A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA: UM ESTUDO DE CASO COM ALUNOS COM FORMAÇÃO PROTESTANTE DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPE.

Izabel Maria de Oliveira Santiago1

Niely Pereira da Silva2

Vantuil Barroso3

Resumo

Para o presente estudo investigou-se a influência e interferência da religião na construção da autonomia como tomada de decisão de nove alunos com formação protestante do curso de pedagogia da UFPE. Como instrumento de pesquisa utilizou-se a entrevista semi-estruturada fundamentando-se numa análise interpretativa, colocando as pesquisadoras numa relação íntima com o objeto da investigação. Dos alunos e alunas entrevistados duas tinham nascido na religião protestante, mas não permanecem mais, dois fizeram parte e hoje não fazem mais e cinco pertencem a alguma denominação protestante. Como resultado da pesquisa, percebemos que para os entrevistados a religião influencia e interfere na construção da autonomia, mesmo sendo de maneira diferente para cada um, podendo ser tanto de forma negativa como positiva.

Palavras - chave: religião protestante, influência da religião e construção da autonomia.

INTRODUÇÃO

O poder da religião na educação e no comportamento dos indivíduos manifesta-se através da imposição de uma cultura sobre outra. Sob o pretexto do autoritário cultural, esse processo faz com que certas crenças espalhem-se pelo mundo como verdades universais: o que pregam deve ser seguido pelos seus membros, sendo assim, respeitadas e difundidas entre aqueles que consideram a religião como parte fundamental para o seu desenvolvimento humano, enquanto ser social.

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1 Concluinte do Curso de Pedagogia da UFPE. [email protected]

2 Concluinte do Curso de Pedagogia da UFPE. [email protected]

3 Professor Doutor em Sociologia e Ciência Política pela Universidad de Deusto-Bilbao-Espanha.

O catolicismo chega ao Brasil já na época do descobrimento, deixando suas raízes no meio social a partir do período da colonização. Ordens e congregações religiosas, como a companhia de Jesus,assumem a missão de educar e evangelizar a população indígena e inserem-se na vida do país.

O Protestantismo foi um movimento que surgiu na Europa no século XVI iniciado pelo monge agostiniano Martinho Lutero, que protestou contra alguns pontos da igreja Católica. Os principais motivos do rompimento com a Igreja foram: a adoração de imagens, o celibato, as missas em latim, a autoridade do Papa, entre outros. Para os protestantes, a salvação é dada através da graça e bondade de Deus, na qual cada pessoa pode se relacionar diretamente com seu criador, sem a necessidade de um intermediário; diferentemente da fé católica, a qual diz que o método de se obter a salvação é através dos sacramentos e rituais para purificação da alma feita através de pessoas santificadas como padres e bispos.

O protestantismo, que faz parte de um conjunto de denominações entre as igrejas cristãs e doutrinas, chegou ao Brasil também com a missão de evangelizar essa gente pela primeira vez em 1557, mas sem êxito, devido à predominância do catolicismo.

Mais tarde, vindo com a Família Real ao Brasil, a Igreja Anglicana se estabeleceu em 1811 como igreja de imigração. A Batista veio em 1871, trazida pelos americanos. Em 1910, chega ao Brasil a Assembléia de Deus, trazida por dois missionários suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren e em 1890 a igreja Adventista trazida por imigrantes alemães. Em alguns países, especialmente no Brasil, o termo "protestante" é substituído por "evangélico", retirando a conotação polêmica da palavra e dando uma característica mais positiva e universal.

Por muito tempo o ensino religioso perdurou como sendo obrigatório e a escola foi uma das instituições sociais que mais contribui para a propagação da religião, através de disciplinas voltadas para o seu estudo. Hoje não deve ser mais obrigatória, principalmente em escolas públicas onde poderá ser facultativa a inclusão no currículo da disciplina voltada para o ensino religioso, sendo essa muitas vezes substituída por outras disciplinas como, por exemplo, a de educação sexual, ética, cidadania ou outras referentes ao âmbito social. De acordo com a LDB, no ensino fundamental, é assegurado o direito à diversidade cultural religiosa do Brasil.

A religião está impregnada no modo de ser das pessoas, na vivência familiar, contribuindo para possíveis mudanças comportamentais. Nesse contexto, pode ser que ocorram, por exemplo, pontos de divergências entre o ambiente escolar e os valores postos por ela. O ser humano que convive desde o seu nascimento como membro de uma determinada religião acaba apreendendo os valores morais e costumes que ela coloca como sendo leis naturais a serem cumpridas. Atualmente, a religião católica é mais liberal em relação a algumas restrições, assim também como algumas igrejas evangélicas como, por exemplo, a igreja Batista; mas outras assumem a postura tradicional em que seus costumes religiosos podem vir afetar de maneira negativa aspectos importantes da formação humana como o processo de reflexão a cerca da realidade, dos valores e costumes que acreditamos e sobre todo o conhecimento que adquirimos a cada momento, pois a religião em si, seja ela protestante ou não, tem o poder de moldar a forma de como as pessoas devem pensar, ou seja, o que pensar e como pensar.

O presente artigo aborda o tema educação e religião cuja problemática desenvolvida enfatizou sobre os impactos que a educação religiosa ensinada no ambiente familiar pôde causar na vida sócio-afetiva dos sujeitos.

 Os possíveis impactos puderam atingir de forma a comprometer o relacionamento nos grupos sociais, na escola, na vida profissional e na vida do próprio indivíduo como pessoa diante das possíveis privações que a religião impõe. Tomamos como exemplo algumas pessoas que, por fazerem parte da religião adventista, só podem trabalhar até o pôr-do-sol da sexta-feira: no caso, até mais o menos às 17h00 horas. Por outro lado, muitas escolas, por se considerarem confessionais, não trabalham algumas festividades como São João, carnaval, folclore, dentre outras.

