A intelectualidade brasileira de 1920 a 1940

 

Josiane das Graças Adorno

 

         Suscita-nos o interesse, a priori, pelo que são os intelectuais? Quem são essas pessoas que por obterem um conhecimento formalizado e com mais profundidade, de modo especial, sobre a sociedade em seu âmbito político e econômico, levam consigo a marca da intelectualidade? E ainda, por que muito desses indivíduos quase sempre se representam como os porta-vozes de uma sociedade extremamente variada na sua composição de classes sociais e grupos sociais? Pois bem, numa alusão ao que possivelmente uma pessoa leiga interessada pelo assunto procuraria sobre uma definição do que seria esse termo – intelectual ou intelectualidade – começaríamos então por descrever a conclusão de um dicionário da língua portuguesa que nos diz: “Intelectualidade: relativo ao intelecto, dito pessoas que são mais racionais do que emocionais, pessoas que se dedicam a coisas relacionadas ao intelecto”.  Com estas definições, pouco esclarecedoras, é bem verdade, faremos o nosso ponto de partida para abordar um assunto que terá como respaldo o livro de Daniel Pécaut (1989), Os Intelectuais e a política no Brasil (Entre o povo e a Nação), de modo específico da sua introdução estendendo até onde o autor aborda os tipos de engajamento político (descritos até a página setenta e quatro). Apesar do autor trabalhar de forma mais generalizada os intelectuais do Brasil, na realidade ele trata quase que exclusivamente dos paulistas dos cariocas e mineiros e não cita os intelectuais de outras regiões, exceto, como ele justifica, se esses se encontrassem instalados numa dessas três localizações citadas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte).

        Muitos intelectuais brasileiros, supondo-se mais capacitados para exporem e solucionarem os problemas da sociedade, agregaram à sua imagem um destaque privilegiado como se fossem cidadãos incomuns, ou seja, cidadãos que não possuem uma classe social e/ou uma posição distinta dentro dessa classe. Cidadãos que não representam uma política ideológica de poder, cidadãos que por fim estariam, a um modo bem positivista, pairando sobre uma sociedade e analisando-a com a sabedoria e a imparcialidade almejada dos racionais que garantem sua posição de apenas intelectuais; uma espécie de engajamento social sem estar engajado de fato. A maioria desses intelectuais nesse período, eram ‘cria’ de uma elite, uma elite oligárquica em decadência, mas uma elite. Havia entre as décadas de 1920 a 1940, uma necessidade que esses intelectuais estivessem prontos para realizarem, formularem, uma história sobre a identidade nacional, desse modo, esses intelectuais, ”acima” de qualquer suspeita, seriam os portadores dessa identidade. Ressalta-se que para tão importante feito, não havia para os intelectuais e se havia acontecia de forma muito secundária, a referência de uma sociedade totalizante, ou seja, observada dentro de seu aspecto cultural, social, político e econômico.

“De maneiras diversas, sucessivas gerações de intelectuais brasileiros invocaram a ‘realidade nacional’. É inteiramente secundário que esta se referisse à cultura ou ao desenvolvimento econômico, ao inconsciente do povo ou à consciência das elites” (p.26).

 

Fica-nos evidente a superficialidade a referência da atuação desses intelectuais que proclamavam seu “conhecimento” das leis que regem a história e sua inserção nessa história. Nesse aspecto, os intelectuais brasileiros encontram-se na mesma situação que os políticos: participam de uma realidade cujos segredos eles mesmos detêm. E ainda, esses intelectuais arrogavam-se de uma competência para assumirem responsabilidades pelas dimensões sociais e mais política do fenômeno político: através da ideologia.

