Adriétt de Luna S. Marinho1
Nosso cenário atual é resultado de práticas históricas que reproduzem os valores existentes em uma sociedade onde não há lugar para todos, principalmente quando se refere ao progresso tecnológico que marginaliza uma parcela significativa da população.
Em decorrência da democratização do ensino e consequente garantia em oferecer igualdade de oportunidade para aprender a todos, torna-se necessário pensar uma prática educativa inserida no contexto das relações sociais globais, que considere a realidade viva do educando e a realidade viva da sociedade.
Por esse motivo, as condutas concretas dos indivíduos, grupos, organizações e comunidades, no quadro da vida cotidiana, devem ser objeto de pesquisa, reflexão e análise.
A esse respeito, debates e estudos sobre a relação do meio social e cultural no aprendizado dos indivíduos têm sido amplamente discutidos. Nesse campo, as teorias interacionistas do desenvolvimento ganham espaço em muitos círculos de debates e em pesquisas que buscam compreender as relações envolvidas no processo de aquisição do saber.
Teorias Interacionistas do Desenvolvimento
As teorias interacionistas do desenvolvimento apoiam-se na ideia de interação entre o organismo e o meio. A aquisição do conhecimento é entendida como um processo de construção contínua do ser humano em sua relação com o meio. Organismo e meio exercem ação recíproca. Novas construções dependem das relações que estabelecem com o ambiente numa dada situação.
Dentre as teorias interacionistas destacam-se: a teoria Interacionista Piagetiana e a Teoria Sócio interacionista de Vygotsky.
1 Pedagoga (UFPE) e estudante do curso de especialização Latus Senso pela FACOL
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 Teoria Interacionista de Piaget
Piaget concebe a criança como um ser ativo, atento e que constantemente cria hipóteses sobre o seu ambiente. Assim, acredita que, de acordo com o estágio de desenvolvimento em que a mesma se encontra, elabora os conhecimentos de forma espontânea. A criança tem uma visão particular sobre o mundo e à medida que se desenvolve, em sua interação com o adulto, aproxima-se de suas concepções tornando-se socializada. No entanto, o papel da interação, nesta teoria, fica minimizado em virtude de que, para Piaget, a aprendizagem subordina-se ao desenvolvimento. Por esse motivo, aqui vamos nos aprofundar mais na Teria Vygotskyana.
• Teoria Interacionista de Vygotsky
O desenvolvimento da espécie humana está baseado no aprendizado que, para Vygotsky, sempre envolve interferência, direta ou indireta, de outros indivíduos e a reconstrução pessoal da experiência e dos significados.
Um dos conceitos defendidos por Vygotsky é o conceito de mediação. Ele substitui a ideia do simples estímulo-resposta, como proposta de aprendizagem, pela ideia de um ato mais complexo, o ato mediado.
A mediação seria um processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação, ou seja, a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento. A mediação se caracteriza como a relação do homem com o mundo e com outros homens, “é de fundamental importância justamente porque é através deste processo que as funções psicológicas superiores, especificamente humanas, se desenvolvem.” Para Vygotsky há dois elementos básicos responsáveis por essa mediação: “o instrumento, que tem a função de regular as ações sobre os objetos e o signo, que regula as ações sobre o psiquismo das pessoas.” (REGO, 2000, p.50)
O entendimento desse elemento mediador na relação organismo-meio vem provar que a relação mais importante do homem com o mundo não é a relação direta e sim a relação mediada. Assim, Meira (1998, p.64) afirma que:
Ao evidenciar que o indivíduo interioriza determinadas formas de funcionamento que estão dadas pela cultura,
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mas que ao apropriar-se delas transforma-as em instrumentos de pensamento e ação, Vygotsky estabeleceu as bases para uma nova compreensão da relação entre o sujeito psicológico e o contexto histórico, que resgata o sentido subjetivo e pessoal do homem, mas situando-o na trama complexas das relações sociais.
Castro (1999) em uma pesquisa a respeito da influência da cultura do consumo na formação da criança realizou uma entrevista com anônimos. Uma das entrevistas, particularmente, demonstra a visão que as pessoas têm a respeito da influência do contexto sócio cultural na formação dos indivíduos. Vejamos o trecho que segue:
Eu não tenho saco. Eu tenho assim essa lembrança de festa de aniversário da minha infância... Maravilhosas.