Tal interesse pelo assunto surgiu diante da experiência pessoal das autoras do presente trabalho, só que uma delas nasceu numa família de pessoas evangélicas, onde a infância, adolescência e juventude incluindo também a fase que se encontra hoje que, no caso, é a idade adulta, foram vividas, direcionadas e também condicionadas pelos princípios religiosos adotados pela família. Ou seja, teve em sua formação enquanto sujeito a influência dos princípios da denominação evangélica Assembléia de Deus, mas que, apesar de ter afetado de maneira negativa alguns aspectos da sua vida, como por exemplo, a construção da sua autonomia no que se refere à tomada de decisão, ainda assim, é a igreja em que mantém até hoje um vínculo de convivência. A outra autora também nasceu dentro da religião, só que católica, e sua família seguia fielmente os preceitos religiosos, pois passou toda sua infância e juventude em um sítio, no município de Camocim de São Felix (Agreste do estado de Pernambuco), a igreja seguia uma rigorosidade diferente das que se encontra em Recife, além do mais, não há igrejas protestantes na localidade, então quando a mesma foi tomando suas próprias decisões a respeito do que queria para sua vida, não podia pensar por si mesma havia imposições por parte da família para ir à igreja, era "obrigada", sob ameaça de sofrer castigos celestes.

  Também segundo relatos obtidos em contatos informais, foram encontradas pessoas que revelaram ter sofrido interferências em determinados aspectos da sua vida, devido aos princípios religiosos nos quais estavam inseridos, e que, por conta de tais fundamentos, chegaram a reprimir emoções e ações, que muitas vezes só podem ser vividos em determinado momento da vida do ser humano, como por exemplo, o período da adolescência e juventude onde as descobertas, desejos e emoções querem ser vividos com toda intensidade.

Um ponto a ser ressaltado dentro desses relatos é que os sujeitos são provenientes de famílias em que a religião da qual fazem parte é a protestante, estando em destaque as igrejas Assembléia de Deus e Adventista cujas filosofias religiosas possuem valores e costumes um tanto rigorosos, de forma a privar as pessoas a viverem fases da sua vida de maneira plena. Por exemplo, quando o indivíduo valoriza algo enquanto criança e/ou adolescente e não pôde realizar tal desejo já que vai de encontro aos princípios religiosos aos quais estava submetido.  

Procuramos   investigar de forma geral quais as possíveis dificuldades encontradas na construção da autonomia no que se refere à tomada de decisão, que alunos de pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco, com formação protestante, vivenciaram em sua vida pessoal e social em relação à influência da religião. Buscamos também investigar se os alunos sofreram algum tipo de preconceito devido aos preceitos religiosos, e conhecer como foi à relação escola / religião dos alunos, suas possíveis divergências e seu impacto na construção da autonomia por meio da relação social na escola e saber se há diferenciação do gênero na religião de maneira que possa vir a repercutir na autonomia.

Um outro ponto que merece destaque e que pode ser percebido dentro dessas experiências é que o público mais atingido e prejudicado por tais fundamentos religiosos são as pessoas do sexo feminino para o qual os costumes impostos pela religião chegam a intervir e conduzir diversos aspectos de suas vidas.

A religião e a influência social

A história da religião é tão antiga quanto à existência do próprio homem, e na civilização da antiguidade há indícios de que o homem já adorava vários deuses, tendo cada grupo social sua forma de adoração, e como nos fala Max Weber (1998) às ações religiosas têm permanência na terra "para que vão muito bem, vivas muitos e muitos anos sobre a face da terra".

Tomamos como ponto importante a ser destacado a religião protestante e sua possível influência na vida do indivíduo ao ponto de poder interferir na construção da autonomia do sujeito, com relação ao seu modo de viver e agir diante da sociedade. No contexto da religião, o homem precisa agradar e fazer a vontade de um Deus ou de um ser tido como divino, mesmo que para isso ele tenha que abdicar das suas próprias vontades.

E para Weber (1998, p. 283). 

Toda modificação de um costume que realiza de algum modo sob o patrocínio de poderes supra-sensíveis pode afetar os interesses de espíritos e deuses. Assim a religião multiplica inseguranças e inibições naturais em todo agente inovador. O segredo é o especificamente invariável.

O homem procura resposta na Religião para os fenômenos naturais. Porque, para Baechler (1995), enquanto ser consciente, o homem é antes de tudo um animal curioso e interrogador. E para Maduro (1983), a religião tende sempre a funcionar em prol da manutenção do equilíbrio harmonioso interno de cada sociedade.

Para uma pessoa que vive neste equilíbrio harmonioso que, no caso, se destaca a religião descrever o que é ou não ser um evangélico pode se configurar em algo problemático. O indivíduo que faz parte de uma determinada religião e, depois de adulto, por motivos diversos, deixa de pertencer à mesma, poderá apontar os pontos positivos ou negativos da realidade vivenciada.

Segundo Freud (1927, p. 01) 

[...] Em geral, as pessoas experimentam seu presente de forma ingênua, por assim dizer, sem serem capazes de fazer uma estimativa sobre seu conteúdo; têm primeiro de se colocar a certa distância dele: isto é, o presente tem de se tornar o passado para que possa produzir pontos de observação a partir dos quais elas julguem o futuro.

Pode-se assim destacar que aquelas pessoas nascidas e criadas dentro da mesma religião por uma determinação da família não tiveram opção de escolhas para tomarem as suas próprias decisões, ou seja, não tiveram autonomia. Neste ponto evocamos Paulo Freire (1983) para o qual a autonomia é também libertação e conscientização do ser humano.

O processo de construção da autonomia

Para poder se dizer autônomo, o indivíduo necessita primeiramente, ter a consciência de que ele mesmo toma suas próprias decisões, ou seja, ele mesmo se governa, não aceita a imposição do outro, limitando sua forma de pensar e agir nem aceita a imposição de ninguém sob forma de opressão, pois a conquista da liberdade não surge repentinamente, mas ela é conquistada a cada dia. E como nos relata Freire (1993, p. 35).

