A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO EM FETOS ANENCÉFALOS: UM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE HUMANA[1]

Andrea Sodré Gonçalves[2]

Raíssa Reis Pereira[3]

 

Sumário: . Introdução; 2. Informações gerais sobre o aborto e anencefalia;3. Análise da ADPF 54; 3.1 Correntes Doutrinárias sobre o aborto ;4. Aborto: direito á vida e a dignidade humana.;5. Tipicidade material: aborto e anencefalia;6. Aborto em fetos anencéfalos: inexigibilidade de conduta diversa ;7 Posicionamento a favor do aborto em anencéfalos; 8.Conclusão.

 

RESUMO

O objetivo desse artigo é refletir sobre a legalização do aborto em fetos anencéfalos,e também analisar os pontos e divergências contrarias a posição do artigo,bem como abordar as correntes doutrinarias divergentes ao assunto.Primeiramente se faz uma analise das informações gerais,para melhor compreensão do que seja aborto e anencefalia,posteriormente foi  uma analise da ADPF 54 que foi o escopo de toda essa polemica se é crime ou um direito praticar o aborto em anencéfalos.Para depois entra na seara penal analisar sua atipicidade e sua inexigibilidade de conduta diversa.

 

PALAVRAS-CHAVE:

Aborto. Anencéfalos. Dignidade Humana.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A vida em sociedade esta em constante transformação, as leis se adéquam de acordo com a modificação dos costumes dos povos. Apesar das transformações e mudanças a situações em que não podem ser sanadas, nem amenizadas. Assim como é o caso dos fetos portadores de anencefalia, que se dá devido à inexistência ou de parte da inexistência do cérebro não fazendo que o feto sobreviva após o parto, muitas das vezes não sobrevivendo sequer à gestação.

O Código Penal vigente em seu artigo 128 traz as duas formas em que o aborto não é considerado crime, sendo esse em caso de estupro ou em caso de risco à saúde da mãe. Sendo assim, a legislação não faz referência ao aborto em caso de feto portador de encéfalia. A discussão trata-se de um fato polemico de grande impacto na sociedade, no aspecto jurídico, moral, religioso, não havendo um consentimento entre as Doutrinas e ate mesmo nas Jurisprudência.

A discussão acerca da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos enfatiza princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana, direito à saúde, direito à integridade física e moral, a liberdade e a autonomia, tendo também o direito à vida.

 A ADPF 54 foi o escopo de toda essa polemica que aborda a questão do aborto de anecéfalos, se é considerado crime ou existe de fato um direito de praticar o aborto em casos de anencefalia.

 

2. INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE O ABORTO E A ANENCEFALIA

A prática do aborto sempre esteve presente na sociedade. Porém nem sempre foi considerado um fato ilícito. Foi com decorrer do tempo que a pratica do aborto começou a ser considerada uma conduta criminosa exceto em alguns casos estabelecido no Código Penal.

De acordo com Mirabete: “O aborto é a interrupção da gravidez com a morte do produto da concepção, que pode ser ovo, embrião ou o feto, conforme a fase de sua evolução.”[4]A pratica do aborto consiste na interrupção da gravidez, de um feto que tenha possibilidade de vida extra-uterina. Assim, é a privação do nascimento, pode ser espontâneo, natural ou provocado, nesse último caso criminoso se não for pelos motivos do at. 128 do Código Penal. “O Direito Penal protege a vida humana desde o momento em que o novo ser é gerado. Formando o ovo, evolui para o embrião e este para o feto, constituindo a primeira fase da formação da vida.” [5]

Há Estados que proíbem a pratica do aborto e outros que toleram as práticas não caracterizando como crime. No Brasil a pratica é proibida pela Legislação e somente é aceita em dois casos estabelecidos pelo art. 128 do Código Penal Brasileiro.

