A JUSTIÇA CRISTÃ, OS VALORES ATEUS E O DIREITO

 

 

Bruno Saulnier de Pierrelevée Vilaça

Marco Polo Fernandes Sousa Araújo

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 A Civilização Ocidental e o Cristianismo; 2 Doutrina e Justiça Cristã x Valores Ateus; 3 Influência Cristã e dos Valores Ateus no Direito; Conclusão; Referências

 

 

 

RESUMO

O presente artigo tem a intenção de explanar sobre a influência cristã na sociedade, abordando desde as bases da moral cristã até os tempos hodiernos. Abordando, ainda, a influência cristã no Direito, a partir do conceito cristão de justiça e da moral cristã. Porém, atualmente, existe uma decadência de certos valores cristãos, devido à crescente influência dos valores ateus na sociedade contemporânea, por isso, também faremos uma breve explanação sobre esses valores ateus, relacionando-os com a doutrina e justiça cristã, além de mostrar a influência do mesmo para o Direito.

 

 

PALAVRAS-CHAVE

Cristianismo. Valores Ateus. Direito.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente artigo pretende explanar sobre os atuais valores presentes na nossa sociedade, e como, estes, influenciam a sociedade e o Direito. Valores estes que se baseiam, em sua maioria, nos ensinamentos cristãos, que por sua vez excluem aquelas pessoas que não tem crença no mesmo Deus, ou que, simplesmente, não seguem todos os ensinamentos presentes na bíblia.

Alguns religiosos acreditam que a única fonte da moral, e da ética, está na religião (na sua religião), mostrando um fanatismo exacerbado. Para estes religiosos, aquelas pessoas que seguem outra religião, ou que não segue religião alguma, é uma pessoa má, antiética, porém, muitas vezes, essas pessoas que não crêem em um Ser superior, são pessoas, normalmente, com um maior nível de escolaridade, estudiosos, pessoas que tem um discernimento melhor de mundo, pessoas como Albert Einstein, Charles Darwin, Sigmund Freud, Voltaire, Friedrich Nietzsche, Karl Marx, Machado de Assis, Leonardo da Vinci[1], entre vários outros pensadores. Exemplo desse fanatismo exacerbado é a campanha, lançada pela Igreja Católica, contra os “valores ateus”, que se refere, basicamente, aos avanços das ciências, como o uso da camisinha, o uso da pílula anticoncepcional, avanço nas pesquisas em células tronco, entre outros. Ou seja, assim como fez em tempos passados, a Igreja está atuando contra a ciência, contra a evolução do próprio homem.

Por isso a importância de abordar tal tema, a fim de esclarecer as influências positivas e negativas da religião em nossa sociedade.

1 A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL E O CRISTIANISMO

A base dos valores atuantes na sociedade ocidental, hodiernamente, advém do Cristianismo, por isso podemos considerar a Civilização Ocidental como sendo uma Civilização Cristã. Essa influência cristã sobre a sociedade ocidental não é exclusividade da contemporaneidade, é, pelo contrário, algo que já vem sendo posto desde o tempo do Império Romano.  E mais, como diz Chaïm Perelman[2]:

Desde a conversão de Constantino até o século XVII pelo menos, a religião era considerada, na Europa cristã, o fundamento ideológico e institucional do Estado, do qual eram excluídos aqueles que não professavam a religião estabelecida. Se eram tolerados no Estado, era graças à proteção do Príncipe, sem que nada os protegesse contra a arbitrariedade do próprio Príncipe.

Com essa supremacia da ideologia cristã, a moral cristã passou a influenciar a ética ocidental, onde “instaura-se uma nova moral, calcada sobre três virtudes: a fé, a esperança e a caridade.” [3]

Baseando-se nessas virtudes, surge o que chamamos de Justiça Cristã, que é onde nós vemos serem aplicadas as principais regras morais do cristianismo. A Justiça divina baseia-se no perdão a todo aquele que invocar o nome do Senhor. Regras que as pessoas seguiam a fim de encontrar a felicidade, percorrendo, desse modo, o caminho pro céu/salvação.

A lei divina assume que os erros humanos, as dores, o sofrimento, os obstáculos são instrumentos divinos para a educação da alma, ao afirmar isso, a Igreja está evitando que, ao primeiro revés, seus fiéis abandonem a Deus, o que faria com que o cristianismo perdesse muitos seguidores. Pois, os seguidores do cristianismo acreditam que “A Justiça Divina é a que tudo provê, que tudo sabe, que tudo pode.”[4]

O fiel vive esperando algo abstrato, ou seja, algo que ele não sinta, não deguste; esse algo é a paz, a justiça, a alegria no Espírito Santo, pois acredita – como defende a concepção religiosa de justiça – que a justiça humana é passageira, sendo até um instrumento de usurpação de poder. Pois acreditam que a verdade esteja na Lei de Deus.