Os oprimidos, que introjetam a "sombra" dos opressores e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida em que esta, implicando na expulsão desta sombra, exigiria deles que "preenchessem" o "vazio" deixado pela expulsão, com outro "conteúdo" – o de sua autonomia. O de sua responsabilidade, sem o que não seriam livres. A liberdade, que é uma conquista, não é uma doação, exige uma permanente busca... Ninguém tem liberdade para ser livre: luta por ela.

Podemos assim dizer que ninguém nasce completamente livre. O que há são limitações, ou seja, nascemos numa determinada religião, família, grupo social, localidade a que não decidimos pertencer; então, a busca pela autonomia, pela liberdade é um processo constante perpassado durante toda nossa vida.

E para isso evocamos Osho (1984, p. 16), que diz o seguinte:

[...] Uma determinada ideologia religiosa lhe é dada: é forçada a tornar-se um judeu, ou um cristão, ou um hindu ou um maometano. Não é de sua escolha... A pessoa será cristã, mas ela não será cristã por escolha própria. E o que significa ser cristã se essa não é sua escolha?

A religião e o impacto na vida escolar das pessoas

No contexto escolar, a religião atualmente não é disciplina dos currículos escolares, pois a escola é considerada laica exceto as chamadas confessionais em que a própria família escolhe, priorizando preservar os valores cristãos que julgam ser essenciais para a formação de seus filhos.

Dessa forma pode haver uma interferência sobre a vida dos indivíduos, dependendo das circunstâncias no convívio familiar e no que diz respeito à formação intelectual e social dos sujeitos, já que podem ocorrer limitações quanto aos valores pregados pela religião de certo e errado e o que a escola chama de riquezas culturais e que devem ser respeitadas. Nesse contexto escolar, muitos dos educandos podem deixar de participar dos movimentos ou diversidades culturais por causa dos princípios religiosos.

Em relatos de sua vida pessoal Damares (2006, p. 3) destaca:

[...] Em relação à minha crença meu traje, meu comportamento era diferente, não participava de festas juninas e demais danças, não acreditava em Papai-Noel, Saci-Pererê, etc. e acabava me afastando das outras crianças.

A autora afirma também que o modo de se vestir era um outro problema; e diz o seguinte:

Visto que minha mãe não tinha condições de comprar camiseta branca da Hering e saia jeans ou calça como a escola havia pedido, apenas improvisou uma saia azul de pregas e uma blusa de gola com botões que minha avó (costureira) havia reformado, e eu achava horrível. Meu sonho era ter o mesmo uniforme e carregar uma lancheira como as demais crianças.

Dessa forma, a religião pode determinar o modo de vida que as pessoas devem seguir e, com a idéia de pecado, levá-las a reprimir desejos, sentimentos inerentes ao ser humano, ao ponto do indivíduo não se ver como pessoa "livre" por suas escolhas, mas (todos os acontecimentos) como sendo fruto da vontade divina. Afinal, como dizem os ditados populares; "não cai uma folha de árvore se Deus não quiser".

Freud (1992, p.20.) fala sobre as conseqüências das restrições da religião e nos relata que:

"Se por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, num indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo juntamente com um repúdio da realidade, tal como não encontramos, em forma isolada, em parte alguma senão na amência, num estado de confusão alucinatória beatífica".

É possível perceber que parte dos problemas sociais muitas vezes é relacionada à vontade divina. No Brasil, por exemplo, quando morriam milhares de crianças por falta de assistência dos governantes, as classes populares associavam esse episódio à vontade divina, não havia questionamento sobre a miséria que tomava conta das áreas rurais.

Para o homem, é interessante que a religião venha a ter princípios de maneira  que não seja possível às pessoas questionar a respeito da realidade que está a sua volta, não perceber e ainda se percebendo, considerar como uma "determinação divina", certas concepções que levam a uma discriminação, a um sentimento de submissão e inferioridade em relação a um determinado grupo de indivíduos.

E Freire (2007, P. 61), no seu livro Pedagogia do oprimido, nos relata que;

Qualquer discriminação é imoral e lutar por ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber.

Como relevância significativa para o campo educacional, a abordagem desse tema pode vir a contribuir para professores e nós como futuros professores que possamos desenvolver em nossa prática educativa a questão da alteridade; ou seja, respeitar o nosso aluno independente da sua opção religiosa ou até mesmo quando a sua escolha não é sua, mais imposta pela família, pelos meios de comunicação, não permitir que nossos princípios religiosos interfiram direta ou indiretamente na construção da autonomia dos educandos, pois que tanto professores quanto alunos possam opinar, tomarem decisões e serem respeitados no convívio social pelo que julgam certo ou errado em suas crenças, podendo até mesmo reconhecer não fazer parte de nenhuma denominação.

Adiferenciação quanto ao gênero e a difícil construção do ser autônomo

Podemos citar como um ponto muito presente na religião e de uma representação e influência bastante considerável, a questão da diferenciação do gênero, no que se refere ao fato de ser homem ou mulher. Esse fator, desde muito tempo, tanto na história da humanidade, da sociedade e religião em especial, vem sendo utilizado como meio de separação de papéis entre homens e mulheres; ou seja, quais os direitos e deveres de cada um e muito mais do que isso, qual a representação que a mulher tem como sujeito dentro desses três aspectos.

Ivone Gebara, doutora em filosofia e autora do livro Rompendo o Silêncio, faz a seguinte colocação sobre a questão da diferença de Gênero (2000, P. 105), A meu ver, a diferença de Gênero é uma diferença entre uma multiplicidade de diferenças: diferenças entre homens e mulheres, entre homens e homens e entre mulheres e mulheres. E essas diferenças se cruzam com as diferenças de idade, de cultura, de religião e muitas outras.

