Sabe-se que o avanço dos Direitos Sociais trouxe uma maior proteção aos direitos dos consumidores frente sua vulnerabilidade na relação. Estabelecendo mecanismos processuais que garantam o mínimo de igualdade, ou melhor, proporção jurídica, tal instituto – inversão do ônus da prova – fomenta discussões e ocasiona divisões doutrinárias, seja quanto a sua natureza jurídica, seja quanto ao momento adequado para sua verificação e aplicação processual. Teceremos adiante breves considerações acerca do tema, fortalecendo a inteligência de que, para que se possa direcionar uma resposta sobre o momento de sua verificação, faz-se indispensável saber a natureza de seu caráter processual.

PROVA E ÔNUS

Segundo Dinamarco, prova é "um conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para o julgamento"1. A prova não traz a verdade dos fatos, mas destina-se ao desenvolvimento da convicção do Juiz sobre a certeza dos mesmos. O julgador nada sabe acerca da realidade do caso concreto, senão sobre o que é notório e inquestionável. A prova, em regra, relaciona-se ao fato, mas pode recair sobre o direito e seu objeto é o que é alegado, independentemente de ser verdade.

Dito isto, pergunta-se: A quem cabe provar os fatos?

A responsabilidade de produzir provas que fortaleçam as alegações é de cada parte segundo o que estabelece o CPC:

Art.333 - O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Extrai-se do dispositivo citado a ideia de que ônus não é obrigação, mas uma necessidade da parte em ter suas provas tidas como verdadeiras. Trata-se de real interesse no fortalecimento de sua "versão" e geralmente tal atividade cabe ao autor da demanda.

Entretanto, existe a possibilidade de ocorrer a inversão desse ônus de provar, como ver-se-á a seguir.


INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC – NATUREZA JURÍDICA E MOMENTO DE SUA VERIFICAÇÃO

Duas são as correntes que duelam acerca do momento para a verificação da inversão do ônus da prova em matéria consumerista. Atendido, a critério do Juiz, um dos pressupostos para tal inversão, quais sejam, a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência, a mesma deve ocorrer em favor do consumidor. No entanto, em qual momento processual o instituto citado deve ser declarado?

Para se chegar a um entendimento coerente sobre o disposto, insurge-se uma prévia explanação.

Primeiramente, faz necessária uma qualificação do que vem a ser o instituto em tela, de qual sua natureza jurídica. Somente após a elucidação deste problema poder-se-á trazer orientações quanto ao momento adequado para sua aplicação no processo. Seria uma técnica de julgamento ou matéria de instrução?

Para determinado grupo doutrinário, do qual fazem parte grandes nomes do Direito Processual, como Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Jr, a inversão proposta estaria relacionada a uma técnica de julgamento e, por tanto, o momento de sua verificação seria quando da sentença, pois somente após a instrução e análise de provas estaria o Juiz imbuído de conhecimentos necessários para o deferimento, ou não, da referida inversão. Corroborando o pensamento da plêiade, salienta Kazuo Watanabe2: "Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova, é o do julgamento da causa. É que as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo e orientam o juiz, quando há um non liquet em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa."

Há também uma segunda e contraposta corrente, formada por celebridades do saber, como Carlos Barbosa Moreira, Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Antônio Rizzato Nunes. Para os mesmos, o dispositivo do CDC vincular-se-ia a questões instrucionais e exatamente na parte saneadora e inicial do processo. Defendem seus seguidores que, por seu caráter surpresa, seria uma afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa (artigo 5°, LV da CF/88), além de causar cerceamento da defesa do fornecedor ou prestador de serviços, pois ao mesmo tempo em que estivesse invertendo o ônus da prova, o juiz já estaria julgando, sem dar ao fornecedor a chance de apresentar novos elementos de convicção, com os quais pudesse cumprir aquele encargo.

CONCLUSÃO

Feitas as devidas considerações a respeito das duas visão contrárias sobre a verificação do momento da inversão do ônus da prova, através de sua valoração processual e da qualificação jurídica de sua natureza, opta-se neste trabalho pela crença de que, a despeito de se fortalecer qualquer forma de proteção ao consumidor como parte hipossuficiente na demanda, o momento oportuno para ocorrer o disposto no artigo 6, VIII, do CDC seria, por se tratar de matéria de instrução, no despacho saneador, quando o juiz observará a quem caberá a devida produção de provas voltadas a fatos controvertidos, além de eliminar a surpresa processual e resguardar a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – vol. I. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – vol. I: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. ampl., rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2006.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, vol. II. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.90. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002.

SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor anotado e legislação complementar. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

WATANABE, Kazuo et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

1 Dinamarco, Instituições v. III, n. 780, p. 43.

2 Watanabe. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 796.