O cristianismo prega, ainda, que não devemos fazer ao outro aquilo que não queiramos que façam conosco, desta forma, pregando que devemos tratar o outro da forma que queremos ser tratados. Admitindo que exista um bem comum a todos os humanos, a Lei de Deus, a Lei Divina. É a partir dessa verdade que aparece o ceticismo ateu, pois, este passa a perquirir qual seria esse bem comum, se é que realmente existe esse bem comum, que é passado pelo cristianismo.

2 DOUTRINA E JUSTIÇA CRISTÃ X VALORES ATEUS

 A Igreja Católica, recentemente, lançou uma campanha contra os, assim denominados por ela, valores ateus. Campanha esta que muito se parece com a campanha que aderiu na época inquisitorial, quando a Inquisição mandava prender e matar aqueles que iam contra as normas da Igreja:

(...) Justiça praticada pela inquisição (Santo Ofício), fundada no século XI, que exercia poderes de julgamento sobre a vida das pessoas identificadas como hereges (jus vitae ac mortis)...[5]

Fazendo com que, desta forma, a Igreja Católica ficasse, para sempre, com as mãos sujas de sangue, sangue este, por muitas vezes, de inocentes, de cientistas que apenas buscavam a evolução da sociedade, a fim de trazer uma melhor qualidade de vida futura para a humanidade, pensavam no bem comum, enquanto a Igreja, naquele momento, pensava, somente, em manter seus dogmas, com sua idéia de Justiça.

A ofensiva contra os valores ateus é uma ofensiva contra a ciência e suas pesquisas em busca de mudanças e melhorias, assim como foi na época da inquisição. Porém, não só contra a ciência, mas, por assim dizer, contra a humanidade, pois dentre os valores ateus há o casamento de pessoas do mesmo sexo, algo que a Igreja não tolera, apesar de pregar a idéia do livre-arbítrio. A Igreja põe até o, já tão banalizado, divórcio como sendo um valor ateu.

Os valores ateus aparecem como um ceticismo aos dogmas da Igreja, assim como apareciam vários cientistas, com essa intenção, na Idade Média, cientistas com Giordano Bruno, e vários outros que também foram perseguidos, torturados e mortos pela inquisição.

Atualmente, no Brasil e no mundo, há uma crescente desses, ditos, valores ateus, pois, à medida que a ciência vai avançando e fazendo novas descobertas, a religião fica, cada vez mais, sendo deixada para trás, por ter muitos de seus dogmas quebrados com essas novas descobertas científicas, ou até mesmo com mudanças de opiniões. Mas, ainda existe um forte preconceito para com aquelas pessoas que são, explicitamente, atéias, com diz o cantor Lobão, em uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, falando sobre o Brasil: "O problema no Brasil é que ser ateu é quase sinônimo de ser mau caráter." [6]

Geralmente, a religião é mais atuante em lugares menos desenvolvidos, ou seja, mais primitivos, como disse o biólogo, secretário-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Aldo Malavasi[7]; pois, a religião oferece esperança aos menos favorecidos, servindo como uma fonte de consolo; enquanto que aos mais favorecidos esse encargo passar a ser da ciência, ao dar uma explicação mais detalhada sobre certos assuntos.

Através da dita Justiça cristã, a Igreja tenta afastar da sociedade aqueles que podem, de alguma forma, contrariar a moral cristã, desta forma, dando exemplo para outros fazerem o mesmo, fazendo com que o cristianismo perdesse, progressivamente, seus seguidores, assim acontecendo, deixaria, então, de ser a instituição mais poderosa do mundo, como é, desde os tempos da Idade Média, quando aplicava esses mesmos preceitos a fim de – da mesma forma atualmente – continuar exercendo seu poder influenciador na sociedade, pois “Numa sociedade em que domina uma religião, a moral e mesmo o direito nela se inspiram.”[8] Por isso, é inegável a existência de uma influência religiosa e cristã nas bases do Direito hodierno, assim como também é inegável a influência dos “valores ateus”, e todo seu ceticismo, no Direito moderno.

3 INFLUÊNCIA CRISTÃ E DOS VALORES ATEUS NO DIREITO

Por vivermos numa sociedade com maioria cristã, ou seja, com domínio de uma religião, teremos, em nosso ordenamento jurídico, uma forte influência dessa religião, assim como acontece nos países de religião muçulmana, onde a religião serve de base para a formação do Direito de tais Estados, acontece, também, nos Estados com maioria cristã, pois o cristianismo passa a influenciar intensamente  as normas das nações cristãs.

A influência cristã no direito já vem de outros tempos mais antigos, como no Império Romano, ao qual o cristianismo influenciou na formação do Direito Civil do Império Romano. Com o enfraquecimento do Império Romano, a Igreja Católica passava a exercer uma maior influência global que os romanos, portanto, a Igreja começava a impor suas próprias regras, com o conhecido Direito Divino, que era pregado pela Igreja. Esse Direito Divino, poderia ser considerado um Direito Natural, ou seja, aquele que era natural do homem.

