A Instituição familiar e as Políticas Públicas- Análise de uma transformação e as Políticas Públicas de atendimento á população.

Samara Santos Souza[1]

 

Resumo

O presente artigo busca analisar as transformações acometidas na unidade familiar e os elementos determinantes nesta mudança, tais como, a inserção da mulher no mercado de trabalho, difusão da pílula anticoncepcional e a dimensão de escolha que se introduziu a sacralizada e naturalizada família. Analisa as evoluções acerca da participação da mulher nos espaços públicos, quando a mesma assume este papel sem deixar de lado sua posição de cuidadora e administradora do lar. Posteriormente, é realizada uma reflexão acerca das políticas públicas e sua centralidade na família.

Palavras chave: transformações, família, mulher, Políticas Públicas, centralidade.

 

"Não são os da consanguinidade os verdadeiros laços de família e sim os da simpatia e da comunhão de ideias, os quais prendem os espíritos antes, durante e depois de suas encarnações." Allan Kardec

Abordar o tema família na contemporaneidade requer a desconstrução de padrões e modelos socialmente construídos acerca da unidade familiar, uma vez que, esta tem passado por diversas transformações ao longo dos anos. É sabido que, a Instituição familiar tem sido o centro de interferências internas e externas devido á situações estruturais e culturais que ocorreram em diferentes contextos históricos.

Acerca disto CORREIA, (1981, pag. 6) questiona o a configuração de família socialmente construída e afirma que, na história da família brasileira, todos os outros modos de organização familiar aparecem como subsidiários de uma forma especifica de família, ou de tal forma inexpressivos que não merecem atenção. Assim, é possível observar que, o conceito de família nuclear é altamente diluído na sociedade brasileira, em detrimento á outras configurações de família que sofrem com olhares de desaprovação, preconceito e estranhamento.

Fatores como a inserção da mulher no mundo do trabalho, a difusão dos métodos anticoncepcionais, a maior participação da mulher no ambiente público se constituem em alguns dos elementos determinantes para estas transformações na Instituição familiar.

Outro fator condicionante para estas mudanças é atribuído á revolução francesa, como assegura SARTI, 2008,

Desde a revolução industrial, que separou o mundo do trabalho do mundo familiar e instituiu a dimensão privada da família, contraposta ao mundo público, mudanças significativas a ela referentes relacionam-se ao impacto do  desenvolvimento tecnológico.

Ou seja, para esta autora, as transformações na família foram ocasionadas pelo desmembramento entre dimensão pública e privada, atreladas á descobertas cientificas que emanaram em intervenções tecnológicas no que tange á reprodução humana.

A autora se refere á pílula anticoncepcional que desassociou a sexualidade da reprodução e contribuiu para que a evolução para a efetivação do direito da mulher ao seu próprio corpo.  Frente á isto, SARTI, 2010 assevera que,

Esse fato criou condições materiais para que a mulher deixasse de ter sua vida e sua sexualidade atadas á maternidade como um “destino”, recriou o mundo subjetivo feminino e, aliado á expansão do feminismo, ampliou as possibilidades de atuação da mulher no mundo social.

A autora ressalta ainda, que foi neste momento que passou a ser inserida no universo sacralizado e naturalizado da família, a dimensão de escolha. Ou seja, a mulher casada, condenada a dedicar a vida ao mundo privado, cuidado com os filhos, esposo e trabalho doméstico passa a possuir a alternativa de inserir-se no mercado de trabalho e retardar ou abdicar-se da maternidade, que até o momento era seu destino marcado.

Conquanto, apesar destas transformações não se pode desconsiderar a ideologia do machismo, patriarcado e sexismo que antepõe o homem em uma posição de dominação sobre a mulher, a qual lhe é atribuído obediência ao esposo, trabalhos domésticos, e cuidado dos filhos.

Neste sentido, SARTI (2008), afirma que “existe uma divisão complementar de autoridades entre o homem e a mulher na família, que corresponde á diferenciação que fazem entre casa e família. A casa é identificada como a mulher, e a família com o homem. Casa e família, como mulher e homem, constituem um par complementar, mas hierárquico”.

Vários fatores foram determinantes para as transformações sofridas pela Instituição familiar, planejamento familiar, revolução industrial, expansão do feminismo, acirramento do sistema capitalista. No entanto, é importante colocar o machismo, expressão do patriarcado como um dos fatores determinantes nesta dinâmica, tendo em vista que, esta ideologia é reiterada todos os dias na sociedade e ainda atribui à mulher uma posição de dominação, dependência e submissão frente ao homem.