“O atual diploma repressor tipifica o aborto como crime e qualquer caso, isentando de punibilidade os autores nos casos de aborto terapêutico e do aborto de produto de concepção do estupro.’’[6] Assim, o Código vigente no país, qualifica o aborto entre os crimes contra a vida, estabelecendo que:

 Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque;Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante; Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante; Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência; Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.[7]

 

O legislador criminalizou o aborto tutelando a vida do nascituro, que é o bem jurídico que está em jogo. Porém no “ caso da anencefalia o feto é considerado um natimorto, sem alguma expectativa de vida, a vida extra- uterina é absolutamente inviável.”[8].

 

A anencefalia é uma patologia congênita que afeta a configuração encefálica e dos ossos do crânio que rodeiam a cabeça. A conseqüência deste problema é um desenvolvimento mínimo do encéfalo, o qual com freqüência apresenta uma ausência parcial ou total do cérebro (região do encéfalo responsável pelo pensamento, a vista, o ouvido , o tato e os movimentos). A parte posterior do crânio aparece sem fechar e é possível, ademais, que faltem ossos nas regiões laterais e anterior da cabeça.[9]

Assim, um feto que possui anencefalia tem possibilidades mínimas de sobreviver apos o parto. De acordo com os médicos  pesquisadores  do National  Institute  of Neurological Disorders and Stroke “O feto anencéfalo, por lhe faltarem os hemisférios cerebrais e o córtex, não tem chances de sobrevivência fora do útero, mesmo não negando sua condição humana.”[10]

O sujeito passivo do autoaborto e do aborto consentido é o feto. Já no aborto anencefálico, “o feto não incorpora a condição sujeito passivo, por faltarem-lhe as condições fisiológicas que lhe permitiam tornar-se um dia pessoa, não passando de um produto patológico sem qualquer possibilidade de vida.”[11]

 

3. ANÁLISE DA ADPF 54

A ADPF é um utensílio jurídico que não é muito utilizado na jurisprudência brasileira. O Ministro do STF Marco Aurélio “deferiu liminar na Argüição de descumprimento de Preceito Fundamental n.º 54 proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde.”[12]

O argumento jurídico e ético sugerido na ação era de que, por ser a anencefalia uma má-formação incompatível com a sobrevida do feto fora do útero, “ a interrupção da gestação neste caso não deveria ser tipificada como crime, mas como um procedimento médico amparado em princípios constitucionais como o direito à saúde, à dignidade, à liberdade e a estar livre de tortura.”[13]

Os argumentos apresentados a Suprema Corte foram baseados na certeza de que não a possibilidade de vida extra-uterina do feto. A grande maioria dos fetos com anencefalia não conseguem resistir ao processo de gestação e os que chegam ao momento do parto, morrem minutos após.

A referida petição inicial interposta pela CNTS na ADPF nº 54 contém o seguinte:’’ Que essa Egrégia Corte,  procedendo  a uma  interpretação  conforme a Constituição dos arts. 124, 126 e 128,  I e  II, do Código Penal  (Decreto-Lei n. 2.848/40), declare inconstitucional, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a  interpretação de  tais dispositivos  como  impeditivos  da  antecipação  terapêutica  do  parto  em  casos  de gravidez do  feto anencefálico, diagnosticados por médico habilitado,  reconhecendo-se  o  direito  subjetivo  da  gestante  de  se  submeter  a  tal  procedimento  sem  a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado.[14]

A não autorização da interrupção da gestação de feto com anencefalia fere Direitos Humanos Fundamentais, como é o caso do direito da dignidade da pessoa humana, princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, o direito à saúde da gestante.

O referido Ministro,  na  Argüição  de  Descumprimento  de  Preceito Fundamental n. 54, concedeu a  liminar, no dia primeiro de  julho de 2004,  “ad referendum”  do  Tribunal  Pleno,  esta  decisão  teve  como  conseqüência  um duplo  efeito,  ela  interrompeu  todos  os  processos  e  decisões  que  ainda  não haviam  transitadas em  julgado que sejam relativos à prática da  interrupção de gestação, em razão da anencefalia, e concedeu às gestantes o direito de optar pela  interrupção  da  gestação  de  feto  anencéfalo,  a  partir  de  laudo  médico confirmatório dessa anomalia, já que o diagnóstico de tal anomalia é exato em 100%.

