A invenção linguística em “Sagarana” de Guimarães Rosa* 

Francilene Gomes da Costa**

 1 INTRODUÇÃO

No presente artigo é feita uma análise do livro “Sagarana” de Guimarães Rosa abordando os aspectos linguísticos criados pelo autor na obra. Nesta pesquisa é proposto o estudo de elementos linguísticos que são capazes de representar a oralidade na fala do sertanejo através da escrita do autor. Tal intenção se deve ao fato da obra apresentar uma variedade de elementos linguísticos que nos leva a perceber a presença da oralidade pela a escrita de Rosa.

Nesse sentido Guimarães Rosa resgatou a oralidade do sertanejo através de elementos como os ditos populares, bastante presente na obra, além das cantigas presentes em seus contos, fazendo uso de uma linguagem coloquial típica do sertanejo.

O objetivo deste ensaio é, através de um estudo teórico, identificar elementos linguísticos criados por Guimarães para enfatizar a oralidade em Sagarana, tendo como apoio teórico autores que também abordam esta temática.

 No primeiro tópico iremos realizar uma análise literária sobre a obra identificando aspectos do estilo literário da época, modernismo, e estabelecer as temáticas abordadas nos contos de Sagarana.

 No segundo tópico intitulado de, “elementos linguísticos presentes nos contos de sagarana”, o estudo é voltado para analise de elementos linguísticos, utilizados pelo autor para enfatizar a linguagem oral de seus personagens e da estrutura utilizada na construção de seus contos.

O método utilizado neste trabalho é a pesquisa teórica bibliográfica e para subsidiá-la serão consultados diversos autores entre eles: COUTINHO; SILVA (2008); TEXEIRA (2006); entre outros.

Com esse estudo espera-se contribuir para a compreensão a cerca dos aspectos linguísticos na obra Sagarana, bem como estes, estiveram presentes no Modernismo brasileiro.

 

2 ANALISE LITERÁRIA DA OBRA

 Sagarana foi publicada pela primeira vez em 1946, e constitui uma introdução na produção mágica atingida pela prosa literária do autor Guimarães Rosa. Sagarana faz parte de um universo marcado pela inovação que de acordo com silva (2008, p.14 apud nobre p.3820) “[...] florescer a arte literária que atesta a maturidade a que chegou narrativa ficcional brasileira após a década de 30. É entre essas inovadoras formas de escrita da narrativa literária que se encontra a obra de Guimaraes Rosa”.

As narrativas que compõem os contos de Sagarana trazem em sua essência uma característica inovadora que trabalha com aspectos que fazem com que o leitor tenha uma proximidade maior com o sertão mineiro, representando assim, o regionalismo marcante de Sagarana.

Guimarães Rosa situa-se na 3ª fase do Modernismo brasileiro, chamada Neomodernismo ou geração de 45. Ao lado de Clarice Lispector (Perto do coração selvagem, 1944), ele rompeu com os esquemas narrativos dos anos 30 e instaurou um novo processo ficcional, baseado na estilização inventiva de dados regionais e na constante pesquisa do instrumento que lhe serve de base, a linguagem. (TEXEIRA, 2006, p. 99).

 Como características marcantes de sua obra e do período modernista Guimaraes traz em Sagarana o regionalismos sertanejo, a figura do homem universal criada pelo sertanejo, além de uma linguagem cheia de inovações e de palavras novas que são criadas a partir dos relatos de seus próprios personagens. Além disso, a obra possui uma musicalidade produzida na prosa poética caracterizada pela representação da oralidade presentes em seus contos.

Com relação à linguagem notou-se uma quebra no paradigma de uma língua convencional desde então usada em obras escritas por outros autores. O próprio título mostra a união do idioma brasileiro com a matriz europeia: Sagarana vem de "SAGA", radical de origem germânica, que significa “canto heroico”, e "RANA", língua indígena, que significa “à maneira de”.

Sagarana é uma obra composta por nove contos que abordam diferentes temáticas como: o crescimento do personagem (O Burrinho Pedrês, Duelo, Corpo Fechado e Hora e Vez de Augusto Matraga); humanizações de animais (o burrinho pedrês e conversa depois); místico (São Marcos e Corpo Fechado); contos onde um instante parece valer a pena (O Burrinho Pedrês e a Hora e a vez de Augusto Matraga); o costume dos “capiaus” (A volta do marido pródigo e Minha gente); o panteísmo, a natureza como algo vivo (Sarapatalha e São Marcos) entre outras temáticas.

 São contos que procuram representar a cultura popular através da oralidade e de provérbios e sempre acompanhada por epígrafes que “prenunciam” o tema da narrativa. Representando através de historias alegóricas que possuem um sentido moral e que representam à variedade oral da língua portuguesa a fala do homem sertanejo.

