Introdução

Assim como as fábulas de Esopo[1], este trabalho nos leva a uma reflexão sobre a necessidade das gerências fragmentadas das organizações serem transformadas numa gerência orientada para a qualidade, pessoas e criatividade.

Os elementos necessários dessa transformação estão nas pessoas da organização, a principal amálgama de uma gestão eficaz.

Este trabalho também demonstrará que todo processo de transformação, toda mudança e inovação, deve estar no contexto dos paradigmas que definem as tendências futuras e só possível de serem realizados se os gerentes e suas equipes se transformarem, se desenvolverem e crescerem.

Admirável Mundo Nosso

Vivemos num mundo de incertezas, não temos dúvidas sobre isso.  Também sabemos que os tempos atuais – Charles Chaplin[2] já falava deles – incertos, turbulentos, onde as mudanças imprevistas exigem que os modelos de gestão e a forma de pensar, decidir e atuar dos profissionais vão impactar diretamente no sucesso das organizações.  Tudo isto dependerá em grande parte, da habilidade, formação, liderança e jogo de cintura para alcançar os objetivos empresariais através da cooperação voluntária e o esforço em equipe.

Escreve o professor venezuelano Jilma G. Alvarado Liscano: “Quando se fala do gerente, se refere particularmente a sua capacidade para orientar, dirigir, tomar decisões e obter resultados; dele depende seu êxito pessoal, o êxito da empresa e o êxito do grupo que está gerenciando.  Obviamente que para pensar, tomar decisões e implementar ações de qualidade requer, além de uma sólida formação gerencial, um padrão de critérios e uma filosofia clara da alta administração, da concepção do homem e uma ideologia do trabalho, que lhe permita ganhar apoio efetivo e partidários comprometidos com a missão cujo significado e transcendência merece entrega”.

A Ação Gerencial

Os processos de planificar, organizar, dirigir, coordenar e controlar de  Henry Mintzberg[3] tem sofrido ao longo dos tempos grandes transformações.  A essência da ação gerencial hoje está em imaginar, visionar, criar, inovar, integrar e dar seguimento.  Em outras palavras, saber ser para integrar o fazer. 

Se alguém fizer nada – lei do menor esforço – tudo continuará como está – lei da inércia – e acabará no nada – lei da entropia, portanto, hoje o papel fundamental da gerência é a ação, ou melhor, uma ação gerencial de qualidade definida pela alta administração.  Essa qualidade deverá estar na mente e no coração do gerente, afinal é ele que tem a responsabilidade de produzir reais mudanças nos sistemas.

Muitos gerentes ainda não perceberam a sua importância.  O modo de pensar do gerente sobre as coisas da empresa, as pessoas e as organizações, são fatores críticos de sucesso para a melhoria da qualidade, produtividade e integração da equipe.

O epicentro das organizações não mais está em seu patrimônio, máquinas e equipamentos; o centro gerencial é o ser humano, aquele que se serve e aquele que serve.  A aquele que se serve, se paga um serviço conforme requisito e com qualidade.  Seu maior prêmio é a satisfação e a recompra.  Ao que serve, seu trabalho de qualidade agrega valor e seu esforço produzirá a fidelização do cliente satisfeito. 

A Qualidade Começa em Você

Como falar de Qualidade quando não se tem qualidade?  Os antigos já falavam disso 1200 anos a.C., na Grécia, nas cercanias de Parnaso.  Lá ficava o Oráculo de Delfos ou templo de Apolo[4] –  deus dos Oráculos, da Medicina, da Poesia e das Artes – em cuja entrada lembrava:  “Conhece-te a ti mesmo”.  Depois de tal conhecimento, os peregrinos entravam para consultar Phytia, que, em transe, transmitia as respostas de Apolo.  Phytia era sempre enigmática, já que o objetivo era fazer o consulente pensar sobre si mesmo.  Afinal, dentro de ti mesmo existem todas as respostas...

Ao transformamos a lembrança do templo para o nosso tempo, podemos dizer que o gerente, antes de tudo, deve conhecer a si mesmo, pois a visão que tem de si afeta não só nas suas atitudes e comportamentos, como também, a visão que tem das outras pessoas.  O valor que se dá, irá impactar na forma de medir o valor das outras pessoas.  O seu padrão de qualidade será aquele que aplica no seu trabalho e no relacionamento com as pessoas.

