O cinema na minha docência no Ensino Superior

Minha vida acadêmica se iniciou em 1997, quando fui aprovada para o curso de Letras e Artes com habilitação em Língua Portuguesa e Língua Espanhola da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), e eu, durante praticamente todo o período de minha graduação em Letras, investi e direcionei meus estudos para a Literatura Brasileira porque pretendia atuar somente nesta área.

Foi no ano 2000 que o comentário de uma professora de espanhol de que eu deveria investir na área de Língua Espanhola mudou significativamente os rumos de minha vida profissional e fizeram com que, em 2001, eu iniciasse minha carreira docente como professora de espanhol no Ensino Fundamental II e Médio em um colégio particular da cidade de Ilhéus. No ano seguinte assumi também o Ensino Fundamental I do mesmo colégio e aulas de Espanhol como Língua Estrangeira (E/LE) em outros colégios e cursos preparatórios para o vestibular.

Porém, cedo percebi que era necessário utilizar de diferentes estratégias para prender a atenção dos alunos e transformar o ensino de Língua Estrangeira (LE) em algo significativo. Não bastava recorrer às fórmulas gramaticais e às atividades de tradução, era preciso que eu utilizasse das novas propostas de ensino/aprendizagem de LE e isso, naquele momento, só seria possível através de um aprofundamento teórico.

Em 2005 ingressei na UESC como professora substituta de Língua Espanhola. No início de 2006, ao ministrar a disciplina Estágio Supervisionado, tive consciência da responsabilidade que me cabia de proporcionar aos professores em formação de E/LE um conhecimento que lhes permitisse utilizar de diferentes estratégias nas suas aulas. Neste mesmo ano participei de um curso de extensão onde foram tratados temas atuais e relevantes acerca da disciplina e comecei a perceber o quanto era fundamental inserir conteúdos relacionados à cultura dos países de Língua-alvo (LA) nas aulas de LE. Inicialmente esta parecia a resposta que eu buscava, mas cedoeu percebi que dela surgia uma outra pergunta: de que maneira os conteúdos culturais poderiam ser levados às salas de aula?

Eu ainda não tinha a resposta para esta pergunta até que, em 2006, promovi junto aos alunos do quinto semestre, o Seminário 'Todo sobre Almodóvar'. A proposta deste seminário partiu da exibição do filme 'Ata-me' do diretor espanhol Pedro Almodóvar. A experiência de ver a um filme com personagens tão incomuns ao cinema comercial foi nova para a maioria do grupo. Mas todos haviam gostado. A teoria se confirmava na prática. A situação cinema fez com que estes estudantes, diante a projeção do filme, se esquecessem de si mesmos e se projetassem na história. Esta situação também permitiu que os mesmos despertassem para a compreensão de uma Espanha diferente da que até então imaginavam conhecer. O país apresentado por este diretor estava bem distante do ilustrado na grande maioria dos manuais didáticos trabalhados no curso e também da imagem que é "vendida" por algumas instituições. No cinema almodovoriano a Espanha é um país de contrastes sociais.

O cinema não tinha proporcionado a estes estudantes só a oportunidade de realizar um seminário, muito mais que isso proporcionou o que, em minha opinião, constitui-se na atividade mais importante da academia, os levou a compartilhar seu conhecimento através do seminário. Este foi um dos resultados. O outro foi fazê-los conhecer vozes até então silenciadas, vozes que, embora façam parte de um país colonizador, continuam colonizadas. Os protagonistas destes filmes não eram as identidades não-problemáticas tão comuns no cinema comercial. Estes alunos não haviam somente trabalhado com a cultura da Espanha, mas sim com culturas excluídas dos discursos relacionados a este país. Após esta experiência eu percebi que estava diante de alunos mais críticos, que reconheciam as possibilidades que o cinema lhes oferecia diante da necessidade de se trabalhar com temas relacionados à cultura dos países de LA. Mais que isso, eu estava diante de alunos que reconheciam que as culturas minorizadas precisavam ser trabalhadas.

