SINOPSE DO CASE: A INVERSÃO DO ÔNUS NA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO¹

                                                                                                    Gabriela Felix Marão Martins²

                                                                                                                  Cleopas Isaías Santos³

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O empresário C foi denunciado por crime tipificado no artigo 64 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que diz que é crime: “deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no Mercado”, por não ter feito composição civil de danos com determinados consumidores A e B, nem mesmo a transação penal com o Ministério Público (MP). Assim, com a denúncia recebida e ao fim de todo o processo, mesmo sem a comprovação pelo MP da prática da conduta pelo réu, o juiz condenou o empresário C, motivando sua decisão no CDC, que prevê a inversão do ônus da prova no artigo 6º, inciso VIII.

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

 

2.2 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

2.2 O juiz agiu corretamente, pois é possível a inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro.

2.2.2 O juiz não agiu corretamente, pois não é possível a inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro.

 

2.2 ARGUMENTOS PARA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

2.2.1 O juiz agiu corretamente, pois é possível a inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro.

O artigo 5º, caput, da Constituição Federal, afirma o princípio da igualdade- ou isonomia, na qual estabelece que todos os indivíduos são iguais perante a lei. O inciso I desse artigo reafirma essa igualdade. Sabe-se, assim, que esta igualdade preconizada pela Carta Magna é a Igualdade Material, que fora desenvolvida a partir da segunda metade do século XIX, na qual, conforme BOBBIO (1997, p. 30-32) só é possível efetivar esse princípio “tratando desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade”, de modo que o Estado ofereça uma proteção jurídica especial a certos grupos sociais que se encontram em desvantagem em certos momentos ao longo da história.

Os consumidores encontram-se dentro desses grupos sociais que necessitam de proteção jurídica especial, por entender o sistema jurídico brasileiro que estes são vulneráveis em relação aos fornecedores em toda e qualquer relação de consumo, é o que traz o artigo 4º, inciso I da Lei 8078/90 (CDC). AMARAL (2010, p.65) afirma que esse reconhecimento dos consumidores em situação de vulnerabilidade é uma presunção legal e também um pressuposto fático imperioso nas relações de consumo.

Essa vulnerabilidade se dá pelo fato de que os fornecedores possuem conhecimentos técnicos sobre o produto, sua produção, seus limites e utilidades, o que o consumidor muitas vezes não dispõe, estando, portanto, à mercê do que o universo consumerista lhe apresentar. Assim, reconhecendo os consumidores enquanto em situação de hipervulnerabilidade nas relações de consumo, o CDC adotou diversas medidas para que pudesse efetivar esse princípio e colocar o consumidor em par de igualdade com o fornecedor.  

Pensando nisso, entende-se que é o forneceder quem tem os meios de acesso aos elementos de provas relativos às demandas, o que permite ao juiz que decrete a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, considerando nula qualquer cláusula contratul que estabeleça a inversão desse ônus causando dano ao consumidor (inciso VI, artigo 51,CDC). Sendo assim, a inversão do ônus da prova previsto no artigo 6º, inciso VIII, estando presentes os requisitos necessários de hipervulnerabilidade ou verossimilhança, é a concretização do princípio da isonomia constitucional como garantia aos consumidores. Seria, então, quase que inconstitucional não permitir a inversão do ônus probante em qualquer seara que tivesse, estando presentes os requisitos necessários para tal.

Muitos doutrinários se posicionam no sentido de que é permitido a inversão do ônus probatório na área criminal, afirmando que o Estado não possui mecanismos suficientes para lidar com certos tipos de criminalidades, não tendo nem mesmo meios ou artifícios de investigação para encontrar e apurar provas e fatos, o que o faz buscar, de qualquer forma, uma disputa equilibrada. MENDRONI (2008, p. 135), expõe essa visão sobre a inversão do ônus probante no processo penal, afirmando que: “Não se trata propriamente de inversão do ônus da prova, mas a assunção direta de demonstrar outro fato que se contraponha e lhe favoreça em relação ao fato criminoso imputado.”.

Mister se faz ressaltar que o CDC é uma Lei que multidisciplinar, que, portanto, disciplina relações de consumo das mais diversas ordens jurídicas, não podendo excluir o direito processual penal dessa área, o que mostra que o juiz não agiu de forma errada. É o que Sérgio Cavaliere Filho (2000, p. 2) expõe quando diz que o Código de Defesa do Consumidor “pertence a uma categoria de lei denominada horizontal”, onde seu campo de aplicação se estende a todos os ramos do direito onde existe uma relação de consumo, assim, não importa se trata-se de direito civil, administrativo, direito aeronáutico, penal ou até mesmo processual penal, pois aí também o Código de Defesa do Consumidor alcança, protegendo sujeitos particulares, ainda que abrangidos por outros regimes jurídicos. Ilógico seria se não se pensasse assim, posto que trata-se de uma Lei multidisciplinar, que busca a proteção de consumidores, sujeitos que por si só são vulneráveis, independente da seara do direito em que se encontrem.