O que dá para entender na colocação feita pela autora, é de que o conceito de gênero está relacionado a um aspecto muito mais social e cultural do que biológico; que tal diferença presente no gênero é construída pela relação do homem com o meio, do homem com o homem de modo geral, e não do sexo masculino com o sexo feminino.

E conforme nos fala Gebara (2000, p. 106),

GÊNERO significa uma construção social, um modo de ser do ser no mundo, um modo de ser educado/a e um modo de ser percebido/a que condiciona o ser e o agir de cada um.

A questão da inferioridade da mulher surge desde a descoberta do pecado como é tratado nas passagens bíblicas em que Eva seduziu Adão a comer o fruto proibido e isso direto ou indiretamente repercute até os dias atuais. Em um trecho da Bíblia a respeito da mulher, tem-se o seguinte:

As mulheres sejam submissas a seus próprios maridos, como ao senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como também cristo é o cabeça da igreja... Como, porém, a igreja está sujeita a cristo, assim também as mulheres sejam em tudo submissas aos seus maridos. Efésios 5:22; 23; 24.

No que se refere à questão de diferença de gênero, entre nascer homem ou mulher, a religião em sua história, é uma das estruturas que mais contribuiu para que essa condição biológica se repercutisse para as mulheres como um ponto negativo, inferior e de submissão dentro da sociedade e diante do próprio homem. Dessa forma a própria mulher era também educada a propagar essas concepções a seus descendentes, e consequentemente a sociedade ia construindo seus princípios e valores segundo esse modelo de educação, se assim o podemos chamar.

E Gebara chama atenção quanto à questão da autonomia, da tomada de consciência e diz:

Acontece que muitas vezes que opções importantes em busca de uma maior autonomia não são possíveis. Vive-se ou sobrevive-se como se pode. Falar de relativismo cultural introduzindo por análises feministas significa lembrar que em geral as análises da cultura obedecem a papéis já preestabelecidos. É justamente a tomada de consciência do caráter relativo e mutável desses papéis que constitui um dos pólos das diferentes ações do movimento feminista. (2000, pág. 120).

Dessa forma algumas perguntas norteiam esta pesquisa: Será que os princípios da religião protestante podem interferir na vida da pessoa, podendo vir a comprometer a construção da sua autonomia no que se refere à tomada de decisão? Como também a busca pela autonomia desenvolvida no ambiente escolar e outros aspectos como a socialização, podem vir a ser prejudicadas devido à interferência dos fundamentos religiosos vivenciados pela pessoa durante a vida escolar?

Fundamentos teóricos metodológicos da pesquisa e análise dos dados   

Esse artigo tem como natureza o cotidiano dos alunos estudantes de pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco de formação protestante que nasceram na religião e na atualidade não fazem parte da mesma, para aqueles que viveram um longo período na religião e depois de adultos se afastaram e para quem atualmente faz parte da religião.

A construção do conhecimento novo se apresentou através de uma abordagem predominantemente qualitativa, tomando como análise o estudo de caso a partir das inter-relações entre pesquisador e objeto, na perspectiva de análise interpretativa.

Para Chizzottio estudo de caso deve ser:

Uma caracterização abrangente para designar uma diversidade de pesquisas que coletam e registram dados de um caso particular ou de vários casos a fim de organizar um relatório ordenado e crítico de uma experiência, ou avaliá-la analiticamente, objetivando tomar decisões a seu respeito ou propor uma ação transformadora. (1998, pág. 102).

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram entrevistas semi-estruturadas, em que o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada, podendo ampliar as questões postas e questionários dirigidos. Os alunos são de períodos distintos possibilitando assim colher informações que serviram de base para produção desta pesquisa. Para uma melhor compreensão, além do registro escrito, optamos por gravar os novos dados.

Para os procedimentos de análise de dados foram criadas as categorias a partir dos próprios dados, ou seja, uma situação real para que os alunos de Pedagogia tomem uma decisão.

O campo de pesquisa foi a Universidade Federal de Pernambuco especificamente o Centro de Educação. A quantidade entrevistada e analisada foi de 09 alunos, entre eles 07 alunas e 02 alunos, dos quais duas alunas são do sétimo período e do turno da tarde, quatro estão no nono período incluindo o aluno e estudam a noite e os outros dois um aluno e uma aluna, são concluintes e estão pagando disciplinas.

Elaborou-se um questionário com 12 perguntas sendo que as quatro primeiras foram direcionadas à identificação de dados dos entrevistados tais como, nome, idade, turno e período que está cursando como já foi anteriormente especificado, as outras nove questões serviram para termos um direcionamento a respeito das inquietações geradas pela problemática, sendo que, para a última, foi criada uma situação problema conforme segue adiante:

1. Você nasceu em uma denominação evangélica? Em que denominação? Ex (Assembléia de Deus, Adventista, Batista).

2. Você atualmente faz parte da mesma denominação em que nasceu? Se não, qual a sua denominação atual?

3. Se você deixou a denominação. O que levou a fazer isso?

4. Os princípios religiosos da sua denominação interferiram na sua formação como pessoa, no que se refere à construção da sua autonomia (como tomada de decisão)? De que forma?

5. E na relação social, você já sofreu algum tipo de preconceito por fazer parte da sua denominação religiosa? Como?

6. Você sofreu algum tipo de discriminação em sua vida escolar por causa de seus princípios religiosos?

7. Seus princípios religiosos influenciaram na sua escolha profissional e por quê?

8. De acordo com a sua vivência dentro da religião protestante, você acha que ela faz diferenciação de gênero com relação ao papel do homem e da mulher dentro do aspecto religioso e social?

