A Insustentável leveza do ser, insustentável.

Certa vez me apresentaram um livro, de uma lista de alguns... Dentre muitos
outros, esse livro: ??A insustentável leveza do ser. ?? Minha escolha motivou-se pela curiosidade:
- O que seria insustentável?
Segundo Aurélio: ?? Que não se pode sustentar, sem fundamento, insubsistente??.
Isso me levou ao mais profundo desejo de desvendar o que sería tão insustentável e ao mesmo tempo tão intenso que causava uma leveza no ser. Foi com esse pensando que me adentrei no mundo misterioso, altamente perturbador e complexo ao qual me senti fazendo par dele, por vezes me via em lugares como: Tchecoslováquia, outras vezes me imaginava na França, nos cafés, nos salões de arte, me imaginava em meio a revolucionários Tchecos, ouvia os aviões ao longe. Sentia o cheiro da primavera de Praga, sentia o barulho estonteante dos tanques invadindo a minha cidade o meu espaço, pois a partir de certo momento passei a me sentir inserido no contexto histórico e imaginário de Milan Kundera. A ligação se tornou tão profunda que, quando dava por mim, aparecia de volta em meu lar, minha realidade, minha terra quente, cheia de defeitos, cheia de sonhos, meu Ceará, minha Sobral.
Mas o que pode ter em conjunto duas terras, dois tempos, duas histórias. Que interação podia viver dois tempos, duas épocas distintas? Ao baixar os olhos às páginas, via a fuga de pessoas, o desespero de não poder estar em seu lar, e se ficasse, de não poder falar o que pensa, de ser subjugado e direcionado como às vontades de seus invasores, ao suspender os olhos e retornar a minha segunda terra, via o mesmo desespero, a mesma fuga, o mesmo retorno, o eterno retorno, às mesmas terras invadidas, em Praga por tanques, em Sobral, por águas, por dilúvio, lá, por aviões, e cá por barro, fome, chuva, relento, lá o retorno era uma verdade, aqui também, em Praga, foram perdidos vidas, empregos e destinos, separaram-se pessoas e aqui, foram perdidas vivas, infância, sonhos. Realidades de dois mundos, meus dois mundos, minhas duas verdades, uma que aprendi a conviver, e outra que compreendi ao conhecer, tornando-se parte de mim por um determinado tempo. Um breve momento.
Por vezes me perguntava:
- Por que não os deixam em paz? Não deixam suas terras, nossas terras, minha
terra, Praga, o que aconteceu com Praga? Onde estou?
- Minha cidade, ajude o povo, as pessoas, ele, onde ele, esta?
- Afogou-se, ontem.
- Ah? Como? Que pergunta, ora como, água, muita água.
- E agora, como será de mais uma família? O que será de todas as famílias?
Como será o retorno e se será sempre o mesmo retorno, eterno, ??es muss sein??,
aqui em mim também ??es muss sein??, aqui, em Sobral.
- Onde estou?
Minha cidade, por vezes a união história e verdade me colocava em torno de realidades próximas, Praga sendo invadida e minha cidade sendo alagada, o povo de Praga sendo expulso, e por vezes obrigado a ser subjugado a situações de dominação por outros povos, minha cidade imaginária, e o povo da minha cidade de verdade sendo obrigado a dormir na rua, em meio à degradação e a vontades de outros em lhe dar abrigos temporários, os que de nada tinham e perderam tudo aos que nunca tiveram nada e nada terão por ainda muito tempo, de ver o desespero das pessoas em fuga para Suíça ou França, com medo da União Soviética ou de ver famílias em fuga com medo de águas furiosas, que tiram vidas e retardam sonhos, de ver famílias se separando por medo de represálias políticas, ou de ver famílias se perdendo em meio a funerais, e insanidades, temporárias.
Imaginava que:
- Se todos pudessem ter o que deveriam? Mas em todos tendo o que deveriam, alguém deixaria de ter o que desejaria, e isso seria motivo de conflito.
