Quando chega 31 de dezembro, estamos tão habituados a nos vestir de branco e a fazer a contagem regressiva para a chegada do ano-novo, que nem nos perguntamos de onde vêm esses rituais.

A maioria dessas tradições teve origem em outros países. A começar pelo nome Réveillon, que vem do francês. O verbo réveiller significa acordar: é o despertar do ano.

Essa palavra surgiu no século 17, dando nome aos longos jantares nobres, em vésperas de datas importantes. Mas apenas no século 19 a comemoração se popularizou entre os franceses. No Brasil, esse costume chegou com a corte de Dom Pedro II ao Rio de Janeiro. E, com o tempo, fomos incorporando elementos da nossa cultura nos rituais.

Geralmente, o ano novo começa entre fogos de artifício, buzinas e apitos. Acreditava-se que o barulho espantava os maus espíritos. Hoje, a queima de fogos é um espetáculo aguardado em quase todo o mundo. Comemos uvas (e romãs) e guardamos suas sementes para trazer prosperidade. Aprendemos essa simpatia com os agricultores portugueses, que guardavam as sementes para ter fartura. A mesma coisa com a lentilha, só que foram os italianos que trouxeram o costume.

Vestimos roupas novas porque remetem ao espírito de renovação da passagem do ano. Já a tradição de usar branco veio dos africanos, devotos de Iemanjá, homenageada com oferendas no mar, e também remete à paz. Agora, pular as ondas é um hábito que herdamos dos gregos, que acreditavam que o mar era fonte de vida.

Há também aquelas tradições familiares e pessoais para atrair boa sorte, como fazer tortas tradicionais, subir em uma cadeira à meia note ou não virar o ano com a carteira vazia.

Por este pequeno e bem escrito texto acima, publicado no jornal Porto e Você, Novembro/Dezembro – 2012 | Edição 53, é possível perceber que não existem tradições puras, pois elas sempre são montadas a partir de outras.

Assim também é o funcionamento da nossa mente humana.

Tudo o que pensamos é fruto do que alguém já pensou.

Tudo o que falamos é baseado em algo que, de alguma maneira, já foi falado.

Tudo o que construímos é feito em cima de algo que já conhecemos, como uma cadeira, por exemplo.

A idéia de se construir um objeto para sentar foi elaborada  a partir de objetos já existentes no mundo e utilizados para esse fim, tais como uma pedra, um tronco de árvore caído, um monte de terra... essa incômoda conclusão foi estabelecida pelo filósofo Aristóteles há mais de 2400 anos. E essa conclusão é incômoda porque ela afeta o nosso ego. Gostamos de pensar que somos originais, que não nos influenciamos pelas opiniões dos outros, que temos livre arbítrio (para ter livre arbítrio é preciso antes conhecer o que nos está sendo arbitrado... coisa que, na maioria das vezes, desconhecemos).

Isso tudo se chama processo parafrástico: sempre estamos parafraseando algo.

 Não existe ninguém que tenha um único pensamento totalmente original porque, por mais genial que a pessoa seja, ela estará utilizando linguagens e símbolos já criados, muitos deles, bem antes dela nascer biologicamente.

Por, na maior parte do tempo, não termos a consciência disso, repetimos procedimentos que em diversas ocasiões nos atrapalham a vida, em outros termos, repetimos tradições e rituais que nem sabemos a origem nem os fundamentos dos seus porquês:

rituais festivos;

rituais religiosos;

rituais econômicos;

rituais sexuais e amorosos;

rituais acadêmicos;

rituais profissionais;

rituais esportivos;

rituais nutricionais;

rituais artísticos e

tantos outros que fazem parte do nosso dia a dia.

Muitos dos diversos rituais e tradições que nos cercam acabam atrapalhando nossa vida pela razão de nos deixarem presos a eles e, com isso, nos impedindo de termos uma vida autêntica e sem um monte de problemas criados pela inautenticidade, por exemplo:

Por que em toda época de natal as pessoas precisam sair às ruas e comprarem presentes, muitas vezes gastando o que não têm e se endividando e, em consequência disso, arrumando problemas que não precisariam ter arrumado? Só porque é uma tradição?

Por que o natal se passa com os familiares e no ano novo se viaja, não necessariamente com eles? Só por que é uma tradição?

Por que um casal não pode pensar em viver sua vida juntos sem terem filhos, apenas curtindo a vida a dois? Só porque é uma tradição?

Por que as pessoas têm que se casarem? Só por que é uma tradição?

Por que todas as pessoas têm que ter uma religião... mesmo ela sendo diferente das outras (existem aproximadamente 15 mil religiões no mundo)... só porque é uma tradição?

Por que as pessoas arrumam a casa e jogam um monte de papéis fora  e doam roupas no final do ano? Por que também no final do ano as pessoas se fazem um monte de promessas que, muitas vezes, sabem que não irão cumprir?

As pessoas fazem essas coisas porque elas suscitam fantasias prazerosas de união e de reconhecimento...

...fazem isso para serem reconhecidas pelos outros membros da sociedade, pois afinal, todas essas fantasias são sociais – criadas em sociedade – e o ser humano busca, não só no final do ano, e sim todo dia, reconhecimento.

José Evaristo Dias – Psicanalista

www.evaristopsicanalista.blogspot.com