A INFLUÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LIVRE CONCORRÊNCIA SOBRE O CRIME DE CARTEL[1]

 

Ingrid Brandão e Raissa Braga[2]

Maria do Socorro Almeida de Carvalho[3]

 

Sumário: Introdução. 1. Elementos gerais e históricos sobre os crimes contra a ordem econômica e do princípio da livre concorrência; 1.1. O crime de cartel pelas leis 8.137/1990 e 12.529/2011; 2. A influência do princípio da livre concorrência e das legislações vigentes sobre o crime de cartel; 3. O crime de cartel na atualidade. Conclusão. Referências.

 

RESUMO

O princípio constitucional da livre concorrência, previsto no inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal de 1988, assegura que é indispensável a justiça, a segurança e liberdade nas relações financeiras, tendo por objetivo progredir o país, e assim poder alcançar o equilíbrio das relações econômicas. Dessa forma, analisar-se-á tanto o princípio da livre concorrência quanto as leis 8.137/1990 e 12.529/2011 que regulamenta os crimes de Ordem Econômica,  os quais são aplicados no combate ao crime de cartel. Sendo assim, o viés da pesquisa é analisar o crime de cartel e suas peculiaridades, bem como as leis que o regulam e a incidência do principio da livre concorrência diante desse crime, além de expor e comentar sobre as atualidades desse crime e como combatê-lo.

Palavras-chave: Princípio da livre concorrência. Direito Penal Econômico. Crime de Cartel. Lei 8.137/1990. Lei 12.529/2011

INTRODUÇÃO

O crime de cartel, assim como todos os demais crimes relacionados à ordem econômica, desarmoniza a economia do país e fere o princípio constitucional da livre concorrência e da livre iniciativa, em virtude do desequilíbrio mercadológico, uma vez que ocorre a concorrência desleal devido ao monopólio das organizações criminais provenientes do crime de cartel, tendo por vítima principal a própria sociedade em massa.

Sendo assim, há atualmente as Leis 12.529/2011 e 8.137/1990 para regulamentar o Direito Penal Econômico, e seus propulsores objetivam dar proteção ao bem jurídico afetado nesses crimes como a sociedade, o mercado comercial e seu sistema de livre concorrência, uma vez que é necessário que haja uma economia de mercado em pleno funcionamento e que ofereça melhores preços, produtos e serviços de melhor qualidade possível. Portanto, unicamente a intervenção do Direito Penal no âmbito dos crimes econômicos e na própria ordem econômica tem se dado essencialmente através daqueles dois diplomas legais, e da previsão do princípio constitucional da livre concorrência, previsto no inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal de 1988.

Porém, é necessário legislações infraconstitucionais ou medidas mais eficazes, além das atualmente previstas, uma vez que o crime de cartel abrange fronteiras internacionais, e que por isso comprometem o ius puniendi. Sendo assim, além das abordagens, é necessário analisar como o princípio da livre concorrência e as legislações atualmente vigentes contribuem para o combate ao crime de cartel.

1 ELEMENTOS GERAIS E HISTÓRICOS SOBRE OS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA E DO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA

 

Primeiramente, deve-se frisar que o tratamento dado à ordem econômica pelo Direito Penal, apresenta dificuldades para garantir o ius puniendi, em razão da relatividade e instabilidade de suas normas. Essa instabilidade e relatividade das normais penais sobre os crimes contra ordem econômica, ocorre, conforme afirma Luiz Régis Prado, 2009, p. 35 ‘’em razão de variáveis político-econômicas, o que dá lugar a tipos penais altamente complexos e imprecisos’’.

Compreende-se como conceito de ordem econômica a regulação jurídica pelo Estado na economia, na produção, distribuição e consumo de bens e serviços, frisando um mercado em que a livre concorrência se sobreponha ao monopólio empresarial. Dessa forma, a tutela penal busca abranger tanto a economia como também o âmbito empresarial, envolvendo a livre concorrência.

No Brasil, tanto a Constituição de 1824 como a de 1891 foram omissas no que diz respeito a tutela dos bens jurídicos da ordem econômica. Somente a partir da Constituição de 1934 que o legislador se preocupou em dedicar um espaço especial à ordem econômica, sendo organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, e dentro desses limites, fosse garantida a liberdade econômica (art. 115 da CF de 1934).

Já a Constituição de 1937 se preocupou em tutelar a intervenção do Estado no domínio econômico, de acordo com Regis Prado (2009). Porém, foi somente na Constituição de 1946, no art. 148 que se encontra no Titulo referente à Ordem Econômica e Social, que o legislador se preocupou em reprimir toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, sob a égide de por fim na dominação do mercado por agrupamento ou uniões de empresas individuais e garantir a livre concorrência.

