A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO COMO FORMA DE ASSEGURAR O DIREITO A VIDA E AO CORPO DA MULHER¹

 

Natálya Amanda Coelho e Sarah Assis Carvalho²

Gabriel Ahid³

 

Sumário: Introdução. 1 O crime de aborto 1.1 Aspectos gerais 1.2 Tipos de aborto 2 Direitos da mulher: a vida e ao corpo 2.1 Direito à vida e o Principio da dignidade humana 2.2 Direito ao próprio corpo 2.3 Planejamento familiar 3 Legalização do aborto como meio de garantir os direitos da mulher. Conclusão. Referencial Bibliográfico.

RESUMO

O aborto sempre foi um assunto polêmico para os estudiosos do Direito Penal: encontrar o balanceamento entre a segurança da vida da mulher e a proteção de seus direitos e ao mesmo tempo proteger a vida e os direitos do embrião nunca foi simples. Países adotam diferentes posições em relação a esse caso, sendo um dos principais influenciadores da não ocorrência do aborto, a religião. Contudo pesquisas revelam fatos diferentes quando se analisa a quantidade de abortos realizados em clinicas clandestinas, e o aumento da incidência de mortes devido este fato. O presente estudo pretende conhecer melhor este crime e suas modalidades juntamente com os direitos da mulher para poder determinar como a legalização do aborto iria assegurar os direitos e dignidade da mulher. Primeiramente ir-se-á conhecer os diferentes tipos de aborto que são considerados crimes, analisar-se-á esse crime em seus aspectos gerais, como os bens protegidos, o sujeito ativo e passivo, ou seja, aspectos teóricos do crime para tornar possível a melhor compreensão dele. Após essa análise, tratar-se-á do direito da mulher, priorizando o direito a vida e ao seu corpo, mas também de outro direito que se insere no caso, como de planejamento familiar. Finalmente como a legalização influenciaria os direitos da mulher, identificar-se-á os aspectos positivos e negativos de uma possível legalização do aborto, como seria realizado e quais limites para sua ocorrência.

Palavras-chave: Aborto. Legalização. Direitos da mulher. Proteção.

____________________

¹ Paper apresentado à disciplina Direito Penal Especial da UNDB.

² Alunas do 4º Período vespertino de Direito, turma dois, da UNDB.

³ Professor Orientador.

 

INTRODUÇÃO

 

O tema a ser abordado é de grande relevância para o Direito Penal, já que poder-se-á aprofundar o conhecimento sobre um dos seus assuntos mais polêmicos: aborto como forma de afirmar o direito da mulher. O interesse sobre o tema surgiu devido o fato de que no caso do aborto, a visão da mulher geralmente é menosprezada, existe uma grande proteção que o Estado fornece ao embrião com vida uterina e pouca proteção que fornece a mulher.

A criminalização do aborto gera consequências graves e irreversíveis para muitas mulheres, uma vez que o ato continua sendo praticado em clínicas clandestinas que não possuem estrutura, higiene, pessoas adequadas para realizar o procedimento, sendo uma das maiores causas da mortalidade de mulheres no Brasil. Até em casos em que o aborto é aceitável de acordo com a lei, por exemplo, em casos de feto anencéfalo, existe uma certa resistência dos profissionais de realizar  o procedimento, o que acaba gerando novamente a busca de meios inadequados de aborto.

Devido tais consequências desastrosas da criminalização do aborto, o principal objetivo do trabalho é demonstrar se a legalização desse ato seria uma forma de assegurar os direitos da mulher, já que os profissionais não seriam resistentes para realizar o ato, teria diminuição da mortalidade da mulher, maior preparação dos profissionais, entre outros aspectos positivos. Outro objetivo é determinar quais as consequências positivas e negativas da legalização do ato, quais os limites desse ato, entre outros. Para cumprir os objetivos do trabalho é necessário conhecer as dimensões dos direitos da mulher e os aspectos gerais desse crime.

Primeiramente conhecer-se-á os diferentes tipos de aborto, seus aspectos gerais, a proteção a esse crime, quais são os sujeitos, os bens protegidos pelo crime, enfim, os aspectos teóricos do delito de aborto em geral. No segundo capítulo analisar-se-á os direitos da mulher que são geralmente menosprezados com a criminalização do aborto, como direito ao próprio corpo, planejamento familiar. Para isso utilizar-se-á dos conceitos de diferentes autores para realizar uma construção geral desses direitos.