Satisfeita com o resultado, no mesmo ano ministrei a oficina 'Atividades com cinema para as aulas de E/LE'. No ano seguinte participei do 'Curso de Atualização para Professores de Língua Espanhola' oferecido na UESC pela Embaixada da Espanha e este curso me fez conhecer importantes aspectos da cultura espanhola. Em janeiro de 2007, no primeiro módulo do meu curso de especialização em Língua Estrangeira com ênfase em Língua Espanhola, que teve como ministrante a Professora Doutora Márcia Paraquett, tive o imenso prazer de conhecer e me identificar com o multiculturalismo. Nesse período tive a certeza de que este tema me escolhia para estudá-lo e que era sob a ótica do multiculturalismo crítico que as representações das culturas dos povos de LA precisavam ser observadas. O livro 'Recortes Interculturais na aula de línguas estrangeiras', organizado pelas professoras Kátia Maria Santos Mota e Denise Scheyerl, respaldou minha decisão. Aliei o multiculturalismo crítico ao cinema e este passou a ser meu objeto do meu estudo.

Em julho de 2007 eu era professora de Língua Espanhola do Campus V da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). A disciplina 'Estudos Comparativos da Literatura de LM e LE II' me permitiu trabalhar uma vez mais com o cinema, desta vez com a minissérie 'O Auto da compadecida'. Na apresentação dos trabalhos finais foi evidente que, mesmo com a leitura do livro de Ariano Suassuna, as impressões deixadas pela minissérie eram bem mais fortes. Era como se a imagem permanecesse viva na mente dos estudantes. Uma vez mais a eficácia do cinema se confirmava em minha prática docente.

No meu segundo semestre na UNEB mais uma vez optei em trabalhar com o cinema, desta vez dentro da disciplina 'Laboratório Instrumental de Língua Espanhola Nível Avançado I'. Assim, dividi os alunos em seis grupos e cada equipe ficou responsável pela exibição de um filme e pela exposição teórica do mesmo. Através deste trabalho os alunos aprenderam a "ler" criticamente os filmes. Desafiei o primeiro grupo, que trabalhou com um filme de Almodóvar, a aprofundar seus estudos, analisando também as questões identitárias retratadas e assim, a apresentação na sala de aula foi o primeiro passo para a elaboração de um mini-curso ministrado no XI Encontro Baiano de Estudantes de Letras na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

Neste mesmo encontro apresentei a comunicação 'O cinema no ensino-aprendizagem de língua espanhola'. Percebi que o tema suscitou muito interesse do público presente e isso me animou ainda mais a seguir com minha pesquisa.

Meu desejo – já realizado – de ingressar no Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da UNEB foi motivado pelo anseio de me aprofundar na utilização do cinema como recurso para a inserção da cultura no ensino/aprendizagem de LE.

Mas foi com o aprofundamento teórico, proporcionado através das aulas do referido curso, que percebi que existia uma diferença em como a cultura é tratada na escola. Nas aulas de Espanhol como Língua Estrangeira (E/LE) a cultura da Espanha sempre ocupa um lugar de destaque em relação às culturas dos povos latino-americanos hispânicos. Enquanto a cultura espanhola sempre parece fazer parte destas aulas, as culturas latino-americanas hispânicas quase não são mencionadas. Idéias estereotipadas acerca destes povos parecem compor o imaginário de estudantes e professores de E/LE e esta é, muitas vezes,a justificativa apresentada para que os professores não se preocupem em levá-las para suas aulas. Surgiu deste fato a necessidade de construir uma pesquisa que possuísse como uma de suas categorias os latino-americanos hispânicos.