 

Ao final após a votação realizada por todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal, entenderam sensato o reexame da liminar, o que levou a sua cassação parcial. Dominou o reexame da liminar, com o argumento que por ser uma questão de bastante polêmica, a liminar deveria ser revogada em parte, para impedir procedimentos médicos-cirúrgicos de fetos anencefálicos.

 

3.1 Correntes doutrinárias sobre o aborto

 

O tratamento jurídico dado ao aborto, aborda intensas controvérsias, existindo lados distintos, de um lado estão aqueles que defendem a autonomia da vontade da mulher, o direito de escolha. E do outro, está aqueles que lutam pelo direito à vida do feto. Estão inseridos nessa questão valores éticos e morais, que envolvem a questão  da  saúde pública até as crenças religiosas.

Doutrinadores posicionam-se favorável ao aborto no caso desta anomalia, outros posicionando-se contra a interrupção da gestação do feto anencéfalo argumentando que tal conduta não vem legalizada em texto legal.

A ausência de legislação, não significa que o Judiciário, não possa conceder no caso concreto a interrupção da gravidez, ele toma por base princípios constitucionais ou supra-legais. Alguns doutrinadores acreditam que a não concessão da interrupção da gravidez, leva em alguns casos a prática do aborto clandestino, que foge ao controle do Estado e é realizado nas clinicas clandestinas.

Impedir a interrupção da gestação é submeter a mãe a um sofrimento intolerável e injusto.

Tem-se, portanto a desnecessidade de a mãe carregar em seu ventre um filho que não tem sequer possibilidade de ter vida, e que além, além da dor física durante a gestação, sofrerá e se torturará todos os dias sabendo que seu filho nascerá e morrerá, em seguida.[15]

 

Juízes, ao analisar pedidos de autorização para a interrupção da gestação, no caso específico da anencefalia têm por base os princípios constitucionais, especificamente o da dignidade da pessoa humana.

 

em que ninguém deve submeter-se a tratamento desumano. Argumentando que o prosseguimento de uma gravidez desse tipo acarretaria danos à saúde mental e física da gestante, comparando ao permissivo legal, do estado de necessidade.[16]

 

Assim, alguns defendem o direito da mulher, sua dignidade e o direito de dispor de seu próprio corpo, devido a sua autonomia. E há aqueles que defendem o direito à  vida como superior a qualquer outro direito entendendo que sem o direito à vida não há como assegurar nenhum dos outros direitos garantidos na Constituição Federal.

4. ABORTO: DIREITO A VIDA E A DIGNIDADE HUMANA

Como abordado acima, com a evolução da ciência o Direito Penal, que protege o bem jurídico vida, também anda em conjunto com o desenvolvimento da sociedade, do pensamento e da cultura das pessoas. Sendo assim, o direito penal um direito que se atualiza, com as mudanças e precisa ser transformado de acordo com as precisões da civilização. A questão do aborto anencefálico, vale ressaltar ainda é uma capacidade de a mulher escolher dispor ou não, da suposta vida de um feto, que já se tem uma certeza cientifica que não irá sobreviver, amenizando assim um sofrimento de toda uma gestação,não sendo “condenada a abrigar dentro de si um tormento que aniquila ,brutaliza,desumaniza, e destrói emocional e psicologicamente.” [17]

Além disso, a Constituição Federal está estruturada em princípios fundamentais que são inerentes ao ser humano, entre eles o direito a vida, onde já resguarda Alexandre de Moraes, "O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos".[18] Proibindo um aborto de feto anencefálico fere-se o direito a vida, na sua concepção de ter o feto o direito de nascer vivo, antecedendo o fato do nascimento do indivíduo no mundo exterior.

