Os humanos têm se deparado nos últimos anos com movimentos de gigantesca participação popular advinda de chamamentos efetuados em rede, as vezes sem ideias concatenadas, mas sempre com ideais de natureza libertadora, o que põe em xeque a democracia representativa da forma que a conhecemos.

Fazendo uma análise histórica, encontramos que a democracia nasce em movimentos, na verdade em votações em praça pública daqueles que eram considerados “cidadãos”, daqueles que detinham a capacidade de “fazer política”, denominados por Hanna Arendt (ARENDT, 2000) como o “homem político”[1], em contraposição ao “homem do trabalho”[2]. Com o crescimento do contingente de “cidadãos” o sistema da votação em praça se tornou inviável, o que fez nascer o nosso sistema de democracia representativa.

A Democracia representativa parte do princípio em que os cidadãos elegerão representantes e estes, enquanto representantes daqueles, dentro de um sistema organizado e auto-referente de votações, que se pode chamar de burocrático (WEBER, 2000), decidirão o futuro do Ente Público, do Estado.

Assim como na burocracia de WEBER, a democracia representativa se afastou do intuito básico em virtude de “disfunções”, sendo a mais comum o afastamento (quase divórcio) entre a vontade de representantes e representados, onde aqueles começaram a decidir por si e não mais pelo todo, restando por enfraquecer cultural e financeiramente os representados como forma de manter o status quo. Há uma nova classe de cidadãos representada apenas pelos representantes.

Em meio a este horizonte negro, nascem a internet e as redes sociais, onde este contingente de cidadãos potenciais, mas sem acesso a poder, tentam se organizar para demonstrar que o “poder público” não mais os representa.

Junto aos movimentos nasce a grande dificuldade de formação de uma pauta única, já que ilimitados os números de pessoas e inquietações, chegando, numa análise bastante pessimista, a uma redução do movimento inicial a cartazes de pleitos difusos e, até mesmo, ao espalhar do ódio, antes contido, em depredações de patrimônio público e privado.

A diversidade de grupos, a falta de lideranças e de uma pauta de reinvidicações destes movimentos, ao passo que demonstra seu nascimento espontâneo, também demanda sua fraqueza, e, quando analisada numa sociedade como a brasileira, aparenta surgir de duas origens: de um lado da falta de experiência de protestos populares como uma característica do cordialismo (HOLANDA, 2012); e do outro lado o individualismo da sociedade líquida (BAUMAN, 2003) e pós-moderna.

Um país historicamente pouco acostumado à luta e aos movimentos de rua apresenta diversas dificuldades quando da formação de grupos de pressão, o que se tem constatado de forma bastante clara em movimentos como os ocorridos em junho de 2013, uma vez que não se consegue orientar uma linha da forma do protesto (se pacífica ou não) e até mesmo da motivação, terminando por desagradar mais do que agregar o maior contingente populacional, ou seja, sem uma organização de forma e conteúdo, há tendência a que o movimento mingue ou seja engolido pelas disfunções do poder constituído. O cordialismo, observado enquanto permissividade, é agente eficiente e determinante neste caso.

Por outro lado, as redes sociais detêm papel importante na formação e extinção destes movimentos populares, uma vez que, dentro da liquidez as relações sócias pós-modernas (BAUMAN, 2003), o início avassalador do movimento é diretamente proporcional à falta de continuidade e ao seu próprio esquecimento ao final de um certo modismo. Não que todos os movimentos tendam a esvanecer, mas com a rápida mudança e uma certa falta de comprometimento nas relações, o seu findar não pode ser descartado.

Em suma, na sociedade pós-moderna, quando se descobre que o Estado não mais representa os cidadãos, resta recorrer aos movimentos de rua, entretanto, sem uma participação popular verdadeira, sem o comprometimento, a nova praça democrática que é a rede social tende a gerar movimentos cada vez mais efêmeros.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2000.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

DE HOLANDA, Sérgio Buarque. O homem cordial. Rio de Janeiro: Penguin e Companhia das Letras, 2012.

WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2000.



[1] Tradução livre de “Homo Polis”.

[2] Tradução livre de “Homo laborandis”