No ultimo capítulo, compreender-se-á se a legalização do aborto seria uma forma de proteger, garantir os direitos da mulher como o direito a vida, ao corpo e planejamento familiar. Determinar-se-á se como a legalização afetaria em tais direitos e quais são os aspectos positivos e negativos da realização desse ato. Verificar-se-á como ocorre a admissibilidade desse ato em diferentes países, quais as limitações desse procedimento e quais as consequências do ato nos países, para finalmente determinar se na prática a legalização é mais viável do que a criminalização do aborto.

1 O CRIME DE ABORTO

 

Aborto certamente é um crime que envolve muita polêmica. O Código Penal, entretanto, não define o que é o aborto, simplesmente usa a expressão “provocar aborto”. Para Mirabete (2004, p. 93), aborto significa a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo, embrião ou feto, não implicando necessariamente em sua expulsão. Ovo seria quando a gestação possui até três semanas, embrião quando possui mais de três semanas a três meses e feto seria quando a gravidez tem mais de três meses.

1.1 Aspectos gerais do delito de aborto

Segundo a classificação da doutrina, o aborto é classificado como: crime de mão própria, quando for autoaborto; comissivo ou omissivo impróprio, ou seja, quando o individuo realiza conduta positiva ou conduta negativa e tinha status de garantidor; doloso, quando o agente quis o resultado ou então assumiu o risco de produzi-lo; crime de dano, que são aqueles que para a consumação é necessária a real lesão ao bem protegido; crime instantâneo de efeito permanente; monossubjetivo, o qual a conduta principal pode ser praticada por somente uma pessoa; não transeunte, aquele que deixa vestígios; de forma livre, onde o tipo não determina, exige a forma como o crime pode ser praticado (GRECO, 2013).

De acordo com Rogério Greco (2013, p. 230), o começo da proteção pelo aborto é no início da vida, que para a lei penal será após a fase de nidação, que é aquela onde acontece a implantação do óvulo já fecundado no útero, ocorrendo 14 dias após a fecundação. Deve-se atentar para o fato de que apenas a gravidez intrauterina pode configurar aborto, ou seja, uma gravidez em que o óvulo se desenvolve fora do útero, nas trompas por exemplo, não pode se caracterizar como aborto. Esse crime é consumado com a morte do feto e interrupção da gravidez. A tentativa ocorrerá quando as manobras abortivas não interrompem a gravidez ou provocam apenas aceleração do parto, com sobrevivência do neonato (MIRABETE, 2004, p. 96).

 O fim da proteção pelo delito do aborto ocorre com o início do parto, que poderá ocorrer com a dilatação do colo do útero, com o rompimento da membrana amniótica ou caso seja cesariana com a incisão das camadas abdominais. Quando o neonato, após o nascimento, vir a morrer por causa da mãe, o crime aplicado será de infanticídio.

Em se tratando de sujeito ativo, no caso do autoaborto somente a gestante pode sê-lo. Nos outros casos restantes de aborto o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Já o sujeito passivo sempre será o feto, o resultado da concepção. Porém no caso em que o aborto é praticado sem consentimento da gestante, a doutrina entende a gestante como sendo sujeito passivo juntamente com o feto. O bem juridicamente protegido é a vida humana em desenvolvimento do embrião. Em caso de aborto provocado por terceiro sem consentimento, contudo, outro bem protegido seria a vida e a incolumidade física e psíquica da gestante.

1.2 Tipos de aborto

Existem diferentes classificações de aborto que são delimitados pelo Código Penal, sendo divididos em autoaborto ou aborto com consentimento (artigo 124), aborto realizado por terceiro sem consentimento (artigo 125), aborto realizado por terceiro com consentimento da gestante (126), além da forma qualificada. No geral, existem dois tipos de aborto, o aborto natural e aborto provocado.

Aborto natural, também nomeado como aborto espontâneo, ocorre involuntariamente, por acidente, anormalidades orgânicas da mulher ou defeitos do próprio ovo; ocorre normalmente no início da gravidez (PACHECO, 2007). O Direito Penal não pune este tipo de aborto, já que é um processo natural do organismo. O aborto provocado, contudo, já é punido: todo aborto que tem como causa um agente externo, ele é dividido de acordo com Greco (2013, p 233) em culposo (acidental) ou doloso. Como este autor bem afirma, não existe previsão legal para a modalidade culposa, sendo ela considerada um indiferente penal.