E ainda fere o principio da liberdade, porque impor a uma mulher o fato de carregar em seu ventre durante nove meses, um feto que saiba que não irá resistir, ou ao menos sobreviver a um segundo de vida, constitui sim uma violação ao direito a liberdade, que é também garantindo constitucionalmente.

            Diz-se então que o aborto é um direito a vida e uma segurança da dignidade humana, porque

                                      A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência[19]

 

Porém é interessante abordar da temática da definição do conceito de vida humana, porém no que tange aos fetos anencéfalos, é inaplicável o conceito de vida, pois já são natimortos cerebrais, sendo então a anencefalia uma má formação, inconciliável com a vida humana. Mais um motivo para essa permissão do aborto é que, não se pode deixar de mencionar que em muitos casos a gestação desse fato anencefálico, acaba gerando dificuldades na vida e na saúde da mãe, podendo então essa gestação oferecer um agravamento ao estado de saúde da gestante, sendo incoerente a mãe vir a correr o risco da morte, por não ser permitida a conduta de aborta, por um feto que nunca terá a chance de sobreviver.

Muitos defensores da proibição do aborto nesses casos de anencefalia abordam um argumento que pode haver uma expectativa de vida do feto, porém já foi abordado, o feto anencefálico, não tem sequer segundos de vida, portanto, não há possibilidade de vida extra-uterina. Nesse sentindo, “certamente, a manutenção da gravidez indesejada de um anencéfalo acarretará graves distúrbios psicológicos na gestante, em decorrência da tortura sofrida e de um tratamento degradante, vedado pelo art. 5°, inciso III da CF.”[20]

Vale ainda, fazer a seguinte reflexão acerca da proibição do aborto nos fetos anencefálicos, “por que estaria então a gestante forçada a manter uma gravidez que, comprovadamente, pode atingi-la nos seus mais caros direitos, à saúde, à integridade física e moral, dentre outros? Seria injustificável afronta a sua liberdade e a sua autodeterminação.” [21]

 A proibição do aborto no caso em questão corresponde sim, a uma ofensa aos princípios da dignidade humana, da liberdade, da autonomia da vontade e da legalidade, pois no que tange a esses princípios, a mulher impedida de fazer o aborto não tem a liberdade e á saúde sobre o seu corpo, e nem a dignidade sobre o mesmo de decidir o que faz ou não com o seu corpo, lembrando que essa espécie de aborto é apenas uma faculdade. 

         O Direito Penal silenciou-se quanto a proibição ou não desses casos de aborto,porém deve-se entender que ,

                                                   nos casos em que a mulher está grávida de um feto portador de anencefalia, a violação à dignidade da pessoa humana consiste no fato de se impor que ela leve adiante a gestação de um feto destinado a morrer instantes após o parto, causando-lhe dor, angústia e frustração. Neste contexto, muitas mulheres comparam a experiência da obrigatoriedade da gravidez de um feto portador de anencefalia à tortura.[22]

 

Ainda se pode destacar de um grande dogmático Ronald Dworkin, que diz “O aborto justifica-se moralmente, não obstante, por uma serie de razões importantes. Justifica-se não apenas para salvar a vida da mãe e nos casos de estupro ou incesto, mas também nos casos em que se diagnosticou uma grave anomalia fetal.”[23]

Concluindo então, e levando em conta todo o sofrimento de uma mulher obrigá-las a carregar em seu ventre um feto já morto, sem possibilidade nenhuma de sobreviver, constitui sim uma ultraje á dignidade da mulher, da pessoa humana.

 

5.ATIPICIDADE MATERIAL: ABORTO E ANENCEFALIA

 

É claramente visto aqui, que o objetivo do Direito Penal é sim proteger o bem jurídico vida, desde o ventre da gestante e também contra plausíveis agressões e perigos contra esse bem e contra a gestante, o que ser quer com esse trabalho não é tornar inadmissível essa proteção, mas sim esclarecer que a vida em jogo na gestação de anencéfalos não existe ou a será de apenas segundos.

