Em 1835, no Rio Grande do Sul, estourou[SFC1]  o que passou para a história como a mais longa, e uma das mais sangrentas, rebeliões ocorridas no Brasil no período da consolidação e construção de um Estado independente. O conflito durou aproximadamente 10 anos, até meados de 1845, sendo encerrado com o acordo de Poncho Verde, assinado pelos líderes da revolta, na figura de David Canabarro e Luiz Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, emissário do império brasileiro.

Paralelo à formação e consolidação do Estado nacional brasileiro, ocorreu na América espanhola, movimentos que culminaram com a independência dos vice-reinados espanhóis e o surgimento de diversos Estados, de caráter republicano e federalista, tendo como inspiração a independência da colônia inglesa ao norte, que deu origem aos Estados Unidos da América e aos os ideários liberais oriundos da Revolução Francesa.

No Brasil, após a abdicação de D. Pedro I, uma Junta Regencial se alternou no poder, pois o príncipe herdeiro, D. Pedro de Alcântara, futuro Pedro II, ainda não gozava da maioridade jurídica para que assumisse o trono. Para que essa lacuna governamental fosse preenchida, os regentes assumiram o papel de tutores do poder central na busca por consolidar, fortalecer e dar identidade ao recém-criado império brasileiro, ou ainda, o único império em uma recém América do Sul predominantemente republicana.

            Com o advento da Regência e a consequente vacância do poder central fortalecido, ficou evidente os interesses de grupos políticos opostos. É, a partir desses fatos que se buscou compreender as influências, na guerra civil dos farrapos, oriundas da interiorização da metrópole.

Ao elaborar a apresentação sobre a guerra civil dos farrapos, nos deparamos com características que não envolvem apenas o Rio Grande do Sul, sobretudo, costumes e identidade, contudo, em termos de localização, se diferenciou das demais províncias brasileiras. Com relação a costumes e identidade, vale salientar que tais elementos eram presentes, e diferentes, na colônia. A influência da colonização, seja por portugueses, aventureiros ou desterrados, ou ainda os aqui instalados e permanecidos após 1808, ou ainda, das tentativas de invasão, tais como as ocorridas no Nordeste, por holandeses, criou um ambiente de costumes e identidade diversificados, o que, no processo de independência, e consolidação acabou por gerar conflitos de toda ordem de interesses.

Ainda com relação a localização, o Rio Grande do Sul estava em um local estratégico e vulnerável. Estratégico por fazer divisão territorial com algumas colônias Ibero-americanas, e vulnerável por sua proximidade com os ideais libertários que haviam tomado as elites Criolla das antigas colônias de Espanha.

Uma vez emancipado politicamente de Portugal, em 1822, o novo Estado passa por uma crise, como bem apontou Maria Odila em seu texto A interiorização da metrópole. Nele, Odila versa sobre temas que ajudam a entender, tanto as causas e consequências, da independência quanto das diversas rebeliões ao longo dessa formação. Tais revoltas tem fundamento nos aspectos que a autora aponta, seja a ideia de continuidade, a falta de identidade ou ainda, ausência de unidade nacional.

Os políticos da época eram bem conscientes da insegurança das tensões internas, sociais, raciais, da fragmentação, dos regionalismos, da falta de unidade que não dera margem ao aparecimento de uma consciência nacional que desse força a um movimento revolucionário capaz de reconstruir a sociedade. (DIAS, 2005: 169)

No contexto geral, Odila aponta para os fenômenos que aconteceram a época da independência, tais como o amadurecimento do capitalismo industrial na Inglaterra, que subjugaram os novos Estados Sul-americanos[SFC2] , não mais o pacto colonial, contudo, ao capital inglês, esse serviu de fomento para os levantes de independência ou a luta de interesses entre mercantilistas e liberais. É justamente no ideal dessas independências Sul-americanas que para as elites do Rio Grande do Sul serviram para fundamentar seus motivos que deflagrou o conflito. Apesar de proclamarem uma república, quando tomaram o poder, seus principais líderes, entre eles Bento Gonçalves, eram monarquistas descontentes com os rumos decretados pelos regentes.

Um fator de desagradou, e consequentemente geraram inúmeras revoltas, ficaram por conta do Ato Adicional [SFC3] de 1834 e do Ato que interpretava o ato, que entre outras prerrogativas estabelecia a regência única, eletiva e temporária, desarticulando o conselho de estado, instituindo as assembleias legislativas provinciais com autonomia administrativa, sendo os presidentes escolhidos pelo regente, o que desagradou parte das elites locais. No Rio Grande do Sul, o fato da escolha de um presidente que não atendeu aos interesses dos estancieiros, aliado a entrada das mesmas mercadorias negociadas por estes vindos do Prata a menores preços e uma praga que dizimou parte dos rebanhos, serviram de estopim para a eclosão do conflito.