Uma vez definida uma das categorias do meu trabalho eu ainda mantive a idéia de trabalhar a representação dos latino-americanos hispânicos dentro do cinema latino-americano. Mas nas apresentações de meu projeto em seminários de pesquisa sempre surgia uma mesma pergunta: e quando estes latino-americanos hispânicos são representados pelo cinema hollywoodiano? Este questionamento, aliado à sugestão de alguns professores de que eu realizasse uma recorte no tema de minha pesquisa, me levaram a considerar que da mesma forma que o cinema poderia ser considerado o recurso ideal para levar as culturas dos países de LA para as aulas de E/LE e para dar voz à(s) cultura(s) e identidade(s) dos países latino-americanos hispânicos, ele também poderia ser utilizado para reforçar estereótipos acerca destes povos. Assim, consciente de que a escola não é a única instituição a ensinar os alunos e de que, em suas casas, os alunos têm consumido, quase que diariamente, produções de Hollywood, passei a interessar-me pela maneira como os povos latino-americanos hispânicos são representados pelo cinema hollywoodiano a fim de observar se estas representações reforçam os estereótipos acerca destes povos.

A pergunta de partida

Partindo do fato de que, segundo Silva (2007, p.139), tal como a educação, as outras instâncias culturais também são pedagógicas, também nos ensinam algo e que, desta forma, o cinema, como uma destas instâncias culturais, não se trata apenas de formação ou entretenimento, mas sim de formas de conhecimento que influenciam o comportamento das pessoas de maneira crucial e até vital e da preocupação de que este recurso não seja utilizado para a manutenção de discursos opressores, surgem as perguntas de partida deste estudo: quais são as possibilidades e desafios relacionadas /á inserção do cinema nas aulas de E/LE?

As razões deste estudo

O fator motivador desta pesquisa foi o meu contato com professores de LE em formação dos cursos de licenciatura de Letras da UESC e do Campus V da UNEB.Este contato me permitiu conhecer a necessidade que os mesmos apresentam em trabalhar as culturas dos países de língua espanhola em suas aulas uma vez que reconhecem o papel que irão desempenhar – e que alguns já desempenham - enquanto mediadores das dinâmicas interculturais no ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira.

Além disso, os mesmos demonstraram também estar cientes de que o ensino desta disciplina já não está mais pautado em fórmulas puramente lingüísticas, mas no comunicativismo, socioconstrutivismo, multiculturalismo e na abordagem intercultural e já não se pode desvincular a língua dos aspectos socioculturais que subjazem o seu uso, visto que usar uma língua é, também, ser e agir socialmente através dela (MENDES, 2004, p.109). A língua passa a ser compreendida como expressão de cultura e identidade, como afirma a Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos (1996): "Todas as línguas são expressão de uma identidade coletiva e de uma maneira distinta de apreender e descrever a realidade." Os documentos que norteiam o ensino de Língua Estrangeira também apontam a necessidade e a importância de se incluir a cultura nas aulas de LE e seu ensino passa a se aproximar de uma função social, onde além dacomunicação se encontra o objetivo de levar o estudante a conhecer a respeitar as culturas dos países e povos que a falam, uma vez que "dominar uma língua estrangeira supõe conhecer, também e principalmente, valores e crenças presentes em diferentes grupos sociais" (ORIENTAÇÕES CURRICULARES NACIONAIS, 2005, p.147). Assim:

O tema transversal Pluralidade Cultural merece um tratamento especial devido ao fato de que o ensino de Língua Estrangeira se prestar, sobremodo, ao enfoque dessa questão. (...) é extremamente educativo expor o aluno a diversidade cultural (...) e à natureza multifacetada de culturas como a espanhola, a francesa, a inglesa (PCNs, 1998, p.8).