O desafio do gerente, portanto será, a partir de seus valores e credos,  desenvolver um sistema de trabalho onde a confiança, o respeito, a liberdade, a motivação, a criatividade e a aprendizagem prevaleçam em sua workstation.

A criatividade supõe estimular a criação de idéias, tanto próprias como das demais pessoas, assim como criar um ambiente onde as pessoas se motivam a  explorar novas estratégias e táticas, definindo mecanismos para realizar um ambiente de trabalho permanente voltado a pensar e fazer.

Agregando Qualidade à Gerência

A tudo que antes apresentamos, adicionamos a estratégia sugerida por P. Senge, objetivando a criar resultados naquilo que aspira.  Cabe aqui uma breve explicação:  A estratégia ou nova abordagem da administração que está sendo desenvolvida para alcançar essa nova variedade de temas pode ser chamada de abordagem da organização que aprende.  Uma organização que aprende é aquela que se ocupa em criar, adquirir, transferir conhecimentos e alterar comportamentos com base nesses novos conhecimentos.  Organizações que aprendem se preocupam com a solução sistemática de problemas, com a experimentação de novas idéias, com o aprendizado a partir da experiência e de fatos históricos, com o aprendizado a partir de experiências alheias e com a rápida transferência de conhecimento dentro da empresa como um todo.[5] 

É fácil concluir-se que os gerentes que desejarem transformar sua organização, devem – como ensina Senge – promover um ambiente que conduza a encorajar a troca de informações entre todos os membros  da empresa.

A organização que aprende representa um novo paradigma administrativo, ou uma maneira fundamental de ver e conhecer a administração.  Peter Senge iniciou um sério debate sobre organizações que aprendem em 1990 com seu livro A Quinta Disciplina: Arte e Prática da Organização que Aprende.  Desde então, Peter Senge, seus colegas do MIT – Massachusetts Institute Tecnology e muitos outros realizaram progressos significativos no desenvolvimento do conceito de organização que aprende.  De acordo com Senge, construir uma organização que aprende consiste em implementar dentro da empresa cinco características:

1.   Pensamento Sistêmico

Cada membro da empresa compreende a natureza de seu trabalho e como ele se encaixa no processo de fornecimento de produtos finais aos clientes.

2.   Visão Comum

Todos os membros possuem uma visão comum do propósito da empresa e um sincero comprometimento a fim de alcançar esse propósito.

3.   Desafio aos Modelos Mentais

Os membros da empresa constantemente desafiam o modo como são feitos os negócios e os processos de pensamento que as pessoas utilizam para solucionar problemas da empresa.

4.   Aprendizagem em Grupo

Juntos, os membros de uma empresa trabalham, desenvolvem e implementam soluções para novos problemas.  O trabalho em equipe, em detrimento do trabalho individual, ajudará as empresas a reunir esforços coletivos a fim de alcançar seus objetivos.

5.   Compromisso Pessoal

Todos os membros da empresa estão comprometidos em obter uma rica e profunda compreensão de seu trabalho.  Essa compreensão ajudará as empresas a superar os importantes desafios que enfrentam.

O Processo de Transformação

O processo de transformação, aprendizagem e busca de novos caminhos para atingir a qualidade deve ser assinalado pela mudança dos paradigmas, que representam a qualidade de classe mundial e que definem as tendências futuras, esboçadas nos seguintes términos:

  • De uma Gerência baseada no Controle, uma Gerência Baseada no Compromisso

A cultura das organizações está mudando porque a natureza do trabalho e dos trabalhadores também está mudando.  No passado,  era controlável.  As linhas de montagem eram repetitivas e requeriam pouco pensamento.  O desempenho se podia medir facilmente e se administrava a recompensa e o castigo para exercer o controle.  Hoje, o desempenho crítico consiste em pensar melhores formas de garantir trabalho, iniciando ações de melhoria, criando novos serviços, métodos e estratégias.  Estas não são fáceis de “controlar”!

