Neste trabalho pretendemos investigar o modo como a infância é tratada na poética de Manuel Bandeira. Com este propósito fizemos uma análise em varias de suas obras analisando traços de infantilidade nestas e o motivo que levou tal poeta a preferir esta temática adotando-a em várias de suas poesias. PALAVRAS-CHAVE: Infância. Poesia. Manuel Bandeira.

INTRODUÇÃO

A infância sempre foi algo relevantemente abordado por diversos autores da nossa literatura, em virtude disso selecionamos esta temática para fazer uma análise com o intuito de identificar como esta temática se apresenta nas obras de um dos mais conhecidos poetas da literatura brasileira: Manuel Bandeira. Falaremos de traços peculiares que caracterizam este autor e do Modernismo, tendência que circundou o contexto contemporâneo do mesmo.

O Modernismo foi um movimento que ocorreu no Brasil em fevereiro de 1922 e representou a busca da construção de uma literatura nacional que até então era feira com base em modelos europeus e, portanto, não levava em conta as características nacionais. Eis que surgiram então primeiros autores interessados nesta construção e ousaram fazer algo inovador na literatura, retratando nossa gente com seus costumes, seu linguajar coloquial e não podendo esquecer é claro, da criança brasileira, aí entra a valorização de nossa folclore com as cantigas populares, as brincadeiras de rua, as estórias que eram contadas pelos avós, entre outros costumes que faziam parte do ambiente onde nossas crianças cresciam.

Diante deste contexto entra em cena o grande Manuel Bandeira que segundo nossas pesquisas teria muitos motivos para ser amargurado, porém era sensivelmente tocado pelas lembranças de sua infância porque esta o fazia relembraros momentos mais felizes de sua vida, o que será abordado em suas composições poéticas.

A temática A infância na poética bandeira foi escolhida em virtude do pouco acervo que se tem sobre este assunto e se torna relevante porque faz um resgate de nossas raízes, uma vez que a infância começou a ser incorporada em nossa literatura com o surgimento do Modernismo, o qual teve grande significado no processo de construção da identidade brasileira no campo da literatura e certamente se refletiu também na forma de pensar do povo brasileiro daquela época, pois antes deste movimento o que tínhamos era uma literatura europeizada sem traços nacionais.

Este trabalho foi resultado de uma pesquisa que se objetivava a investigar de que forma a temática infância é abordada nas poesias de Manuel Bandeira e para tanto fizemos um levantamento bibliográfico levando em conta a visão de variados autores.

Trata-se de uma pesquisa essencialmente teórica uma vez que para alcançarmos nosso objetivo fizemos uso de representativas obras do referido autor.

O período compreendido entre 1902 a 1922 é considerado por muitos críticos como a fase que antecede ao Modernismo. Durante este período o Brasil vivia uma época de constante tensão. Em virtude disso alguns autores refletiam o inconformismo diante de aspectos políticos e sociais incorporando seus próprios conceitos que abriram caminho para o surgimento do movimento modernista.

O Modernismo foi um movimento literário que teve sua inauguração oficial em 1922 com a Semana de Arte Moderna, a qual representou uma grande oportunidade para promover a arte, não somente no campo da literatura, mas também na música, na pintura, escultura e dança.

A Semana de Arte Moderna foi muito influenciada pelas vanguardas européias, cuja denominação vem do francês avante-garde, termo militar que designa aqueles que durante uma campanha colocam-se à frente de uma unidade. Passou a definir artistas intelectuais, que não satisfeitos com o que produziam, buscaram novas formas de expressão artística, tanto na linguagem como na composição. Um forte antecedente da Semana de Arte Moderna foi o Futurismo, o qual

se define como uma corrente inovadora, bela e forte, atual e audaciosa, desfraldando uma bandeira que drapeja ao sopro de um ideal libertário em arte, tocado levemente desse despeito pelo passado que a princípio repelia. Tudo o que é rebelião, o que é independência, o que é sinceridade, tudo o que guerreia a hipocrisia literária, os falsos ídolos, o obscurantismo, tudo o que é belo e novo, forte e audacioso, cabe na boa e larga concepção do futurismo. (CÂNDIDO;CASTELO,1985,P.468)

