo com expressa determinação legal, somente poderá ser submetido às medidas educativas insertas no art. 28 da nova lei de drogas, logo, jamais poderá ser-lhe imposta à pena privativa de liberdade.

6Novos Procedimentos da Autoridade Policial

Inseri-se aqui, propositalmente a expressão autoridade policial, devido ao fato de que a nova lei de drogas trouxe em alguns de seus dispositivos essa nomenclatura, promovendo algumas confusões quanto às atividades desenvolvidas pela autoridade de policia judiciária (delegado de policia civil ou federal) e autoridade policial (policia militar). No entanto, em uma leitura desatenciosa e superficial do texto penal, pode-se pensar que essa atividade estaria sob a competência de qualquer autoridade policial, quando na verdade compete exclusivamente a autoridade de policia judiciária.

Acontece que no caso da nova Lei de Drogas, ao tratar do procedimento do crime previsto no artigo 28 do mesmo diploma, em seu artigo 48, deixa muito evidente que ao referir-se à autoridade policial o faz tendo em mente a "Autoridade de Polícia Judiciária", a qual, por seu turno, não é outra senão o delegado de polícia de carreira estadual (Polícia Civil) ou federal (Polícia Federal).

Sendo assim, a lei 11.343/06 não promoveu alterações na esfera de atuação da policia militar, tendo em vista que o art. 144, § 5º, da Constituição Federal, define taxativamente sua função social: "As policias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem publica; [...]". Nesse passo, destaca-se que a atuação precípua da policia militar é de atuar de forma presencial e preventivamente nas ruas da cidade, com a finalidade de inibir e evitar o cometimento do ilícito penal.

Nas ocorrências em que haja o flagrante de posse e uso de drogas ilícitas em pequena quantidade, caracterizando ser para uso próprio, o policial militar encaminhará a substância entorpecente, o usuário e as testemunhas ao departamento de policia judiciária (DPJ). Nesse caso, encerra-se a atuação da policia militar, com a confecção do boletim de ocorrência policial (BOP), entregando o infrator e a substância apreendida, sob a custódia do plantão de serviço no departamento de policia judiciária. No entanto, observa-se grande confusão trazida pelo legislador quando inseriu a expressão autoridade policial no § 3º, do art. 48:

§ 3º. Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no parágrafo 2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente (grifamos).

Frise-se que o dispositivo mencionado, remete-nos ao § 2º do mesmo artigo 48, no entanto se o infrator tiver cometido qualquer das violações prescritas no art. 28, da Lei 11.343/06, não se imporá prisão em flagrante delito. Competindo de imediato a autoridade judiciária e não autoridade policial, encaminhar imediatamente o autor do fato ao juízo competente, ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se o termo circunstanciado (TC) e providenciar as requisições dos exames e pericias necessárias.

Portanto, percebe-se que todas as medidas elencadas nesse dispositivo não poderiam ser de competência de qualquer autoridade policial, entenda-se policia militar, pois estão afetas diretamente a atuação da autoridade judiciária (polícia civil) por força expressa no § 4º, do art. 144 do texto Constitucional: "as policias civis, dirigidas por delegados de policia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".

6.1Procedimento Penal e Processual Penal

Com efeito, a autoridade de polícia judiciária dará prosseguimento à ocorrência envolvendo pequena quantidade de drogas ilícitas, apreendidas pela polícia militar nas ruas. Desta feita, apresentado o usuário-infrator à autoridade policial, entenda-se departamento de polícia judiciária, este confeccionará o termo circunstanciado do fato, e o encaminhará imediatamente ao juizado, juntamente com o autor e a droga ilícita apreendida.

No entanto, sabe-se que esta medida legislativa nem sempre é cumprida a risca pela equipe de plantão no DPJ, tendo em vista que em nosso estado não funciona a contento o plantão do judiciário. Sendo assim, o usuário assumindo o compromisso de apresentar-se ao juizado especial criminal posteriormente, após a elaboração do TC e tomadas todas as medidas necessárias ao caso, será liberado. Aspecto relevante a ser destacado, é que, mesmo descumprindo as medidas cominadas pelo dispositivo legal, o usuário de drogas, ainda assim, livre estará de restrição à sua liberdade. Dito em outras palavras, mesmo afirmando para a autoridade judiciária que não assumirá o compromisso de comparecer ao juiz criminal, não poderá ser autuado em flagrante delito. Nesta situação, estará sujeito tão-somente as penas cominadas no § 6º, do art. 28:

§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I – admoestação verbal;

II – multa.

