A INVERSÃO DO ÔNUS PORBATÓRIO E A DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL A LUZ DO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL[1]

 

 

Raissa Luzia Braga Dias[2]

Ingrid Brandão dos Santos[3]

Newton Santos[4]

 

Sumário: Introdução; 1. Evolução Histórica do ônus da prova no Código de Processo Civil Brasileiro; 2. Os reflexos das mudanças trazidas pela inversão do ônus da prova no Direito brasileiro; 2.1 A influência da inversão do ônus da prova na discricionariedade judicial; 3. Críticas a inversão do ônus da prova; Considerações Finais.

RESUMO

 

O presente trabalho visa analisar, inicialmente, a perspectiva histórica do ônus da prova no Código de Processo Civil Brasileiro, analisando sua evoluções e mudanças. Após essa análise, adentra-se na discussão do art. 380 do Projeito de Lei n.8046/2010 que teve sua redação final aprovada, discutindo sobre uma das novidades que o mesmo trouxe: a inversão do ônus da prova. Aprofunda-se nas reflexões a respeito dos efeitos que essa alteração irá causar no Direito como um todo, dando ênfase para a discricionariedade judicial.

Palavras-Chave:Direito Processual Civil; ativismo judicial; inversão do ônus da prova; Projeto de Lei n. 8046/2010; discricionariedade judicial.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Dentre as inúmeras modificações trazidas pelo Projeto de Lei 8046/2010, recentemente aprovado no Congresso Nacional, analisar-se-á a possibilidade de inversão do ônus da prova pelo juiz disposta no art. 380, caput, da nova redação do Código de Processo Civil.

Sendo assim, serão retratadas as necessidades que levaram a imposição do ônus da prova pelo julgador à parte que tiver melhores condições de produzi-la, bem como a evolução do provimento dentro do processo civil brasileiro. Diante disso, poderemos fazer a base para análise do novo dispositivo no plano fático e as influências e consequências que este poderá gerar.

É certo que muitos juristas e doutrinadores discutem acerca da inversão do ônus da prova com a preocupação que caracterizaria um ativismo judicial arbitrário do julgador, uma vez que este estaria impondo novas provas além daquelas já trazidas pela parte à luz do princípio do contraditório, comprometendo, então, a efetividade desse princípio.

Portanto, far-se-á um estudo da importância das partes na construção do provimento decisório do juiz, e a nova possibilidade que o disposto art. 380, caput, nos trouxe. Além disso, será discutido sobre quais são os limites do Poder Judiciário através da discricionariedade do juiz, de maneira que as decisões proferidas ocorram de forma democrática e valorizando o princípio do contraditório para que nenhuma das partes do processo seja prejudicada.

Em suma, analisar-se-á as críticas proferidas ao novo dispositivo, bem como as melhoras que o mesmo poderá trazer para a celeridade processual e melhor convencimento do juiz na hora de proferir suas decisões, levando em consideração a intersubjetividade entre as partes dentro do provimento e a efetividade do princípio do contraditório.

 

1EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

    

Primeiramente, deve-se ter o entendimento do que é prova, antes de se falar em ônus da prova. Dentre as diversas conotações que a palavra prova pode ter dentro do direito e de outras ciências, entendeMarinoni (2013, p.259)que “os instrumentos de que se serve o magistrado para o conhecimento dos fatos submetidos à sua análise”. Ainda no entendimento do autor(2013,p. 249), ‘’a função real da prova no processo é absolutamente essencial, razão mesmo para que a investigação dos fatos, no processo de conhecimento, ocupa quase que a totalidade do procedimento e das regras que disciplinam o tema nos diversos códigos processuais que se aplicam ao direito brasileiro’’.

O ônus da prova, disposto no art. 333 do atual Código de Processo Civil vigente, tem influência do sistema processual civil romano. Segundo Assunção (?), ‘’a regra do CPC brasileiro é oriunda do direito romano "semperonusprobandi ei incumbitquidicit" ou "semper necessitas probandiincumbitilliquiagit" (o ônus da prova incumbe a quem afirma ou age)’’, ou seja, o ônus da prova cabia aquele que alegasse determinado fato, então não se transferia ao réu, mesmo alegando fatos contrários ao do autor.

O sistema romano acerca do ônus da prova era regido por dois princípios, segundo Gracia Pereira“o primeiro – a prova incumbe ao autor e o segundo princípio – pela regra de exceção, o réu assume papel de autor; sendo considerados insuficientes para resolver todos os casos’’(2002, p.16).