 Um outro ponto importante é o fato de que o artigo 239 do Código de Processo Penal traz: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.”. Por meio desse artigo, pode-se concluir que o juiz agiu de forma correta, devido ao fato de que quando o empresário não fez a composição de danos civil ou a transação penal, sendo isto conhecido e provado, tornou-se um indício que permitiu ao juiz, por indução, concluir a que há responsabilidade do empresário no caso, posto que, é mais fácil que o mesmo não faça por saber que há culpa, ou dolo seu, a não fazer por não se achar responsável pelo problema do consumidor, sendo caracterizado como indício da responsabilidade do empresário C.

2.2.2. O juiz não agiu corretamente, pois não é possível a inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro.

Existe um princípio que permeia todo o Direito Processual Penal, trata-se de uma garantia ao acusado, oferecendo a prerrogativa de que o mesmo não seja considerado culpado até que tenha a sentença penal condenatória transitada em julgado. Esse princípio, chamado de Princípio de Presunção de Inocência tem escopo no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, que versa que “ninguém será culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”. Este princípio constitucional garante um julgamento justo, protegendo a dignidade da pessoa humano do acusado. Sendo assim, o juiz infringiu um princípio constitucional ao considera-lo culpado antes mesmo das investigações pelo MP se concluírem. 

O artigo 156 do CPP é bem claro ao afirmar que “a prova de alegação incubirá a quem a fizer”. Deste modo, estando atento à exigência Constitucional de presunção de inocência do réu e à este artigo, cabe exclusivamente no caso em questão a transferência de todo o ônus probatório ao Ministério Público, o réu nada tem de provar, devendo apenas opor-se à pretensão acusatória.

Quanto à inversão do ônus da prova, o juiz também não pode decidir por isto, posto que, o legislador fora bem claro ao elucidar que a inversão do ônus da prova é um direito básico do consumidor no processo civil, não pode-se, portanto, por analogia aplica-lo na área de processo penal, em respeito à letra da lei. É importante a opinião de KARAM (2009, p.13) sobre a inversão do ônus da prova em matéria penal, na qual o mesmo afirma:

“Quem alega qualquer coisa contra alguém é que deve provar que o que está dizendo corresponde ao real. Quem é acusado, nada tem de provar. A quem é acusado cabe apenas se defender, se quiser. Assim, obviamente, não é o réu quem tem de provar que não cometeu o crime que lhe é atribuído, não é o réu quem tem de provar que a acusação não é verdadeira, não é o réu quem tem de provar que é inocente. Sua inocência, como visto, é presumida, como o é a inocência de qualquer indivíduo.” (KARAM, Maria Lúcia. Liberdade. Liberdade, Presunção de Inocência e Direito à Defesa,  2009, p.13)

2.3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES DE CADA DECISÃO

2.3.1 O juiz agiu corretamente, pois é possível a inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro.

Aqui prevalecem os valores defendidos pela Constituição de Isonomia, pois sendo o consumidor um indivíduo vulnerável, é justo que se dê a ele um tratamento diferenciado, seja na área civil, na área penal, ou em qualquer outra área, até mesmo pelo fato do CDC ser uma Lei multidisciplinar, aplicável em diversas áreas do Direito.

2.3.2 O juiz não agiu corretamente, pois não é possível a inversão do ônus da prova no processo penal brasileiro.

Aqui prevalecem valores e princípios que envolvem a Presunção de Inocência. Sendo a Constituição nossa Lei Maior, ela deve ser ponto de partida para toda e qualquer interpretação. A jurisprudência é muito farta ao dizer que toda decisão condenatória deve estar alicerçada em prova cabal da materialidade e da autoria do crime, o que quer dizer que, sem prova, a medida cabível é a absolvição do réu.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira Amaral. Teoria geral do direito do consumidor. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro, 1997.

Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

FILHO, Sérgio Cavalieri. O direito do consumidor no limiar do século XXI. Revista de direito do consumidor n. 35, 2000.

KARAM, Maria Lúcia. Liberdade, Presunção de Inocência e Direito à Defesa. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.

Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.