Sendo assim Sagarana irá representar em seus contos não só aspectos regionais ou temáticos universais, mas uma fiel representação da oralidade em que Guimarães Rosa irá descrever pelas falas de seus personagens, sendo este o objeto de estudo deste ensaio que realizará uma análise das marcas orais presentes nos contos de Sagarana.

3 OS ELEMENTOS LINGUISTICOS PRESENTES NOS CONTOS DE SAGARANA

Guimarães Rosa faz parte da terceira geração do Modernismo brasileiro chamada geração de 45 ou Neomodernismo, ao lado de alguns autores da época, ele rompeu com a estrutura narrativa dos anos 30, mostrando um novo processo ficcional baseado na estilização inventiva de dados regionais, onde seu principal instrumento de criação era a linguagem. Eduardo Coutinho faz referencia a ruptura da narrativa quando afirma:

Foi desde essa estréia, que a língua até então manipulada pelos nossos ficcionistas começou a sofre reformulações no sistema que se estratificara havia muito tempo. Assim, a unidade tradicional da língua literária sofreria um impacto. O escritor mineiro quebra, definitivamente, toda e qualquer ligação entre as formas de expressão lusitanas (clássicas) e brasileiras. É evidente que a raiz comum da língua persiste, bem como a presença etimológica e uma certa erudição latinista. (COUTINHO, 1994, p. 18)

 

Uma das características presentes em Guimaraes Rosa é a invenção linguística criada nos contos de Sagarana. Desde o inicio notou-se sua radical mudança quanto à linguagem convencional ao retratar costumes e a cultura de uma determinada região. Ele costuma se utilizar de uma linguagem popular, muitas vezes aproximando-se da oralidade.

 À época em que Guimarães Rosa produziu as suas primeiras narrativas – os contos enfeixados no volume Sagarana – O tipo de ficção predominante no meio intelectual brasileiro era ainda o romance do Nordeste, com o seu veio épico acentuado e um tônus marcadamente de protesto, mas calcado em uma linguagem que, por se subordinar muitas vezes a função de denúncia, tornava-se amiúde descritivista, voltada para o aparente e convencional, não se diferenciando muito, a despeito da maior ênfase sobre o coloquial, da utilizada em finais do século XIX pelos adeptos do Real- Naturalismo. (COUTINHO, 1994, p.20).

Sendo assim, essa linguagem que instaura o real e se aproxima do coloquial é própria do universo Rosiano. A oralidade presente nos contos de Sagarana é observada pelo intenso uso de construções populares presentes tanto na fala dos sertanejos como quando fazendo referencia ao tipo brasileiro representado, destacando também o efeito poético criado pelo uso dessa oralidade na obra.

Já os porretes caíam em cima do cavaleiro, que nem pinotes de matrinchãs na rede. Pauladas na cabeça, nos ombros, nas coxas. nhô augusto desdeu o corpo e caiu. Ainda se ajoelhou em terra, querendo firmar-se nas mãos, mas isso só lhe serviu para poder ver as caras horríveis dos seus próprios bate-paus, e, no meio deles, o capiauzinho mongo que amava a mulher-à-toa Sariema.( ROSA, 1983,P. 356).

A linguagem Roseana é marcada pelo uso de figuras de linguagem como: o uso intenso de metáforas e neologismos que aparecem ao longo dos contos. No conto “A hora e vez de Augusto Matraga” temos a metáfora da cobra que associa a ideia do mal dentro da condição cristã: “(...) o senhor nunca respeitou filha dos outros nem mulher casada, e mais que é que nem cobra má, que quem vê tem de matar por obrigação (...)” (Rosa, 1983, p.373). O uso de neologismo é presente, por exemplo, no conto: conversa de boi “(...) coisando por tristes lembranças, decerto bem faz que brilhante já carregue luto de-sempre (...)” (ROSA, 1983, p.306) estas formações de palavras novas é uma estratégia de aproximação da escrita e da oralidade, onde Guimarães tenta resgatar aspectos essências da oralidade.

Podemos perceber essa aproximação entre escrita e oralidade através de alguns recursos utilizados por Guimaraes como uso de epígrafes e ditados populares usados pelos personagens: “Negra danada, siô, é Maria: Ela dá no coice, ela dá na guia, Lavando roupa na ventania. Negro danado, siô, é Heitô: De calça branca, de paletó, Foi no inferno, mas não entrou!” (Cantiga de batuque, a grande velocidade) (ROSA, 1983, p.83). As cantigas representavam a cultura popular dos sertanejos em que os narradores em meio aos contos utilizavam-se destas cantigas mostrando a saga do homem sertanejo.

 A invenção linguística de Guimarães Rosa abrange tanto o nível semântico (significado) quanto o sintático (combinação) e o fonológico (som) criando uma linguagem que representa na ficção a fala dos vaqueiros e jagunços do sertão mineiro.