Iniciado aqui o debate da seara Penal e de sua dogmática, com já abordando anteriormente o direito Penal como um conjunto de normas, um instrumento de controle social, que visa à proteção de um bem jurídico e a salvaguarda da paz jurídica na nação. Definindo a tipicidade ou o tipo penal é “a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é um tipo penal incriminador”[24]E tipo penal é “ quando a lei em sentido estrito descreve a conduta comissiva ou omissiva) com o fim de proteger determinado bem.”[25]Como já exposto aqui,o legislador não se posicionou a definir a conduta de aborto de anencéfalos como criminosa ,apenas silenciou-se, dando então o motivo da ADPF 54, e concluindo então que há na verdade é um ausência de tipicidade penal,ou atipicidade material, no que diz respeito que a conduta seja materialmente típica, porque não se torna provável que atinja o bem jurídico vida,pois no caso dos fetos anencefálicos já são condenados desde a sua concepção a morte,não expondo assim o bem jurídico vida á perigo.

Tendo então a ausência do bem jurídico protegido (vida) em perigo, convém concluir que existe então uma atipicidade material, visto que na hipótese em questão trata-se da gestação de um feto anencéfalo, ou seja, sem cérebro. Trata-se de um feto sem qualquer probabilidade de vida extra-uterina, concordando com a universal opinião da ciência médica, exatamente pela ausência de atividade cerebral.

                                                  Destacando ainda, que Cumpre destacar que dentro das finalidades a que se propõe o Direito penal – de proteção seletiva de bens jurídicos -, não há porque fazer incidir a norma incriminadora. Do ponto de vista penal, não há aflição do bem jurídico protegido, do ponto de vista técnico, médico, não há vida assim compreendida, e do ponto de vista social, antes de causar repulsa, a interrupção da gravidez, na espécie, é compreensível e provoca a reflexão a respeito da mácula psicológica que representa para os pais levarem a cabo uma gravidez como esta, com a certeza de um final trágico. O Direito penal não pode trabalhar com o escopo de, pela inflexibilidade, tornar-se cruel.[26]

 

         Então é correto pensar que sem atividade cerebral, não há vida e sem vida como abordado anteriormente não é possível ter uma proteção penal ao tipo, não encontrando então, o aborto em anencéfalos, ajuste aos crimes contra a vida pela inexistência de atividade cerebral, não tendo portando a tipicidade penal.

 

6. ABORTO EM FETOS ANENCÉFALOS:INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

É necessário aqui definir dois conceitos, um que é a culpabilidade e outro que é a inexigibilidade de outra conduta. Primeiramente no que tange aos conceitos de culpabilidade, Cezar Bitencourt afirma que é a reprovabilidade, em que “o juízo de desvalor somente pode ser emitido quando existir a possibilidade de formular uma reprovação ao autor do fato.”[27] Ainda afirma que a culpabilidade “não se esgota na relação de desconformidade entre ação e ordem jurídica”[28] Ainda a respeito de culpabilidade Rogério Greco afirma que “ é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.”[29]

Entretanto se pode ainda falar em reprovabilidade, que faz parte da probabilidade do autor de poder usar ou adotar outra forma, ou outro modo de conduta em favor de um procedimento jurídico aceitável. Então o que se caracteriza por inexigibilidade de conduta diversa, é “situações em que não é exigida uma conduta adequada ao direito, ainda que se trate de sujeito imputável e que se realize dita conduta adequada com conhecimento da antijuridicidade que lhe é própria.”[30]

Então se faz a seguinte reflexão, o fato não é culpável, pois somente é culpável quando outro modo de agir lhe era exigido perante a conduta, como no caso da gestação de anencéfalos não existe outro meio de agir a não ser expelir o mesmo, exclui, portanto a culpabilidade. Como ênfase nessa reflexão, Cezar Bitencourt, menciona que