9. Dê sua opinião e tente dar uma solução para a seguinte situação:

Ana é uma mãe muito participativa na vida escolar da sua filha Beatriz. Sempre que a escola promove qualquer evento, festas e passeios ela faz questão, sempre que possível, de participar junto com sua filha. Para a festa de São João, foi realizada uma eleição na turma de Beatriz, para escolha da rainha do milho. Como sempre, Bia fez questão de participar, pensando no apoio de sua mãe.Para a alegria de Beatriz, ela ganhou a eleição, porém ao dizer para a sua mãe que tinha sido eleita à rainha do milho, Ana não mostrou felicidade, mas sim preocupação, pois apesar de incentivar a filha a participar dos eventos da escola, ela e sua família faziam parte de uma religião protestante que proíbe a participação dos seus membros nesse tipo de festividade. E agora, que atitude Ana deve tomar diante dessa situação de maneira que sua filha não fique triste e nem a sua família contrariada?

Aprimeira questão objetivou identificar as pessoas que nasceram em uma determinada denominação protestante; logo, para aqueles que não nasceram e aceitaram depois, não cabia esta pergunta. Asegunda questão buscou identificar a denominação de que os entrevistados continuam fazendo parte ou, por motivos diversos, deixaram de participar Só caberia a terceira questão para aqueles que deixaram de fazer parte da denominação, buscando compreender os motivos pelos quais deixaram a religião. A quarta questão teve por objetivo focar o tema central da pesquisa em que se fosse possível analisar se realmente os entrevistados sofreram de alguma forma influência ou interferência de seus princípios religiosos sobre sua tomada de decisão. Já a quinta questão buscou investigar se houve interferência da religião no convívio social para aqueles que faziam parte da denominação que escolheram seguir. No que remete a sexta questão, houve um direcionamento para o âmbito educacional, se a religião repercute na formação escolar do sujeito enquanto sua participação na vida escolar no que se refere, por exemplo, a sua participação nas festividades culturais e na sua socialização com os colegas de sala.

A sétima questão consistiu em saber se os princípios religiosos relacionados à denominação em que segue ou seguia influenciou de alguma forma na escolha profissional, podendo ser tanto de maneira positiva como negativa. Na oitava questão procuramos saber diante das respostas dos entrevistados se eles consideram que a denominação protestante a qual fazem ou faziam parte faz diferenciação de gênero quanto ao papel que cada um, homem e mulher, devem desempenhar enquanto ser social. Na nona questão, foi colocada para os entrevistados uma problemática em que foi pedido para que eles dessem uma solução ou opinassem em relação à situação proposta.

Dentre os entrevistados, duas alunas e dois alunos atualmente não pertencem mais a nenhuma denominação, duas alunas eram da Assembléia de Deus e mudaram para a Batista, uma aluna faz parte da Adventista e duas alunas, no presente momento, continuam fazendo parte da Assembléia de Deus. E para melhor compreensão segue a tabela de categorização das denominações.

Perfil dos entrevistados quanto à denominação

Denominação

Entrevistados

Assembléia de Deus

2 Mulheres (CC) e (N)

Adventista

1 Mulher (JU)

Batista

2 Mulheres (JO) e (V)

Não pertencem a mais nenhuma denominação

2 Homens (CL) e (R) e 2Mulheres (M) e (AC)

Nasceram na denominação

2 Mulheres (M) e (AC)

Com base nos dados descritos acima os alunos entrevistados serão identificados apenas pelas iniciais dos nomes, como forma, de preservar suas identidades. As entrevistas serão analisadas em função das questões propostas na entrevista.

Análise dos dados

No que se refere aos motivos que levaram adeixar a denominação, as entrevistadas (AC) e (M), que nasceram na Assembléia de Deus responderam que as incoerências, as imposições da denominação em relação às normas e costumes como, por exemplo, não poder usar determinadas vestimentas como calça comprida, nem usar ornamentos como brincos, colares maquilagem, fizeram com que deixasse a denominação e para (M) não era apenas uma imposição, o não cumprimento desses valores, pois para ela a igreja considera como algo que compromete a salvação e relata o seguinte:

"(...) Outro ponto era a imposição de valores, de normas e costumes que seria a questão de vestimenta, a questão de jóias, de maquilagem o fato de se relacionar com a pessoa de outra igreja que não pode, eu não admitia que a igreja impusesse em mim valores ou dissesse como deveria andar para poder ser salva".

Outro motivo colocado por (AC) e também por (R) foi com relação às leituras que faziam de livros e autoresos quais os ajudaram a adquirir novos conhecimentos, fazendo com que começassem a questionar concepções que até então consideravam como verdades. O entrevistado (CL) ressalta como motivo principal atitudes e procedimentos que ocorreram dentro da denominação que fazia parte e que atingiram sua pessoa de maneira direta acabando por deixá-lo muito chateado e fazendo com que se afastasse da igreja. Para (JU), (NA) e (CC), não coube essa questão por permanecerem nas denominações de origem, já (JO), e (V) relatam que um dos motivos principais, neste caso, que fizeram mudar de denominação foi devido ao relacionamento que tinham com pessoas de outra denominação, como namorado e marido, e a denominação em que estavam não permite a relação afetiva entre pessoas de denominações diferentes, mesmo que essas façam parte da religião protestante; ou seja, a igreja Assembléia de Deus não aceita que seus fiéis namorem ou casem com pessoas da Batista, por exemplo, então é preferível que não façam parte da igreja.

No que se refere à quarta questão e sendo essa principal norteadora da pesquisa,foi possível perceber pelas entrevistas que os princípios religiosos de cada entrevistado ou os valores que a religião prega como verdades, mesmo aqueles que não têm mais nenhuma denominação, nenhum vínculo religioso, como é o caso de (AC), (M), (R), tiveram, de alguma forma, com mais ou menos intensidade. E quanto ao conceito de autonomia em que ninguém nasce completamente livre luta por ela os entrevistados tiveram sua autonomia influenciada e em muitos dos casos prejudicada no que remete propriamente à tomada de decisão, ou seja, de ter o direito de fazer as suas próprias escolhas.