No período 1920/1940 o Estado nacional foi gradativamente assumindo para si a tarefa de criar uma Identidade Nacional, os autores autoritários que o autor cita queriam m reorganizar o poder vigente sem fracioná-lo, mas centralizá-lo. Um Estado não interventor não era admissível para eles, desse modo, a perspectiva liberal que proliferava idéias acerca da economia sem estar submetida ao Estado era combatida com resistência; por outro lado, não admitiam também uma perspectiva marxista, ou seja, almejam uma Identidade Nacional desprendida de outras aplicações econômicas. O Estado Nacional, especialmente a partir de 1930, assumiria uma identidade nacional, em grande parte tal projeto foi organizado por esses intelectuais que procuraram responder à indagação de quem seria o Brasileiro. A discussão que provoca um ponto nevrálgico sobre essa questão aponta para a perspectiva de que o Estado não é um “ente” que está sobre a sociedade com um único e absoluto governante que decide, mas trata-se de um conjunto político-social. Esse intelectual autoritário de que falamos está junto a esse Estado como um organizador de uma cultura, indicando, por exemplo, quais rumos o Estado Novo deveria tomar, é o caso de Azevedo Amaral, como aponta Pécaut, um desses pensadores autoritários. Azevedo do Amaral que se colocava contra o liberalismo manifestava com sua posição um modelo mais parecido com o nazi-fascismo, algo que se aproximava com a perspectiva corporativista do Estado. O autor afirma-nos ainda que apesar da grande tendência autoritária, nesse momento, artistas como Carlos Drummond de Andrade ou Oswald Andrade, mesmo dentro do Estado ainda assim apresentavam suas críticas ao mesmo. Enfim, Pécaut apresenta-nos como essa racionalização da questão intelectual e da questão política não procederia se estivessem separadas; esse intelectual que apoiava o Estado de Vargas, tecnicamente estava dentro da política para pensar sobre ela como um funcionário intelectual da mesma.

É inegável ao ler Pécaut (1989), que esses intelectuais de modo convincente encontravam boas razões para justificarem suas intervenções, ou melhor, a grande e imprescindível importância de suas intervenções na sociedade. O autor utiliza o “espetáculo” da ignorância e alienação do povo ao seu destino, as classes sociais desse período ainda em formação e abaixo de sua missão, valendo isso tanto para a burguesia comercial como para os setores mais populares, para sugerir uma total desarticulação do povo com a classe dirigente, classe que estava convencida de que as idéias de um projeto nacional de identidade comandariam objetivamente o devir histórico. Os intelectuais teriam a prioridade de falar em nome de uma nação, produzindo os “mitos unificadores” que facilitariam a criação de uma identidade. Uma articulação hierarquizada e autoritária.

Não podemos desconsiderar para onde os ‘olhos’ desses intelectuais estavam voltados naquele contexto histórico, engendrados em seu tempo, não poderia ser diferente, tinham mais privilégios produzidos pelo próprio conhecimento e por isso, muitas vezes se situavam à frente dos seus contemporâneos. O autor indica-nos que para tanto se esses intelectuais não dispunham do saber sobre a lógica do real que estavam integrados, sempre tinham o recurso de voltarem seus olhos para os países desenvolvidos.

Quanto ao fundamento da legitimidade do poder dos intelectuais sobre a sociedade verificasse que esses não apresentavam títulos formais, ou seja, eles não dispunham de um princípio de identidade que os remetesse aos vínculos institucionais como diplomas ou títulos, entretanto, o poder consistia na posse de um saber sobre o social reconhecido e valorizado por amplos setores dessa sociedade, conclui-se que no reconhecimento e valorização desses setores sociais fundamentava-se a legitimidade desses intelectuais em se fazerem justamente representantes ou intérpretes das massas populares, ou ainda o ‘lugar’ de definição social que os intelectuais atribuem a si mesmos e àqueles que lhes reconhecem ou legitimam o poder. Os intelectuais, culmina Pécaut, tinham uma vocação dirigente porque conseguiam melhor que qualquer outra elite, captar e interpretar os sinais que demonstravam que já existia uma nação subjacente, inscrita na realidade. “Tudo servia para provar: as maneiras de ser, a cultura, o povo, o desenvolvimento das forças produtivas” (p.29).

Enfim, pondera o autor, com a defasagem entre o social e o político, não é de molde a desencorajar os intelectuais. A ideologia lhes permitia, sobretudo, ser elite quando necessário e povo quando conveniente. Em função dessa defasagem entre social e político, os intelectuais conseguem ainda erigir-se em mediadores indispensáveis, substituindo as , é porque possivelmente se identificam com o Estado ou se apresentam como contra-Estado.classes – visto que melhor que elas mesmas, afirmam conhecer seus interesses mais profundos – e colocando-se na posição do Poder, pois tanto quanto este se projeta acima do social. Entretanto se eles se colocam tão freqüentemente tão ‘’acima’’ da sociedade