O sistema processual brasileiro sofreu ainda influências do direito germânico, onde Gadamerapud Dutra, dizia que:

A posição do réu era diversa daquela ocupada no processo romano, em que lhe bastava negar o direito afirmado pelo autor. O ônus da prova não incumbia a este, mas ao réu, e, em virtude do caráter formalista do processo e da importância ostentada pelo juramento, era visto mais como um direito do que propriamente como um encargo.(2008, p.01)

Além disso, durante o Brasil Imperial, as leis processuais brasileiras eram regulamentadas pelas leis portuguesas, da qual suas principais características eram forma escrita, as provas ficavam a cargo das partes, entre outras. Após a independência do país, em 1822, segundo Dutra (2008, p.01) ‘’vigoravam as Ordenações Filipinas. Por decreto imperial, as normas processuais do novo país continuaram sendo as das Ordenações e das posteriores leis extravagantes, desde que não comprometessem a soberania brasileira e o regime instaurado’’; com grandes influências do sistema processual romano sob o ônus da prova.

Dutra (2008)entende que o ônus da prova foi inserido como regra no ordenamento pátrio, a partir de 1939, o art. 209 do Código de Processo Civil dispunha:

Art. 209 O fato alegado por uma das partes, quando a outra o não contestar, será admitido como verídico, se o contrário não resultar do conjunto das provas.

§1º Se o réu, na contestação, negar o fato alegado pelo autor, a este incumbirá o ônus da prova.

§2º se o réu, reconhecendo o fato constitutivo, alegar a sua extinção, ou a ocorrência de outro que lhe obste aos efeitos, a ele cumprirá provar a alegação.

Já no atual Código de Processo Civil vigente, o ônus da prova disposto no art. 333, dispõe que ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito, e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Conforme Marinoni (2013, p. 263)“a regra que distribui o ônus da prova entre o autor e o réu, funda-se na lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a existência daqueles que o impedem a sua constituição, determinam sua modificação ou sua extinção’’.

As provas servem para o convencimento do juiz, e sua ausência o leva a um estado de dúvida que pode ser suprido pela aplicação da regra do ônus da prova. Sendo assim,

A admissão que o juiz está convencido quando a verossimilhança pende para um dos lados praticamente elimina a impossibilidade de convicção e, dessa maneira, o estado de dúvida, que exigiria os critérios próprios da regra do ônus da prova como método para julgar. Ou seja, se não existe dúvida, não há a necessidade de aplicar a regra do ônus da prova. (MARINONI, 2013, p. 267).

Ainda assim, no que diz respeito a inversão desse ônus da prova, uma parte da doutrina entende que poderá haver casos de direito material em que se necessitaria da possibilidade de inversão do ônus da prova, no entanto, a possibilidade, que atualmente está em vigor, do juiz poder inverter o ônus da prova é aplicando o art 6°, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que é a única forma em que o juiz está autorizado pela lei. Marinoni (2013) entende que o juiz deve se contentar com a verossimilhança nas outras situações de direito substancial que exijam a possibilidade de inversão do ônus da prova, já que esta não está prevista expressamente.

Após essa discussão, foi elencado a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova na redação do novo Código de Processo Civil. Recentemente a redação do Projeto de Lei n° 8046/2010 foi aprovada pelo Congresso Nacional, porém ainda não está em vigor. O art. 380da nova redação do projeto de lei dispõe que:

Art. 380. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.

Sendo assim, haverá a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova em qualquer caso de direito substancial e material diante da causa e da dificuldade de uma das partes de produzir determinada prova, desde que esteja dentro dos ditames do artigo acima. Ainda assim, o projeto de lei também trouxe como possibilidade de as partes poderem convencionar a distribuição do ônus da prova, não somente nas situações em que houver direito indisponível, mas como também quando uma das partes for claramente prejudicada caso a inversão do ônus da prova seja aplicada.

Ainda assim, a doutrina discute muito acerca do novo dispositivo, uma vez que caracteriza certo ativismo judicial, bem como não se sabe em que momento seria o momento ideal para a inversão do ônus da prova. Netoentende que “o artigo ainda poderia ser um pouco mais sofisticado, já regendo o momento processual que seria o ideal para a inversão do ônus da prova, seja após a apresentação da defesa do réu, seja ao menos antes do saneador, ocasião em que o juiz já terá uma boa visão dos pontos controvertidos da demanda’’(2013,p. 19).