O autoaborto é aquele em que a gestante realiza em si própria; o aborto consentido é aquele onde a gestante consente que terceiro realize o aborto, e a este terceiro recai a pena do artigo 126, a qual é mais rigorosa. O consentimento, entretanto, pode ser expresso ou tácito e deve existir desde o inicio do procedimento. Aborto provocado por terceiro sem consentimento será quando por este terceiro for utilizada violência, ameaça ou fraude. De acordo com Mirabete (2004, p. 97),

Presume-se não haver o consentimento da gestante, aplicando-se o dispositivo em estudo, quando a gestante “não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência” (art. 126, parágrafo único). A menor de 14 anos, presume-se, tem desenvolvimento mental incompleto, não podendo consentir validamente. Também não é valido o consentimento da alienada (que sofre de doença mental) e da débil mental (com desenvolvimento mais retardado).

O aborto legal também é outra forma deste crime determinada pelo Código Penal, em seu artigo 128: aborto terapêutico (curativo) ou profilático (preventivo) e aborto sentimental ou humanitário.  O aborto terapêutico é aquele realizado pelo médico quando a vida da gestante está em risco e não há outro meio de salva-la. O aborto sentimental é aquele no qual a gravidez é proveniente de estupro. Nélson Hungria revela uma opinião sensata a respeito dessa classificação “nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência sofrida” (1955, p. 304).

Mirabete também entende a existência de outras classificações, como o aborto social ou econômico, o qual se realiza para impedir que se agrave a situação econômica, de miséria da gestante; outro tipo seria o honoris causa, que é praticado devido gravidez fora do casamento, extramatrimonium. Assevera o autor que ambos são puníveis (2004, p. 101).

2 DIREITOS DA MULHER: À VIDA E AO CORPO

Com a criminalização do aborto observa-se a limitação de direitos da mulher e maior proteção ao direito do embrião. O que não se percebe no ordenamento jurídico brasileiro é a existência de muitas contradições sobre essa proteção diferenciada de direitos e a não igualdade entre eles.

Durante longo tempo a mulher viveu em fase de ampliação de seus direitos e até os dias atuais a igualdade de tratamento não existe. O que o presente capítulo pretende é explicitar os direitos que a mulher possui em se tratando da questão do aborto; conhecer quais são esses direitos e como eles são menosprezados quando ocorre a criminalização do aborto de maneira rígida.

2.1 Direito à vida e Princípio da dignidade humana

Muito se questiona sobre a influência do direito a vida da mulher no caso do aborto, possuindo uma visão equivocada de que este direito só seria cabível quando a mulher corre risco de vida e procura o método abortivo, sendo o caso do aborto necessário. A realidade da aplicação do direito a vida neste caso se insere também na consequência da criminalização desse método.

É fato reconhecido por toda sociedade que muitas mulheres realizam aborto, mesmo sendo crime. O que conduz a busca de clínicas clandestinas, para sua realização, colocando a sua vida em sério risco e sendo uma das maiores causas de mortalidade feminina no Brasil já que o procedimento é geralmente realizado por pessoas não especializadas e em condições não sanitárias. O Instituto Guttmacher, que é um instituto americano de promoção à saúde sexual e reprodutiva mundial através de pesquisa, análise de políticas e educação pública, revela que todo ano 47 mil mulheres morrem devido complicações em abortos inseguros, sendo que a maioria delas ocorre em locais onde há alta rigorosidade com leis sobre aborto.

 Observa-se também, curiosamente, que até quando o aborto é legal, por exemplo no caso de feto anencéfalo, existe resistência por parte dos médicos de realizarem, por medo das consequências penais que possam vir a existir, gerando degradação dos direitos da mulher.

O direito a vida, junto com outros direitos que garantem a existência digna da pessoa humana estão conectados com o principio da dignidade humana, como afirma Pena Júnior (2008, p. 384) “este princípio constitucional superior aglutina em torno de si todos os demais direitos e garantias fundamentais contidas na Constituição Federal desde o direito a vida, passando pelo direito a liberdade, até chegar a realização plena, ao direito de ser feliz”.