O fato é que ainda hoje o ensino de LE se dá através do contato dos alunos com seus professores, colegas e livros didáticos, o que dificulta ao aluno conhecer a cultura dos povos de LE uma vez que o quadro de professores a que os alunos têm acesso é formado, quase que em sua totalidade, por brasileiros e muitas vezes estes profissionais não possuem conhecimento sobre as culturas dos países da língua- alvo e reproduzem um discurso dominante que exclui as culturas de povos considerados "minoritários". Seus colegas, assim como o próprio estudante, dificilmente têm, durante sua formação, a oportunidade de conhecer o(s) país(es) do(s) qual(is) se estuda a língua. Estes dois fatores, somados ao pressuposto que os livros didáticos (LD), utilizados no ensino de LE, não apresentam estratégias e atividades suficientes para permitir o alcance da competência comunicativa em uma abordagem multicultural ou intercultural, uma vez que esta competência não é uma meta prevista nos LD. Neste sentido, o uso do cinema como material de apoio vem a ser uma proposta pedagógica altamente eficaz, visto que a linguagem cinematográfica apresenta um alto nível de comunicação pela potencialidade do acesso aos diversos recursos da imagem que associados aos diálogos fornecem um excelente material de componentes interculturais.

E ao considerarmos que vivemos o que Marshall McLuhan prenunciou (apud Ferrez, 1995, p. 13) como a era eletrônica ou aldeia global, no qual a imagem é hoje uma forma superior de comunicação capaz de transformar o ambiente e fazer surgir em nós relações únicas de percepção sensorial, perceberemos que o cinema pode ser um importante aliado na inserção de componentes culturais às aulas de E/LE. O impacto dos múltiplos sentidos explorados pelo cinema pode transformar nossa maneira de pensar e atuar, nossa maneira de ver o mundo e, conseqüentemente, quando mudam tais relações o homem muda.

Só se pode contemplar uma imagem (...) "submergindo-se" nela. É como uma operação sintética, que, primeiramente é realizada de forma global. A atual profusão de imagens e sons está dando lugar ao nascimento de um novo tipo de inteligência. O novo homem, com predomínio do hemisfério direito, compreende principalmente de maneira sensitiva, deixando que vibrem todos os sentidos. Conhece por meio de sensações. Reage diante dos estímulos do sentido, não diante das argumentações da razão. O adulto criado na antiga cultura com predomínio do hemisfério esquerdo só compreende pela abstração. O jovem só compreende pela sensação. (FERREZ, 1995, p. 13)

Morin (2007) defende o cinema como meio através do qual podemos buscar a superação da indiferença. O autor ressalta a fascinação que existe em um espetáculo cinematográfico em que os espectadores encontram-se numa espécie de hipnose e alienação, esquecendo-se de si mesmos, projetando-se nas histórias e nos heróis que aparecem. É nesta situação que acordamos para a compreensão do outro e de nós mesmos. Sofremos diante do cinema "surtos de compreensão".

O cinema pode trazer grande contribuição ao ensino de LE em uma abordagem multicultural uma vez que é necessário considerar que ao ver um filme se constrói uma situação muito particular: "é assim que se constrói, a partir da circularidade (intercâmbio) entre os sujeitos empírico e simbólico, o sentido do filme. O primeiro (empírico) 'esquece de si' para, na condição do segundo (simbólico), viver o universo fílmico (GUERREIRO, 2005, p. 4).

Tais aspectos levam o espectador a estabelecer uma relação muito empática com o filme a que assiste. É este contato que levará o espectador – aluno de LE - a conhecer o Outro, e, seguindo a proposta multicultural, se reconhecer, uma vez que:

(...) é impossível pensar o discurso sem focalizar os sujeitos envolvidos em um contexto de produção: todo discurso provém de alguém que tem suas marcas identitárias específicas que o localizam na vida social e que o posicionam no discurso de um modo singular assim como seus interlocutores. (MOITA LOPES, 2003, p.19)

Segundo Kellner (2001), a produção da mídia está intimamente imbricada em relações de poder e serve para reproduzir os interesses das forças sociais poderosas, promovendo a dominação. Desta maneira, é imprescindível atentar para a leitura crítica desses textos, a fim de que os objetivos do multiculturalismo crítico sejam alcançados.