Com a positivação do Direito, era impossível que fossem desconsiderados os Direitos Naturais, sendo o Direito Divino considerado como tal, houve a positivação deste, fazendo com que os preceitos do cristianismo fossem expandidos, e passaram a ter força de lei, deste modo, estando presente nos códigos de lei que influenciaram o Direito atual.

A influência cristã no Direito contemporâneo está inserida, principalmente, naquilo que chamamos, de direitos individuais, pois são direitos que a Igreja prega como sendo inatos do ser humano, como o direito à vida, à liberdade, entre outros. Com o agravante de, atualmente, imporem sanções mais severas àqueles que transgridam as regras impostas.

Com relação à influência dos “valores ateus”, podemos vê-la, nos atuais códigos, como regras contraditórias àquilo que defende a Igreja Católica, como por exemplo, a regularização do divórcio, a não proibição de anticoncepcionais, a não proibição do uso da camisinha, a liberação do casamento homo afetivo – em alguns estados –, ou, até mesmo, quando se bota em votação – no caso do Brasil, por exemplo – a regularização das pesquisas em células tronco, ou a regularização do aborto, entre outros casos que são condenáveis pela Igreja, por quebraram seus dogmas, a serem céticos em relação à moral cristã.

CONCLUSÃO

Desde os primórdios da Justiça Cristã existiram pessoas para questionar a moral pregada pelo cristianismo, pessoas que foram perseguidas, e mortas, pela Santa Inquisição, pessoas que tiveram que pagar caro para que houvesse uma singela mudança na forma de agir da Igreja. Houve a mudança, porém, a Igreja não mudou bastante a ponto de aceitar contestações, apesar de pregar o livre-arbítrio, a Igreja continua tentando evitar que questionem suas verdades, seus dogmas, de forma a querer continuar exercendo uma aguda influência sobre a sociedade ocidental.

Podemos Observar a influência cristã no Direito, pois, já há muito tempo, a Igreja vem influenciando no pensamento da sociedade ocidental, conseqüentemente, influenciando o Direito dessa sociedade, deste de tempos remotos. Como o Direito atual é baseado num Direito anterior, o cristianismo continua a influenciar o Direito moderno. Todavia essa influência vem, progressivo, diminuindo, pois os “valores ateus” começam a ganhar, cada vez mais, força dentro da sociedade, com o avanço das ciências, e, também, em busca de melhorias na sociedade.

 

 

THE CHRISTIAN JUSTICE, ATHEISTS VALUES AND LAW

Bruno Saulnier de Pierrelevée Vilaça

Marco Polo Fernandes Sousa Araújo

 

SUMMARY: Introduction; 1 The Western Civilization and Christianity; 2 Christian Doctrine and Justice vs. Atheists Values; 3 The Influence of the Christian and the Atheist Values in Law; Conclusion; References

 

Abstract

The present article has the intention of explaining on the Christian influence in the society, approaching from the bases of the Christian morals to the modern time. Approaching, still, the Christian influence in the Law, starting from the Christian concept of justice and of the Christian morals. However, nowadays, a decadence of certain Christian values exists, because the growing influence of the atheistic values in the contemporary society, for that, we will also make an abbreviation explanation on those atheistic values, relating them with the doctrine and Christian justice, besides showing the influence of the same for the Law.

Keywords

Christianity. Atheists Values. Law.

 

REFERÊNCIAS

            ALMEIDA, Guilherme Assis de. BITTAR, Eduardo. Curso de Filosofia do Direito. Ed. Atlas. São Paulo. 2004.

            ANEXO: Lista de Ateus. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_ateus. Acesso em: 15/04/08

            IGREJA lança ofensiva contra valores ateus. Folha de S. Paulo, Brasil, pág. A5, Terça-feira, 25 de Dezembro de 2007. Disponível em: http://www.adiberj.org/modules/news/article.php?storyid=1124 Acesso em: 25/03/08.

                NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2008.

            PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2005.



[1] ANEXO: Lista de Ateus. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_ateus. Acesso em: 15/04/08

[2] PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2005. p. 314

[3] NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo. 2008. p. 87

[4] ALMEIDA, Guilherme Assis de. BITTAR, Eduardo. Curso de Filosofia do Direito. Ed. Atlas. São Paulo. 2004. p. 169

[5] ALMEIDA. BITTAR. Op. Cit. p 155

[6] IGREJA lança ofensiva contra valores ateus. Folha de S. Paulo, Brasil, pág. A5, Terça-feira, 25 de Dezembro de 2007. Disponível em: http://www.adiberj.org/modules/news/article.php?storyid=1124 Acesso em: 25/03/08.

[7] IGREJA lança ofensiva contra valores ateus. Folha de S. Paulo, Brasil, pág. A5, Terça-feira, 25 de Dezembro de 2007. Disponível em: http://www.adiberj.org/modules/news/article.php?storyid=1124 Acesso em: 25/03/08.

[8] PERELMAN. Op. Cit. p. 315