Devido o fato de que esse princípio é interligado com diferentes direitos que dificulta a sua conceituação. Ingo Sarlet, contudo conceitua o princípio com maestria (2007, p. 227),

A dignidade possui uma dimensão dúplice que se manifesta enquanto simultaneamente expressão da autonomia da pessoa (vinculada à ideia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência), bem como da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando fragilizada ou até mesmo, e principalmente, quando ausente a capacidade de autodeterminação.

2.2 Direito ao próprio corpo

É direito de personalidade, sendo absoluto, intransmissível, indisponível, irrenunciável, ilimitado, imprescritível, impenhorável e inexpropriáveis. Direitos de personalidade são direitos subjetivos que autorizam a pessoa a proteger o que lhe é próprio, como a integridade física e seu corpo.

Diferentemente do direito a vida, este direito é mais óbvio em sua ligação com o aborto. Como sua própria classificação esclarece, esse direito não pode ser transferido a esfera jurídica de outra pessoa, ninguém pode usufruir em nome de outra pessoa bens como o próprio corpo; são em regra indisponíveis, insuscetíveis de disposição (DINIZ, 2012, p. 135).

É facilmente perceptível que no caso do aborto esse direito é violado, pois a mulher é obrigada a ter um filho; o direito ao seu próprio corpo é dirigido pelo Estado, retirando sua autonomia pessoal. É o direito de escolher ter ou não um filho que é resultado dos direitos reprodutivos da mulher.

2.3 Planejamento familiar

O direito de planejamento familiar se insere na questão do aborto devido ao fato de que uma das maiores razões para a procura deste procedimento é devido a gravidez indesejada. A alta quantidade de gravidez indesejada revela uma incompetência do Estado de realizar eficientemente o planejamento familiar.

De acordo com a Lei n.º 9.263 de 1996 em seu artigo 4º revela que o planejamento familiar se orienta por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade. Logo, torna-se claro que o dever do Estado de educar e informar os indivíduos sobre os métodos contraceptivos mais adequados, de acordo com cada caso e de aconselhar e instruir a sociedade não esta sendo cumprido.

3 LEGALIZAÇÃO DO ABORTO COMO MEIO DE GARANTIR OS DIREITOS DA MULHER

De acordo com o Instituto Guttmacher, muitas mulheres realizam aborto e por motivos similares, como a necessidade de continuar a educação, não possibilidade de criar filho por motivos econômicos, não estão em relacionamentos estáveis, precisam cuidar de outro filho, gravidez muito próxima de nascimento anterior. Os maiores números de aborto ocorrem na América do Sul e na África, onde as leis sobre aborto são mais rígidas; as menores taxas de aborto ocorrem no oeste da Europa, onde o procedimento é legal e tem grande acessibilidade. Para esse instituto, a solução para diminuir a incidência de aborto não é ilegalizá-lo e sim ajudar as mulheres a evitar gravidez indesejada.

Pesquisas realizadas por este Instituto também revelam que no mundo, 222 milhões de mulheres querem evitar a gravidez, mas não usam um método contraceptivo moderno; para muitas, esses métodos e serviços contraceptivos limitados não são adequados para suas necessidades. Outras não possuem acesso nenhum ao planejamento familiar e algumas mulheres precisam de melhores aconselhamentos e maior poder de tomar sua decisão de ter um filho. Caso o planejamento familiar às mulheres fossem adequados, os resultados seriam dramáticos: gravidezes indesejadas iriam diminuir de 80 milhões para 26 milhões anualmente: teria menos de 26 milhões de abortos a cada ano.

No Brasil, como já foi analisado, só é permitido abortar em casos de salvar a vida da gestante quando não houver outro recurso, em casos de estupro e recentemente em caso de gravidez com feto anencéfalo. A legalização do aborto não significa uma concordância total com essa prática, mas significa que existirá mais liberdade para a mulher e consequentemente a diminuição da sua mortalidade. É certo que uma legalização deve existir juntamente com maior assistência do governo, mais aconselhamento e informações sobre métodos contraceptivos que sejam adequados a cada caso.