Quanto aos princípios religiosos, nessa questão, dos 09 alunos entrevistados, apenas (CL) respondeu que não sentia que os princípios religiosos interfeririam ou prejudicaram sua autonomia, embora ele tivesse colocado que dentro da igreja você não tem autonomia, mas como ele internalizava muito os ensinamentos passados pela igreja, então preferia nem tentar fazer o contrário daquilo que era ensinado. (AC) disse que tinha medo de fazer as suas próprias escolhas e coloca o seguinte: "Eu tinha medo de fazer as minhas próprias escolhas, nem tanto por conta das pessoas, mas porque me ensinaram que existe um ser que onde quer que você esteja em qualquer situação está de olho em você, e esse ser é Deus".(AC) também diz que chega o momento em que nem é preciso lhe dizer, nem exigirem nada, você já está condicionado a ter medo de escolher e errar.

(AC) e (R) abordam sobre o medo que tinham de desobedecer a um Deus opressor, que castiga, pois segundo eles, foi assim que os pais, a igreja os ensinou e diante disso (AC) diz que dessa forma você acaba fazendo o que lhe disseram para fazer. E tanto para (AC) quanto (R) eles coincidem na afirmação de que hoje eles têm outra concepção e visão a respeito de Deus e não mais aquela do ponto de vista da igreja.

A entrevistada (M) destacou a questão do relacionamento como ponto que sofreu mais interferência dos seus princípios religiosos, ou seja, tinha e ainda tem dificuldade para se relacionar de forma afetiva com outra pessoa, ela diz que quando a pessoa cresce na igreja é criada para namorar, noivar, e casar virgem com um rapaz honesto, trabalhador e crente. Também coloca que quando quer fazer ou faz alguma coisa que vai de encontra aos princípios da denominação de que fazia parte, fica com um peso na consciência, mesmo atualmente, não sendo membro da igreja, pois os valores ficaram impregnados na sua vida pessoal e relata o seguinte:

"Ainda hoje, tenho dificuldade em me relacionar com alguém de forma mais íntima, não consigo me entregar da maneira que gostaria na relação. Quando estou com meus amigos me divertindo e bebo algum tipo de bebida que a igreja não permite, fico desconfiada, mesmo não tendo mais vínculo com a igreja, como se estivesse fazendo algo de errado,".

O entrevistado (R) respondeu que a formação religiosa que teve, de certa forma influenciou sim algumas das suas escolhas, como exemplo, ele citou o fato de ter se interessado, durante a adolescência, por uma garota que fazia parte de uma religião que tinha os princípios religiosos totalmente diferentes dos da sua, que no caso é a protestante. Já entrevistada (JU), que permanece na religião protestante, disse que o ponto que mais sofre interferência é quando seus amigos querem sair para se divertir na sexta–feira à noite, e no caso, ela faz parte de uma denominação protestante que tem o sábado como um dia sagrado em que eles o utilizam para o seu descanso e para o trabalho exclusivo das atividades da igreja, e toda questão é porque para essa crença religiosa, o sábado começa a partir do pôr-do-sol da sexta-feira que é mais ou menos às 17:00 horas da tarde, e faz questão de deixar bem claro, que sua vontade é de sair com seus amigos e não porque tenha vontade de sair na sexta-feira.

A entrevistada (V), que ainda permanece na religião protestante, mas que recentemente está em outra denominação coloca que às vezes queria fazer alguma coisa que não considerava errada, mas não fazia para não escandalizar as pessoas que eram e que não eram evangélicas. A entrevistada (JO), que também mudou recentemente para outra denominação protestante diz que na denominação que estava anteriormente, você não tem autonomia de nada e que ela faz você se tornar uma pessoa mais tímida, retraída e faz o seguinte comentário: "Eu ia para o trabalho de saia, e quando chegava lá vestia a calça, e quando largava vestia a saia novamente, só de imaginar a possibilidade dos "irmãos" da minha igreja me ver de calça, isso me causava vergonha, constrangimento".

A entrevistada (CC) que é protestante, disse que interfere sim na sua autonomia, e relata algumas situações como, por exemplo, ela disse que sempre gostou de ir ao cinema mesmo antes de ser evangélica, mas evita ir com o seu namorado, pois recebeu muitas críticas por parte da família dele por levá-lo ao cinema, já que ele nasceu e se criou dentro da denominação protestante em que hoje faz parte, no caso, ela prefere ir com as amigas. Já a entrevistada (N), relatou que sentiu mais essa interferência no início da sua conversão ao protestantismo, pois como ela estava no período da adolescência, havia alguns costumes da sua denominação praticados por pessoas mais antigas da igreja em relação à questão da vaidade, como por exemplo, fazer as sobrancelhas, depilar as pernas, passar base nas unhas e que no começo tinha medo de fazer por achar que a religião não permitia só depois que foi amadurecendo e viu que as coisas não eram bem da forma que pensava.

Na quinta questão que trata do contexto social, na relação entre o indivíduo, a curiosidade e a busca do equilíbrio harmonioso dentro da sociedade pudemos constatar que os entrevistados sofreram ou não no seu convívio, discriminação ou críticas por fazer parte de uma religião, denominação que neste caso é a protestante, (AC) respondeu que sim, pois segundo ela isso ocorre porque você tem costumes que as pessoas não têm e diz que vivenciou isso quando saía com seus amigos, por exemplo, quando estava em algum lugar para se divertir e por não manter certas práticas comuns a quem não é da igreja, era motivo de "chacota" entre seus amigos, por isso muitas vezes evitava sair com eles e se fechava no seu mundo com seus próprios valores e princípios.