- Como alguém pode ao mesmo tempo ter o que precisa ao lado, sabe disso e ainda assim, procurar, desejar e buscar algo mais, correndo o risco de não ter nada? È assim, o Dr. Tomas personagem da primeira história, a história a qual me adotou, me deixou penetrar em seu tempo, onde absorvi suas necessidades, um homem que podia ter tudo, não queria ter o todo, pois o todo lhe parecia como se estivesse numa prisão, onde lhe parecia obrigação e uma penitência, via em casos de amor um meio de completar-se e fugir de seu destino de estar ao lado de seu ??es muss sein??, assim como ouvia quando jovem, na expressão alemã:
??Es muss sein é uma expressão em alemão que significa: Tem que ser. É também o motivo do último movimento do último quarteto de cordas de Beethoven. Toda a história do Es muss sein começou de uma forma bem prosaica: um homem devia dinheiro a Beethoven, que, pobríssimo, foi lá cobrar. E o homem, outro pobre, implorou a Beethoven "Tem que ser?" e Beethoven respondeu "Sim, tem que ser! Tem que ser!? Essas palavras ficaram ecoando na cabeça de Beethoven. Tanto que ele começou a fazer um tema simples de sonata com essas palavras. Tem que ser, sim, tem que ser. O desenvolvimento do tema tomou proporções grandiosas, e se transformou no último quarteto de cordas de Beethoven.
Durante a composição desse quarteto de cordas, Beethoven não pensava mais no dinheiro do homem. Essas palavras "Es muss sein, es muss sein!" se tornaram grandiosas demais. Era a voz do Destino que falava a Beethoven Es muss sein! Para que o sentido dessas palavras ficasse absolutamente claro, antes do último movimento, Beethoven colocou a frase "Der schwer gefasste Entschluss", a decisão gravemente medida??. Kundera diz:
??... o peso, a necessidade, o valor são três noções íntima e profundamente ligadas: só é grave aquilo que é necessário, só tem valor aquilo que pesa.
...todos nós a compartilhamos [a convicção] de uma certa forma, hoje em dia: para nós, o que faz a grandeza de um homem é ele carregar o seu destino como Atlas carregava sobre os ombros a abóbada celeste. O herói de Beethoven é um halterofilista que levanta pesos metafísicos. ??
No pensamento de Dr.Tomas o jovem médico ele jamais deveria deixar de lado sua ??obrigação??. Que era estar sempre ao lado de sua amada Tereza, e nunca deveria deixar de estar ao lado de seus eternos casos de amor que nunca o satisfariam e aos quais nunca o completavam ainda colocando em risco o que ele jamais vira: Ele podia ser feliz. Enquanto, Sr. João, D. Maria, S, Pedro, e outras centenas de milhares, de pessoas sem nome, sem rosto, sem lugar, sem teto, sem ter o que tinham, ainda retornam aos seus lugares, os mesmos que ouviremos falar em um futuro próximo, as mesmas famílias, se perderão, e essas pessoas sim, não tem o poder de escolha como o Dr. Tomas, pois não são instruídas nem capacitadas, e muito menos alimentadas, o que lhes resta e a esperança de que o novo retorno seja diferente.
(Dr. Tomas criticou o governo, dizendo que os mesmos estavam fingindo que nada estava acontecendo em suas terras e que nada sabiam, disse-lhes em artigo de jornal que se espelhassem em Édipo, e que quando vissem o mal que fizera a si mesmo e ao povo, assumissem sua parcela de responsabilidade e caso não possam resolver de uma forma totalitária, que pelo menos assumam seus erros.).
Digo-vos:
- Veremos novamente a mesma realidade ao qual não queremos tomar parte, não queremos viver e muito menos saber, a realidade que nosso povo, de nossa terra, ainda vive e não tem ninguém que em tempos contínuos, tentem amenizar sua dor, e tentar sanar uma dificuldade que se replica e que já se mostra novamente no horizonte. Não sejais, Édipo, que só acordou quando já deveria estar sem olhos...

Davidson Menezes.