Em países como Holanda, em que tem uma das leis mais liberais sobre aborto possui também os menores índices de aborto, inferior a de quase todos os países que adotam leis mais rigorosas. Na França, o aborto é aceitável livremente até as dez primeiras semanas de gravidez se a mulher estiver estressada; o entendimento de estressada deve ser somente por parte da mulher, não necessitando de concordância de ninguém nem de atestado médico, apoiando a autonomia pessoal da mulher. O máximo que o governo francês exige é que a mulher aceite um “aconselhamento”; além deste fato o governo paga pelo menos 70% das despesas do aborto ou integralmente caso o procedimento seja realizado por razões médicas (DWORKIN, 2009, p. 88). Além desses países, muitos outros como a Suécia, Dinamarca, Inglaterra, Alemanha, Hungria, Japão, Estados Unidos não incriminam aborto quando realizado até o terceiro mês de gravidez. 

Os aspectos positivos de uma possível legalização do aborto seriam, o melhor atendimento das mulheres na realização do procedimento, retirar clínicas clandestinas da ilegalidade, diminuir mortalidade de mulheres, diminuição da realização desse procedimento se for conjugado com maior assistência do Estado para evitar gravidez indesejada. A legalização desse método certamente seria aceitável, além de casos excepcionais, somente no inicio da gravidez, como no caso da Inglaterra e França, pois o embrião ainda não se desenvolveu suficientemente e seu sistema nervoso ainda não foi formado.

O aspecto negativo de uma possível legalização seria no fato de que se realizada de maneira desenfreada poderia gerar um grande aumento dos índices de aborto, se não for juntamente com assistência de planejamento familiar e aconselhamento, esse procedimento poderia se tornar outro “método contraceptivo”, onde a mulher utilizasse para evitar nascimento de filhos; essa legalização também poderia gerar movimentos católicos contra esse procedimento.

Enfim, todos os aspectos negativos estão associados somente ao modo como se pode ocorrer a legalização: se tiver alguns limites de realização e apoio, aconselhamento, informação e educação por parte do governo sobre gravidez, métodos contraceptivos adequados, maior acessibilidade a esses métodos não iria gerar nenhum dos aspectos negativos anteriormente citados.

Dworkin (2009, p. 43-44) revela importante argumento contraditório sobre a ilegalidade de alguns tipos de aborto no Brasil e a permissibilidade de outros tipos, ou seja, ele faz uma crítica a quem é contra o aborto, mas o aceita em casos excepcionais,

Os conservadores em matéria de aborto admitem outras exceções. Para alguns deles, o aborto é moralmente permissível não apenas para salvar a vida da mãe, mas também quando a gravidez é resultado de estupro ou incesto. Quanto mais se admitem tais exceções, mais claro se torna que a oposição conservadora ao aborto não pressupõe que o feto seja uma pessoa com direito a vida. Seria contraditório insistir em que o feto tem um direito à vida que seja forte o bastante para justificar a proibição ao aborto, mesmo quando o nascimento possa arruinar a vida da mãe ou da família, mas que deixa de existir quando a gravidez é resultado de um crime sexual do qual o feto é, sem duvida, totalmente inocente.

A análise sobre a legalização do aborto, como já foi avaliado, não significa concordar com esse procedimento, ser a favor deste. Significa, sim, aceitar a existência desse fato que já se tornou comum na sociedade; significa não ignorar a necessidade das mulheres de serem atendidas, restando a elas procurarem esse método na ilegalidade ou até realiza-lo em si própria, sem nenhuma indicação e de modo totalmente arriscado. O aborto não é mais um problema puramente penal, se tornou ao longo do tempo um problema da saúde nacional.    

Portanto, verifica-se que a legalização é mais viável do que a criminalização do aborto, se realizada de modo adequado, pois com ela teremos o respeito a dignidade da mulher, a consequente diminuição dessa prática, conscientização de outros métodos para impedir gravidez indesejada, maior acesso a população a esse métodos. Respeita-se o direito ao próprio corpo da mulher, já que ela terá mais liberdade de decidir ou não continuar com a gravidez, respeita sua autonomia e a sua vida. Pode-se entender também que com a legalização e a diminuição do aborto, terá mais respeito sobre o eminente direito a vida do embrião com vida intrauterina.

Os limites a essa legalização devem ser os analisados anteriormente: somente no inicio da gravidez, ajuda do governo, maior acesso a informação de contraceptivos, maior conscientização, aconselhamento.