                                                  Com efeito,quando uma gestante de posse de laudo médico assegurando-lhe que o feto está em seu ventre não tem cérebro e não lhe resta nenhuma possibilidade de vida extra-uterina,quem poderá, afinal, nas circunstâncias, censurá-la por buscar o abortamento? Com que autoridade moral o Estado poderá exigir dessa gestante que aguarde o ciclo biológico, mantendo em seu ventre em ser inanimado, que, quando a natureza resolver expeli-lo,não terá alternativa senão pranteá-lo, enterrá-lo, cremá-lo?! A inexigibilidade de conduta diversa assim, nessa hipótese, deve ser aceita como causa excludente de culpabilidade.[31]

 

 Concluindo então que o exercício do aborto em fetos anencéfalos não pode, portanto ser considerado antijurídico, porque não se está falando de perigo a vida em curso, porque o feto anencéfalo não tem vida, não podendo assim ser exigido censura social a essa pratica devido a inexigibilidade de conduta diversa.

 

 

7.POSICIONAMENTO A FAVOR DO ABORTO EM ANENCÉFALOS

No que se refere ao nosso posicionamento na questão do anencéfalos, se deve ter percebidos que nos tornamos a favor da pratica desse tipo de aborto, pois não se trata de um crime, como exposto no tópico anterior pela inexigibilidade de conduta diversa, e sim de um direito da mulher no que tange ao seu corpo, a sua autonomia da vontade, a sua liberdade e uma afronta ao principio da dignidade humana.

Pretendo então expor de uma maneira fundamentada que a sociedade não pode impor condutas as outras pessoas por julgá-las erradas, e por tema polêmicos como no caso é o aborto. Nem o Estado e nem a legislação deve impor a quem quer que seja, uma conduta que fira o seu principio de dignidade e sua autonomia, pois isso acarretaria perdas irreparáveis a gestante, e um sofrimento prolongado. Como Ronald Dworkin, comenta em seu livro O Domínio da Vida “O aborto não é só moralmente permissível como pode ser uma necessidade moral, uma vez que seria um erro trazer ao mundo, conscientemente, uma criança em tais condições”.[32] E ainda finalizando “A preocupação de uma mulher por seus próprios interesses é tida como uma justificação adequada do aborto quando as conseqüências do nascimento forem graves tanto para a vida da mulher quanto para sua família” [33]

 

8. CONCLUSÃO

A interrupção da gestação de feto portador de anencefalia não está incluída no artigo 128 do Código Penal nas espécies de aborto legal previstos com excludente de antijuridicidade presumida no artigo, em casos de estupro e de risco à saúde da mãe.

Comprovado que um feto é portador de anencefalia, o mesmo é considerado pela medicina como um natimorto, com ausência parcial ou total do cérebro, que torna sua vida extra-uterina incompatível não podendo assim, se falar em direito à vida. Pois não há vida ali.

Diante de constatação científica que a medicina moderna traz não há outro meio se não a realização da cirurgia terapêutica exigida pela mulher com o objetivo de interromper a gravidez não incluindo essa conduta como ilícita, pois de acordo com  princípios fundamentais estabelecidos na Carta Magna não se deve considerar tal conduta como crime.

A discussão a cerca da interrupção de gestação do feto  anencéfalo  e  do  aborto vem sendo debatido sobre dois princípios fundamentais de um lado o direito à vida e do outro lado o direito a dignidade humana. Assim, a lei protege o nascituro da mesma forma em que protege a dignidade humana da mãe, porém, em casos de feto com anencefalia não deve- se priorizar o direito à vida do feto em que sequer irá viver , pois feto com anencefalia já são considerados de inicio natimortos. Devendo em tão ser priorizado vida digna da mãe, pois é quem irá viver.

 

REFERÊNCIAS

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal .Parte Geral.12 ed. Rio de Janeiro:Impetus,

 

 

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Vida  de  mãe,  autor  disponível  em http://conjur.estadao.com.br/static/text/34748,1,  acessado  em  28 de  setembro de 2010

 

 

 


[1] Trabalho apresentado para a obtenção da 2° nota de Direito Penal I, ministrada pela professora Thayara Castelo Branco.