Em suma, a inversão do ônus da prova acaba abrindo uma série de possibilidades em que o juiz distribua o ônus da prova, bem como não expressa exatamente em que momento pode haver essa distribuição, pois, diferentemente de como ocorre com o Código de Defesa do Consumidor, não há a previsão expressa de todos os requisitos e possibilidade para distribuir o ônus da prova, ficando esta a cargo da discricionariedade do magistrado, abrindo assim diversas discussões na doutrina sobre essa possibilidade.

 

2OS REFLEXOS DAS MUDANÇAS TRAZIDAS PELA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO DIREITO BRASILEIRO

 

O art.380 do Projeto de Lei n° 8046/2010 prevê a possibilidade da inversão do ônus da prova no Direito Processual Civil, essa regra irá autorizar o juiz a determinar a inversão do ônus da prova conforme as circunstâncias do caso e as peculiaridades do fato a ser provado, inclusive nas relações processuais entre partes iguais (entre civis, por exemplo), visto que, atualmente, tal inversão só está autorizada nas relações entre desiguais (consumidor e fornecedor), como traz o art. 6.º, inciso VIII, do CDC.
É importante observar que esse novo Projeto do CPC adota a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova, segundo a qual a prova dos fatos cabe a quem estiver mais próximo dela e tiver maior facilidade para produzi-la. Para essa teoria, não importa a posição da parte, se ela é autora ou ré, bem como não interessa a espécie do fato (constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo), o que importará é qual das partes possui as melhores condições de suportar o ônus da prova, impondo a essa parte o encargo de provar os fatos àquela que possa produzir a prova com menos dificuldades, despesas, delongas etc., mesmo que os fatos tenham sido alegados pela outra parte, caberá ao Juiz valorar, no caso concreto, quem terá mais facilidade para a produção dessas provas necessárias para o melhor convencimento do Magistrado e elucidação dos fatos.
O referido anteprojeto do novo CPC traz consigo uma importante flexibilização das regras de distribuição do ônus da prova, pois permite ao juiz, quando estiverdiante de uma situação de nítido desequilíbrio das condições probatórias entre as partes, que ele decida, motivadamente, por aplicar a regra de distribuição do ônus da prova ao caso concreto, estabelecendo que o ônus recaia sobre a parte que estiver em melhores condições deproduzir a prova.
O autor Luiz Guilherme Marinoni, faz uma interessante observação acerca da modificação do ônus da prova, a qual só deve ocorrer quando "ao autor é impossível, ou muito difícil, provar o fato constitutivo, mas ao réu é viável, ou muito mais fácil, provar a sua inexistência”(2007, p.21), ou seja, a prova redirecionada deve ser possível, porém, caso nenhuma das partes tenham condição de provar o fato, não poderá se admitir que o juiz possa aplicar a teoria da distribuição dinâmica do ônus probandi.
Faz-se mister observar que, há uma ideologia presente nessa novidade trazida pelo art.380 do Projeto de Lei n° 8046/2010, a qual está ligada com a promoção da isonomia real no processo, visto que, é dado ao juiz o poder deexcepcionar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova para ajustá-la ao caso concreto, o que irá reduzir a desigualdade existente entre autor e réu. Dessa forma, tutela-se o interesse da parte que possivelmente tem o melhor direito, mas que não está em melhores condições de prová-lo, o que se coaduna, evidentemente, com a busca de maior efetividade para o processo. (SOUZA, p.12)
Anteriormente a essa possibilidade (inversão do ônus da prova), trazida pelo projeto do novo CPC, o juiz ficaria de “mãos atadas” quando se tratasse de um caso em que, nitidamente, a outra parte poderia produzir uma prova facilmente, enquanto que a outra, dificilmente, conseguiria ter acesso a essa prova que poderia ser indispensável para se chegar o mais próximo da verdade. Sendo assim, essa novidade dá ao juiz o poder de decidir qual parte está mais apta para a produção da prova, com a finalidade de alcançar a justiça, no entanto, enquanto alguns juízes irão usar-se desse dispositivo para o lado positivo, outros poderão fazer o mau uso, podendo intervir diretamente na sua discricionariedade judicial.