Por fim, uma breve análise realizada pelo Instituto Guttmacher: em todos os países, até os que possuem os mais altos níveis de uso de contraceptivos, haverá necessidade por aborto. É o direito básico de toda a mulher de tomar sua própria decisão sobre querer e quando ter um filho – sem precisar colocar a sua saúde e vida em risco. É tempo para todos os países transformarem esse direito em realidade. 

CONCLUSÃO

 

No presente trabalho, o principal objetivo foi discutir como a legalização do aborto iria gerar consequências para garantir os direitos da mulher como o direito a vida e ao próprio corpo desta. Ou seja, discutiu-se o aborto ligado ao aspecto feminino de direitos.

O aborto, como já foi discutido, é um crime muito polêmico no Direito Penal atualmente, tendo características diferentes de sua realização em todo o mundo. No Brasil, foi estudado que apenas três tipos de aborto são considerados legais: aborto quando for gravidez proveniente de estupro, aborto quando a vida da gestante está em risco e não possui outro meio de salvá-la, aborto em caso de feto anencéfalo. Analisou-se as características gerais desse crime, o sujeito ativo, sujeito passivo, o bem protegido, os diferentes tipos existentes de aborto, entre outros aspectos gerais.

Existem diversos direitos da mulher que são menosprezados com a criminalização desse método discutido. Foram avaliados alguns deles como o direito ao próprio corpo, autonomia pessoal da mulher, dignidade e até direito a vida. Explicou-se como cada um destes é afetado com a criminalização desse fato.

Após esse entendimento inicial sobre os temas a serem tratados no trabalho, juntou-se ambos e foi discutido como a legalização do aborto iria garantir os direitos da mulher. Para isso foi necessária a comparação com o tratamento do aborto em diferentes países, quais os resultados positivos que cada país teve com o seu tratamento. De acordo com pesquisas, verificou-se a grandiosidade do problema do aborto em todo o mundo para poder realizar uma possível solução de quais os aspectos positivos e negativos de uma legalização.

De acordo com toda a discussão dos aspectos positivos e contra a legalização foi concluído que a melhor solução seria uma legalização quando esta vier conjugada com a maior assistência do Estado ao planejamento familiar e conscientização dos jovens, por diferentes motivos: diminui mortalidade da mulher, aumenta conscientização sobre os métodos contraceptivos e sua acessibilidade, diminui ocorrência de gravidez indesejada, respeito ao direito ao próprio corpo da mulher, a sua autonomia. Continuando com a criminalização dessa prática, o que ocorre é a inclusão das mulheres na ilegalidade, arriscando sua saúde e vida, pois elas continuam buscando apoio de clínicas clandestinas ou até realizam autoaborto.

O aborto é um problema de saúde pública nacional, não se pode ignorar a sua existência já que se tornou fato comum da sociedade, porém a concordância com essa prática ainda é altamente descriminada, o que impede a legalização. O que se entendeu é que a legalização não significa necessariamente a concordância com esse método e sim uma aceitação da realidade.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. V. 2. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. 20 anos de pesquisas sobre aborto no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2009.

 

DIAS, Maria Berenice. Direito fundamental ao aborto. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 23, set 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=239>. Acesso em outubro 2013.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2012.

DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 10. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

GUTTMACHER INSTITUTE. Worldwide Abortion: Legality, Incidence and Safety. Disponível em: <http://www.guttmacher.org/media/presskits/abortion-WW/index.html>. Acesso em: outubro, 2013.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 3 ed. Rio de janeiro: forense, 1955, v. V

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. V. 2. São Paulo: Atlas, 2004.

NOGUEIRA JÚNIOR, Antonio de Assis. Direito da mulher: autorizar aborto é preservar o Princípio da vida e da dignidade da pessoa humana. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 51, mar 2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4877>. Acesso em: agosto, 2013.

PACHECO, Eliana Descovi. O aborto através dos tempos e seus aspectos jurídicos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 39, mar 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3740>. Acesso em: agosto, 2013.

PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência.

São Paulo: Saraiva, 2008.

PRODANOV, Cleber Cristiano. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. Ed. Novo Hamburgo: Freevale, 2013.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Saraiva, 2007.

SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Dignidade da pessoa humana. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 82, nov 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8510>. Acesso em: agosto, 2013.