Uma das maiores inspirações do cinema, sobretudo no gênero drama, são os conflitos ocasionados por choques culturais, pelo convívio das diferenças sociais, raciais, étnicas e comportamentais. Como o objetivo da inclusão deste tema nas escolas é estimular a tolerância e construir, no plano educacional, o convívio democrático entre pessoas e grupos distintos de uma mesma sociedade, os filmes são a melhor forma de debate e formação de valores. (...) A partir da emergência do multiculturalismo (...) o cinema ficou mais sensível e cuidadoso no tratamento de algumas diferenças étnicas, raciais e comportamentais. (NAPOLITANO, 2006 p. 55)

Através desta abordagem e do cinema podemos tratar de minorias que, até pouco tempo, eram silenciadas por discursos dominantes. Os latino-americanos – povos de LA para os estudantes de E/LE -fazem parte desta minoria. Por esta razão suas culturas não eram "reconhecidas" nas salas de aula, nem mesmo fora delas. E esta é uma grande possibilidade de trabalho com filmes nas aulas de Espanhol.

Porém, foi a indústria de entretenimento de Hollywood, uma das maiores do mundo, que construiu e vendeusuas imagens a milhares de pessoas de diferentes nacionalidades, a partir da ótica masculina, branca, heterossexual, de classe média e judaico-cristã. E por que tratar do cinema hollywoodiano quando estamos tratando de aulas de E/LE, se nestas aulas os professores, quase que em sua totalidade, trabalham como filmes hispânicos? Pelo fato, já mencionado, de que os alunos não aprendem só dentro de uma sala de aula e pela presença deste recurso na vida destes discentes fora da sala de aula e mesmo dentro dela, em projetos interdisciplinares. Estas características compunham – e ainda compõe no imaginário da maioria dos indivíduos - a imagem de uma identidade universal, de uma identidade não-problemática. Estas imagens influenciaramvisões de mundo, levando-nos a consumir e reproduzir o discurso dominante e dominador. Indivíduos pertencentes aos grupos excluídos queriam assumir esta identidade, afinal ela era aceita por todos. Foi esta a maneira que os Estados Unidos encontraram - e até hoje encontram – uma maneira de manter a idéia de um sujeito unificado e sua velha identidade. Mas embora Hall (2006) afirme que a "identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia." e a manutenção da mesma venha a ferir o princípio da contemporaneidade de privilegiar a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras da cultura, sua produção e venda tem mantido no imaginário dos povos colonizados, dentre eles o Brasil, a imagem de inferioridade frente aos povos norte-americanos e Europeus. A indústria hollywoodiana soube, como nenhuma outra, utilizar-se da situação cinema a seu favor, deformando a imagem das minorias que até pouco tempo eram silenciadas.

Por isso o acesso e o controle de espaços culturais, dentre eles o cinema, torna-se particularmente importantes para estes grupos marginalizados. A luta pelo terreno cultural é a luta pela atribuição de significados. Mas é importante ainda é ressaltar que os grupos marginalizados alcançaram o cinema. Mulheres, gays, negros e povos até então silenciados são também produtores de significados. Hoje, países latino-americanos como Brasil, México, o Uruguai e Cuba, nações antes dominadas pela cultura eurocêntrica e norte-americana, escrevem suas próprias histórias, exportam suas histórias fazendo-se conhecidas em diferentes partes do planeta. Porém apesar destes povos terem alcançado o cinema é ainda a indústria hollywoodiana que tem alcançado que tem alcançado a maioria das salas do nosso país a conseqüência deste fato é que pertence ainda aos norte-americanos o "poder" de atribuir significados às identidades.

Embora o cinema se apresente como um importante recurso nas aulas de E/LE em uma abordagem multicultural, uma vez que permite ao estudante um "encontro" com o outro, é importante observar se o mesmo não tem contribuído para a manutenção da identidade eurocêntrica. É importante realizar uma leitura crítica de como a cultura deste outro é apresentada uma vez que: a aprendizagem de uma LE, ao contrário do que podem pensar alguns, fornece talvez o material primeiro para o entendimento de si mesmo e de sua própria cultura, já que facilita o distanciamento crítico através da aproximação com uma outra cultura" (MOITA LOPES, 1996, p.43 apudMOTA, 2004, p.40).