(CC) também respondeu que sim, e citou alguns exemplos como, críticas em relação ao seu vocabulário, ou seja, falar gírias ou uma palavra que se chamada por uma pessoa evangélica é considerada palavrão, mas que na verdade é outro ponto alvo de críticas e com relação à vestimenta, pelo fato de não poder usar determinados tipos de roupas e também se por acaso você precisar usar alguma vestimenta que não condiz com as normas da igreja, e o preconceito a própria denominação em que você faz parte. Já a entrevistada (M) disse que não sofreu nenhum tipo de crítica ou preconceito quando era evangélica, pois seu convívio social era mais de casa para igreja, e no bairro onde mora até hoje as pessoas sempre a conheceram como sendo crente.

A entrevistada (JU) respondeu que sofreu preconceito na universidade, pois como ela faz parte da Igreja Adventista do Sétimo Dia que é a denominação que guarda o sábado, e como já foi dito anteriormente que para os adventistas o sábado começa a partir do pôr-do-sol da sexta-feira e ela estuda no turno da noite, professores de disciplinas cursadas respectivamente no 1º, 2º e 5º períodos não a liberaram das aulas de sextas-feiras e ela considera e afirma que esses professores agiram de forma pessoal, ou seja, não era uma norma estipulada pela universidade. A entrevistada (N) colocou que sofreu um pouco de críticas na universidade, pois algumas pessoas pensam que os evangélicos não buscam conhecimento, que só vivem para a igreja, que são "alienados"; e críticas também por fazer parte da sua denominação que é a Assembléiade Deus, por ser considerada por pessoas ´que não são evangélicos uma igreja "rigorosa".

A entrevistada (V) respondeu que sim e ressaltou que foi bem no início da sua conversão ao evangelho, ela deu um exemplo de uma vizinha com a qual saía muito antes de ser evangélica e depois que se converteu essa sua vizinha fez uma crítica dizendo que não gostava de crente da Assembléia de Deus, que era a denominação de que ela fazia parte, pois hoje (V) se encontra na igreja Batista. Também deu um exemplo com relação ao trabalho, pois onde trabalha tem uma pessoa que tem certas implicâncias por ela ser crente, porque essa pessoa não gosta de evangélico. Já (Jo) respondeu que não, pois nos meios em que convivia sempre teve muitas pessoas evangélicas. O entrevistado (R) disse que em algumas situações preferia não revelar que era evangélico, ele diz que na época tinha medo de não ser aceito, de ser excluído dos grupos de amigos, por viver num universo bastante diferente e nesses grupos existiam certas discussões no qual eram discutidos certos valores como, por exemplo, a questão da sexualidade do homem. (CL) respondeu que por parte dos seus amigos não, mas tinha um senhor que era de outra religião que apesar de respeitá-lo como pessoa, gostava de "gozar" um pouco da sua denominação.

Na sexta questão que trata da interferência ou influência da religião no ambiente escolar, na construção da autonomia dos educandos como nos coloca Freire (2007), qualquer discriminação é imoral, então devemos lutar pela autonomia mesmo que reconheça a força dos condicionamentos. Apenas (AC), (CC), (M) e (R) responderam que sim. No caso de (AC) ela colocou que talvez na escola tenha sido ainda mais evidente essa questão da influência, pois ela tinha que rezar a AVE MARIA e por não querer, era chamada direto pela direção da escola; também não queria usar calças porque as pessoas da sua igreja diziam que era errado e também com relação às festas folclóricas onde ela se sentia deslocada, muitas vezes se sentido "dona da verdade" ou muito inferior. (CC) relatou que sofreu e sofre até hoje, críticas na universidade com relação à virgindade e preconceito por ir participar do baile de formatura. Ela também coloca que durante o ensino médio sofreu críticas com relação às suas vestes e à não participação nas festas comemorativas, e hoje, no ambiente de trabalho com relação à sua participação em certos eventos realizados lá e por não querer participar de determinados tipos de conversas. (M) respondeu que sofreu com relação às festividades folclóricas como, por exemplo, São João, em que ela não podia participar da festa, mas que no dia da festa ela tinha quer ir para a escola se não perdia ponto, e lá ela ficava em uma sala junto com outras crianças que também eram crentes fazendo outro tipo de atividade enquanto isso as outras crianças participavam da festividade. Ela também colocou que não participava da festa da Páscoa e se ganhasse um ovo de chocolate, só podia comer depois que passasse a data comemorativa. E (R) respondeu que não revelava na escola que era evangélico porque não gostava de ter a imagem de "coitadinho" porque era crente ele então citou um exemplo para justificar porque agia dessa forma relatando que quando estava conversando algum assunto sobre sexualidade os seus amigos diziam que ele não podia praticar porque era crente.

Na sétima que trata da questão da escolha profissional apenas (CC) e (CL) responderam que de certa forma sim, mas que contribui de maneira positiva. (CC) disse que desde pequena queria trabalhar na área de educação e tal influência foi por ela já trabalhar na igreja com crianças e também por ter interesse em trabalhar em alguma coisa que envolvesse projetos sociais. Já (CL) colocou que não foi exatamente seus princípios religiosos que influenciaram, mas sim o trabalho que ele realizava na igreja que era o de professor de escola dominical (é a escola realizada nas manhãs de domingo, onde são ministrados estudos e ensinamentos bíblicos), e isso contribui para que ele pudesse desenvolver a habilidade em falar em público, fazendo com que ele acabasse tomando gosto e surgisse o interesse em trabalhar na área de educação.

Quanto à oitava questão tanto os homens quanto as mulheres perceberam que há diferenciação no papel que é atribuído a cada um dos gêneros e como aponta Gebara (2000), o que há é uma cultura de papéis já preestabelecidos para ambos e nas entrevistas podemos constatar que tanto dentro da igreja como na vida social. A questão da sexualidade, da virgindade da mulher nos templos evangélicos é bem mencionada. Se um homem resolve perder sua virgindade este seu ato não vai repercutir e nem ter as conseqüências que teria se fosse à mulher que tivesse perdido a virgindade. No que se refere ao papel social algumas denominações protestantes tendem a passar a concepção de que a moça evangélica tem que se preocupar em fazer um bom casamento com um rapaz crente, honesto, trabalhador e que a mulher quando esposa deve ser submissa ao seu marido assim como está escrito no ensinamentos da Bíblia.