Após, surgiu a Lei. 4.137/62 para regulamentar a’’ repressão ao abuso de poder econômico’’ (Regis Prado, 2009, p. 37). Outro ponto relevante desta lei foi a criação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão então competente para aplicar a lei sobre os abusos do poder econômico na área administrativa. De acordo com Regis Prado (2009), o CADE vira a repressão administrativa às infrações de ordem econômica, como também este órgão possui atribuições preventivas em relação a aprovação de atos que possam resultar na dominação do mercado, ou então à atos que limitam ou prejudicam a livre concorrência.

Na atual Constituição de 1988, o legislador consagrou as ideias de livre concorrência e liberdade de iniciativa, garantindo que ‘’o Estado possa intervir sempre que a liberdade de inciativa não estiver sendo exercida em proveito da sociedade ou em desconformidade com os anseios sociais’’ (Souto, 2000, p.168-169). Sendo assim, a ordem econômica está devidamente disciplinada nos artigos 170 a 181 da Constituição Federal, e vários são os princípios incluídos nesses artigos, como a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, de forma que, segundo Regis Prado, 2009, p. 38 ‘’assegure o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização estatal, salvo nos casos previstos expressamente em lei’’.

Ou seja, o Estado pode intervir na econômica de acordo com os limites constitucionais previstos, bem como a intervenção estatal direta ocorre nos casos de relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional, de acordo com o art. 173 da Constituição, com o fim de evitar a concorrência desleal e o abuso de poder econômico. Conforme disposto no art. 173 da CF é estabelecido que ‘’A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros’’.

Outras considerações sobre a tutela da ordem econômica devem ser feitas, como:

No contexto histórico-legislativo de repressão de condutas configuradores de abuso do poder econômico, devem ser citadas: a Lei 8.158/91, cujo objetivo era agilizar e dar celeridade aos procedimentos administrativos da Lei 4.137/62, transferindo à Secretária Nacional de Direito Econômico (SNDE), vinculada ao Ministério da Justiça, a apuração e a proposição de medidas cabíveis para a correção de comportamentos lesivos à concorrência; a Lei 8.137/90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e a Lei 8.884/94, que transforma o Conselho Administrativo de Defesa e Econômica (CADE) em Autarquia e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica (REGIS PRADO, p. 40, 2009).

Além disso, deve-se considerar que com o art. 13 da Lei 8.884/1994 foi criada a Secretaria de Direito Econômico –SDE – que também merece destaque, pois surgiu como forma de suprir os limites de atuação do CADE, podendo este então agir de forma mais aberta.

Por fim, todas estas disposições legislativas e constitucionais tem como função tutelar a ordem econômica e destinam-se ao combate e a limitar as formas de concentração econômica do mercado em uma só empresa, tutelando assim, a concorrência afim de impedir as práticas comerciais consideradas abusivas, priorizando assim o princípio da livre concorrência no mercado econômico.

1.1 O CRIME DE CARTEL PELAS LEIS 8.137/1990 E 12.529/2011

A Lei 8.137/1990 surgiu para regulamentar os delitos contra a ordem econômica como forma de evitar o abuso de poder econômico. No que diz respeito ao crime de cartel, este encontrasse disposto no art. 4° da Lei 8.137/1990 e passou também a ser regulado pela Lei 12.529/2011 esta que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, ambas como instrumentos garantidores de uma atividade econômica pautada na livre concorrência.

As Leis 12.529/2011 e 8.137/90 têm essa característica que é peculiar a essa disciplina jurídica. Seus preceitos objetivam dar proteção a setor sensível da sociedade, o mercado e seu sistema de livre concorrência e, em certa medida, também a tutela dos interesses dos consumidores, que numa economia de mercado em pleno funcionamento terão melhores preços e produtos e serviços de melhor qualidade postos à sua disposição. (QUIRINO DE ALMEIDA, p.1, 2013).

Segundo Regis Prado (2009), os bens tutelados no artigo 4° da Lei 8.137/90 é a livre concorrência e a livre iniciativa. Por isso, tanto a referida lei, como a Lei 12.529/11 tem como fim erradicar ou amenizar o abuso de poder direcionado a dominar os mercados provenientes da cartelização, então é esse o fim especial de agir consubstanciado nesses dispositivos. O crime de cartel é então disposto no art. 4º da Lei 8.137/90 com redação alterada pela lei 12.529/2011:

Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:

         I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

        Dessa forma, ambas as leis nos seus respectivos campos de atuação, convergem em prevenir e repreender condutas que são contrárias à ordem econômica, sancionando o abuso do poder econômico como forma de garantir a livre concorrência e o interesse dos comerciantes em geral. Ou seja, através dessas legislações e órgãos competentes como o CADE, encontra-se tanto uma tutela administrativa como também uma tutela penal.

