1. INTRODUÇÃO


O presente artigo tem como objetivo realizar um levantamento de literatura que aborda a questão do trabalho informal na economia. Pretende-se apontar os conceitos, características e peculiaridades dessa modalidade de trabalho segundo diferentes perspectivas teóricas identificadas na literatura pertinente.
Essa discussão se mostra relevante, visto que o avanço do Neoliberalismo a partir da década de 1980 provocou desdobramentos sobre o mundo do trabalho, manifestando entre seus vários aspectos, uma trajetória de crescimento da informalidade nas relações de trabalho.
O trabalho contempla, além dessa introdução, uma segunda sessão na qual são analisadas as três principais correntes teóricas que abordam a informalidade das relações de trabalho, assim como as novas expressões assumidas por este fenômeno na contemporaneidade. O texto é encerrado com as considerações finais a respeito do tema proposto.


2. DIFERENTES CONCEPÇÕES TEÓRICAS ACERCA DA INFORMALIDADE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO


Para Cacciamali (1983), pode-se indicar a existência de três correntes teóricas que tratam do conceito e das características do setor informal. Neste sentido, o entendimento atual dessa temática foi alcançado graças à evolução conceitual a partir dos primeiros estudos durante a década de 1970.
A primeira corrente teórica partiu de um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Emprego e Renda no Kenya em 1972, que por sua vez, consistiu em um importante marco para delimitação teórica, isto é, definição da natureza do setor informal e de suas relações com o conjunto da economia. (CACCIAMALI, 1983)
Esta abordagem utiliza a ótica da produção para construir suas categorias. Sendo assim, considera o setor informal com as seguintes características: i) atividades com reduzido nível de capital; ii) técnicas pouco complexas e intensivas de trabalho; iii) pequeno número de trabalhadores (uns remunerados, outros familiares); iv) suas atividades não são alvos de política governamental; v) possuem dificuldades para obtenção de crédito; e vi) atuam em mercados competitivos. (CACCIAMALI, 1983)
Além disso, a análise leva em conta a existência de uma dicotomia na economia entre atividades pertencentes ao chamado setor moderno e outras pertencentes ao setor tradicional. Este último, ao qual pertenceria o setor informal, é, segundo Cacciamali (1983), visto de forma preconceituosa, na medida em que é caracterizado por formas arcaicas de produção, ausência de aspectos dinâmicos e receptáculo de trabalhadores desempregados e subempregados. Ao passo que o setor formal estaria mais ligado ao setor moderno com formas mais eficientes de produção e intensivas de capital.
Segundo Cacciamali (1983), a crítica a essa visão está pautada no fato de que, nas economias subdesenvolvidas caracterizadas pela escassez de capital, os pequenos estabelecimentos, pelo fato de serem mais trabalho-intensivos que os grandes estabelecimentos, empregam o fator trabalho de forma mais eficiente do que os grandes.
Além do mais, há eficiências e vantagens que o setor informal possuiria perante o setor formal. A principal vantagem seria que são utilizadas proporções socialmente adequadas de fatores utilizados no processo produtivo, já que o emprego de mão-de-obra é maximizado sem provocar requerimentos exagerados de capital e pressões excessivas sobre a balança de pagamentos. (CACCIAMALI, 1983)
Posteriormente, em outro estudo da OIT, conhecido como Programa Regional de Emprego para América Latina e Caribe (PREALC), ficaram estabelecidas as bases da segunda corrente teórica.
A origem do setor informal é atribuída tanto ao padrão de desenvolvimento capitalista em ação na região que, segundo essa visão, gera poucos empregos e, também ao padrão de crescimento demográfico que cria extenso excedente de mão-de-obra que se auto-emprega para sobreviver. Nesse contexto, o número de pessoas ocupadas depende da magnitude da força de trabalho não absorvida pelo setor formal. (CACCIAMALI, 1983)
Nessa visão, é mantida a dicotomia moderno-tradicional. Assim, partindo da mesma conceituação defendida pelo estudo no Kenya, compreende-se que o setor informal agrupa todas as atividades de baixo nível de produtividade, além de englobar trabalhadores independentes (exceção feita aos profissionais liberais) e empresas muito pequenas ou não organizadas. (CACCIAMALI, 1983)
A caracterização do setor informal Latino Americano pelo PREALC se mostra mais ampla do que a tentativa do estudo anterior no Kenya. Em síntese, temos que: (i) formado por um conjunto de atividades pouco capitalizadas, estruturadas com base em unidades produtivas muito pequenas, de baixo nível tecnológico e organização formal escassa ou nula; (ii) não predomina a divisão entre proprietários do capital e do trabalho; (iii) o salário não é a forma mais usual de remunerar o trabalho, apesar de a produção ser voltada para o mercado; (iv) em geral tem-se acesso a estratos de mercados competitivos ou àqueles que constituem a base da pirâmide de oferta de uma estrutura oligopólica concentrada; (v) não são capazes de determinar preço (atomização da oferta), portanto, não percebem ganhos extraordinários. (CACCIAMALI, 1983)
Apesar de o setor não se expandir de forma permanente, ele não está sujeito a extinção. Percebe-se neste ponto, que as duas correntes teóricas iniciais se mostram divergentes. Nessa última, defende-se agora que essas atividades expandir-se-ão, ou não, face ao ritmo de expansão da demanda, da escala mínima de operações para diversos tamanhos de planta, das economias de escala e de fatores políticos. Por conseguinte, as atividades informais podem ser lucrativas no curto prazo, mas no longo prazo, tendem a perder participação no mercado. (CACCIAMALI, 1983)