Entretanto, percebe-se que Dias  discorre, entre outros apontamentos que, caso o centralismo, intervenção militar para abafar as inúmeras revoltas e equilíbrio com os poderes locais e entre correntes políticas antagônicas não tivessem surtido efeito, o que conhecemos hoje por Brasil, seria um conjunto de diversos Estados independentes, visto que entre 1817 e 1848, quer seja por motivações políticas, ideológicas, separatistas ou ainda pelo “recrudescimento da presença portuguesa” o esfacelamento seria inevitável, dadas  as aspirações das elites locais, assim como aconteceu na América espanhola.

A partir do instante que se tem na figura central do imperador Pedro II a consolidação desse Estado independente em 1840, o movimento perde força, o imperador acena com a possibilidade de encerrar o conflito e buscar a unidade nacional em torno de um projeto político que significasse a confiança e reconhecimento internacional, tanto que, de 1840 a 1845, ano que se encerrariam oficialmente os conflitos, morrem mais combatentes por doenças e outras pestilências que por enfrentamentos.

Diferente dos burgueses europeus ou dos Criollos das colônias, agora emancipadas, espanholas, as elites agrárias brasileiras presavam pela manutenção dos pilares da colônia, agronegócio tipo exportação para os grandes produtores, mercado interno abundante para desaguar as produções dos estancieiros gaúchos e mão de obra escrava; nesse cenário ficou claro que a polarização dos interesses das classes dominantes seriam mantidos, pois ao fim e ao cabo, eles seriam a base de sustentação do segundo reinado.

O fato de a Família Real Portuguesa ter se instalado no Brasil em 1808 ajudou, até certo ponto, a manter a unidade, metrópole/colônia, o que significou um novo, com costumes antigos, império nos trópicos, e para tonar isso possível, uma interação entre portugueses e nativos teria sido provocado pelo enraizamento do estado Português na colônia. Contudo, com a Revolução do Porto e a inevitável volta da Família Real ao solo lusitano, sendo submetido seu monarca a jurar a constituição, abriu caminho para a independência da colônia, ou seja, a Revolução promovida pelos portugueses, praticamente decretou a emancipação do único império tropical.

Apesar da falta de unidade e identidade, a formação nacional girava em torno da figura do imperador Pedro I, dessa forma, quando abdicou em favor de seu filho, os conflitos de interesses, principalmente por conta de questões como centralismo e federalismo, vieram à tona; o fato de recrutar em diversas províncias para combater os Farrapos no Rio Grande do Sul gerava descontentamento, que logo se transformou em rebeliões.

Para que os conflitos internos fossem, além de superados e neutralizados, a ideia de um governo forte e central, mas que atendesse aos interesses locais precisava da construção de uma identidade, de unidade. Os gaúchos celebraram sua “vitória” contra as forças opressoras no que chamam de Revolução Farroupilha. Sua identidade foi forjada, seja na ficção como no romance o tempo e o vento de Érico Verissimo, nos Centros de Tradições Gaúchas espalhados pelo Brasil ou na mitificação de figuras como Bento Gonçalves ou David Canabarro. No âmbito nacional, a construção de uma identidade brasileira ficou a cargo de intelectuais, que para manter a unidade e criar identidade, definiu como nacionalismo a conquista da independência, traduzida como anticolonialismo, uma consciência elitista e unitária e ainda, a sobreposição dos interesses nacionais em detrimentos dos locais.

Para que esses interesses fossem saciados, as elites, antes agrárias e milicianas, passaram também, a figurar nas esferas políticas. No caso da Guerra Civil Farroupilha e seu tratado de Poncho Verde, os rebelados, além de serem perdoados, foram incorporados pelas forças militares oficiais, as dívidas de guerra assumidas pelo império, indenizações pelas perdas ocorridas durante a revolta (SILVA, 2010), ou seja, uma conciliação em nome da unidade e em torno de um projeto político para o do fortalecimento da figura de D. Pedro II.

Contudo, o processo de interiorização da metrópole, a transferência de Lisboa para o Rio de Janeiro, bem como toda a estrutura burocrática, estrutural e os vícios que a Corte possuía, proporcionaram progressos de infraestrutura na colônia como um todo, principalmente na capital, Rio de Janeiro, ao longo do processo de independência, criação de uma identidade e unidade utilizando parte dos vícios da Corte Portuguesa, bem como, a introdução de novos vícios para a manutenção da ordem e desagregação de forças contrarias a formação de um Estado Nacional forte e que respondesse aos anseios, principalmente das classes dominantes. (DIAS, 2005)

 

 

Bibliografia

DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005.

 

SILVA, Juremir Machado da. História regional da infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniqüidades brasileiras (ou como se produzem os imaginários). 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010