Portanto, a intervenção penal da ordem econômica tem se dado essencialmente através daqueles dois diplomas legais – Lei nº 8.137/90 e Lei nº 12.529/2011. A primeira definidora de crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo. A segunda, com foco na regulação administrativa e tutela contra práticas anticoncorrenciais, transformou o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica -, em autarquia, cuja finalidade, com fulcro na referida lei, é a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, através de mecanismos próprios de atuação, intervenção e aplicação de sanções administravas (QUIRINO DE ALMEIDA, p.1, 2013).

Sendo assim, à respeito dos crimes contra a ordem econômica, deve-se ressaltar  a semelhança que consta do artigo 4º, incisos I e II, da Lei n. 8.137/90, em relação ao texto referido pelo artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, que dispõe que ‘’Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante’’; ou seja, em ambas é feita previsão de processos de cartelização, dando como escopo tanto para sanção na esfera penal, quanto na administrativa. Além disso, demonstrando que o suposto infrator, das regras da livre concorrência, estará sujeito então a dupla punição.

Adentrado ao crime de Cartel, a doutrina traz que este é um crime especifico, possuindo peculiaridades próprias e que, necessariamente o sujeito ativo é uma organização criminosa. Nesse sentido, está Frederico Abrahão de Oliveira, na sua obra “Direito Penal Econômico Brasileiro”:

Cartel é o acordo temporário entre diversas empresas exploradoras de um mesmo ramo com o objetivo de exercer monopólio de mercado, conservando cada uma delas parte da sua independência e o total da sua personalidade jurídica. É um conchavo empresarial em busca de monopólio.

No cartel, as empresas acertam como e a que preço colocarão os seus produtos no mercado e como negociarão com seus fornecedores de matéria-prima, mão de obra, etc. Formado o grupo e estabelecidas as estratégias a serem adotadas, operam por tempo determinado, raramente estabelecendo termo final para o ajuste.

Na busca das mesmas vantagens do monopólio, objetivando aniquilar com os seus concorrentes, assim trazendo pela fixação de preços, pela divisão de mercado (...). O cartel é uma organização informal, posto não haver uma estruturação material; logo, é clandestino, restando materializada a formação de quadrilha, entre os seus componentes. (1996, p.39)

A partir disso, contata-se que o cartel é uma organização criminosa informal, com a finalidade de obter vantagens econômicas através de um consumidor específico, de forma impositiva, ao realizar a determinação uniforme entre os empresários sobre o preço de um determinado produto, ficando os consumidores a mercê deste, sem outras opções, o que viola veementemente o princípio da livre concorrência e, consequentemente, coloca em risco a  ordem econômica. (DALLEFI, 2009)

2 A INFLUÊNCIA DO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DAS LEGISLAÇÕES VIGENTES SOBRE O CRIME DE CARTEL

Inicialmente, é preciso atentar-se que o principio da livre concorrência, explanado ao longo desse trabalho, não é previsto de forma isolada pela Carta Magna de 1988, mas juntamente a outros que, também, visam a proteção da ordem econômica do país. Nesse sentido, está Eros Grau:

A “livre concorrência” é pela Constituição de 1988 erigida à condição de princípio. Como tal contempla o art. 170, IV, compõe-se, ao lado de outros, no grupo que tem sido referido como “princípio da ordem econômica”. Trata-se como já anotei, de um princípio constitucional impositivo (Canotilho). A afirmação, principiológica, da livre concorrência no texto constitucional é instigante. (1988, p.230)

Eros Grau comenta especificamente, na mesma obra citada a cima, sobre os princípios que tem interdependência entre si para que, assim, possam alcançar o seu objetivo comum: manter a ordem econômica. Vejamos:

As regras da lei nº8884/1994 conferem a congregação aos princípios da liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão ao abuso do poder econômico, tudo em coerência com a “ideologia constitucional” adotada pela Constituição Federal de 1988. Esses princípios coexistem harmonicamente entre si, conformando-se, mutuamente, uns aos outros. Daí porque o princípio da liberdade de concorrência ou da livre concorrência assume, no quadro da Constituição Federal de 1.988, sentido conformado pelo conjunto dos demais princípios por ela contemplados; seu conteúdo é determinado pela sua inserção em um contexto de princípios, no qual e com os quais subsiste em harmonia.(1998, p.234)

Destarte, é indispensável que o princípio da livre concorrência esteja associado e em perfeita sintonia com os demais princípios previstos na Lei nº 8884/1994, tais como: repressão do abuso de poder econômico, defesa do consumidor, liberdade de iniciativa e entre outros. Basta observar que, para existir a livre concorrência é necessário, anteriormente, existir a livre iniciativa.