Na nona e última questão em que foi colocada para os entrevistados uma problemática para que eles dessem uma solução, ou se preferissem apenas sua opinião, as mulheres foram que tiveram mais dificuldades de encontrar uma solução para o problema proposto, os homens, que no caso foram dois, responderam de forma direta, sem muita dificuldade procurando expressar a sua opinião e não necessariamente dar uma solução, eles disseram de uma forma geral, usando a colocação feita por (R) que se a mãe tomar a decisão pela filha, de certa forma ela estaria prejudicando a questão da autonomia da criança e (CL) ainda foi mais crítico dizendo que não concorda que a mãe proibisse a filha de participar da festa e fez o seguinte comentário:

"(...) Jamais a mãe deveria fazer isso com a filha, no máximo, a mãe deveria explicar a posição dela para a filha, para que a própria filha decidisse, pois essa atitude é uma forma de tirar a liberdade de escolha da pessoa".

Tanto (AC) quanto (M) que não tem mais nenhum vínculo com a religião, tiveram dificuldade para dar uma solução ou uma opinião diante dessa situação, pois elas ainda trazem consigo valores e princípios que adquiririam quando seguiam a religião e dessa forma, atualmente ainda é difícil para elas aceitar a participação de atividades folclóricas, saíram da religião, mas os valores impostos por ela continuam em suas vidas. (AC) respondeu se colocando no lugar da personagem adulta (Mãe) e disse que tentaria convencer a filha a não participar da festa com argumentos que a fizessem perceber o quanto seria complicado ela participar da festividade. Já (M) se posicionou dizendo que depende do que a mãe acredita e ter segurança daquilo que pensa, mas se as convicções da igreja forem mais fortes, ela não vai deixar a sua filha participar da festa. (CC) que é evangélica, também respondeu essa questão se colocando no lugar da mãe e disse que inicialmente tentaria convencer a filha através do diálogo cristão a não participar, pois segundo ela, tal prática mesmo sendo voltada para crianças provocaria críticas à mãe da criança e também para que a menina não ficasse confusa com relação aos seus princípios religiosos. (JU) respondeu que se fosse Ana, a mãe da menina, procuraria explicar a ela as raízes da festa do São João relacionando com o que diz a Bíblia e depois deixaria ela decidir se queria ou não participar da festa. A entrevistada (V) que também é evangélica, disse que Ana deveria deixar a filha decidir se queria participar ou não da festa, e se ela fosse Ana, explicaria a menina o que achava e o que a palavra de Deus diz. Já (JO) que também é evangélica disse que sinceramente, achava que Ana não deveria deixar a filha participar da festa e (N) também evangélica, disse que o correto seria Ana conversar com a filha, e tentar a fazer entender que vai contra aos princípios religiosos que ela havia ensinado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do estudo realizado a partir da realidade desses nove estudantes de pedagogia da UFPE, e que tem ou tinha em sua formação cristã a influência de princípios religiosos advindos de denominações, que são segmentos que fazem parte da religião protestante, como aquelas que foram citadas no decorrer do trabalho como Assembléia de Deus, Batista, Adventista, foi possível concluir em nosso objetivo geral, que a religião, as denominações protestantes entrevistadas nesse trabalho influenciaram ou ainda influenciam na construção da autonomia dos entrevistados no que se refere à tomada de decisão, ou seja, ao direito que se deve ter de fazer as suas próprias escolhas.

Pudemos perceber através das falas dos entrevistados que tal influência não é homogênea, ela varia de pessoa para pessoa e até de denominação para denominação como no caso de duas dos entrevistados que nasceram e se criaram na Assembléia de Deus e sentiram de maneira mais impactante a influência de seus princípios religiosos não só no que se remete a construção da autonomia como também nas relações interpessoais, seja na sua vida pessoal, escolar ou no próprio convívio social, diferente daqueles que não nasceram numa denominação protestante e que hoje fazem parte por decisão própria. E apesar de terem colocado que seus princípios religiosos interferem ou já interferiram alguma vez seja na construção da autonomia ou em outros aspectos da sua vida, eles tem consciência das "limitações" ou daquilo que são consideradas como sendo limitações, que sua escolha religiosa coloca como doutrina a ser seguida, não as vendo, portanto, como obstáculos que os impeçam de viver a sua vida como acreditam que deve para se sentirem bem e realizados.

A realização desse estudo além de ter sido importante para a nossa formação acadêmica no que se refere à aquisição de conhecimento no âmbito da religião também foi relevante a nossa formação pessoal e profissional,como pessoa, nos possibilitou o conhecimento de realidades diferentes e até semelhantes a nossa ou a outras que já conhecíamos. Como profissionais, e profissionais em educação seja como educador ou não, esperamos que a leitura desse artigo possa vir a contribuir não só para nós, autoras, mas para todos os seus futuros leitores ligados ou não a educação, como uma fonte em que possamos utilizar como meio de reflexão sobre nossa prática, seja ela no campo profissional ou não, e para os educadores, onde também nos incluímos, esperamos que a reflexão a ser realizada possa servir para que as diferentes culturas, os diferentes valores e as diferentes crenças existentes no ambiente escolar não venham a ser motivo de discriminação e conflitos entre aqueles que formam a escola seja dentro ou fora da sala de aula, mas que possa ser desenvolvido o respeito a tudo aquilo que a nós é tido como sendo diferente. Esperamos que esse trabalho também venha possibilitar a realização de novos estudos no campo da religião dentro de outro universo de pessoas com outras realidades, numa perspectiva de proporcionar uma nova abordagem de conhecimentos sobre a influência que a religião exerce sobre as diferentes dimensões do ser humano.

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA

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