A terceira corrente teórica , de autoria de Paulo Renato Souza, conhecida como Abordagem Subordinada ou Teoria da Subordinação, acredita que existe uma relação orgânica, de complementaridade e de subordinação do setor informal perante o setor formal da economia.
Essa interpretação "rompe com a visão dual, constatando que o ?setor infor-mal? ocupa espaços permitidos pelo movimento de acumulação do núcleo capitalista, o qual pelo seu poder econômico tem a capacidade de dominar o mercado". (TAVARES, 2010, p.27).
Percebe o setor informal como forma dinâmica de produção, que não se atém à produção de mercadorias e serviços de má qualidade, não visa atender somente mercados de baixa renda e nem a utilização de técnicas tradicionais. O próprio ritmo de acumulação capitalista que irá determinar o crescimento ou redução do setor informal, absorvendo trabalhadores informais em períodos de euforia e expulsando trabalhadores formais para o segmento informal, em períodos de recessão. (CACCIAMALI, 1983)
Souza (1999) descreve esse movimento da seguinte forma: "[...] o núcleo capitalista da economia nos seus movimentos de expansão e contração, vai criando, destruindo e recriando espaços no mercado a serem preenchidos pela produção não tipicamente capitalista." (SOUZA, 1999, p.136)
O caráter de subordinação da terceira corrente se estende nas esferas de produção e circulação, reportando-se a inúmeros critérios, tais como: ocupação dos espaços econômicos, acesso a matérias-primas e equipamentos, implantação de tecnologia, acesso ao crédito, relações de trocas e nos vínculos mais concretos de subcontratação. Souza (1999) afirma que os estabelecimentos informais articulam-se ao capital de várias formas, desde a ocupação de espaços produtivos do mercado deixados vazios pela exploração capitalista, até a subordinação imediata e direta, mediante relações de subcontratação.
As atividades e os trabalhadores que compõem o setor informal podem ser caracterizados pelos seguintes elementos: i) o produtor direto é proprietário dos meios de produção e ocupa, simultaneamente, as funções de patrão e empregado; ii) a produção utiliza mão-de-obra familiar, não se baseando, em geral, no trabalho assalariado; iii) a renda obtida com a venda das mercadorias ou execução dos serviços é revertida para o consumo familiar e para a manutenção da atividade econômica, não havendo, em geral, a possibilidade de acumulação; iv) a atividade é dirigida pelo fluxo de renda que fornece ao proprietário dos meios de produção e não por uma taxa de retorno competitiva; v) a eventual fragmentação do trabalho não impede que o trabalhador tenha conhecimento de todo o processo de produção ou de prestação do serviço. (CACCIAMALI, 1983, p. 29)
A tese a qual aponta que o ingresso no setor informal funciona como uma alternativa de sobrevivência àqueles trabalhadores à margem do mercado de trabalho não consiste em uma unanimidade. Cacciamali (1983) é defensora dessa tese.
Marcio Pochmann segue a mesma linha de raciocínio ao salientar que parcela do excedente de força de trabalho parece integrar-se no processo mais amplo de valorização do capital. Assim, a tendência seria um reforço adicional às funções do excedente de força de trabalho, vinculando cada vez mais as atividades de sobrevivência ou do trabalho improdutivo à lógica capitalista. (POCHMANN, 2008, p.199)
Para Lira (2006), o setor informal já não representa mais uma mera alternativa de sobrevivência. "Na atualidade ela surge como fator vital ao capital, inserindo-se nas diversas áreas de trabalho e assumindo uma imagem ilusória de ?opção de trabalho?, associada ao empreendedorismo." (LIRA, 2006, p.139)
De acordo com Lira (2006), isso ocorre em função do papel exercido pelo trabalho informal no processo de acumulação do capital que, de maneira secundária, mas necessária, através do rebaixamento dos custos, assegura a manutenção e reprodução de parte do excedente estrutural da força de trabalho.
Deve-se ressaltar ainda, que há quem defenda que a Teoria da Subordinação já se tornou insuficiente para dar conta da realidade. Tavares (2010) e Perry et al (2007) representam esses autores. De modo geral, Tavares (2010) aponta que trabalho informal não deixou de ser subordinado e integrado à pro¬dução capitalista, mas já não se restringe aos seus interstícios. Mais da metade do emprego na América Latina e no Caribe é informal. Contudo, para o Banco Mundial, "a maioria dos trabalhadores informais não parece ter sido ?exclu¬ída? do setor formal, ao contrário, após fazer uma análise implícita do custo-benefício, optam por sair da formalidade". (PERRY et al., 2007, p.4)
Para tornar completo o entendimento do setor informal, há que se fazer a distinção entre a Informalidade Estrutural e a Nova Informalidade das relações de trabalho.
Segundo Duailibe (2010), pequenas firmas informais irão perpetuamente se reproduzir na economia, na medida em que a predominância na informalidade ? inclui-se também a manutenção de empregados sob relações de emprego informais ? constitui um mecanismo de adequação (supressão) dos custos às condições mínimas de rentabilidade e produtividade, em um ambiente de competitividade com firmas maiores, mais produtivas. Esta é a chamada Informalidade Estrutural, cujo caráter estrutural é determinado