Não obstante, vale acentuar que no caso de flagrante de posse de drogas ilícitas, o juiz, deverá atentar para a prescrição do § 2º, do art. 28 da nova lei de drogas: "Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente".

CONCLUSÃO

No transcorrer deste artigo, tentou-se apresentar que com a entrada em vigor da Lei nº 11.343/06, muita polêmica se criou acerca da posse de drogas ilícitas para consumo pessoal. Nesse passo, várias divergências doutrinárias surgiram, sendo que boa parte da doutrina defendia ter havido a descriminalização penal, haja vista que a nova lei de drogas não trazia para a pessoa surpreendida nesta situação, pena de reclusão ou de detenção, nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal Brasileiro.

Com efeito, surgiram outras argumentações no sentido de afirmar ter havido descriminalização penal e, ao mesmo tempo, a despenalização. Essa corrente trouxe como argumentação a assertiva de que o legislador evitou aplicar ao usuário de drogas ilícitas a pena privativa de liberdade, substituindo-a por medidas alternativas dispostas no art. 28, I a III, da Lei 11.343/06.

Neste diapasão, deve ser ressaltada posição pacificada pelo STF, de que a conduta de posse de drogas ilícitas para consumo pessoal, inserta no art. 28 da Lei nº 11.343/06, continua sendo crime. Não obstante, os E. Julgadores asseveram ter havido uma despenalização do fato delituoso que, anteriormente era tratado com maior rigor legislativo. Essa despenalização assenta-se na exclusão da pena privativa de liberdade ao usuário de drogas ilícitas, suavizando a pena por entender tratar-se matéria de saúde pública.

Resta destacar que o uso e consumo de drogas ilícitas estão vinculados a uma série de problemas de outras natureza que perturbam a paz social, entre eles destacam-se: a violência, o cometimento de outros ilícitos penais, a prostituição, o narcotráfico, o crime organizado, a lavagem de dinheiro etc.

Conclui-se, que os legisladores brasileiros ao elaborarem a Lei nº 11.343/06, tiveram o entendimento de forma acertada quanto à mudança do tratamento penal dispensado ao usuário e dependente de drogas.

Com efeito, destaca-se de que o uso e abuso de drogas psicoativas, reveste-se de uma questão de saúde pública e deve ser combatida e enfrentada com políticas públicas de caráter preventivo e assistencial sobre a pessoa do usuário, do usuário-dependente e de toda sua família que, segundo especialistas, se tornam co-dependentes. É muito comum ligar a co-dependência as famílias que tem dependentes de álcool ou de outras drogas, no entanto, a co-dependência não se limita somente aos familiares de dependentes químicos.

A Lei 11.343/06 trouxe ainda, em seu texto penal o art. 33, em substituição ao art. 12 da lei revogada, distinguindo o usuário e dependente (art. 28) da pessoa do traficante e financiador das drogas ilícitas. Quanto a estes, tratou de aplicar uma política criminal de maior rigor penal, na tentativa de inibir a ação dos novos traficantes e esvaziar totalmente sua atuação delituosa no meio social.

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[1] Subtenente da Policia Militar do Estado do Espírito Santo – PMES; Graduado em Educação Física – UFES; Bacharel em Direito – FABAVI/ES; Pós-graduando em Direito Militar – UCB/RJ. Instrutor do Programa Educacional de Resistência às Drogas – PROERD;

[2] Disponível em: http://www.imsc.sp.gov.br/infodrogas/droga.htm

[3] Centauro. Monstro mitológico fabuloso, metade homem e metade cavalo.

[4] Panacéia. Remédio para todos os males pretendido pela alquimia ou, ainda, recurso empregado para remediar dificuldades.

[5] Abolitio Criminis. Abolição do crime.

[6] HC 94524/DF - DISTRITO FEDERAL. HABEAS CORPUS. Relator (a):  Min. EROS GRAU. Julgamento:  24/06/2008  - Órgão Julgador:  Segunda Turma.