 

2.1 A INFLUÊNCIA DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL

 

A disposição a respeito da inversão do ônus da prova, contida no art.380 do Projeto de Lei n.8046/2010, deixa aberto um leque de possibilidades ao julgador de distribuir o ônus da prova da prova e determiná-lo a parte que tiver melhores condições de produzi-las. Fazendo um comparativo com o Código de Defesa do consumidor, que em seu inciso VIII do art.6º traz, também, essa possibilidade de inversão do ônus da probatório, contudo, para sua concessão é necessário que se atenda aos requisitos, diferentemente da prevista nesse novo projeto do CPC, a qual deixa a cargo da discricionariedade do juiz, “liberdade” essa que torna-se perigosa nas mãos de alguns magistrados. Nesse sentido, está Gabriela Soares Balesteros:

O instituto da inversão do ônus da prova, sem a presença de qualquer critério para a sua imposição a uma das partes, poderá não somente ser um instrumento à disposição do magistrado para suprir certas deficiências do material probatório, mas também foco de abuso, decisões arbitrárias e ativistas.

Portanto, os critérios de inversão do ônus da prova devemser disciplinados pelo legislador de maneira específica e não deixando a cargo do julgador. (2012, p.52)

Faz-se mister observar que, na proposta inicial da Comissão de Juristas, tinha uma previsão para incluir, na parte geral, um dispositivo enumerando todos os poderes do magistrado, levando a exclusão das previsões contidas no livro próprio do processo de conhecimento. No entanto, as proposições aprovadas tinha o objetivo de ampliar o poder dos juízes nas conduções dos processos, acarretando na inversão da proposta inicial.

Há quem defenda que deve-se limitar os poderes do magistrado no caso em questão (inversão do ônus da prova), visto que:

Por mais que as matérias conhecíveis de ofício pelo magistrado sejam sempre submetidas ao crivo do contraditório, segundo o anteprojeto apresentado, caberá ao magistrado apalavra final, de maneira que, ao enumerar as hipóteses de atuação dele e incentivar o contraditório, uma participação mais ampla e efetiva dos interessados no processo, dotando todas as decisões produzidas, no curso do processo, de legitimidade, serão evitados o decisionismo, o solipsismo metódico do julgador, identificando realmente o processo como um procedimento em contraditório.( BALESTEROS, 2012, p.52)

 

Enquanto há quem defenda que o art. 380 do Projeto deLei n.8046/2010 dá uma liberdade demasiada aos magistrados, podendo levar a um poder arbitrário por falta de requisitos legais a serem seguidos, existem aqueles que vão de encontro com essa posição, que afirmam que o juiz não modificará o ônus da prova segundo seu livre entendimento, pelo contrário, a modificação do ônus da prova deve ser sempre pautada pela razoabilidade. Dessa forma, fica nítido que a inversão do ônus da prova é um ponto polêmico do projeto do novo CPC, existindo quem o defenda, bem como, àqueles que o criticam.

3 CRÍTICAS A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Como vimos, a necessidade de suprir a falta de provas de determinadas questões de direito substancial e material, levou à redação do projeto do novo CPC à possibilidade de inversão do ônus da prova pelo magistrado, como forma de melhorar o seu convencimento devido muitas das vezes haver a excassez de provas,possibilitando-o impor o ônus da prova a parte que tiver melhores condições de produzi-la.

Por conta disso, o art. 380 do Projeto de Lei n° 8046/2010 possibilita essa tarefa expressamente ao magistrado, contudo, há discussão acerca de que esse dispositivo é um risco, uma vez que poderá acarretar abussos na sua aplicação no plano fático, podendo gerar decisões arbitrárias pelo Poder Judiciário. Assim, Wambier afirma:

Os problemas do processo civil brasileiro não emergem só a lei, mas também da lei. Ocorre que a alteração da lei, por si só, não é milagrosa. A lei gera melhoras nos resultados, na exata medida em que é responsável pelo problema. Disto não podemos nos esquecer.

Neste sentido, um novo CPC jamais poderá ser aguardado como solução milagrosa as inúmeras questões que nos preocupam há muito tempo. Ele será, sim, se bem feito, bem compreendido e bem aplicado, um dos muitos meios voltados a pavimentar uma via de acesso seguro para um modelo mais eficiente de prestação jurisdicional. Milagres são operados por ser humanos, não pela lei. (WAMBIER, 2010, p. 314).