[...] pela dinâmica de formação e reprodução do segmento informal ? em termos de aporte mínimo de capital, produtividade, padrões de concorrência e rentabilidade ? que obstaculiza a acumulação do capital, permitindo simplesmente a sua manutenção nas mesmas condições iniciais. (DUAILIBE, 2010, p.89)

Em outras palavras, manter-se em estado informal implica em custos reduzidos, que por sua vez, é a única forma de sobrevivência dessas firmas no mercado. "Para os proprietários/empregadores do segmento informal, o rebaixamento do custo do trabalho é um aspecto sobre o qual têm poder de gestão e que contribui para a sua permanência no mercado". (DUAILIBE, 2010, p.89)
Outro ponto que merece destaque é a questão da Nova Informalidade, conceito introduzido por Tavares (2004). Duailibe (2010) afirma que além da informalidade nas relações de emprego inerente ao segmento informal da economia, a partir da década de 1990, as profundas transformações verificadas na atuação do Estado, nos objetivos de política econômica, na organização produtiva e nas formas de gestão da força de trabalho, determinaram o surgimento da Nova Informalidade.
Tavares (2004) associa diretamente a redução do emprego nas médias e grandes empresas, aos fenômenos de precarização das relações de emprego e terceirização decorrentes da flexibilização e da desregulamentação promovidas no âmbito da reestruturação produtiva neoliberal durante a década de 1990.
Trata-se de uma espécie de informalidade que se apresenta em situação de subordinação direta ao médio e grande capital, originada a partir desse movimento recente de terceirização. (DUAILIBE, 2010)
A Nova Informalidade manifesta-se no trabalho em cooperativas, em domicílio e nas pequenas empresas. A lógica motivadora dessa simulação é a redução de custos trabalhistas e previdenciários. Tomando o trabalho em domicílio, por exemplo, as empresas reduzem custos trabalhistas, previdenciários e produtivos transferindo parte do processo produtivo, do interior das fábricas, para o domicílio dos trabalhadores, os quais, via de regra, não possuem qualquer relação contratual com a empresa contratante, sequer são considerados prestadores de serviços legalmente reconhecidos.
Em outras palavras, as relações entre o setor formal e informal da economia se tornam mais complexas, deixando de se realizar através do circuito de renda, passando a se estabelecer via circuito produtivo, à medida que o setor formal ? inclusive o grande capital ? passa a contratar produção e serviços no setor informal. (DEDECCA, 1998, p.8)
Instaura-se uma grande precariedade no mercado de trabalho. Esta, não aparece devido a problemas nas relações de trabalho ou à introdução de novas tecnologias, mas às imposições da política econômica que induz um processo de racionalização da base produtiva e nas funções do setor público. Continuam sendo, portanto, nas decisões de produção que têm origem os problemas de emprego e não em supostas disfunções no mercado de trabalho, como propagandeiam o governo e assessores. (DEDECCA, 1998, p.9)


