Camila Coelho
Flaviana Noronha

Sumário: Introdução; 1 O processo histórico- constitucional da conquista dos direitos ambientais como um direito fundamental; 2 A constitucionalização da defesa e proteção ambiental visando um desenvolvimento sustentável; 3 O projeto de desconstitucionalização do direito ambiental e seu fator degradante ao desenvolvimento sustentável; Conclusão; Referências.

RESUMO
Analisa-se primeiramente neste presente trabalho o processo histórico-constitucional proveniente das lutas travadas pela sociedade brasileira com o objetivo de reconhecer os direitos ambientais como um direito fundamental. Percebe-se ainda no decorrer do trabalho uma maior preocupação aos benefícios trazidos pela constitucionalização do direito ambiental, realizando sempre uma ligação ao princípio do desenvolvimento sustentável, com o intuito de demonstrar que tal positivação na carta magna fornece maior segurança normativa ao devido cumprimento deste princípio. Constata-se por fim uma alusão à forma de degradação deste princípio proveniente da possível aprovação da PEC 341/09, explicitando assim que sem a disposição constitucional o meio ambiente ficará mais vulnerável á degradações provenientes do avanço econômico, proporcionando, portanto um desenvolvimento ambiental caótico tanto para as gerações presentes quanto para as que ainda advirão.

PALAVRAS-CHAVE
Desconstitucionalização. Desenvolvimento sustentável. Meio ambiente

INTRODUÇÃO
É de grande notoriedade que desde os mais primórdios tempos tem-se ouvido falar em agressão ao meio ambiente. É contudo, a partir da Revolução Industrial que tal problemática começa a tomar contornos de realidade preocupante para toda a sociedade, ocorrendo assim o uso de tecnologias avançadas sem nenhuma preocupação com o meio ambiente. Destarte, percebe-se que por mais que o meio ambiente possua seu sistema normativo posto na constituição federal, ainda tem-se de forma bastante nítida o desrespeito quanto a estas normas, trazendo, pois, maiores prejuízos ao meio ambiente caso tais normas viesse a serem retiradas da lei maior do país e constituindo-se em legislações infraconstitucionais. Desta forma, ao falarmos da influência da PEC no princípio do desenvolvimento sustentável, tem como principal objetivo demonstrar que tal processo de desconstitucionalização acarretará maiores e constantes degradações ambientais, tendo em vista a perda de segurança normativa ocasionada por tal projeto, constituindo assim como o principal problema a análise da aplicabilidade e eficácia ambiental deste projeto de emenda, percebendo até que ponto esta proposta constitui-se no melhor e mais eficaz meio de "enxugar" a lei maior do país sem afetar o meio ambiente em que vivemos.