Faz-se mister observar que, apesar de a livre iniciativa ser um direito reconhecido aos empresários, há um dever em contrapartida, que é o de respeitar os limites impostos. O direito coíbe duas formas de concorrência: a desleal e a com abuso de poder. A primeira possui consequências tanto na seara penal quanto civil, já a segunda possui na civil, penal e administrativa. Essa segunda é a o crime de cartel se enquadra, visto que, ela compromete as estruturas do mercado, além de atingir um campo bem maior de interesses juridicamente relevantes, que são os crimes contra a ordem econômica, que é o objeto de estudo desse trabalho. (PRADO, 2009)

O intuito não é extinguir a existência do poder econômico do mercado, pelo contrário, busca-se um meio termo, em que não haja abusos, ou seja, disciplinar o seu exercício, de forma que se reprima o uso de medidas que venham a comprometer as estruturas do livre mercado, domínio do mercado, eliminação da concorrência e o aumento arbitrário de lucros. Tudo isto está previsto nos incisos I, alínea a e II alínea a,b e c do artigo 4º da Lei 8.137 de 1990, bem como nos incisos I, II e IV e §2º e 3º, inciso I e II da Lei 12.529 de 2011.(PRADO, 2009)

É Importante ressaltar que não se pode deduzir, automaticamente, que um mercado econômico que não tenha impedimentos jurídicos, seja sinônimo de um mercado propício a condutas ilícitas que inibem o crescimento econômico e que infringe a lei. Infelizmente, na realidade o que acorre com bastante frequência, em alguns setores da economia, é a formação de grupos que, pautados na livre iniciativa e na livre concorrência, vão contra a ordem econômica ao realizar práticas que vão de encontro com as previsões legais da concorrência. (DALLEFI, 2013)

O renomado autor constitucionalista, José Afonso da Silva, está em concordância com o posicionamento de que não se busca extinguir a existência do poder econômico no mercado econômico, mas sim reprimir quando ultrapassar os limites, os quais ele chama de exercer o poder econômico de forma antissocial, que é o que ocorre, nitidamente, na prática do crime de Cartel.

A livre concorrência está configurada no art. 170, como um dos princípios da ordem econômica. Ela é uma manifestação da liberdade de iniciativa e, para garanti-la, a Constituição estatui que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Os dois dispositivos se complementam no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira antisocial. Cabe, então, ao Estado coibir esse abuso. (SILVA, 1988, p.876)

Sendo assim, constata-se que o principio da livre concorrência tem por objetivo proporcionar ao mercado econômico uma harmonia/sintonia/equilíbrio em relação com os outros princípios da ordem econômica, já comentados anteriormente, com a finalidade de proporcionar o crescimento econômico. Dessa forma, a incidência do referido princípio é essencial nas relações financeiras e econômicas de forma a propiciar um mercado justo e sem abusos, que geram uma desigualdade que atinge não só os direitos dos concorrentes, mas, também, de toda a sociedade, esta que é a mais prejudicada com o crime de Cartel, visto que, os seus reflexos, tais como: preços altos, difícil aquisição e entre outros que estão nesse desenrolar, atingem, diretamente, esse público. (DALLEFI, 2013)

É importante observar que os crimes de cartéis violam todos os princípios constitucionais, porém, o da livre concorrência é o mais desobedecido, gerando abusos, visto que, ao violá-lo além de se diminuir a competitividade nas relações econômicas, fere-se diversos interesses tutelados na constituição, o que resulta numa desestruturação no mercado financeiro e impedindo o crescimento do país.

Portanto, a aplicação do princípio da livre concorrência nas relações econômicas visa amenizar, de forma que proporcione disputas eu tragam uma maior variedade de produtos com qualidade e preço justo, buscando um equilíbrio entre a oferta e procura. (DELLEFI, 2009)

3 O CRIME DE CARTEL NA ATUALIDADE

Dentre os vários crimes relacionados com o direito penal econômico, a formação de cartel, objeto do presente trabalho, este crime ocasiona uma lesão direta ao patrimônio público, tendo a capacidade de desestruturar a ordem social, bem como o poder econômico, além de provocar um desequilíbrio mercadológico, sendo um dos grandes fatores que corroboram para o atraso do Brasil.