É conveniente ressaltar que, a mulher tem acesso á pílula anticoncepcional, está inserida no mercado de trabalho, não permanece apenas restrita á dimensão privada da família, conquanto ainda é a maior responsável pelo trabalho doméstico, preparação da alimentação da família, e educação dos filhos.

Fundamentando-se nos estudos feministas sobre a construção da feminilidade, argumenta-se que a personalidade da mulher é, desde cedo, construída com base nas noções de relacionamento, ligação e cuidado, o que a levaria e se sentir responsável pela manutenção das relações sociais e pela prestação de serviços aos outros, características centrais da feminilidade.  LIMA, TARGINO, CRISTOTOMO & SANTOS, (2010, pag. 79.).

Desta maneira, é possível refletir que, o papel da mulher é socialmente construído para educar, cuidar e zelar pelo lar. Sendo que esta é educada para que mesmo inserida em espaços públicos e servindo ao sistema capitalista, continue cumprindo seu papel de esposa, mãe virtuosa, cuidadosa e dedicada á casa e á família.

Acerca da família, outro ponto importante a ser analisado são as Políticas Públicas. SOUZA apud CARVALHO (2010, pag. 268) afirma que, “O Estado e a família desempenham papéis similares, em seus respectivos âmbitos de atuação: regulam, normatizam, impõe direitos de propriedade, poder e deveres de proteção e assistência. Tanto a família, quanto o Estado funcionam de modo similar, como filtros redistributivos de bem estar, trabalho e recursos. Assim, o autor avaliza que, as famílias e as políticas públicas possuem papeis correlatos no desenvolvimento e proteção social dos indivíduos. Desta maneira, existe uma centralidade da família no desenvolvimento e execução das políticas públicas.

CARVALHO (2010, pag. 270) afirma que, as políticas públicas desvencilharam-se de alternativas institucionalizadoras tais como, orfanatos, internatos, manicômios e asilos, ma oferta á proteção necessária a grupos vulneráveis e pessoas que convivem com doenças crônicas, por isso as responsabilidades entre a Instituição familiar e as Políticas Públicas passaram a ser compartilhadas, uma vez que ambas funcionam em regime de complementaridade. É imprescindível salientar que, na ausência da família, o Estado e as Políticas devem prover o atendimento e assistência aos grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade.

A mesma autora analisa também as Políticas de combate á pobreza, que são centralizadas na família e comunidade. Um exemplo destas Políticas são os diversos programas de transferência de renda, que objetivam-se em garantir ao grupo familiar recursos que propiciem a manutenção da alimentação e as crianças na escola, prevenindo o trabalho infantil de crianças e adolescentes.

Neste sentido, é possível identificar a relevância da família na implementação de Políticas Públicas no Brasil. Nesta mesma lógica é necessário ater-se para as transformações ocorridas no interior desta Instituição, uma vez que, as Políticas Sociais devem acompanhar estas modificações para garantir a efetividade dos direitos da população que demanda destes serviços. É válido analisar ainda que, grande parte dos beneficiários dos Programas de transferência de renda possuem a centralidade da mulher, e muitas vezes, até mesmos os funcionários dos Serviços Públicos orientam os usuários de que, o beneficio deve estar em nome da mulher.

Desta maneira é possível observar que, até mesmos as Políticas ainda carregam resquícios da ideologia do machismo e do patriarcado, uma vez que, quando centralizam-se na mulher como beneficiária titular da política, denotam que o homem não deve ser o titular por conta de seu papel de prover a família. Assim, analisando mais profundamente os Programas de transferência de renda percebe-se que, a responsabilidade de prover a família muitas vezes é partilhada entre o homem e o Estado, inferindo-se apenas das famílias chefiadas por mulheres.

Assim, percebe-se a necessidade da ampliação e a inserção do debate feminista nas Políticas Públicas, uma vez que, a unidade familiar se reinventou, e as Políticas devem seguir o mesmo caminho.

Referencias Bibliográficas

ACOSTA, R, Ana. & VITALE. F. A, Maria. Famílias, redes, laços e Políticas Públicas. Cortez, 2008- 5º Edição.

SAFFIOTI, I. B, Heleieth. Gênero, patriarcado e violência.

Mulher Mantenedora/Homem chefe de família: Uma questão de Gênero e Poder, Anabella Mauricio de Santana.

CORREA, Nilza. Repensando a família patriarcal brasileira. São Paulo, Maio/1981. Disponível em: file:///C:/Users/Salvador/Downloads/1590-6029-1-PB%20(1).pdf Acesso em 17/03/2015.



[1] Assistente Social. Especialista em Política Social na área da família com ênfase nas violências pela Universidade de Guarulhos- UNG.