1 O PROCESSO HISTÓRICO-CONSTITUCIONAL DA CONQUISTA DOS DIREITOS AMBIENTAIS COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL
No processo de desenvolvimento dos Direitos Fundamentais pode-se observar uma evolução histórica que culminou no surgimento das gerações de direitos. Verifica-se assim que a atuação e reivindicação de profundas transformações da sociedade em cada momento da historia, resultou na conquista dos direitos que visam à proteção de todo o gênero humano, isto é, direitos de terceira geração que representam o direito a um meio ambiente sadio, bem de uso comum do povo.
Não obstante, para a compreensão do surgimento dos direitos difusos, faz-se necessária realizar um retrocesso na evolução dos direitos fundamentais. Desse modo, primeiramente deve-se relatar que foi com as revoluções liberais do século XVII e XVIII, como o Iluminismo e a Reforma Protestante resultante do Estado Absoluto que sufocava toda a sociedade em todos seus setores, que surgiu a primeira geração dos direitos fundamentais, representante dos direitos civis e políticos fundamentados na liberdade. Com o passar do tempo, no sec.XIX, desencadeou-se a chamada Revolução Industrial, na qual devido às condições deploráveis dos trabalhadores o Estado já não era capaz de garantir harmonia social, culminando nos direitos de segunda geração, que objetiva um Estado de bem-estar social, acompanhado de direitos econômicos, sociais e culturais. Por fim, foi no período da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento de um movimento mundial ligado a dignidade da pessoa humana em favor da internacionalização desses valores, que surgiu os direitos de terceira geração, isto é, direitos que visam à proteção do gênero humano , sendo o mais importante e essencial para a vida humana o direito ao meio ambiente.
Alcançado os direitos fundamentais que legitimam a proteção da humanidade através da defesa de um meio ambiente sadio a todos, é necessário descrever como essa questão ambiental passou a ser construída ao longo do tempo, caracterizando-se sua internacionalização e sua legitimidade constitucional, que lhe atribui segurança jurídica para defender e proteger o meio ambiente, como direito difuso de todos.
Percebe-se que o desenvolvimento em si é um direito consagrado pela Organização das Nações Unidas, a qual declarou expressamente na "Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas", no ano de 1986, que é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. Entretanto, naquele ano já estava formulada a idéia de proteção ao meio ambiente, o que implicava na construção de um conceito de desenvolvimento com sustentabilidade, ou seja, que fosse capaz de manter os recursos naturais ainda duradouros para as gerações futuras . Assim, Milaré explana que o desenvolvimento sustentável como meta a ser buscada e respeitada a partir de uma maior consciência de todos os países foi debatido e adotado por estes na Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, conhecida mundialmente com eco 92 ou Rio 92. Sendo assim, foi estabelecido pelo Princípio 4 da Conferência: "Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste." Na busca da sustentabilidade ambiental o Estado passou a aplicar seus instrumentos econômicos de intervenção garantindo assim, de forma eficaz, o desenvolvimento sustentável .
Portanto é passível de compreensão que o Direito Ambiental teve um contexto histórico de muitos movimentos e lutas sociais pela sua legitimação como um Direito Fundamental capaz de lhe atribuir segurança normativa e assim afirma Cristiane Derani que como Direito Fundamental, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é resultado de fatores sociais que permitiram e ate mesmo impuseram a sua cristalização sob forma jurídica, explicitando sua relevância para o desenvolvimento das relações sociais . Desse modo, devem-se argumentar os grandes benefícios que sua constitucionalização pode obter para o Estado e a sociedade a fim de evitar que qualquer projeto de desconstitucionalização possa acabar com todas essas conquistas essenciais para a existência humana e principalmente evitar que uma desconstitucionalização prejudique não só a geração presente como se estenda a atingir o desenvolvimento sustentável das futuras gerações.