É imprescindível atentar para a leitura crítica dos filmes hollywodianos, a fim de que os objetivos do multiculturalismo crítico sejam alcançados, entendendo a afirmação da sua identidade e o reconhecimento da diversidade humana, fazendo-os assim enxergar a inclusão da diversidadecultural como decisão política essencial para o bem-estar da humanidade.

E assim através da observação da representação do latino-americano é retratado nos filmes produzidos pela indústria de Hollywoody; da análise do efeito desta imagem enquanto mantenedora – ou não – dos estereótipos acercas dos povos de LA e transformar os alunos e especialmente os professores de E/LE em leitores críticos destes filmes é o nosso desafio.

Considerações Finais

Se Kellner nos aponta a urgência sermos alfabetizados criticamente, Morin (2003) afirma que vivemos também um analfabetismo ético e que nossa formação escolar, universitária, profissional nos transforma a todos em cegos políticos, nos impedindo assim de assumir nossa necessária condição de cidadãos da Terra. Ironicamente é a idéia de verdade que agrava o problema do erro. Ao considerar uma única verdade, nos esquecemos que existem outras verdades. E por isso é necessário levar o aluno a descobrir que sua verdade não é inalterável, existem outras verdades que, mais que toleradas, devem ser respeitadas.

É preciso retomar a idéia de que fomos educados através de um currículo monocultural. Como professores de E/LE propagamos a idéia de que a Língua Espanhola é a língua da Espanha, esquecendo-nos, muitas vezes, que esta não é a única língua deste país e mais que isso, esquecendo-nos dos outros países que falam este idioma. Eles continuam sendo os outros.Mas o território lingüístico ultrapassou estas fronteiras. E nós também temos que atravessá-las. Demonstramos que o cinema se configura como um recurso indispensável, capaz de conduzir alunos e professores para além destas fronteiras.

A eficácia do cinema na educação e, principalmente, na desconstrução de estereótipos, pode ser comprovada através do resultado de uma pesquisa realizada por Roseli P. Silva, professora da Universidade São Camilo. Em sua pesquisa, realizada com 22 estudantes de 14 a 17 anos, os mesmos se converteram em espectadores de filmes que tratavam de três grupos que geralmente são vítimas de preconceito em nossa sociedade – e também em outras – os homossexuais, as mulheres e os negros. Em contato com filmes que tinham como protagonistas um homossexual, uma mulher e um negro, através do processo de identificação com estes "heróis", os alunos puderam confrontar seus preconceitos e mudaram seus conceitos. Vale lembrar que estes três grupos são grupos excluídos pela cultura dominante, mas ganham voz através do multiculturalismo. O resultado desta pesquisa vem reafirmar como o cinema pode promover este diálogo entre culturas.

Gostaríamos de terminar esta parte do nosso estudo ressaltando somente a relevância da inserção da linguagem cinematográfica nas aulas de E/LE. Mas preferimos nos apropriar das palavras de Paraquett (2006): "Felizes aqueles que podem escrever ou ler artigos que falem de temas otimistas e transformadores. Não será o nosso caso, infelizmente." Enquanto o cinema latino-americano hispânico, que vem expandindo-se de forma bastante tímida e levando os alunos e professores a atravessar as fronteiras em direção ao outro, o cinema hollywoodiano reforça os estereótipos relacionados aos latino-americanos hispânicos e são filmes produzidos por esta indústria que são 'consumidos', quase que diariamente, por nossos alunos.

Esperamos que estas discussões possam contribuir significativamente com a prática dos professores de E/LE. Acreditamos nas propostas das comunicativistas, socioconstrutivistas, multiculturalistas e interculturalistas, no cinema enquanto recurso indispensável para as aulas de LE, mas acreditamos, principalmente, no compromisso dos professores de E/LE em alfabetizar criticamente seus alunos para que eles estejam prontos para reconhecer os discursos silenciadores propostos pelo cinema hollywoodiano.

Referências

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