Por isso, ainda é preocupante as consequências desse novo dispositivo no caso concreto, uma vez que o legislador não deixa de maneira específica os critérios de inversão do ônus da prova, bem como em quais casos; e deixando a cargo da discricionariedade do juiz. Como discute Balesteros (2012, p. 7) “pode-se concluir que a distribuição do ônus da prova conforme previsto no art. 380 do Projeto de Lei n° 8046/2010 possui uma atuação restrita e condicionada à discricionariedade do decisor que dificulta a efetividade do contraditório’’.

Os juristas então discutem que o novo dispositivo seja uma atuação arbitrária do Judiciário em determinados casos, não respeitando o princípio do contraditório, pois o juiz não julga de acordo com o que é trazido pelas partes desde o início, e como afirma Streck, o julgador em vez de se sujeitar a uma decisão mais adequada do ponto de vista constitucional, esse sujeita a coisa.

O processo passa a ser o local em que o juiz atua de acordo com suas prórprias convicções e ideologias, havendo uma degenaração de todo o conteúdo da relação jurídica processual, ocasionando o descrédito do Judiciário e o protagonismo do juiz. Portanto, o arbítrio judicial é o perigo na atual redação do artigo 358, caput, do Projeto de Lei n° 8046/2010 (Novo Código de Processo Civil). (BALESTEROS, 2012, p.8).

 

Ou seja, entende-se tal situação como o ativsmo judicial, ocasionando por esse protagonismo do Juiz, onde este profere decisões de acordo com sua discricionariedade, sem levar em consideração o que as partes já levaram para o processo como prova de suas alegações. Inverter o ônus da prova, é ferir a efetividade do princípio do contraditório, bem como Luis Flávio Gomes apud Leite (2013,p. 74) afirma que “O Juiz não tem legitimidade democrática do povo para inventar regras’’.  Então,

É necessário, portanto, um Poder Judiciário que se preocupe em democratizar o processo, pois a atividade jurisdicional deve ser movida pelo discurso e pela participação efetiva dos interessados, ou seja, as decisões devem ser pautadas a partir das pretensões arguidas pelas partes em meio ao processo. (BALESTEROS, 2012, p.11).

Portanto, o juiz deve agir garantindo os direitos fundamentais das partes antes de colocar suas discricionariedade em prática. A preocupação quanto ao novo dispositivo é justamente que ocorra um ativismo judicial arbitrário em determinados casos e que não assegure as partes à participação devida na formação das decisões. 

Quando se fala em democratizar o processo, Fazzalari faz uma adpatação da teoria de Habermas sobre o procedimentalismo democrático, onde afirma que a participação é considerada um elemento essencial e legitimante das atividades processuais.

Se, pois, o procedimento é regulado de modo que dele participem também aquelas em cuja esfera púlica o ato final é destinado a desenvolver efeitos – de modo que o autor dele (do ato final, ou seja, o juiz) deve dar a tais destinatários o conhecimento de sua atividade, e se tal participação é armada de modo que os contrapostos ‘’interessados’’ estajam sob plano de simétrica paridade, então o procedimento compreende o ‘’contraditório’’. (FAZZALARI, 2006, p.94).

Ainda assim, entende-se que se o dispositivo foi pensando e aprovado (como aconteceu recentemente), ele tornou-se necessário para suprir lacunas do ordenamento, visto que só tinha norma expressa de inversão do ônus da prova em casos específicos do Código de Defesa do Consumidor, enquanto poderia ser necessária em casos de direito substancial e material em que faltavam provas para que o juiz formasse sua convicção, precisando, então, inverter o ônus da prova e a impô-la a parte com mais condições de produzi-la. Apesar de toda a discussão e preocupação de muitos juristas e doutrinadores, muitos vêem o dispositivo como uma forma de o magistrado proferir decisões mais justas.

As desigualdades econômicas e culturais são capazes de conduzir o processo à produção de resultados distorcidos em razão de insuficiências probatórias resultantes das desídias daquele que não se defendeu melhor porque não pôde. Nesse contexto, o juiz tem o dever de promover o equilíbrio das partes do processo, assegurando aos litigantes a paridade em armas que tanto o princípio da isonomia exige. Daí a justifictiva inversão do ônus de prova constituir uma medida de equidade credenciadora de um processo justo.

Portanto, o poder instrutório do juiz serve para dar maior efetividade à garantia constituconal de contraditório e ampla defesa. A intervenção do juiz é vital, principalmente quando as partes se valem do processo com o fito de obter resultados ilegais ou imorais (como fraude à lei ou à execução ou aos credores). (LEITE, 2013, p. 75).