3. CONCLUSÃO

O entendimento teórico da informalidade não é consensual e não detém uma conceituação precisa que permita procedimentos de mensuração comparáveis. Enquanto a primeira corrente teórica da OIT no Kenya trata a produção como sendo dual, a segunda corrente da PREALC, ora mantém a abordagem dual, ora expõe uma visão estratificada do quadro produtivo e enfatiza as relações entre os setores formal e informal. Já a terceira corrente analisa a produção como um todo e insere intersticialmente e, de forma subordinada, o setor informal no conjunto das relações de produção vigentes. (CACCIAMALI, 1983, p.18)
Uma diferença fundamental entre esses grupos é quanto ao conteúdo das propostas de política econômica. Os dois primeiros são favoráveis à aplicação de políticas específicas para o setor informal e até certo ponto otimistas quanto a seus efeitos para minorar a questão da pobreza nos países economicamente atrasados, enquanto o último grupo, além de cético quanto ao conteúdo e impacto de políticas específicas para o setor, enfatiza medidas de política econômica a nível global. (CACCIAMALI, 1983, p.18)
Isso deve ser compreendido, visto que as medidas neoliberais incorporadas pelo Brasil na década de 1990, dentro de um contexto de reestruturação produtiva, mudança no papel do Estado e no mundo do trabalho, provocaram uma redução do nível de crescimento econômico doméstico, aumento do desemprego e, consequentemente, elevação dos níveis de informalidade.
Ou seja, as medidas pontuais neoliberais de combate ao desemprego ? medidas de qualificação da mão-de-obra e redução dos ônus trabalhistas ? se mostraram ineficazes. Enquanto que com a retomada do crescimento econômico brasileiro nos anos 2000, a partir de medidas mais globais ? políticas de cunho sociais e de cunho macro econômico ? os níveis de informalidade caíram, nos indicando que a Teoria da Subordinação se mostra mais adequada para compreensão da informalidade.


REFERÊNCIAS


CACCIAMALI, Maria Cristina. Setor informal urbano e formas de participação na produção. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1983.

DEDECCA, Claudio Salvadori. Reorganização produtiva e relações de trabalho no Brasil ? anos 90. Campinas: Unicamp, Cesit/IE, 1998.
DUAILIBE, Mônica Damous. A informalidade das relações de emprego e a atuação da inspeção do trabalho: uma análise para o Maranhão contemporâneo. São Luís: 2010.

LIRA, Izabel Cristina Dias. Trabalho informal como alternativa ao desemprego: desmistificando a informalidade. In: SILVA, Maria Ozanira da Silva e; YAZBEK, Maria Carmelita (Orgs). Políticas públicas de trabalho e renda no Brasil contemporâneo. São Paulo: Cortez; São Luis: FAPEMA, 2006.

PERRY, G. E. et all. Informalidade: saída e exclu¬são. Washington D.C., Banco Mundial, 2007.

POCHMANN, Marcio. O emprego no desenvolvimento da nação. São Paulo: Boitempo, 2008.

SOUZA, Paulo Renato. Salário e emprego em economias atrasadas. Coleção Teses. Campinas: Instituto de Economia/UNICAMP, 1999.

TAVARES, Maria Augusta. O trabalho informal e suas funções sociais. Revista Praia Vermelha. Rio de Janeiro. v. 20, nº 1. p. 21-36. Jan-Jun, 2010.

TAVARES, Maria Augusta. Os fios (in)visíveis da produção capitalista. São Paulo: Cortez, 2004.