Um alto nível de controle aumenta o temor e reduz os riscos, a iniciativa e a criatividade.  O controle excessivo destrói a motivação, chave mestra para o êxito de hoje.  A eliminação do temor e do controle desnecessário, aumenta o compromisso e a criatividade.

Alto nível de comprometimento é conseqüência de uma visão clara e de valores compartilhados. Da participação nas tomadas de decisão, do conhecimento dos colaboradores, dos serviços e da capacidade de aprimorar e melhorar processos.

  • Da Concentração nas Tarefas a Concentração no Processo e no Cliente

No passado, a responsabilidade do empregado era definida em termos de tarefas específicas.  Os engenheiros industriais mediam cada movimento e o trabalho do gerente para fazer o empregado cumprir a tarefa.  No atual meio de trabalho a definição “correta” de tarefas está sujeita a mudanças contínuas.  Sabe-se hoje que as definições altamente especificadas, rígidas, obstruem a melhoria.

Para obter a qualidade, na área de treinamento, por exemplo, os profissionais da área de Recursos Humanos devem entender “quem” são os clientes e “quais” são seus requisitos.  Profissionais de Recursos Humanos e de Treinamento devem empenhar-se em todos os esforços para melhorar os processos dirigidos a satisfazer as necessidades dos treinandos especificamente e da comunidade em geral.  Uma organização de qualidade é uma organização centrada no cliente e no processo

  • Da Decisão Imposta a Decisão por Consenso

As decisões impostas tem sido o modelo prevalecido ao longo da história.  A imposição é adequada, inclusive necessária, em tempos de crise, pois ela produz a conformidade e a uniformidade requerida que atinja o êxito em situações de conflito e de combate.

O mundo mudou.  Em vez de tomar uma decisão centralizada, necessitamos compromisso, participação e sentido de pertinência, o qual garante liberdade para a criatividade, a inovação e a aceitação de responsabilidade.

O gerente de qualquer instituição tem que consultar os “atores” e grupos de interesse. O grau de integração do sistema, a interdependência entre as organizações e as pessoas, transformam o processo da organização para tomada de decisões participativas.

  • Do Trabalho Individual ao Trabalho em Grupo

No passado, as tarefas eram designadas a indivíduos e estes eram responsabilizados e castigados.  Isto funcionou bem porque as tarefas eram feitas de forma independente.  Hoje, as tarefas cada vez mais complexas e interdependentes, requerem trabalho em equipe para sua consecução com êxito.

O trabalho em equipe é a chave da motivação.  Julgar em equipe: a perseguir metas comuns, a manter recordes, a resolver problemas e a desfrutar a emoção da vitória e a agonia do fracasso, demonstra ser a única via para integrar esforços, aproveitar as forças e minimizar as fraquezas.

  • De Especialista a Todos Especialistas

 A maioria das organizações, até hoje, mantêm como relíquia do passado a  distinção de classes entre “trabalhadores” e “gerentes”, “mensalistas” e “horistas”, “pensadores” e “operadores”.  Hoje, na s empresas a maioria dos colaboradores é formada de “colaboradores especializados”, isto é, possuem “conhecimentos”.  Aceitar e tratar todos colaboradores como “especialistas” em seu processo de trabalho, é fator crítico de sucesso para estabelecer o pensamento de uma organização de qualidade.

  • Do Castigo ao Reforço Positivo

Desde tempos remotos, o castigo se adequava a natureza do trabalho e dos trabalhadores e prevalecia a política do garrote.  Na moderna organização, tudo mudou.  Não se permite nenhum castigo e todos buscam o reconhecimento e a recompensa.  É pois, responsabilidade dos gerentes, desenhar um sistema no qual o bom desempenho seja acompanhado do oportuno respectivo reforço positivo.

  • De Corrigir a Aprimorar Continuamente

No passado, os produtos e serviços, os requisitos e os processos de trabalho mudavam lentamente.  Hoje, a mudança acontece da noite para o dia.  Quando se descobre a forma mais adequada de desenvolver uma atividade, o mercado obriga a transformá-la e, obviamente, irá requerer outra forma de fazer.  A gerência tem que  adotar o “espírito de corrida” do mundo atual.  A gerência e sua equipe têm que funcionar como uma equipe de Fórmula 1, onde o aprimoramento e a melhoria contínua dos carros tem que buscar, constantemente, uma forma de “fazer e ser melhor”.