Atualmente, conforme estudo realizado pelo grupo de pesquisa (Revista Série Pensando o Direito, 2012) dentre os casos que chegam ao CADE, os setores mais envolvidos no crime de cartel são os combustíveis, a saúde, o transporte, a construção, entre outros, e com destaque principalmente para os combustíveis. Isso ocorre devido a possibilidade de comparação de preços ser muito maior nessa área, uma vez que os preços dos postos de gasolina ficam publicamente expostos, possibilitando a comparação constante entre diversos postos. Porém, o que complica a situação é que é difícil provar quando de fato caracteriza crime de cartel e quando é apenas uma variação natural de preço, gerando então o arquivamento de diversos casos.

Dessa forma, torna-se difícil efetivar um sistema de fiscalização, pois não há escritórios regionais do órgão SBDC, visto que, todos são sediados em Brasília, então não há forma de se garantir uma fiscalização cotidiana que permita uma ação claramente proativa do Sistema. (Revista Série Pensando o Direito, 2012, p. 23). No que diz respeito aos arquivamentos, a ausência de provas ou a falta de indícios são a principal causa de arquivamentos dos processos no CADE, o que nos faz questionar o problema das normas que atualmente regulam o Direito Penal Econômico serem extremamente complexas, relativas e imprecisas, e que por isso comprometem o ius puniendi.

As possíveis soluções para sanar o Cartel no âmbito de maior incidência, os postos de gasolina, a ANP pode auxiliar os órgãos competentes no combate dos cartéis, efetuando pesquisas constantes eu visem o levantamento de preços e, após, repassar ao consumidor e aos órgãos públicos, com o intuito de tudo de fiscalizar para prevenir e combater possíveis infrações contra a ordem econômica que venham a violar, principalmente, o princípio da livre concorrência. (DELLEFI, 2009)

CONCLUSÃO

Após o estudo mais aprofundado sobre o Crime de Cartel, bem como das Leis que o regulam e da incidência do principio da livre concorrência, contata-se que a existência do referido principio, presente no inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal, é indispensável não só para garantir a liberdade econômica das empresas, mas, também, para que o Estado possa coibir a concorrência desleal e, consequentemente, crimes contra a ordem econômica.

É importante, também, observar que o principio da livre concorrência não deve ser visto de forma isolada, ou seja, ele deve ser visto em sintonia com os demais princípios (repressão do abuso de poder econômico, defesa do consumidor, liberdade de iniciativa etc), para que, assim, a sociedade possa ter um mercado mais justo, no qual exista a concorrência saudável e que possibilite o consumidor a escolher, o que inexiste quando há o crime de Cartel.

A principal função do principio da livre concorrência é proporcionar uma competição justa de mercado, buscando impedir práticas que eliminem a concorrência, bem como aquelas que tendem a dominar os mercados por meio de abusos, visto que, os consumidores, pólo mais frágil da relação, são os mais prejudicados.

Destarte, atualmente, a maior incidência do crime de Cartel está no âmbito empresarial dos postos de combustíveis, no qual um estudo atual, publicado na Revista “Série Pensando o Direito” traz que há muitas dificuldades em efetivar a punição nessas situações, sendo por dois principais motivos: provas, em virtude da complexidade das normas que regulam atualmente o Dt. Penal Econômico e a fiscalização, visto que, não há escritórios regionais do órgão SBDC.

REFERENCIAS

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SOUTO, M. J. V. Ordem econômica na Constituição. RTFP, 2000.

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QUIRINO DE ALMEIDA, Arnaldo. Cartel: crime contra ordem econômica. Disponível em>http://arnaldoquirino.com/2013/08/19/a-tutela-penal-da-ordem-economica-nocoes-gerais-fundamentos-da-tutela-penal-formacao-de-cartel-crimes-em-especie/<. Acesso em: 05/11/14.

TANGERINO, Davi de Paiva Costa. ABRAMOVAY, Pedro Vieira. (et ali). Crime de Cartel e Reparação de danos no Poder Judiciário Brasileiro. Série Pensando o Direito, vol.47. Brasília: Ministério da Justiça, 2012.



[1] Paper final apresentando a disciplina de Direito Penal Especial III da UNDB;

[2] Alunas do 6° Período Noturno do Curso de Direito da UNDB;

[3] Professora, Especialista, Orientadora.