2 A CONSTITUCIONALIZACAO DA DEFESA E PROTEÇÃO AMBIENTAL VISANDO UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Após uma apreciação histórico-constitucional das conquistas do direito ambiental e de sua configuração como um direito fundamental, uma análise da proteção constitucional do meio ambiente faz-se relevante mediante o ensejo de demonstrar os benefícios dessa constitucionalização, na medida em que esta representou um impacto político e moral na sociedade, bem como um impacto real na organização do relacionamento entre o ser humano e a natureza visando atingir sempre um desenvolvimento sustentável.
Primeiramente, verifica-se que com a inserção do Direito Ambiental na Constituição do país, Antônio Herman menciona que a tutela ambiental foi elevada ao nível não de um direito qualquer, mas de um direito fundamental. Assim posta, a proteção ambiental deixou definitivamente de ser um interesse menor ou acidental no ordenamento jurídico e passa a ter pé de igualdade com qualquer outro direito fundamental constitucional. Analisa-se ainda que a constitucionalização trás maior segurança normativa ao direito ambiental, pois os direitos e garantias individuais são vistos como cláusulas pétreas, acarretando ainda um rigoroso processo para a ocorrência de uma emenda constitucional às demais disposições constitucionais. Desta forma, dentre outros inúmeros benefícios, mencionamos por fim que com a constitucionalização, ocorreu o que Herman mencionou de substituição do paradigma da legalidade pelo paradigma da constitucionalidade ambiental, visto que os valores e normas ambientais são vistos como essenciais e resguardados pela lei maior do país .
Desta maneira, uma das principais características do nosso sistema constitucional, obtidas pelo direito ambiental ao ser admitida como matéria constitucional, é a da rigidez e a supremacia desta na medida em que, a rigidez decorre de uma maior dificuldade para sua modificação, o que não ocorre para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. A partir dessa rigidez, emana o princípio da supremacia constitucional, na qual é na Constituição que se acham as normas fundamentais de Estado, notando-se sua superioridade em relação às demais normas jurídicas. Assim sendo, essa rigidez e supremacia da Constituição repousam na técnica de sua reforma, ou seja, emenda, importando em estruturar um procedimento mais dificultoso para modificá-la, vindo este poder de reforma constitucional a possuir limitações tanto formais como matérias que devem ser obedecidos sob pena de serem submetidos ao Controle de Constitucionalidade pelo Judiciário.
Após a análise da importância normativa da Constituição Federal do país, tem-se a necessidade de realizar um apanhado geral acerca do desenvolvimento sustentável explicitando assim a proteção e defesa dos direitos ambientais que culminam nesta garantia deste desenvolvimento sadio do meio ambiente. Desta forma, verifica-se assim, que tal princípio consiste na manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o meio ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição . Desta forma, prima-se aqui por um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e um meio ambiente sadio á toda a população, daí a afirmação de Fiorillo quando menciona que tal principio não visa impedir o desenvolvimento econômico e sim minimizar as degradações ocasionada por este crescimento, relatando ainda que a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico devem coexistir de modo que aquela não acarrete a anulação deste .
Deste modo, Fiorillo menciona ainda que o legislador constituinte de 1988 verificou que devido ao crescimento econômico desenfreado, não poderíamos permitir um desenvolvimento alheio à preservação ambiental. Desta forma, a livre iniciativa que rege as atividades econômicas começou a possuir outro significado, sendo, portanto compreendida de forma mais restrita, buscando-se assim a coexistência do amplo crescimento econômico sem prejudicar o meio ambiente . Contudo, a partir deste elencado de benefícios adquiridos pela inserção do direito ambiental na ordem constitucional e da importância desta positivação ao principio do desenvolvimento sustentável, é repudiável a pretensão de desconstitucionalizar o direito ambiental, na medida em que este irá acarretar grandes malefícios ao amparo do direito ambiental devidamente equilibrado, afetando diretamente este princípio acima citado.