Entretanto, o que os jovens autores de São Paulo queriam era construir um futurismo autônomo, diferente do europeu; algo que valorizasse a cultura brasileira. Ao ser adaptado para o Brasil, o Futurismo perdeu a sua significação inicial estabelecida pelos princípios da escola de Marinetti. Surge então o Futurismo paulista que passa a ter como características principais liberdade e originalidade. Portanto, romper com as estruturas do passado era uma das características principais do Modernismo.

Falando em Modernismo um dos nomes de maior destaque foi Manuel Bandeira e assim como os demais modernistas, queria retratar o novo, porém não o novo que vinha de fora, e sim algo diferente das escolas anteriores. Prova disso é que em suas obras procura ser crítico fazendo uma quebra com as características do lirismo antigo.

A temática infância passou a ser usada com maior freqüência a partir do surgimento do Modernismo uma vez que os poetas desse período queriam produzir uma literatura que valorizasse aspectos tipicamente brasileiros como o povo, sua linguagem coloquial e suas tradições. Isso contribuiu para que a infância brasileira também se incorporasse às temáticas mais usadas pelos autores em seus poemas e entre eles está Manuel Bandeira.

Segundo Cavalcanti (2000, p.2)

A infância está presente na obra de bandeira (em pelo menos) de duas formas distintas; na primeira refere-se às lembranças da infância como um tempo bom e sem problemas como se a infância fosse uma espécie de paraíso perdido; na segunda, a infância é representada pela valorização da criança pobre valorizada pelo menino carvoeiro ou simplesmente na criança pertencente à classe pobre, entre outros possíveis desmembramentos.

Carregava consigo o pensamento de que iria morrer cedo por ser tuberculoso, por isso suas poesias são pautadas por temáticas como morte, desânimo e tristeza. Assim podemos observar em Pneumotórax, presente na obra Libertinagem, a qual teve grande relevância porque somente a partir de sua publicação, Manuel Bandeira se integrou ao Modernismo.

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos

A vida inteira que poderia ter sido e não foi.

Há, com o já dissemos, traços de brasilidade nas poesias de Bandeira e no poema Lenda Brasileira ele faz um resgate de nosso folclore destacando a figura do índio, bem como o nosso linguajar:

A moita buliu. Bentinho Jararaca levou a arma à cara: o que saiu do mato foi um Veado Branco! Bentinho ficou pregado no chão. Quis no puxar o gatilho e não pôde.

__Deus me perdoe!

Mas o Cussaruim veio vindo, veio vindo, parou junto do caçador e começou a comer devagarinho o cano da espingarda.

Ao descobrir que sofria de pneumonia, a desilusão pela vida tomou conta de Manuel Bandeira que em virtude dela teve que sair do Brasil por algum tempo e passou a peregrinar preocupado com seu problema, fato que contribui para seus primeiros contatos com a poesia.

Portanto, compreendendo a história de vida deste poeta podemos concluir que a infância não foi uma temática usada em suas composições aleatoriamente, poderíamos dizer sem exagero, que significou algo sagrado, pois foi o único período de sua vida que lhe proporcionou total felicidade, momentos bons intocados por preocupações, era através da infância que o poeta voltava ao passado e recordava todos os elementos positivos que fizeram parte dela: família, canções, brincadeiras entre outros. Podemos perceber tais elementos, por exemplo, no poema Profundamente:

Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Estrondos de bombas luzes de Bengala

Vozes cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei

Não ouvi mais vozes nem risos

Onde estavam os que aos poucos

Dançavam

Cantavam

E riam

Ao pé das fogueiras acesas?
(...)

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

__Estão todos dormindo

Estão todos deitados

Dormindo profundamente.