Mas o Calundú cada vez ia ficando mais enjerizado e mais maludo, ensaiando para ficar doido, chamando a onça para o largo e xingando todo nome feio que tem. Aquilo, eu fui bobeando de espiar tanto para ele, como que nunca eu não tinha visto o zebu tão grandalhão assim! A corcunda ia até lá embaixo, no lombo, e, na volta, passava do lugar seu dela e vinha pôr chapéu na testa do bichão. Cruz! E até a lua começou a alumiar o Calundú mais do que as outras coisas, por respeito (...). (ROSA, 1983, p. 43).

 

Rosa diz que quem fala são os próprios narradores, por isso seus textos acham-se cheios de modismo e singularidades de um falar que soa ao homem urbano como poesia em prosa ou prosa poética. Surgindo por outro lado, a dificuldade de adaptação com semelhante universo moral e linguístico. A estrutura textual utilizada por Guimarães Rosa trata-se de uma prosa poética, em que Rosa tenta produzir a fala dos personagens de forma espontânea, aproximando-se o mais possível da oralidade. Preocupando-se sempre com a perfeição que os poetas usam para elaborar suas poesias, daí suas obras precisarem de uma leitura atenta e minuciosa. 

Guimarães em um jogo de elementos lúdicos coloca em suas narrativas um mundo infantil que entra em sintonia com a psicologia do rustico. É nesse jogo de brincar com a psicologia infantil que alguns contos de sagarana nos faz lembrar os contos de fadas “ERA UM BURRINHO PEDRÊS, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo. Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual” (ROSA,1983,P.12). Lembrando o “era uma vez” que iniciava os contos de fadas que representam tão bem as narrativas populares. As epígrafes, que eram apresentadas sempre na abertura dos contos, apresentam-se através de provérbios, direcionando o leitor para a oralidade: “Lá em cima daquela serra/ passa boi, passa boiada/passa gente ruim e boa/ passa a minha namorada”. (ROSA, 1983, p.12).

Ainda no conto o burrinho pedrês, podemos enfatizar algumas figuras de linguagem que provoca não apenas um significado, mas uma sonoridade rítmica de significantes constituindo assim uma prosa poética através do uso de assonâncias, aliterações, paralelismo assíndetos entre outros elementos metrificados.

 "Um boi preto, um boi pintado, cada um tem sua cor. Cada coração um jeito de mostrar o seu amor." Boi bem bravo, bate baixo, bota baba boi berrando... Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando... "Todo passarinh' do mato tem seu pio diferente. Cantiga de amor doído não carece ter rompante...”. (ROSA, 1983, p.37).

 

Sendo assim a obra “Sagarana” de Guimaraes Rosa é uma narrativa exemplar do modernismo brasileiro, que além de abordar temas como regionalismo e o universalismo, mostra com ênfase nos aspectos escritos e na descrição de seus personagens uma composição linguística típica das narrativas modernas. Onde há uma ruptura dos padrões das narrativas até então escritas. Utilizando a linguagem como instrumento Guimaraes Rosa dá continuidade a suas obras abolindo as fronteiras entre narrativa e lírica criando uma narrativa em que a narrativa pode ser prosa e poesia mesmo utilizando-se de uma linguagem coloquial.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo desenvolver um estudo bibliográfico a respeito da invenção linguística criada por Guimaraes Rosa em “Sagarana”. Utilizando como fundamentação teórica autores que discutem sobreo assunto.

 Usando como objeto de estudo os aspectos linguísticos presentes em sua obra, analisou-se que apesar de uma linguagem que requer uma leitura minuciosa e atenta Guimarães utilizou de recursos poéticos para desenvolver a representação do homem sertanejo com suas características: ambiente, personagens e linguagem de forma fictícia aproximando sua escrita da oralidade.

Com o presente estudo chegou-se à conclusão que a obra sagarana é um exemplo da literatura Modernista, desde a caracterização do contexto histórico até suas características regionais, mostrando o sertão mineiro tal como ele é. Promovendo um excelente estudo sobre o período modernista e suas características.

Portanto diante de nosso embasamento teórico tivemos a oportunidade de conhecermos melhor os aspectos regionalistas e universais da obra sagarana fazendo referencia a linguagem utilizada. Contribuindo assim, como aprendizado para a nossa formação acadêmica e para a literatura brasileira. 

REFERENCIAS 

BOSI, Alfredo. Historia concisa da literatura brasileira. ED: 36ª. São Paulo, cultrix, 1999. 

OLIVEIRA, De Cândido. Súmulas de literatura brasileira. São Paulo. Ed: Florença.  

ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de janeiro: ED: Nova Fronteira, 1983.

TEIXEIRA, Ivan. Análise da obra sagarana Guimarães Rosa. São Paulo: FUVEST, 2006.