Em suma, precisa-se esperar o novo Código de Processo Civil entrar em vigor para que se analise futuramente as verdadeiras consequências no plano fático. Apesar da possibilidade da inversão do ônus da prova ser uma afronta a efetividade do princípio do contraditório e um provável ativismo judicial arbitrário, ele também foi pensado para resolver os casos de direito material que necessitam que novas provas sejam produzidas pela outra parte para melhor convencimento do juiz, e assim proferir uma decisão justa e dentro dos ditames fundamentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Projeto de Lei n° 8046/2010 teve como um de seus grandes objetivos dar efetividade ao principio constitucional da celeridade processual, trazendo mudanças importantes, tais como o seu art.380 que dá possibilidade para o magistrado inverter o ônus probatório. No entanto, há algumas reflexões a respeito dessas mudanças, tais como essa ampliação dos poderes dos juízes que, para alguns, colide com um dos objetivos da reforma, que consiste na valorização do contraditório, com a finalidade de estabelecer um equilibrio entre as partes, bem como, com o papel do julgador.

A inversão do ônus da prova é um instrumento que irá trazer grandes mudanças para diversos ramos do Direito. A possibilidade de impor a um das partes, que tiver melhores condições, para produção de provas, sem a trazer os requisitos mínimos legais para tanto, necessitará de uma análise mais aprofundada em relação a possíveis exercicios arbitrários, abuso em sua aplicação e ao ativismo judicial.

Outro importante ponto é a refelxão quanto ao afastamento do decisionismo do julgador, buscando a abertura de espaços discursivos que visam o debate endoprocessual, a participação das partes no provimento jurisdicional, ou seja, as decisões judiciais devem ser fundamentadas de acordo com os argumentosde direito e com a participação isonômica entre os envolvidos. Para que, assim, as partes se sintam mais proximas da Justiça, acabando com a mentalidade de que o magistrado é o único que irá participar da elaboração das decisões judiciais.

É importante observar que, em contraponto com essa ideia de que essa liberdade dada ao juiz, de inverter o ônus da prova, poderá acarretar em um abuso, que levará a inseguranças e afastará os cidadãos da justiça. Há quem diga o contrario, que essa possibilidade fará com que o processo saia da zona estática, podendo o Juiz usar-se desse instrumento sempre que necessário, para chegar-se o mais proximo da verdade e, assim, alcançar a Justiça.

 

REFERÊNCIAS

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BALESTEROS, Gabriela Soares. A inversão do ônus da prova no novo código de

Processo civil e a discricionariedade judicial. Disponível em>file:///C:/Users/user/Downloads/135-424-1-PB.pdf< Acesso em 02/05/2014.

DUTRA, Nancy. História da formação da Ciência do Direito Processual Civil no mundo e no Brasil. Disponível em>http://jus.com.br/artigos/11192/historia-da-formacao-da-ciencia-do-direito-processual-civil-no-mundo-e-no-brasil#ixzz30eoGCGj3< Acesso em: 02/05/2014.

MARINONI, Luis Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, v.2. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006

GRACIA PEREIRA. Ana Paula Dimitrow. O ônus da prova no direito processual. Disponível em>http://tcconline.utp.br/wp-content/uploads//2013/02/O-ONUS-DA-PROVA-NO-DIREITO-PROCESSUAL-CIVIL.pdf< Acesso em: 02/05/2014.

LEITE, Gisele. Apontamentos sobre a teoria geral da prova. São Paulo: Revista Síntese de Direito Processual e Civil, Jul-Ago/2013.

MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades de cada caso concreto.Revista dos Tribunais, v. 862, p. 21, ago./2007.

NETO, Elias Marques de Medeiros. Breves apontamentos sobre o regime da prova no projeto de um novo código de processo civil – Uma leitura em conformidade com a efetividade e a proporcionalidade. São Paulo: Revista Síntese de Direito Processual e Civil, Jul-Ago/2013.

STRECK, Lênio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil. PL 8.046/10 - disponível em <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf>- Acesso em:30 abr. 2014.

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. O Novo Código de Processo Civil. In: Reforma do CPC, por um renovado processo civil. Revista Jurídica Consulex, ano 14, n. 314, p. 29, fev. 2010.



[1]Paper apresentado à disciplina de Processo Civil II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco-UNDB;

[2] Aluna do 5º período, do curdo de Direito, da UNDB;

[3] Aluna do 5º período, do curdo de Direito, da UNDB;

[4] Professor, Mestre, Orientador.