Pensar em aprimoramento contínuo só é possível quando todos os níveis e cada função participam e aceitam a responsabilidade de aprimorar continuamente os bens, serviços e processos, pensando nos clientes.

  • Na Avaliação de Desempenho a Administração de Desempenho

No passado os registros eram feitos por um grupo para medir o que outro fazia.  Os gerentes avaliavam os subordinados e, por sua vez, eram avaliados pelo superior e assim sucessivamente.  A premissa era que a equipe “não era confiável para auto-avaliar-se”, necessitava, pois, de ser controlada.

A organização de qualidade assume que as pessoas são produtivas se motivadas adequadamente.  Portanto, elas administram seus próprios desempenhos, estabelecem objetivos, estudam os processos e experimentam a sensação de triunfo.

  •  Da Estrutura Vertical e Rígida a Estrutura Horizontal e Flexível

A máquina burocrática e rígida nas organizações ainda é grande.   Elas criam “feudos” em suas áreas ou workstations.  Criam grupos fechados a inovação e melhorias.  Usam normalmente o lema: em time que está ganhando não se mexe! 

A organização aberta para a qualidade está “armando-se” de especialistas que trabalham, assumindo a responsabilidade pelos processos e ajudando aqueles que estão dispostos a mudar.  Eles trabalham em times autodirigidos ou forças-tarefa, o que exige uma postura multifuncional, uma estrutura horizontal ou circular e flexível.

  • De Valores Confidenciais a Valores Compartilhados

No passado, os líderes de processos não tinham que prestar contas a seus subordinados; tampouco necessitavam revelar seus princípios.  Eles respondiam somente a seus superiores.

Hoje, as organizações de qualidade possuem valores claramente expressos que definem a conduta, a ética e as metas.  Quando os valores são expressos de forma clara e compartilhados, servem de força  unificadora para dirigir a energia criativa do homem ao esforço criativo.

  • Do Consumo da Riqueza a Criação da Riqueza

A instituição de qualidade cumpre seu papel fundamental de organização empresarial numa sociedade livre.  Ela cria excelentes bens e serviços, respeita seus colaboradores e clientes e, principalmente, investe em responsabilidade social.  Tudo isto que ela gera é o que transforma em riqueza coletiva.

Conclusão

A consideração dos pontos apresentados neste trabalho permite visualizar os passos para construir um lugar de trabalho diferente para trabalhar.  Entretanto, a mudança não acontece por si só.  Ela só é possível de acontecer se os gerentes melhorarem, desenvolverem e crescerem – principalmente, se desarmarem psicologicamente – para que realmente possa cooperar com a melhoria do processo mental coletivo.

A mudança é possível, e a responsabilidade dos gerentes a tornará em realidade.  Os céticos, certamente matarão a lagarta dentro do casulo.  Para os criadores e empreendedores, desejo bons vôos para a borboleta!....



[1] ESOPO, fabulista grego (séc. VII – VI a.C.), de origem escrava, depois alforriado.  A reunião atual das Fábulas de Esopo, redigidas em prosa grega é atribuída ao monge Planúdio (séc. XIV).

[2] CHAPLIN, (Charles Spencer), ator e cineasta inglês (Londres, 1889 – m 1977).  Durante muito tempo viveu nos Estados Unidos da América.  Criou a personagem dolorosamente cômica de Carlitos.  Autor de Em busca do ouro, 1925; Luzes da Cidade, 1931 e Tempos modernos, 1936, entre outras obras.

[3] MINTZBERG, Henry, The Structuring of Organization, NJ, Prentice-Hall, 1979

[4] HISTÓRIA - Estima-se que o oráculo de Delfos tenha começado a funcionar ao fim do segundo milênio antes de Cristo, isto é, entre 1200-1100 a.C. , tornando-se célebre, entre tantas outras coisas, por ter previsto o fim do reino da Lídia e eternizando-se para sempre na literatura ocidental ao ser citado na peça de Sófocles “Édipo Rei”

[5] CERTO, Samuel C., Administração Moderna, SP, Prentice Hall