 

[2] Acadêmica do terceiro período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco: dé[email protected]

 

[3] Acadêmica do terceiro período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco: [email protected]

 

[4] MIRABETE, Júlio Fabrini. Código Penal Interpretado. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003.p.150.

 

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: dos crimes contra pessoa, parte especial, vol.2.Ed:Saraiva,2003p.172

 

[6]DINIZ,Débora. O luto das mulheres brasileiras. Disponível emHTTP://www.frebasgo.org.br/anencefalia3.htm. Acesso em 16.13.2006.

 

[7] Ibid

 

[8] SZCZEPANSKI, Luiz Marcelo Interrupção de gestação de feto anencéfalo e o aborto

 

[9] DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual  do Biodireito  (2ª  ed.,  de  acordo  com  o Novo

Código Civil - Lei 10.406/2002). São Paulo: Ed. Saraiva, 2002.p. 172.

 

[10] O  aborto  do  anencéfalo,  autor  disponível  em http://www.direitonet.com.br/textos/x/15/61/1561/DN_aborto.doc,  acessado  em 27 de setembro de 2010..

 

[11] BITENCOURT,Cezar Roberto. Op,cit... p.173

 

[12] A  anencefalia  no  mundo,  autor  disponível  em http://www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm, acessado em  31 de setembro de 2010.

 

[13] [13] SZCZEPANSKI,Ibid.

 

[14] ADPF nº 54, ajuizada pela  Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. Autor disponível  em <http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=54&classe=ADPF&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>, acessado em  01 de outubro de 2010

 

[15] BITENCOURT,Cezar Roberto. Ibid,p.175.

 

[16] Vida  de  mãe,  autor  disponível  em http://conjur.estadao.com.br/static/text/34748,1,  acessado  em  28 de  setembro de 2010.

 

[17] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op,..cit.p.171

 

[18] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª edição, São Paulo: Atlas, 2002, p. 63

 

[19]Ibid, p. 63 e 64.

 

[20] BECKER, Marco Antonio. Anencefalia e possibilidade de interrupção da gravidez, revista Medicina,Conselho Federal de Medicina,n.155,maio/jul,2005,p.10

 

[21] SZCZEPANSKI, Luiz Marcelo. Interrupção de gestação de feto anencéfalo e o aborto

Legal sob a óptica dos direitos humanos fundamentais, 2007, p21 Disponivel em: http://www.professorallan.com.br/UserFiles/Arquivo/Artigo/monografia_interrupcao_de_gestacao_de_feto_anencefalo_e_o_aborto_legal.pdf  Acesso em : 3 out 2010

 

[22]Ibid

Legal sob a óptica dos direitos humanos fundamentais. 2007,p.26 Disponivel em: Disponivel em: http://www.professorallan.com.br/UserFiles/Arquivo/Artigo/monografia_interrupcao_de_gestacao_de_feto_anencefalo_e_o_aborto_legal.pdf  Acesso em : 3 out 2010

 

 

[23] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. 2ed. São Paulo: Editora WMF Mastins Fontes,2009 p.45

 

[24] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal .Parte Geral.12 ed. Rio de Janeiro:Impetus,2010 p.152

 

[25] Ibid. p 151

 

[26] Paulo César Busato, Tipicidade material, aborto e anencefalia.p.29 Disponivel em: Acesso em: 6 set 2010

 

[27] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: dos crimes contra pessoa, parte especial, vol.2.Ed:Saraiva,2003p.179

 

[28] ibid

 

[29] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal . Parte Geral.12 ed. Rio de Janeiro:Impetus, 2010 p.363

 

[30] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: dos crimes contra pessoa, parte especial, vol.2.Ed:Saraiva,2003p.179-180

 

[31] Ibid p 180

 

[32] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. 2ed. São Paulo: Editora WMF Mastins Fontes ,2009 p.45

 

[33] ibid