Mas eu acho que hoje tudo é demais. Tudo é over. Você não precisa chamar um palhaço, um mágico, um pula pula, gastar cinco ou seis mil reais.
Acho legal organizar as festas das crianças.
Acho legal as crianças ficarem juntas. Acho legal essa coisa das crianças se encontrarem e tal.
Mas, eu acho demais. É over, over demais.
(Entrevista anônima, CASTRO (org.), 1999, p.180)
Neste caso, o entrevistado vê a geração do “over” como um exagero, apesar de reconhecer a importância da vivência social dos pequenos. Sendo assim, segundo essa perspectiva, a tecnologia seria um instrumento externo de regulação do comportamento. Sabemos que há, na época atual, saturada de comunicação, quase que uma obsessão em relação ao próprio território, ao que marca a diferença, isto é, a identidade própria, separada.
Segundo Vygotsky, o processo desencadeado num determinado meio cultural (aprendizagem) vai despertar os processos de desenvolvimento internos no indivíduo. Assim, o desenvolvimento não ocorre na falta de situações que propiciem um aprendizado.
Conforme ressalta Rego (2000, p.59) essas características humanas proporcionam a concepção do desenvolvimento como processo. “O desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sociocultural em que a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética) através
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de rupturas e desequilíbrios provocados de contínuas reorganizações por parte do indivíduo.”
O desenvolvimento individual se dá num ambiente social determinado e a relação com o outro, nas diversas esferas e níveis de atividade humana, é essencial para o processo de construção do ser psicológico individual.
A concepção de Vygotsky sobre as relações entre desenvolvimento e aprendizado, e particularmente sobre a zona de desenvolvimento proximal, estabelece forte ligação ente o processo de desenvolvimento e a relação do indivíduo com seu ambiente sociocultural e com sua situação de organismo que não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie.
Vygotsky trabalha constantemente com a ideia de reconstrução, de reelaboração, por parte de indivíduo, dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo cultural.
Sendo assim, de um lado, podemos afirmar que o indivíduo só é parcialmente heterônomo, pois ele tem sempre uma “parcela de originalidade e autonomia”, além de desempenhar, “às vezes sem sabê-lo, um papel essencial nas transformações sociais”. Desse modo, os processos sociais “nunca regulam completamente a conduta individual, sempre imprevisível.” De outro lado, os autores colocam em destaque um aspecto específico da constituição do sujeito, isto é, sua constituição “plural” ou coletiva. (MACHADO, 2001). Essa dimensão “grupal” da subjetividade merece atenção especial.
É a partir de sua experiência com o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente determinadas de organização do real, e com os signos fornecidos pela cultura, que as crianças vão construindo seu sistema de signos, o qual consistirá numa espécie de “código” para decifração do mundo.
A interação face a face entre indivíduos particulares desempenha papel fundamental na construção do ser humano, é através da relação interpessoal concreta com outros do grupo é que o ser vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto, a interação social, seja diretamente com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, fornece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
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“O desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sociocultural em que a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética) através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do indivíduo.” (REGO, 2000, p.58)
O desenvolvimento da espécie está, pois, baseado no aprendizado que, para Vygotsky, sempre envolve a interferência, direta ou indireta, de outros indivíduos e a reconstrução pessoal da experiência e dos significados.
Como o aluno está imerso em um universo sociocultural, ele aprende (compreende a razão de aprender, deseja aprender, disponibiliza-se para a aprendizagem, enfrenta o desafio de aprender, impõe-se as questões relativas à aprendizagem...) na ampla relação com as pessoas e com os objetos que o rodeiam. (COLELLO, 2006) Por isso, não é justo comparar indivíduos que tenham diferentes procedências, valores e experiências.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Lúcia R. (org) Infância e adolescência na cultura do consumo. Rio de Janeiro: Nau Editora, 1999.
COLELLO, Silvia de Mattos Gasparian. Palestra proferida no V Congresso Municipal de Educação – O Ensino Municipal: desafios e perspectivas (São Paulo, 2006).
MACHADO, Marília Novais da Mata et al. Psicossociologia: análise social e intervenção – Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
MEIRA, M. E. M. Desenvolvimento e aprendizagem: reflexões sobre as relações e implicações para a prática pedagógica. Revista Ciência e Educação, volume 5, n.2. Bauru: UNESP, 1998.
REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2000.