3 O PROJETO DE DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL E SEU FATOR DEGRADANTE AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Após a verificação da importância do direito ambiental encontrar-se resguardado na Lei Maior do país, faz-se necessário analisar um projeto de emenda constitucional (PEC 341/09), proposta em março de 2009, que possui como objetivo maior a retirada de algumas matérias elencadas na constituição federal, caracterizando assim sérias e concretas ameaças aos direitos fundamentais do povo brasileiro.
Tal proposta de emenda teve a autoria intelectual do Deputado Federal Régis Fernandes de Oliveira e já contou com parecer favorável do Deputado Federal Sérgio Barradas Carneiro. Verifica-se que tais deputados acima nominados declararam no jornal Folha de São Paulo que defendem que o texto constitucional deve ser enxugado, para retirar tudo o que impede o pleno e livre exercício da sociedade. Sustentando ainda que a matéria constitucional é apenas a regulação e a disciplina do poder, seu exercício e seus limites, que se consubstanciam na declaração de direitos e das garantias individuais, resultando às matérias restantes a regulação pela legislação.
Percebe-se que a PEC 341/09 propõe a criação de legislação complementar ou ordinária às matérias previstas a desconstitucionalização, a citar: política urbana, política agrícola, fundiária e reforma agrária, sistema financeiro nacional, ordem social, seguridade social, saúde, previdência social, assistência social, educação, cultura, desporto, ciência e tecnologia, comunicação social, família, criança, adolescentes, idosos, índios e principalmente o meio ambiente , o qual a teremos mais rigor. Contudo percebe-se claramente que tal proposta de emenda nada mais faz do que retroceder na nossa evolução jurídico-constitucional, na medida em que ignora todos os movimentos e lutas sociais voltados a conquista dos direitos fundamentais, principalmente ao meio ambiente como um direito difuso, isto é como um bem de uso comum do povo.
Posteriormente a análise acerca do projeto de desconstitucionalização, faz-se necessário mencionar que a limitação da economia pelo desenvolvimento sustentável é extremamente necessária visto que a economia não pode ser dissociada dos elementos naturais provenientes do meio ambiente, além de que tal controle realizado pelo Estado tem em vista limitar as atividades econômicas que ultrapassam os limites razoáveis de exploração ambiental. Assim, visto que a preocupação com o crescimento econômico envolve o desequilíbrio no meio ambiente mundial, devido ao avanço desenfreado da tecnologia, faz-se de enorme necessidade a explicação que uma possível aceitação deste projeto de desconstitucionalização acarretará a esse desenvolvimento harmônico entre meio ambiente e economia.
Percebe-se que o desenvolvimento desenfreado da economia traz sérios problemas ao meio ambiente, principalmente no que diz respeito às degradações dos recursos naturais, decorrentes tanto das instalações de empresas quanto da manutenção de suas atividades exploradora dos mesmos para a comercialização. A partir daí nota-se a extrema necessidade do princípio do desenvolvimento sustentável conservar-se inserido na Constituição Federal. Desta forma, ao realizar uma análise sobre o projeto de desconstitucionalização percebe-se que o meio ambiente sofrerá sérios riscos, pois as empresas estarão desvinculadas das amarras constitucionais, passando a se desenvolver de forma desregulada, proporcionando o surgimento e cumprimento de regras ditadas pelo próprio Mercado.
A partir desse projeto de desconstitucionalização o Estado não terá nenhum aparato constitucional que limite a atuação desenfreada das empresas, proporcionando às mesmas maiores facilidades na instalação e manutenção de suas atividades, pois no instante em que não existe disposição constitucional referente ao meio ambiente, ficará mais fácil a alteração de leis infraconstitucionais com o objetivo de garantir um pleno desenvolvimento econômico em face deste capitalismo segregador que o país vem participando.
Desta forma, feita esta análise, constata-se que o projeto de desconstitucionalização irá acarretar ao princípio do desenvolvimento sustentável uma discrepância entre a necessidade de proteção dos recursos naturais e o imprescindível desenvolvimento da ordem econômica, na medida em que o texto constitucional veio garantir que a atividade econômica desenvolva-se de forma planejada. Destarte, percebe-se a verdadeira necessidade da coexistência entre ambos, tendo como principal escopo assegurar uma existência digna e atendendo as necessidades do presente, assim como das gerações futuras, para que desta forma possam eles também desfrutar de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e de uma atividade econômica sustentável.

CONCLUSÃO:
Diante do conteúdo exposto, atingimos a conclusão que a preservação do meio ambiente além de ser dever de toda a sociedade é dever essencial do Estado e este deve, para alcançar tal finalidade, utilizar-se das formas de intervenção que possui, para que o meio ambiente não seja negligenciado em prol do desenvolvimento econômico. Desta forma, a partir dos argumentos mencionados, percebe-se de forma nítida que a aprovação da PEC 341/09 diminuirá este poder intervencionista estatal no que diz respeito à garantia de um meio ambiente favorável a todos. Contudo, concluímos assim que faz-se necessário que haja uma junção benéfica de ambos os setores, a economia e o meio ambiente, produzindo o desenvolvimento sustentável não só para a geração presente que está usufruindo destes benefícios como também para gerações futuras que também possuem o direito de um meio ambiente sadio elencado do artigo 225 e para alcançar tal objetivo tem-se a necessidade da disposição constitucional culminando em maior segurança normativa.


REFERENCIAS:
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