Podemos notar o uso de metáforas na primeira estrofe onde o poeta fala de alegrias, festas, fogueiras acesas, enfim, símbolos da infância; já na segunda estrofe ele afirma que não sente mais esta alegria, tudo é silencioso e as pessoas que o acompanhavam já não existem mais, simbolizando a fase adulta. Notamos ausência de preocupação com pontuação, não há regras, por isso quanto ao estilo seus versos caracterizam-se como versos livres. Os versos dançavam, cantavam e riam aparecem um abaixo do outro dando uma idéia de sequencia na ordem dos acontecimentos. O poeta ainda se refere às figuras de sua família como o avô e a avó, o que nos faz perceber a importância que estas pessoas tiveram na sua infância.

No poema supracitado identificamos claramente a primeira forma apresentada pelo crítico citado, pois os versos mostram a infância como algo divertido onde tudo é diversão. Ao invés de apresentar a criança como um ser inferior que valoriza bobagens, Bandeira faz questão de valorizá-la destacando suas brincadeiras, suas percepções e criatividade. Vejamos como isso acontece no poema Evocação do Recife:

A rua da união onde eu brincava de chicote- queimado e partia das vidraças da casa de Dona Aninha Viegas

Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê

[na ponta do nariz

Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadei

[ras, mexericos, namoros, risadas.

A gente brincava no meio da rua

Os meninos gritavam:

Coelho sai!

Não sai!

A distancia as vozes macias das meninas politoneavam:

Roseira dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa

Terá morrido em botão...)

Este poema apresenta a rotina das crianças nos centro urbanos brasileiros, suas brincadeiras de rua e caracteriza o ambiente onde elas costumam crescer: Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras, mexericos, namoros, risadas.

As cantigas folclóricas compõem uma característica tipicamente ligada às crianças e Manuel Bandeira retrata bem isso no poema Na rua do sabão:

Cai, cai balão

Cai, cai balão

Na rua do Sabão!

O que custou arranjar aquele balãozinho de papel?

Quem fez foi o filho da lavadeira.

Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito.

Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs os gomos oblon

[gos...

(...)

Este poema pertence ao livro O ritmo dissoluto, obra considerada muito importante por representar um avanço no estilo poético de Manuel Bandeira devido a linguagem coloquial e o uso do verso livre. Oinício deste poema dá-se pela conhecidíssima cantiga popular que induz o leitor a cantá-la assemelhando-se a uma criança.

Com base nas considerações expostas neste trabalho pudemos verificar que entre os vários motivos que induzem o poeta em estudo ao escrever sobre infância está a família. A infância é uma forma de relembrar o passado feliz que teve com sua família no Recife; a infância seria, portanto, o estágio final de suas lembranças.

A conclusão à qual chegamos foi que na poética bandeiriana a infância é usada pelo poeta como uma forma de mergulhar no seu passado relembrando os bons tempos de infância bem como as brincadeiras de rua, momentos com os avós e as cantigas do folclore brasileiro, o que representa também um forte traço de brasilidade, algo comum aos poetas do Modernismo. Outro motivo que também o induz a falar sobre esta temática é o desengano com a tuberculose, doença da qual sofria e que o levou a buscar novos ares fora do Brasil passando a ter os primeiros contatos com a poesia. Começou então a sofrer em função das fatalidades de sua vida e relembrava o quanto sua infância havia sido um tempo bom, totalmente diferente de sua fase adulta.

BIBLIOGRAFIA

[Realização] Academia Cearense de Letras; Modernismo: 80 anos. Org. Regina Pamplona Fiúza. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2002.

BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

CAVALVANTI. Luciano Marcos Dias. Dois poetas modernistas e o motivo da infância: Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Disponível em: revista [email protected]

Acesso em: 01 de set. de 2009

CÂNDIDO, Antônio & CASTELO, J. Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira III- O Modernismo. São Paulo: DIFEL, 1985.